Categoria: Cinema

  • Crítica | Os Dez Mandamentos: O Filme

    Crítica | Os Dez Mandamentos: O Filme

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    Dada a importância narrativa da libertação do povo hebreu e seu apelo entre os fiéis, muitas obras retrataram Moisés em diversas épocas. O recente Êxodo: Deuses e Reis de Ridley Scott mostrou ao público uma versão mais realista da história, com um Moisés trocando o cajado característico de sua jornada por uma espada de ouro. Em 1956, Cecil B. DeMille, com seu Os Dez Mandamentos, narrou a história do profeta com tamanha beleza, produção e efeitos especiais impressionantes para a época que se tornou o clássico definitivo do relato bíblico. Outras produções menos pomposas logo surgiram, como a versão ítalo-britânica de Gianfranco de Bosio, A Terra Prometida – A Verdadeira História de Moisés. Com trilha de Ennio MorriconeBurt Lancaster no papel do emissário de Deus, a obra foi lançada como minissérie em seis episódios para a televisão e depois editada em versão de cinema com duração reduzida pela metade. Assim como a fita de Bosio, Os Dez Mandamentos – O Filme não foi inicialmente pensado para a grande tela, e talvez por isso tenha tantos problemas. Primeiro fruto de uma nova produtora dedicada a projetos para o cinema, a Record Filmes, a película sofre da inexperiência da empresa e também de seu diretor, Alexandre Avancini, que já trabalhou em outras novelas, mas iniciante na sétima arte. Como marco da primeira produção, não condiz com a expectativa de um bom filme.

    A obra é orientada pela estrutura narrativa tradicional da história de Moisés, encontrado em um cesto à beira do rio Nilo pela filha do faraó e educado na corte como príncipe. Mesmo que siga uma sequência cronológica mostrando a vida do profeta, um recurso didático para situar o público em sua trajetória, sobram cortes bruscos em eventos antes da descoberta da origem do protagonista. A interferência da montagem é tamanha que afetou o encadeamento das cenas, perdendo a percepção lógica dos acontecimentos. Sem planejamento, transformou-se em um recorte de sequências que só estão ali para demonstrar o poderio cinematográfico de apelo visual dispendioso investido pela emissora, como as cenas em câmera lenta, utilizadas em exagero no início do filme, e os efeitos especiais em cenas chave, como a das 10 pragas e da icônica abertura do Mar Vermelho.

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    Interpretado por Guilherme Winter, Moisés descobre ser escolhido por Deus para libertar os israelitas da tirania do domínio egípcio. Winter não transmite credibilidade e parece estar o tempo todo discursando para um público distraído. Suas falas são pomposas e passam longe da humildade característica do profeta. À medida que o filme se desenvolve, porém, sua atuação melhora, demonstrando que o ator ainda não havia encarnado no personagem de fato. Uma falha que, se não perceptível em uma novela de 176 capítulos, é ampliada no filme de duas horas.

    A maioria dos personagens apresentados é burlesca, exagerada na dramaticidade própria da linguagem da telenovela. Sérgio Marone, o Ramsés, o irmão egípcio do líder hebreu e agora rei, não encontra um tom de atuação: ora condescendente com a figura fraterna, ora perdido com a responsabilidade de governar. Embora o ator tenha nuances, ele não as usa de modo coerente com o personagem. Por outro lado, a atuação de Paulo Gorgulho, que interpreta Amrão, pai de Moisés, sobressai-se perante os demais mostrando-se mais porta-voz da fé que integra o povo hebreu que o próprio filho, liderando os iguais a acreditar na libertação e no retorno a Canaã. Representado por uma voz grave e soturna do além, o conceito de Deus no filme de 1956 de DeMille é mantido, o que comprova que, embora a novela tenha um projeto próprio de adaptar uma história clássica, ainda remete ao que o público já conhece. Ambas reverenciam a entidade sábia e revoltosa do Velho Testamento, escrito em uma época na qual creditavam os infortúnios à divindade dominada pela fúria e justiça divina.

    Os Dez Mandamentos – O Filme, cujo final de semana de estreia já somou mais de dois milhões de ingressos vendidos, não soube transportar uma mídia a outra e parece agradar ao público religioso pela carga popular que a novela sustenta. Levado pelo sucesso do folhetim, que se tornou referência nacional como a primeira telenovela baseada em uma história bíblica, o filme no entanto carece de qualidade cinematográfica e técnica, provando que não basta investir milhões em efeitos especiais quando o básico – montagem, continuidade, ou simplesmente edição – torna-se mero figurante no processo de fazer cinema.

    Texto de autoria de Karina Audi.

  • Crítica | Roger Waters: The Wall

    Crítica | Roger Waters: The Wall

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    O álbum The Wall lançado pelo Pink Floyd dava continuidade à tendência de álbuns conceituais da banda de rock progressivo e se tornou um dos pilares da banda, ainda hoje considerado um dos 100 melhores discos de todos os tempos tanto pela lista da Billboard quanto a da Rolling Stones. A ideia da obra surgiu na turnê In The Flash, quando Rogers Waters, sentindo uma desconexão com seu público, criou o conceito da parede que o separa de seus ouvintes, gerando, assim, este álbum dedicado a um traumático e metafórico trajeto de isolamento.

    Desde seu lançamento em 1979, o álbum se transformou em uma turnê de sucesso, um disco ao vivo, uma animação idealizada por Alan Parker e um futuro musical da Broadway. Em 2010, Roger Waters, o mentor por trás do álbum, desenvolveu um novo show utilizando os recursos tecnológicos vigentes para produzir um espetáculo que desse vazão ao conceito de sua ópera rock e ampliasse seu significado em narrativas visuais que interagiam com as músicas. A turnê The Wall foi apresentada mundialmente nos três anos seguintes, com direito a quatro apresentações no Brasil em 2012.

    Filmado em três shows produzidos especialmente para esta versão, além de um show com a participação do público, Roger Waters – The Wall é um espetáculo cuja magnitude é justificada por esta nova grande produção. Em 1990, Waters já havia feito uma gravação deste show em Berlim e, ao refilmá-lo anos depois, dialoga com a evolução da tecnologia a favor de sua história em um show definitivo.

    O conceito teatral por detrás da obra se apresenta desde o início, antes da abertura do show. Uma parede cenográfica construída nas laterais no palco é o cenário que introduz o público a trajetória de Pink, o alter-ego de Waters no álbum conceitual. A metáfora narrativa sobre a evolução de um ser humano passando por fases de dor e perda inicialmente, a do pai morto no fronte de guerra, e delineando outras opressões como o protecionismo materno e o conflito das relações amorosas.

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    A abertura do show, bem como início do álbum, é uma quebra de expectativa que rompe a barreira de um show tradicional. Um ditador entra em cena acompanhado de seu exército, informando que a diversão será diferente daquela imaginava pelo público. Não contente com a natural teatralidade do álbum, há a inclusão de uma pequena narrativa diluída durante o show sobre a perda de seu pai na guerra. A batalha é vista pelo viés social, da destruição causada nas famílias que perderam seu patriarca e o quanto isto causou marcas em uma geração. É este o marco zero de Pink que atravessa sua história. Nesta narrativa filmada exclusivamente para esta edição, Waters ruma a uma jornada pelo país até o local em que seu pai foi morto para prestar homenagens. Mesmo nesta composição simples, a viagem se adensa pela história do álbum se integrando a sua metáfora.

    A parede é esta representação de insatisfações. Conforme cresce e é construída durante o espetáculo, se universaliza a partir da dor da personagem. O trauma é interno, simbólico, invisível mas ainda pulsa forte e adquire uma tônica crítica contra o imperialismo americano e da cultura de massa. O cenário é como personagem sempre mutável, graças às diversas projeções que estão expostas. Assim, a jornada de autoconhecimento de Pink é compartilhada com o público, a princípio, na destruição de todos os conceitos conhecidos para, após um surto que o divide entre juiz e acusado, destruir o isolamento da parede e voltar a se reintegrar.

    Walters revoluciona ao compor um show em que o público perde o contato com a banda. Um convite à reflexão do motivo pelo qual há a parede em cena. Infelizmente, a edição lançada no país pela Paramount Pictures segue a tendência dos lançamentos de shows do país em que não há legendas em português nas canções, somente nas intervenções do cantor. Um erro de concepção da empresa ao ser incapaz de observar que, além de um show, a narrativa de The Wall possui uma história contada por suas letras. Dessa maneira, mesmo quem conhece o álbum de longa data, terá que rememorar as letras para conectá-las ao espetáculo. Um erro que poderia ser suprimido se se compreendesse que mais que um show, trata-se de um álbum-show conceitual.

    Rogers Waters – The Wall foi lançado em DVD e Blu-Ray no país, sendo o último lançado em edição especial com luva, cards e um pôster. A edição apresenta poucos extras sobre bastidores e dois documentários expandindo a história inédita filmada especialmente para esta versão. Infelizmente, ainda falta um documentário que apresente toda a espantosa tecnologia por trás da produção, em que Waters eleva um incrível álbum a um conceito artístico múltiplo que transforma esta apresentação em uma das versões definitivas de The Wall.

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  • Crítica | Horas de Desespero

    Crítica | Horas de Desespero

    Horas de Desespero - poster

    O cinema de ação da década de 80 fundamentou um estilo narrativo com grandes personagens e atores de destaque em histórias simples e lineares, baseadas no tradicional mocinho versus bandido para desenvolver o argumento, repetido em muitas outras tramas, com diversas cenas de ação ainda lembradas pela sua competência e certa extravagância. Atores baseados em um porte físico fundamentaram tais produções e, mesmo que as modificações temporais tenham acrescido novos atores e perfis para o gênero, o retorno ao estilo dessa época é inevitável e rentável, dada a nostalgia.

    Horas de Desespero marca o resgate deste estilo logo nas primeiras cenas de ação intensa, finalizadas com o  título do filme ampliando-se na cena, assemelhando-se a muitos outros feitos nesta era de ouro da ação. Em um primeiro momento, parece improvável que Owen Wilson, ator de comédias e sempre verborrágico em seus papéis, seja personagem principal em uma história de ação. Dirigido por John Erick Dowdle, a produção apresenta uma família que, após uma proposta de trabalho oferecida ao patriarca, muda-se para um país asiático fictício no mesmo dia em que o local sofre um golpe de estado.

    Na filmografia breve do diretor, o terror predomina como narrativa e, assim, o medo é utilizado como aliado para desenvolver a tensão nesta produção. Inserido em um país sem nome, o qual nem mesmo sabe a língua, o desconhecido é parte do desespero da família – composta por marido, esposa e duas filhas, um círculo de elementos frágeis que o obrigam a se tornar um obrigatório herói. Alguns críticos fizeram a leitura desta obra como uma ode à supremacia americana, rindo de países de terceiro mundo, com uma família tentando fugir deles. Porém, o roteiro assinado pelo diretor em parceria com Drew Dowdle usa este artificio de família em país estranho somente como ponto de tensão. A maneira plana a qual mocinhos e bandidos são apresentados, acrescidos pela urgência e medo da família, configura o enredo em uma trama de terror. Muda-se o contexto, mas a estrutura é a mesma. O medo ainda é um objeto específico, porém, em vez de um personagem inexistente, zumbis, vampiros e qualquer outros, utiliza um golpe de estado para tal.

    A crítica não parece o escopo desta história. A ação é pautada do começo ao fim e Dowdle utiliza recursos do gênero para intensificar suas cenas, dando vazão a câmeras lentas e eficientes, provando que o recurso usado em demasia nos últimos anos ainda pode ser visualmente coerente, além de cenas que acompanham um personagem em fuga com a família, colocando o público em primeiro plano para saltos, quedas e outras ações de fuga. São estas cenas bem trabalhadas que refletem ansiedade e tensão no público.

    Nesta composição hibrida entre a urgência e o medo do terror e a eficiência de uma trama de ação, Horas de Desespero entrega uma história que homenageia parte do estilo nostálgico da ação da década de 80 com um herói improvável em cena, porém, eficiente na proposta de um filme de entretenimento autêntico.

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  • Crítica | O Regresso

    Crítica | O Regresso

    O Regresso - poster

    Há, na tarefa desgraçada de todo crítico, os momentos de não saber o que apontar diante de um filme que, por melhor que seja a dialética prescrita, sempre estará acima de meras palavras. Grandes obras produzem o silêncio crítico do vocabulário fiel, e de repente o escrever resulta em traição, como se o pensar também não, enquanto tentamos arrumar nosso juízo em relação a obras, digamos: transcendentais. Por onde começar? Lembro de sair do cinema após A Árvore da Vida sem saber o que o filme de Malick me fez sentir – uma explosão de sensações livres de censura ou licença, criando toda uma brisa que não cabia nem na sala de exibição, quanto mais em mim! E se todo filme nos fizesse tremer ou chorar, já pensou o quão difícil seria ao crítico criticar o incriticável? Palavras são pequeninas, às vezes mera bijuterias, réplicas de uma joia sem peso em paralelo ao quilate original; quiçá, o seu valor. Crítica é trampolim, mera catapulta a algo maior: A gema que ousa examinar, julgar e até moldar, feito ourives com uma pepita entre os dedos. Mas O Regresso não é ouro, tampouco biju: É diamante em estado bruto, com forma e peso de Cinema da mais alta qualidade. Lapidá-lo é o que nos resta a seguir.

    Antes, uma listinha cheia de ambição: quem seriam os melhores cineastas em atividade? Vejamos… Kiarostami, de Cópia FielWim Wenders, de O Sal da Terra; o velho Herzog, de Fitzcarraldo; (e talvez o melhor nome da lista), Scorsese, de Taxi Driver; o mestre da animação Miyazaki, de Chihiro e Totoro; e, a partir de 2015, um novo integrante ao hall das lendas: Alejandro Iñarrítu. Um ninja, em caráter inegável na manipulação quase que espontânea das emoções mais profundas de quem se deixa levar, sem pudor ou camisinha, nas experiências e conjeturas que o mexicano propõe. Em O Regresso, o diretor parte do princípio de narrar um conto para estudar os fundamentos da história ocidental, seu povo e seus costumes, numa trama que nega seus heróis e vilões. A história americana se estrutura em sangue e munição, então é isso que teremos: John Wayne está morto, e com ele cada vez mais Hollywood sepulta a hipocrisia histórica que a Wikipédia denuncia, numa rápida busca na web. Se a América ainda é massacre, é a trajetória de quem sobrevive a eles que interessa o diretor de Birdman Ou (A Inesperada Virtude da Ignorância. Encontra em Leonardo DiCaprio e Tom Hardy seus algozes, e os expõe a uma realidade aumentada pela lupa de seu Cinema passivamente agressivo de sempre.

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    Há muito nos filhos de Iñarrítu. Em Biutiful, não se pode calcular o desespero de Javier Bardem, e em Babel nota-se não haver oceano grande o bastante para afogar a culpa daquela gente, diante dos desafios da vida. Seus personagens são ricos e incorporam o mundo, ao redor. É assim que são compostos cenários onde tudo pode acontecer, e de fato não acontece, mas irrompe e explode muito antes, ou depois de DiCaprio fazer por merecer ter a sua atuação, aqui, posta entre os cânones de quem brilha nas telas do século XXI. Dos pés à cabeça, o Jack de Titanic cresceu. Estamos vivos para vê-lo entrar, com mérito, ao tal do hall das lendas vivas e tendo neste status o seu custoso Oscar, finalmente, na pele de um caçador de peles que prova de seu próprio sangue nas garras de um urso bestial, a dizer o mínimo. É no animal que convém resumir, no seu comportamento primitivo (a fúria dos índios sobre a ousadia dos brancos), toda a filmografia de Iñarrítu, cada vez mais um mestre. Um manipulador com orgulho, no topo da cadeia que habita – e com a soberania de quem domina o campo de batalhas.

    Um campo escrachado de humanidade e desumanidades, digno de nossa especulação e a mais sincera admiração. Toda a simbologia de largos planos-sequências, melhores que na jornada teatral de 2014, e os conflitos familiares comuns nos filmes do diretor encontram espaço, com Iñarrítu novamente fiel a si mesmo, culminando afinal nas impressões digitais autênticas de um diretor sempre muito bem-sucedido em proposta, e realização. Não à toa, como nada vem fácil, o filme encontrou inúmeras dificuldades na produção, com um orçamento de 135 milhões de dólares quando o original era de 60, e locações complicadas onde as condições climáticas nunca sopravam a favor da filmagem. Pra completar, o filme é acessível a maiores de 17 anos, devido ao mergulho furioso num realismo provocante, sugado por uma fotografia sobrenatural, estilo Malick e Cuarón. Impossível não admirar um visual que também nos engole (sem dó), e sobretudo o que dele se manifesta, nas mais variadas formas e vibrações complexamente oriundas.

    Um legítimo faroeste, calcado em contemporaneidade pelos símbolos e signos que tornam a experiência que é, captado por uma câmera suja e nervosa em prol de uma insaciável vontade de fazer a arte do Cinema, de verdade, e no melhor sentido da palavra. Na verdade, é a narrativa visual que deflagra a percepção, e assombra, num caminho sem volta na nossa relação com a história. Não é um filme que se vê todo dia, aprecia ou se estuda normalmente: Sabemos assistir a algo especial desde os primeiros planos, os primeiros enxertos que avisam: sobreviver à sessão de O Regresso nunca será um veículo fácil de lidar. A mixagem de som e a exímia continuidade dão o tom da releitura de Dead Man, com ecos de Leone e Tarkovsky, claras inspirações de uma obra que, já avisando, não conhece a piedade de quem a assiste. Um tipo de Cinema imersivo, imbatível, e que, lapidado pelo tempo, terá em seu brilho a resistência do que nos torna cúmplices do primor estampado em movimento por seus quadros, sons e testemunho.

     

  • Crítica | Hitman: Assassino 47

    Crítica | Hitman: Assassino 47

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    Baseado na lucrativa franquia de video-games, Hitman – Assassino 47 resgata temas clichês como clonagem, máquinas humanas de matar e, claro, muita violência, na primeira tentativa de adaptar para o cinema o papel do Agente 47, executado por Timothy Olyphant, que se dedica de modo muito esmerado ao papel do matador de aluguel geneticamente modificado, que faz lembrar o modus operandi de um James Bond genérico com doses cavalares de violência.

    A direção de Xavier Gens garante boas cenas de ação, emulando os melhores momentos dos filmes oitentistas de brucutus, sofisticando claramente sua estética para algo que funcione melhor para as novas plateias. No entanto, a bela urdição dá lugar a momentos de execução irreais e genéricos, especialmente quando 47 pisa em solo estrangeiro. As ações do assassino junto a máfia fazem com que fique no encalço de Mike Whitier, vivido por Dougray Scott, o vilão de Missão Impossível 2, ligado aos altos patamares de criminalidade na Europa.

    O diretor não consegue conduzir seu filme sem lançar mão de maneirismos enfadonhos, com cortes secos que fazem lembrar os enquadramentos de video game, mas que ficam risíveis em uma tela grande de cinema. Como deleite para o público masculino, há a apresentação da personagem Nika Boronina, da estreante em filmes norte americanos Olga Kurylenko, antes até de ser uma bond girl. Sua personagem é uma mulher forçada a se prostituir, possuindo em si a premissa mais séria e adulta do roteiro simplista de Skip Woods.

    A discussão relacionada à identidade, fomentada pelo embate dos agentes “gêmeos”, que deveria ter um cunho de contestação falha, por se tornar apenas mais um momento de adrenalina genérico sequer empolga o espectador como deveria. As batalhas pelas quais o assassino passa fazem dele insensível, mesmo a nudez sedutora de Kurylenko, o que faz perguntar quais são os limites de concentração do protagonista, focado somente no que deve fazer, alheio às situações mundanas e corriqueiras.

    A tentativa de humanizar o anti-herói soa esdrúxula e ridícula. A repercussão dos pensamentos culposos que sofre não causa qualquer pesar no espectador que assiste às desventuras do matador, graças ao fraco argumento que não gasta tempo algum construindo uma atmosfera de reflexão, não despertando curiosidade, em quem assiste, sobre a origem do homem misterioso, dando nenhuma importância para o que ele julga ser importante, piorando demais ao retratar o cuidado que o personagem-título tem com sua pretensa amada. Hitman: Assassino 47 não diverte, tampouco faz seu público pensar, pelo contrário, só faz repetir porcamente poucas coisas positivas do game.

    Compre: Hitman: Assassino 47

  • Crítica | O Exterminador do Futuro: A Salvação

    Crítica | O Exterminador do Futuro: A Salvação

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    Trazendo Christian Bale para a franquia antes pensada por James Cameron, McG tinha a princípio todos os fatores que denotariam uma boa alternativa ao reinício da saga Terminator, exceto, é claro, pelas muitas interferências do estúdio, agora pela Warner – a quarta produtora de quatro filmes. O Exterminador do Futuro: A Salvação começa em 2003, com um recordatório de Marcus Wright ( Sam Warthington), que assina um termo antes de sua sentença de morte, cujo documento está ligado a Cyberdine, embrião do que seria a Skynet.

    A trama viaja ao futuro, em 2018, anos antes da vitória dos homens sobre os temidos exterminadores. A primeira cena de ação envolvendo John Connor (Bale) é bastante intensa e graficamente interessante, com o pretenso salvador se exibindo de um modo bastante viril, como se esperava do herói que seria a última esperança da Terra, como foi dito pelo Kyle Reese de Biehn em O Exterminador do Futuro. Connor pisa sobre a cabeça da carcaça mecânica de poder, simbolizando a ordem hierárquica estabelecida entre ele e seus inimigos, talvez no momento de mais inteligência no script de Michael Ferris e John D. Brancato.

    O entorno da resistência é bem exemplificado através de personagens universais, que se não têm muito tempo para se aprofundar no caráter destes, ao menos possuem carisma e simpatia, como funciona com General Ashdown (Michael Ironside), Kate Connor (Bryce Dallas Howard) e claro, com a nova faceta de Kyle Reese (Anton Yelchin). A úncia personagem que destoa dos demais até perto de uma hora de exibição é a nova encarnação de Wright, que se assemelha demais a uma figura misteriosa e messiânica, que furta o tempo dela que poderia ser de Connor e Reese.

    O declínio do filme ocorre da metade para o final, curiosamente no ponto em que toda franquia inicia também sua derrocada, uma vez que foi em A Rebelião das Máquinas que se iniciou a parte fraca e incongruente de toda a saga. Os furos de argumento iniciam-se pela premissa de um autômato tão avançado ter precedido a máquina de matar, que seria o T800 de Arnold Schwarzenegger.

    A referência visual que McG faz dos membros da resistência em comparação com os humanos sobreviventes de Matrix é um easter egg inteligente, especialmente por retribuir a influência que os Watchowski retiraram de Terminator, mas, ao final, tudo se assemelha demais a uma masturbação visual semelhante ao que ocorre no restante das boas sequências de ação do filme, que em suma reprisam os erros de tantos outros produtos, com roupagens interessantes e conteúdo nulo, assim como foi com os dois As Panteras e com o que seria a quadrilogia Transformers.

    É curioso que o plot de mútua cooperação entre Connor e um exterminador tenha sido revisitado em Exterminador do Futuro Gênesis, e de maneira igualmente tosca, que resulta também na retirada de protagonista do Messias futurista. Mesmo que rivalize muito em nível de absurdos, O Exterminador do Futuro: A Salvação consegue ser bem mais repleto de conceitos furados, como o que ocorre com o protagonista de Avatar, que tem seu seu poder atrelado a Skynet e no entanto se rebela sem maiores consequências para si, ao contrário, ele é reformado e decide mais uma vez mudar de lado enquanto a inteligência artificial assiste a tudo passivamente.

    Mais do que mero simbolismo, a cena da cirurgia cardíaca, cujo plot e ideia são completamente desnecessários, visa tentar justificar a presença de Wright entre os principais personagens, no entanto a tentativa falha por só exibir um fracassado modo de redenção do roteiro. A insegurança passada durante a produção, que contou até com Bale fazendo um tremendo escândalo, condiz demais com gigantesca confusão que resulta em O Exterminador do Futuro: A Salvação, que até tenta ser salvo, tolamente pelas mãos atabalhoadas de McG, claro, sem sequer arranhar a expectativa de redenção da franquia.

    Compre: Exterminador do Futuro: A Salvação

  • Crítica | Westworld: Onde Ninguém Tem Alma

    Crítica | Westworld: Onde Ninguém Tem Alma

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    Começando de modo bastante apelativo, emulando uma propaganda setentista de um parque temático, Westworld – Onde Ninguém Tem Alma tem em suas primeiras cenas uma explicação de como funciona a Delos, um lugar onde crianças, adultos e velhos pagam para ter a experiência do cinema em suas vidas tridimensionais, combatendo autômatos programados para perder para eles. Todo o preâmbulo é na verdade uma desculpa para referenciar o complexo de Frankenstein, apontado por Asimov como um aspecto mui negativo, por demonizar as máquinas, desviando normalmente o homem de suas próprias responsabilidades, pondo a culpa sobre elementos externos. Não é o caso do filme de Michael Crichton, ao menos não em sua premissa.

    O conceito de blockbuster ainda maturava no cinema hollywoodiano, de modo que a estética do filme representava essencialmente sua época, especialmente nos penteados do personagem de James Brolin, John Blane, e seu amigo Peter Martin (Richard Benjamin), dois homens que dividiam o mesmo quarto, dentro do resort de faroeste do complexo Delos. A imaginação visual dos anos 1880 é bastante fiel ao analisado nos westerns filmados ao modo de cinema de John Ford, incluindo até armas carregadas nos pacotes turísticos, de custo relacionado a mil dólares.

    A trama passa a ficar interessante ao apresentar as máquinas humanoides, que vão desde profissionais do sexo até assaltantes e pistoleiros, tendo no Gunsliger de Yul Brynner seu avatar mais amedrontador. A forma mecânica com que o famoso ator se retrata faz jus tanto ao seu papel em Sete Homens e Um Destino, pela figura de homem valoroso posterior à fase áurea do cinema de gênero faroeste, bem como remete a uma qualidade ímpar de retratar um ser frio e sem sentimentos, lembrando vagamente o seu papel de Ramsés de Os Dez Mandamentos. É em sua rotina que pousam as maiores discussões do roteiro de Crichton, que rediscute através das tomadas noturnas e nos laboratórios de manutenção, a mesma ação intempestiva e intervencionista do homem, que decide dar vida aos seus próprios desejos e anseios.

    O colapso inicia-se de modo bem lento, com pequenas ações hostis do maquinário, que põem a saúde dos hóspedes, isso já com metade do tempo decorrido. A revolta dos explorados acontece da maneira mais violenta possível, com uma curiosa complacência dos cientistas que somente observam passivos a loucura nos atos dos robôs, que atentam contra a vida alheia de modo hostil, viril e assassino.

    O avatar de Gunsliger representa a máquina assassina implacável, de fúria animalesca, semelhante ao perigo do tiranossauro Rex do filme Jurassic Park, que é baseado no livro do Crichton, assim como também reproduz o comportamento monstruoso do T800 de Schwarzenegger em O Exterminador do Futuro, inclusive utilizando a mesma aura de medo e a deformação via fogo como ponto fraco. A invulnerabilidade da criatura torna-o um algoz quase imortal, contemplando ao homem comum o conceito de presa fácil.

    A solução final é de cunho bastante sensacionalista, típica da abordagem de filmes B, ainda que o selo da Metro Goldwyn Mayer ateste a aposta de estúdio no filme, que entrega uma história interessante, datada, mas que ainda dialoga com os temas apreciados pela plateia aficionada pelo gênero sci-fi e pelo tema robótico, já que o protagonismo da fita é quase todo dedicado aos revoltados autômatos que se viram contra o seus criadores,  amadurecendo a questão em um nível além até dos filmes de sua época.

  • Crítica | Trumbo: A Lista Negra

    Crítica | Trumbo: A Lista Negra

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    Em meio a tantas cinebiografias chapa-branca, normalmente premiáveis pela Academia em especial nesta época do ano próximo às festividades do Oscar, uma se destaca pela discussão de um período turbulento e paranoico da história americana. Trumbo: Lista Negra começa mostrando a ação de seu personagem-título, o roteirista Dalton Trumbo, encarnado pelo ator recentemente alçado ao patamar de estrela Bryan Cranston, em uma performance que beira a perfeição, graças aos trejeitos resgatados do operário do cinema.

    A persona de Trumbo varia entre o homem preocupado com as condições de trabalho do proletariado, ligado a sindicatos dos trabalhadores, e claro um astro dentro do papel de argumentista de filmes. Jay Roach utiliza sua experiência com comédias variadas entre o tom escrachado de Os Candidatos e o humor ácido de Virada no Jogo para estabelecer um cenário cínico e paranoico, resumido já nos primeiros sete minutos de filme, ao exibir uma cena em que o espectador comum revida o estereótipo que lhe é atribuído, como comunista e inimigo do estilo de vida americano. O repúdio, que começa a partir do receptor furioso, aos poucos se alastra por praticamente todos os membros da indústria, incluindo aí intérpretes de atores famosos como John Wayne.

    O roteiro de John McManara compreende momentos encenados e de gravações de depoimentos da época, que ajudam a assinalar o mesmo clima de perseguição injusta ocorrido na época do macarthismo. Nos depoimentos de Trumbo, há o cuidado de registrar as cenas metade em partes coloridas, metade em preto e branco.

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    A evolução do quadro se dá na primeira metade com uma introdução à situação de encarceramento de Trumbo ainda há um modo cínico, com o personagem observando a exibição do filme-propaganda Os Boinas Verdes, distante demais da realidade daquela época. Ligado a este momento há demonstrações emocionais do quão cruel era a época, com a delação entre amigos, o que faz o elenco de apoio sobressair-se, especialmente Michael Stuhlbarg, que faz o ator Edward G. Robinson; Diane Lane que interpreta a esposa do protagonista Cleo; Louis C.K. (cada vez melhor em papéis não cômicos) como Arlen Hird e Ellen Fanning, que executa Nikola, a filha mais velha do casal.

    O didatismo do texto permite demonstrar o infortúnio do escritor mesmo após sua libertação do cárcere, sem perspectivas de trabalho, tendo que se submeter a trabalhos hercúleos sem o crédito e merecimento que lhes eram devidos, como no Oscar que Ian Mclellan Hunter (Alan Tudyk) recebeu por A Princesa e o Plebeu, cujas linhas foram escritas pelo roteirista perseguido.

    Os bastidores da relação de Trumbo com pessoas ilustres do cinema são mostrados em detalhes interessantes, desde Otto Preminger a Kirk Douglas. Talvez o maior pecado de Trumbo: A Lista Negra seja não conseguir expressar todas as polêmicas e dificuldades de carreira que o biografado sofreu, passando rapidamente por grande parte delas, além de aludir a questões cotidianas desimportantes que visavam obviamente humanizar o personagem-título e agradar aos ditames de Hollywood, curiosamente tentando alcançar a simpatia dos mesmos olhos e corações raivosos que destilavam sobre Dalton um desprezo imenso.

  • Crítica | Caçadores de Emoção: Além do Limite

    Crítica | Caçadores de Emoção: Além do Limite

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    Os últimos anos têm sido marcados por refilmagens de sucessos do passado, tendo em sua maioria tentativas fracassadas de reaver hits, não conseguindo sequer atingir o objetivo de aproximar o clássico original de uma versão mais nova. Caçadores de Emoção – Além do Limite é um exemplo disso, de como mudanças na premissa podem soar falsas e frívolas. A versão de John Utah é vivida por Luke Bracey (de G.I. Joe: Retaliação e November Man), bastante diferente de Keanu Reeves no original Caçadores de Emoção, como um atleta radical arrependido de suas peripécias, aposentado graças à morte de um antigo amigo em uma das manobras suicidas que praticava ao gravar vídeos para o Youtube.

    A direção fica a cargo de Ericson Core, conhecido por assinar a fotografia de alguns recentes sucessos do filão de ação, entre eles O Troco e Velozes e Furiosos, que curiosamente possui todo o esqueleto narrativo do filme de Kathryn Bigelow. O papel de Core enquanto cineasta é apresentar belas paisagens em planos abertos e muito bem pensados. Há pelos menos três cenas de absoluta adrenalina mas que perdem força diante do terrível texto de Kurt Wimmer.

    Apesar da bela compleição de Édgar Ramirez, sua versão de Bodhi consegue ser apagada e pouco plausível. A opção por tornar o anti-herói em um terrorista da aventura soa pueril demais, igualando essa motivação ao caráter bobo do outro protagonista. Falta carisma, química e substância, não só a dupla como a todo o grupo de esportistas radicais.

    A desculpa de espiritualidade por trás dos crimes cometidos soa ofensivo em todas as manifestações, e o entorno de Bodhi é formado por um papel mais genérico do que o outro. Assistir ao grupo de aventureiros sem camisa ao menos gera no espectador a divertida competição de encontrar a tatuagem mais feia nos corpos de cada um dos surfistas, já que nada na mistura espiritual entre Capitão Planeta e Robin Hood funciona como trama pseudo-adulta.

    O esforço por transformar o enredo em algo mais solene do que o original soa patética, bem como todas as tentativas de romance e amizade indiscutível. Bracey não consegue convencer em cena nenhuma, fazendo o público discutir inclusive os métodos do FBI em confiar-lhe tanta verba para as suas missões. Mesmo o conteúdo homoerótico velado soa ofensivo, uma vez que não há mais a necessidade de mascarar qualquer mensagem de descoberta de afeto sexual ou emotivo entre homens. Para piorar, as cenas de escalada e surfe têm uma qualidade de CGI sofrível, destoando inclusive dos momentos positivos anteriores, encerrando Caçadores de Emoção – Além do Limite de um modo pífio e ofensivo para qualquer aficionado por adrenalina.

  • Crítica | Pai em Dose Dupla

    Crítica | Pai em Dose Dupla

    Pai em Dose Dupla 1

    O novo filme de Will Ferrell se baseia na diferença etimológica entre o pai e o papai (father e dad, no original), basicamente estabelecendo a distância entre a maneira formal e carinhosa de se tratar a figura paterna. Ferrell faz o papel de Brad Whitaker, um homem que, após um acidente, perde a capacidade de ser fértil, e para compensar tal condição assume o papel de chefe familiar dos Mayron, ao casar-se com Sara (Linda Cardellini), tentando a duras penas criar os dois filhos do antigo casamento de sua amada do modo mais inofensivo possível.

    O chamado à aventura acontece quando no caminho do narrador aparece o carismático Dust (Mark Whalberg), como a epítome do homem perfeito: belo, esperto, de personalidade magnética e aventureiro. É através da disputa entre o pacato sujeito e o claro macho alfa que ocorre todo o simples plot de Pai em Dose Dupla, com Ferrell mais uma vez se valendo de seu estereótipo de homem bobo, ingênuo e extremamente crédulo na boa fé das pessoas.

    O humor do roteiro de Brian Burns, Sean Anders e John Morris utiliza-se da acidez típica das crianças para tratar da estranha relação do padrasto com seus enteados, bem como a valorização do bom mocismo, ainda que esse comportamento moralista seja absurdamente debochado pelos chistes apresentadas nas gags humorísticas. Os paralelos com lições básicas de comportamento ultrapassam alguns tabus, como questões raciais, de preconceito sexual etc, ainda que não engrosse qualquer coro de opressão, apelando quase sempre para o irreal e nonsense ao invés de fazer troça gratuita com minorias.

    A comédia presente no filme de Anders é tipicamente masculina, e funciona de modo muito mais fluído se comparado com seu filme anterior, Quero Matar Meu Chefe 2, e essa característica certamente se deve a química entre Whalberg e Ferrell, reprisando Os Outros Caras. A discrepância física entre os dois é explorada como ponto de partida de uma rivalidade de arquétipos. A tradicional batalha entre dois machos pelo mesmo espaço é transportada para um cenário moderno, onde condições financeiras e sexualidade são postas em lados opostos, servindo como novo parâmetro para medir a qualidade dos homens.

    O desfecho contém a mesma redenção infantil dos últimos produtos do ator principal, ainda que o filme termine bem mais agradável do que Os Candidatos, por exemplo. No entanto, a condução é realizada de um modo tão escrachado que até a pieguice é driblada, com uma apresentação ainda bastante irônica da resolução de conflitos sem o despejar de testosterona típico de uma briga de rua.  Pai em Dose Dupla passa muito longe de ser um filme cerebral e repleto de discussões, mas garante ao espectador uma série de risos descompromissados, que ao menos desconstrói o mito do super macho, fazendo pouco do homem que precisa urinar em tudo para demarcar seu território, apresentando um sistema de predação em que sempre haverá um oponente maior e mais preparado.

  • Crítica | Sangue do Meu Sangue

    Crítica | Sangue do Meu Sangue

    Bloody of My Bloody 1

    Ambientado no século XVII, quando da vivência de religiosos católicos, Sangue del Mio Sangue mistura elementos diversos típicos das discussões a respeito da Idade Média, como repressão sexual, sedução por elementos vocais e a ideia repressora da religião. Apesar de já na sinopse se prenunciar um elemento fantástico recorrente e popular atualmente, notam-se referências, desde o começo, a lendas antigas de sereias.

    A jornada contra a blasfêmia e heresia ocorre por meio do padre Federico Mai (Alberto Bellochio), que vive em uma dicotomia terrível, tentando driblar seus impulsos sexuais, dando vazão a eles somente em situações limite. A discussão a respeito dos malefícios que a religião faz ao homem é comum dentro da filmografia do diretor Marco Bellocchio, como em A Hora da Religião e no mais antigo A Condenação. O diferencial está no estereótipo feminino de Benedetta (Lidiya Liberman), uma linda mulher condenada por uma questão não explícita por completo nos poucos minutos que lhe são dedicados em tela.

    O mistério a respeito da origem dos maus atos de Benedetta e de sua sobrevivência apesar das inúmeras provas físicas pelas quais passa, não tem uma descoberta normativa e catedrática, ao contrário do que a mente torpe, simplista e viciada dos padres exige, e ela é encerrada em um caixão, após bastante tortura, permanecendo a questão aberta por séculos, até os dias atuais, onde se passa a segunda parte do filme, e onde um magnata russo quer comprar o monastério em que encerra o seu “sarcófago”, apresentando uma gama de personagens semelhantes aos vistos na primeira parte.

    Claramente, há dos filmes distintos, reunidos em uma só fita. A naturalidade do debate anterior dá lugar a um pastiche engendrado de modo atrapalhado, visto o destempero até no conjunto de cores desta nova fase, saindo dos tons grafite e preto para estabelecer um figurino de cores gritantes misturados com tons pasteis.

    Com a mudança do tempo, Bellocchio toca em pontos interessantes, como a evolução do pensamento da igreja em alguns pontos, bem como o estado ainda retrógrado da maioria esmagadora de seus atos. Sangue del Mio Sangue também consegue tocar em questões da cultura pop, de como o ideal de maldição mudou junto as plateias, e de como o excesso de informação ajudou a sepultar a crença em mitos do passado. Apesar de hermética, a proposta do diretor alcança seu êxito na maior parte dos pontos, mesmo que seu produto final não seja tão positivo quanto grande parte de sua clássica filmografia, ainda assim concentra ótimos ângulos, repletos de significados imagéticos profundos.

  • Crítica | Los Hermanos: Esse é Só o Começo do Fim Da Nossa Vida

    Crítica | Los Hermanos: Esse é Só o Começo do Fim Da Nossa Vida

    Los Hermanos - Esse é Só o Começo Do Fim da Nossa Vida

    Os dez anos em atividade de Los Hermanos foram o suficiente para transformar a banda de um promissor grupo de rock, fundamentado pelo hit radiofônico Anna Júlia, a uma banda que flertava com o rock alternativo e uma mistura de estilos variados que lhe proporcionaram dois grandes álbuns. Após anunciar um recesso em 2007, a banda retornou após cinco anos para uma turnê comemorativa do 15º aniversário da banda, feito realizado novamente em 2015 com um sucesso semelhante que demonstra a devoção de seu público.

    Dirigido por Maria Ribeiro, Los Hermanos – Esse é Só o Começo do Fim da Nossa Vida é um registro que compartilha com o espectador a afeição pela banda, motivo que revela parte da intensão deste longa-metragem que vai além de registros de shows mas pouco se expande como um documentário. A câmera acompanha in loco a banda durante a turnê comemorativa por diversas capitais do país como um observador natural, inserido no cotidiano das viagens, registrando conversas, momentos de lazer e o antes e após dos espetáculos.

    Há poucas falas diretas dos envolvidos para a câmera, exceto em pequenos momentos para pontuar acontecimentos que marcaram a banda, como um breve resumo da trajetória, cujo primeiro passo importante foi no evento Abril Pro Rock em Recife; o retorno aos palcos após o hiato e, talvez, uma das dúvidas que mais incomodaram os fãs: os motivos de encerrar a banda. Depoimentos que, mesmo importantes, não configuram um estilo narrativo devido a sua escassez.

    O registro se sustenta fundamentalmente como um observador da intimidade da banda, com canções filmadas na íntegra no palco, além da reação dos fãs. Como tais shows foram realizados somente em capitais, podem ser representativos para a parcela que não conseguiu estar presente nestas apresentações. Ainda que nada de novo se apresente, o documentário confirma a boa integração da banda e a adoração de seus fãs que ainda continuam fervosoros mesmo após quase dez anos do encerramento do grupo.

    Como o documentário segue a cronologia da turnê, o final é eficiente ao registrar na íntegra a última canção do último show comemorativo. Simbolizando a trajetória da banda por estes shows e encerrando a obra no momento preciso em que as cortinas se fecham após o último espetáculo, uma estratégia pontual para demonstrar a intenção do registro, bem como trazer ao público a emoção catártica do encerramento.

    Compre: Los Hermanos – Esse é Só o Começo do Fim Da Nossa Vida

  • Crítica | Boa Noite, Mamãe

    Crítica | Boa Noite, Mamãe

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    Boa Noite, Mamãe é um filme independente, indicado pela Áustria para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016. Vendido pelo marketing como um filme de terror  — com direito a letras escritas em sangue — ao estilo Invocação do Mal e seus afins. Mas sabe-se por meio de filmes como o sueco Deixa Ela Entrar que o cinema europeu vê o terror por um viés delicadamente diferente do cinema americano, trazendo um terror que raramente assusta, mas que angustia e fere.

    A trama se passa com uma família que vive em uma residência isolada, como uma espécie de retiro em meio a plantações de milho. Com um início bucólico e feliz, capaz de remeter a filmes como Conta Comigo, vemos os gêmeos Lukas e Elias (vividos pelos excelentes Lukas e Elias Schwarz)  brincando e explorando aquela região. Ousados e inteligentes, extraem daquele mundo tudo aquilo do qual ele dispõe. Após dias afastada por conta de cirurgias plásticas, a mãe (Susanne Wuest) volta para casa e não é reconhecida pelos filhos. De início não se sabe bem a origem de suas cirurgias, mas sua figura sempre filmada à altura de uma criança de nove anos é amedrontadora e horrenda por conta das ataduras, em um trabalho de maquiagem inteligente e capaz de fazer tanto com tão pouco. Rapidamente a relação entre mãe e filhos se mostra totalmente desestruturada, e ela, uma pessoa de gosto e posturas bastante duvidosas no trato com os meninos, ignora e chega ao cúmulo de negar jantar para um deles em determinado momento. O que cresce no espectador é a raiva armazenada, raiva que talvez toda criança sentiu de seus pais em algum momento.

    Com as indicações de culpas suprimidas e acidentes violentos, Lukas e Elias tornam-se convictos de que sua mãe na verdade não voltou, e incapazes de reconhecerem naquela figura os rastros de maternidade resumidos na linda canção de ninar que ouvem para se consolarem durante a noite. Partem então em busca da verdade sobre onde está sua mãe verdadeira, explorando os recursos de uma casa que parece não ser feita para crianças, com quadros da mãe em poses glamourosas e desfocadas, como representantes da vaidade adulta que tudo sabe e em nada pode ser questionado.

    Com uma cinematografia linda, estável e límpida, que utiliza o contraste entre luz e escuridão de maneira perfeita, novamente, Boa Noite, Mamãe mostra não ser um filme de terror, destoando da estética habitual do terror que esconde, que é repleto de “jumping scary” e filmagens amadoras formando uma estética pobre de realismo documental. Aqui, a mais terrível imagem é filmada de forma limpa e clara, apostando na crueldade de imagens e diálogos, e não de atos, como na cena em que na brincadeira de “Quem sou eu” a mãe não reconhece o seu personagem, para frustração dos gêmeos.

    A tese principal é exorcizar o ressentimento causado pelos pais e mães incapazes de dialogar e se abrirem com seus filhos, de serem claros, aconchegarem seus medos e identificar suas verdadeiras personalidades. Numa espécie de mimo abandonado, crianças crescem com perguntas ausentes de respostas, apesar de sua urgência e assim gerando seres patologicamente sozinhos e fechados em si.

    Desta forma, as relações, entre castigos e falas típicas de pais e filhos, ganham uma dimensão a mais devido à capacidade do filme de tensionar as pessoas na poltrona e “adultizar” as crianças que são no fundo a materialização exacerbada de um relacionamento familiar tipicamente ignorante e solitário tradicionalmente rompendo nos filhos, já futuros pais, irreconhecíveis entre seus descendentes, demonstrando que cafuné é muito diferente de carinho.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Nise: O Coração da Loucura

    Crítica | Nise: O Coração da Loucura

    Nise 1

    Cinebiografia de uma figura histórica, Nise – O Coração da Loucura discorre a respeito da vida e obra de Nise Reis, doutora psiquiatra que, nos anos quarenta, implantou um método de tratamento que contrapunha o barbarismo da lobotomia, comum no mundo inteiro..

    A personagem título, apesar de repleta de nuances, é vivida de modo retilíneo por Gloria Pires, que não compromete em sua performance, mesmo com um roteiro quadrado. O fato de utilizar fatos comprovadamente documentados deveria garantir personalidade e veracidade ao filme de Roberto Berliner (diretor também de Júlio Sumiu e Herbert de Perto), mas não é suficiente, ao menos a luz do que o produto final representa.

    A figura de Nise era contestadora e revolucionária e o argumento tenciona tocar em tais pontos, mas esbarra em um maniqueísmo ordinário, que demoniza os burocratas, como se em seus atos houvesse simplesmente uma atitude má e gananciosa. A personagem do doutor César (Michel Bercovich) é o típico vilão dos pueris quadrinhos contemporâneos da trama da fita.

    Outro fator terrível são os diálogos, que beiram o ridículo, mesmo em se tratando de um filme de época. A moralidade do texto é simplista e simplória, com uma execução que não corresponde a qualidade da ideia original. Nise – O Coração da Loucura é mais uma das cinebiografias quadradas e conservadoras, bem a moda das telenovelas mais populares do Brasil.

    O método de Nise também é mostrado de um modo tosco, sendo apresentado somente como atos de permissividade tola, como se libertar o paciente fosse o suficiente para mudar seu quadro, bem como a simples troca de alcunha dos doentes, de paciente para cliente. O tratamento é muito mais profundo, e a fita não deixa isso nada claro.

    Um dos fatores positivos, é a persona de Mario Pedrosa (vivido por Charles Frick), que relembra a tradição da crítica artística ligada ao não reacionarismo. Ao final, as pessoas reais aparecem em tela, e nos poucos momentos em que Nise aparece, demonstra um conjunto de emoções e gracejos muito mais intensos do que Pires fez o tempo inteiro, resultando em um desperdício claro de talento da atriz. O filme tem tudo para ser abraçado pelo público, pela formula e pelo carisma dos artistas esquizofrênico, e claro, por ter um apelo emocional justo e que combina com o drama real, mas ainda está longe de ser um filme homenagem que prime por ineditismo.

  • Crítica | Joy: O Nome do Sucesso

    Crítica | Joy: O Nome do Sucesso

    Joy 1

    Cinebiografia baseada na história da empresária e inventora Joy Mangano, a nova produção de David O. Russell em parceria com Jennifer Lawrence traz à vida a oscarizada atriz no papel-título, apresentando a si um novo desafio: encarar o papel de uma senhora empreendedora bem mais velha que seus vinte e poucos anos, no árduo caminho que fez até tornar suas marcas Miracle Mop e Huggable Hangers em sinônimo de um resultado glorioso.

    O lugar comum de Joy envolve uma conturbada relação com seu ex-marido Tony (Edgar Ramirez), que vive em seu porão, juntando a isto a chegada de seu pai Rudy (Robert DeNiro), fato que desconfigura completamente sua já atrapalhada rotina. De início, a história de Russell e Annie Mumolo (atriz e co-roteirista de Missão Madrinha de Casamento) estabelece uma conversa metalinguística com um programa televisivo, antecipando acontecimentos reais da vida da biografada, ainda que o escopo neste se assemelhe demais as novelas mexicanas vinculadas a Televisa, repletas de um dramalhão exagerado e pouco condizente com a realidade.

    A principal crítica negativa relativa a personificação de Lawrence é até aludida em um dos diálogos, com o xingamento de uma cliente a Joy, afirmando que ela não aparenta ser jovial. O gracejo serve basicamente de resposta bem humorada, por parte do cineasta, em prol da defesa de sua colaboradora recorrente. Tudo em Joy parece servir de degraus para mais premiações e reconhecimentos ao esforço dramatúrgico da estrela, uma vez que até os momentos fantasiosos do argumento são semelhantes aos clichês de contos de fadas, alguns mais acertados do que outros, o que demonstra certa irregularidade na exploração deste recurso.

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    A forma de abordagem do tema se assemelha bastante a outro momento da filmografia de Russell, como visto em O Lado Bom da Vida. A pecha de resolução positivista de empreendedorismo que se esperava dá lugar a um caminho com alguns agressivos argumentos de auto ajuda, em especial após a primeira meia hora de duração, que é quando a personagem apresenta sua ideia de esfregão super poderoso. O fato de situar a protagonista em meio a uma família disfuncional assemelha mais ainda este ao filme de 2012 sobre depressão, mas neste, mais parece uma muleta emotiva na maior parte das vezes,  soando frívolo e redundante.

    Há uma queda vertiginosa de qualidade entre um período e outro de filme. Toda a publicidade em volta do novo produto e estratégias de venda soam toscas e baratas, semelhantes aos folhetins televisivos latinos. Até a aparição de Neil Walker (Bradley Cooper) soa falsa e repentina. Outro pedaço da história que não faz sentido é a tentativa de embelezar a figura de Joy, que já está claramente bem apessoada com as feições e curvas de J-Law.

    Os méritos de Russell passam por sua direção e nos takes diretos. O uso extensivo de super closes é certeiro, a esse aspecto é somado um movimento de câmera acelerado, emulando a velocidade de um disparo de pólvora, evidentemente referenciando a questão do pioneirismo da mulher biografada.

    O desequilíbrio entre uma direção inventiva e um roteiro com alguns tropeços piegas é evidente, o que faz o saldo de Joy O Nome do Sucesso ser menos positivo do que A Trapaça e O Vencedor, ao mostrar uma trajetória demasiada adocicada sob um escopo agridoce, focando quase exclusivamente no período em que Magano era anônima, tendo em seu currículo apenas sua vontade de vencer os obstáculos que se punham a frente e claro, a luta por sobreviver em um ambiente familiar hostil e controverso, como é praxe da filmografia de Russell.

  • Crítica | Resident Evil 5: Retribuição

    Crítica | Resident Evil 5: Retribuição

    Resident Evil 5 Retribuição 1

    As cenas iniciais de Residente Evil 5 Retribuição começam em câmera reversa, em mais um dos muitos recursos videoclípticos tão comuns na carreira de Paul W. S. Anderson. Curioso é que a feitoria desta introdução é bem executada, apesar de cortar o clímax desta reapresentação da saga que teve cinco exibições em live action.

    Alice (Milla Jojovich) ressume seu papel de moça imortal, se apresentando são e salva após um dos muitos ataques da Umbrella, e logo já é posta para sofrer exames que viriam a comprovar sua saúde.  Os testes psicológicos realizados nela fazem claras alusões ao filme de Snyder Madrugada dos Mortos, em uma apresentação tosca, mas que está longe de representar os maiores erros de Resident Evil 5.

    O clichê da clonagem, antes só dedicado a Milla e sua Alice foi amplificado, com o único pretexto de causar no fã da série um ar nostálgico. As falas da heroína estão ainda piores, atestando a sua classificação como mulher badass. Alguns personagens que tinham desaparecido na franquia são resgatados, somente para serem descaracterizados. Resident Evil 5: Retribuição é como uma reciclagem mal executada, retomando de maneira porca o que deu certo nos primeiros filmes.

    Os tiroteios são risíveis, as lutas terminam com poses de vitória semelhantes aos vistos em Power Ranges e os show-off de armas são tão frequentes que fazem a fita parecer um comercial da indústria armamentista norte-americana.  A cena da fábrica de clones é completamente dispensável, mal feita e irritante. Mesmo após 10 anos da franquia no Cinema, P.W.S. Anderson e sua equipe de produção continuam cometendo os mesmo erros primários de Resident Evil: O Hospede Maldito.

    Incongruências sobram, como o exemplo de o robô de controle que fica exposto o tempo inteiro. Outro factoide jamais explicado é como a Umbrella sobrevive ao fim do mundo e prossegue com dinheiro para executar tantas novas invenções, a despeito de todas as ideias estúpidas e administradores imbecis. Mistério é o motivo que fez o diretor achar que seria interessante mostrar os efeitos dos golpes com um panorama em raio-x esverdeado, aludindo talvez a expectativa de que o público que consome os filmes da franquia seja formado por pessoas mentalmente debilitados.

    Shawn Roberts volta ao papel de Wesker, para abrilhantar ainda mais a película, mas dessa vez ele é afável, e se alia a Alice, contra um inimigo em comum – numa reviravolta muito mal construída. A cena final de Resident Evil deixava claro que o objetivo da Companhia Guarda-Chuva era resgatar os irmãos Redfields – Chris e Claire – vivos, mas eles não aparecem em momento algum, nem é levantada qualquer possibilidade de onde eles estariam, o que deixa uma interrogação na cabeça de quem assiste: será que eles estariam se “poupando” para uma parte 6 ou o roteirista simplesmente esqueceu deles?  O final mais uma vez é aberto, a tomada que mostra como a Terra está após os últimos acontecimentos da Guerra contra a Umbrella causa calafrios e medo do que ainda está por vir, já que a sexta parte está confirmada, com data de estreia já marcada, com o que deve ser o capítulo derradeiro. A produção de Resident Evil se mostra cada vez mais desgastada, carregando um enfado que aumenta a cada novo filme.

  • Crítica | Rocky IV

    Crítica | Rocky IV

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    Acho que esse talvez seja o filme em que Rocky perde de vez a sua identidade. Nos dois primeiros filmes, vemos o personagem sempre lutando pra se estabelecer, seja financeiramente, como um boxer de ponta ou mesmo como homem. Até mesmo no terceiro filme há uma história de superação, ainda que bem mais rasa do que nos anteriores. Porém, uma subtrama política foi incluída de forma bem hábil no roteiro. Era o final da Guerra Fria e o filme tornou-se uma grande propaganda pró-EUA. Nada melhor que o personagem que foi a personificação do sonho americano para fazê-la.

    Desde o início estabelece-se a campanha pró-EUA. Com o surgimento de Ivan Drago (Dolph Lundgren), tido como um super-humano criado em laboratório, os soviéticos são demonstrados como os grandes vilões do mundo, sempre frios, arrogantes e calculistas, enquanto os americanos se portam sempre como os grandes mocinhos do planeta. O auge desse duelo se estabelece na trágica luta entre Apollo Creed (Carl Weathers) e Drago. Apollo aparece como uma alegoria do Tio Sam e o ginásio está todo decorado com motivos americanos. Isso tudo se agrava com o show de James Brown e a música “Living in America”. Chega um pouco de falar sobre o duelo EUA x URSS. Vamos falar um pouco do filme.

    Sylvester Stallone assume o leme da direção pela terceira vez e novamente demonstra bastante competência. Sly demonstra grande talento ao filmar as sequências de ação do filme, tais como a luta de Apollo e Drago, toda a montagem de treinamento em que são sobrepostas as técnicas de Rocky e do pugilista soviético e na luta final dos dois. Essa última sequência merece destaque, pois Balboa e Ivan Drago são frequentemente retratados como dois titãs dos ringues. A luta chega a ser exagerada em vários momentos, mas o diretor/ator evita que tudo caia no ridículo. Toda a parte sentimental, ainda que mais rasa do que em momentos anteriores, sofre um trato bacana por parte de Stallone, com o ponto alto ocorrendo na cena em que Balboa sai de casa para poder pensar sobre a morte de Apollo e ponderar a respeito da luta com Drago.

    Com relação ao roteiro, a mudança de tom do drama para a ação acaba deixando alguns personagens mais rasos, principalmente o protagonista. Rocky não tem mais que batalhar pra conseguir migalhas de dinheiro, o que faz com que ele torne quase um bobalhão esbanjador. Beira ao ridículo a empregada-robô que Rocky presenteia seu cunhado Paulie. Outro absurdo do roteiro é Rocky Jr. ficar completamente sozinho nos EUA enquanto toda a família Balboa parte para a União Soviética. Só nos resta pensar que a empregada-robô ficou cuidando do garoto. Só que uma questão interessante é levantada pelo roteiro: Drago é um atleta desenvolvido em laboratório que faz uso absurdo de anabolizantes durante seu treinamento. Recentemente, aconteceram denúncias sobre o doping de atletas russos e uma enorme investigação está em curso, uma vez que as tais denúncias poderão confirmar suspeitas que existem desde a década de 80.

    Encerrado com um discurso pró-EUA dotado de pieguismo e propaganda, Rocky IV cumpre bem o que se propõe. Um filme de ação com um certa profundidade emocional que funciona como uma diversão escapista, mas o que cumpriu com louvor o objetivo de ser um panfleto ideológico.

  • Crítica | Era Uma Vez em Tóquio

    Crítica | Era Uma Vez em Tóquio

    105706Era Uma Vez em Tóquio (Tōkyō Monogatari, Japão, 1953, Dir: Yasujirô Ozu) é considerada a obra-prima de Yasujirô Ozu, o seu filme mais famoso, muito provavelmente por conter mais atores, mais diálogos e uma mise-en-scène mais dinâmica comparada aos outros filmes do diretor.

    Um casal idoso viaja à Tóquio para visitar seus filhos e é ignorado por todos, exceto pela antiga nora que era casada com o filho deles que morreu. A posterior morte da matriarca volta a unir todos em uma última despedida.

    O roteiro do próprio diretor junto de Kôgo Noda, que trabalhou com Ozu na maioria dos seus filmes mais famosos, tem a estrutura simples e acerta ao focar no casal de idosos protagonistas e menos na sua relação com os filhos. Assim, vemos aos poucos a desconstrução da unidade familiar à medida que a relação com os filhos vai ficando mais distante.

    O grande tema do filme é a perda, tanto das relações familiares e das tradições, quanto de Tomi, a matriarca, que acaba morrendo no final da história. A perda também pode ser estendida às amizades da época da guerra que Shukichi até conseguiu rever alguns dos amigos na sua passagem por Tóquio, mas ficou pelo tempo.

    A atuação é uma das marcas de Era Uma Vez em Tóquio, ainda mais para quem não assistiu outros filmes do Ozu. É importante ressaltar que a direção de atores de seus filmes não deixa os atores imprimirem muitas emoções e mudanças de personalidade ao longo dos filmes. Ozu foi um dos que primeiro buscou o realismo no cinema, bem antes do movimento neorrealista italiano, portanto ele buscava reações mais naturais e menos catárticas.

    Chishû Ryû e Setsuko Hara voltam a trabalhar com o diretor, repetindo a ótima parceria depois do belo Primavera Atrasada, de 1949. Ryû interpreta o pai e consegue imprimir a alegria e a felicidade de rever os filhos no meio da angústia pela falta de tempo deles. Hara passa todo o mal que sente por desejar outros homens mesmo o seu marido já ter morrido. Chieko Higashiyama é a matriarca que, igual a Shukichi, passa alegria no meio da tristeza pela falta de tempo dos filhos.

    Mesmo podendo ser considerado um filme diferente na sua carreira, as principais características do diretor estão lá: a decupagem em Plano Geral da maioria dos planos, a direção de atores valorizando os tempos mortos na ação completa dos personagens (por ex, um senhor  bebendo o chá, a mulher varrendo o chão), os atores falam lentamente, paisagens como planos de  passagem, transição crua entre sequências e, claro, escolher uma história familiar que seja universal.

    A fotografia de Yûharu Atsuta, que costumava trabalhar com o diretor. O jogo entre preto e branco que podia ser uma das marcas do filme, que preferiu buscar o naturalismo da cena. A edição de Yoshiyasu Hamamura é cadenciada, mas tem ritmo lento, já que ele trabalhou com Ozu outras vezes. Os cortes dão independência a cada plano dentro do filme, cada unidade é plena dentro do seu corte.

    Era Uma Vez Em Tóquio é tido como um dos grandes filmes da história pela sua importância dentro do cinema neorrealista, mas também pode servir como chamariz para os outros filmes do diretor, que tem filmes tão bons e tocantes quanto.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Creed: Nascido Para Lutar

    Crítica | Creed: Nascido Para Lutar

    creed nascido para lutar

    O ano era 1976. Gerald Ford era o Presidente dos EUA após suceder Richard Nixon em decorrência do escândalo Watergate ocorrido anos antes. As políticas de bem-estar social começaram a apresentar um declínio que altera mudanças nas estruturas econômicas e políticas do país, culminando no modelo neoliberal aplicado por Ronald Reagan. Quatro anos antes, a Guerra do Vietnã havia chegado ao fim com a saída dos EUA, após forte pressão política da política externa e interna. Havia um sabor amargo na boca dos americanos e uma descrença do seu poderio e hegemonia frente ao mundo, aliado ao contexto de uma possível guerra nuclear, a qual poderia ocorrer por qualquer movimento em falso de uma das principais potências do século XX que tinha o mundo como um tabuleiro de xadrez. Se isso não fosse o bastante, o país enfrentava uma forte recessão, desemprego e inflação, criando um cenário de instabilidade e crise interna. É nesta conjuntura em que Rocky: Um Lutador é forjado por Sylvester Stallone, e por diversas vezes este cenário, e a própria história de Stallone, se mesclaria a personagem de Balboa e não mais saberíamos diferenciar o criador da criatura.

    Creed: Nascido Para Lutar não poderia ser diferente. O sétimo filme da franquia concebida pelo astro nos anos 1970 faz jus ao filme original sem desrespeitar seu próprio caminho. Os elementos conjunturais do primeiro filme se modificam, mas a crise global e o clima de incertezas e inseguranças permanecem, com as características típicas do do século XXI, tornando o novo longa uma bela releitura do filme de 1976. O ainda iniciante Ryan Coogler, responsável por Frutivale Station: A Última Parada, sabe utilizar muito bem a fórmula da série a seu favor e tem um talento natural para posicionar sua câmera e contar histórias de underdogs – azarões, personagens excluídos e à margem da sociedade.

    O longa se inicia por meio de um flashback que introduz o protagonista Adonis “Donny” Johnson (Alex Henderson) no início de sua adolescência em um centro de detenção juvenil de Los Angeles, internado por conta de pequenos delitos e do seu comportamento agressivo. Sua infância se resumiu a saltar de orfanatos e casas de detenções para menores. No entanto, sua vida muda completamente após receber a visita de Mary Anne Creed (Phylicia Rashad), que lhe diz ser filho ilegítimo de Apollo Creed (Carl Weathers), seu falecido marido e ex-campeão peso pesado de boxe.

    Os anos se passam, Adonis (Michael B. Jordan) permanece com Mary Anne na mansão construída nos áureos tempos em que Apollo era vivo, e divide seu tempo em tentativas abortadas de uma carreira empresarial e lutas clandestinas no México aos finais de semana. A genética paterna fala mais alto e Adonis decide se dedicar exclusivamente ao boxe, apesar do desgosto de sua mãe, e parte para Filadélfia para tentar convencer um velho amigo de seu pai a treiná-lo e tentar provar a si mesmo que faz jus ao legado de seu pai.

    Se para Donny é difícil carregar o peso de seu sobrenome e seu passado, o fardo é dividido e compartilhado entre seu treinador, Balboa, já que o ringue não tem mais espaço para seu corpo cansado. O tempo o venceu. E o tempo, tema tão caro para Stallone nos últimos anos, novamente retoma como um dos pontos-chave para o desenvolvimento de Rocky no longa. Em seu primeiro diálogo com Donny, ele é questionado do motivo de Apollo ter perdido a luta realizada entre eles tantos anos atrás, “Foi o tempo que o venceu. O tempo derruba a todos. Ele é imbatível”, responde Rocky. Novamente ficção e realidade se misturam na vida do astro.

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    As construções dos relacionamentos existentes em Creed: Nascido Para Lutar se alicerçam principalmente na relação entre treinador e aluno. Há uma doçura existente na presença desses personagens e o florescimento da relação se dá de maneira gradual, graças ao talento de ambos,  Stallone certamente entrega a melhor atuação de sua carreira até então, andando em uma linha tênue e encantadora de resignação, com a chegada da velhice, e o desejo e a esperança de se ver novamente no jogo, nem que isso se realize na figura de seu discípulo. A importância das relações é impressa também na personagem de Tessa Thompson, Bianca, uma jovem cantora que se envolve com Adonis. 

    Se os relacionamentos são importantes para a construção e a verossimilhança dessas personagens, são nos detalhes que o filme cresce, como em pequenos momentos de Rocky subindo a colina e conversando no túmulo de Adrian e Paulie; na divertida cena de manifestação física de nervosismo de Donny pedindo para que retirassem suas luvas minutos antes de sua primeira luta pois precisava ir ao banheiro; ou mesmo na intimidade do jovem lutador ouvindo músicas e fazendo tranças em Bianca. Apesar de Bianca possuir um problema de perda de audição progressiva, isso não toma um caráter melodramático para a trama. A doença existe e não é tratada como um ponto de virada simbólico dentro do roteiro, apenas como um fato na vida da personagem.

    A confiança de Stallone em, pela primeira vez, entregar o roteiro da série Rocky para terceiros se mostra uma escolha acertada, o texto de Coogler e Aaron Covington compreendem a essência de Rocky e as nuances contidas na personagem desde sua concepção. O trabalho de direção é impecável, seja na sutileza em retratar esses pequenos universos como também para apresentar os ringues, e isso fica claro na primeira luta profissional de Adonis. Em um plano sequência de tirar o fôlego, a cena transporta o espectador para dentro do ringue, com toda a visceralidade e brutalidade existente em uma luta de boxe.

    Coogler demonstra um nível de maturidade alto e realiza a transição entre o cinema independente e o cinema de grande estúdio sem perder sua assinatura. Enquanto isso, Stallone se reinventa, desconstrói para se reconstruir. Embaixo do brucutu que nos habituamos a ver por tantos anos – e que tanto insistiu em nos mostrar – existe um ator comprometido na composição de um personagem fragilizado, com uma mensagem universal de que a vida sempre nos deixará de joelhos, pouco importando o quão duro sejamos capazes de bater, cabendo a nós aguentarmos os golpes e seguirmos em frente.

  • Crítica | No Auge da Fama

    Crítica | No Auge da Fama

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    No Auge da Fama traz o famoso Chris Rock em uma jornada de descobrimento de sua própria arte. No papel de Andre Allen, um famoso comediante que iniciou sua carreira no stand-up comedy dos bares nova-iorquinos, migrou para o cinema com filmes de besteirol e hoje resolve que é hora de ser levado a sério em um filme histórico sobre a revolução haitiana. Ex-alcoólatra, tem como maior sucesso o filme no qual interpreta um urso policial. Preocupado em divulgar o filme que não fará mais dele uma piada, aceita ser acompanhado pela jornalista Chelsea Brown (Rosario Dawson) e assim mostrar seu “verdadeiro eu”.

    E é com essa mistura de humor nonsense com encucações artísticas sérias que Cris Rock volta a dirigir e escrever para o cinema. Em um filme profundamente biográfico, apesar de não usar seu nome, questões sobre relevância artística são levantadas com base na sua personalidade e trajetória artística já conhecida. O cenário é aquele onde o ator cresceu, a família histriônica de Todo Mundo Odeia o Chris. Tudo lá parece corroborar que Andre e Chris em alguma instância são Chris Rock.

    Na trama que acompanha o período pré-nupcial de Andre com a celebridade instantânea de reality show Erica Long (Gabrielle Union) numa clara alusão às irmãs Kardashian e afins, Andre vive uma crise não só na carreira, mas também uma crise pessoal que o impede de fazer aquilo que gosta e que o deixou famoso pelas desconfianças de sua própria capacidade como artista, enquanto sua noiva ganha sua vida expondo a própria privacidade e vendendo sua vida mesmo que não possua nenhum talento aparente. Sóbrio, já não se sente confiante em se expor ao público e então planeja se rever. O medo é de ser apenas aquilo que parecia no começo, como se fosse pouco.

    Já a personagem de Rosario Dawson representa o papel e impacto da crítica na vida do artista, que muitas vezes recorre a sensacionalismos ou simples raiva passiva, ou uma espécie estranha de incentivo nostálgico que faz com que aquele que ontem era o melhor de todos, hoje seja massacrado. Em certas nuances e temas, No Auge da Fama tem muitas das discussões apresentadas no filme Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) ao testar essa dinâmica estranha entre crítica e artista e os olhos do público sobre isso tudo. Da apelação capaz de provocar o público e abrir suas carteiras à necessidade de encontrar sua verdadeira arte.

    Feito para divertir, porém, Chris Rock apresenta um final muito mais otimista do que seu equivalente dirigido por Alejandro Iñárritu e se dispõe desde o começo a se reconciliar com este vendaval que atinge sua vida, e do qual inicialmente não pretendia sair por simplesmente aceitar ser aquilo que as pessoas esperam dele, ou o que ele acha que esperam. Como resultado de público e crítica favoráveis, este filme traz Chris Rock para uma luz nova, amadurecida e igualmente irreverente e contestadora, com um número incrível de participações super especiais, demonstrando todo o poder do carisma e inteligência deste artista.

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    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Irmãs

    Crítica | Irmãs

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    A parceria entre Tina Fey e Amy Poehler é de longa data, com picos de qualidade positiva dentro do formato do Saturday Night Live e alguns filmes que Fey escrevia/produzia, normalmente com pequenas participações da protagonista de Parks & Recreation, como em Meninas Malvadas. A surpresa positiva em Irmãs é a feitoria do roteiro, muito bem amarrado e certeiro, escrito por Paula Pell, estreante em longas-metragens e antiga colaboradora da dupla feminina no programa sabatino, de onde já se via uma acidez textual interessante e já carismática.

    Outra surpresa positiva é o frescor da direção de Jason Moore, que somente havia realizado A Escolha Perfeita enquanto cineasta. A condução da relação entre as personagens fraternas Maura e Jane Ellis (Poehler e Fey, respectivamente) é funcional e engraçada desde a primeira aparição de ambas, superando a química bem estabelecida em Uma Mãe Para o Meu Bebê. O chamado à aventura começa com a notícia de que os pais pretendem vender a casa onde ambas cresceram, e se desenvolve então uma jornada de despedida daquele local e também de algumas emoções mal resolvidas.

    A disposição das irmãs é bastante diferente. Jane era a típica festeira, sexualmente ativa e precoce, que logo teve uma filha e que parece não ter amadurecido muito desde a adolescência até a meia-idade, enquanto Maura sempre foi regrada e se encontra em um divórcio recente. Ambas se complementam e tem problemas diferenciados, com questões que aparentam longe de solução e que pioram pela falta de sinceridade das duas.

    A comédia mora nas situações impossíveis de acontecer, na tentativa de resgatar o tempo da juventude em torno de uma festa de despedida na antiga casada. Toda a trupe de ex-jovens se reúne para chorar mágoas, tentar esquecer a rotina massacrante como pais de famílias enfadonhos e, claro, para tentar resgatar a memória de uma época em que a mediocridade suburbana não era o alvo de todos. Aos poucos, se desenvolve uma trajetória errática e destruidora do conservadorismo típico da vida adulta, conseguindo fugir do conceito politicamente correto mas não sendo ofensivo a qualquer minoria.

    Irmãs se localiza em semelhança temática com Projeto X e o “clássico” Se Beber, Não Case, sendo uma versão feminina mais agressiva e pontual do que Operação Madrinha de Casamento, e sem gratuidades escatológicas tão certeiras. A brincadeira com as desventuras sexuais, recalques mentais, cotidiano entediante e falta de perspectivas é muito bem manobrada, mostrando o episódio fílmico como um evento de intervalo, como mais uma pausa na vida real que não é abandonada e uma fuga eterna da existência, com um humor que cada vez mais ganha força dentro do cinema norte-americano, surpreendendo pelo brilho intenso de Amy Poehler enquanto intérprete, especialmente para quem não costuma assistir à sua antiga série. Filme engraçado que passa mensagens sobre envelhecimento, amadurecimento, dificuldades em mudar de natureza e evoluir sem perder a identidade.