Categoria: Cinema

  • Crítica | Ausência

    Crítica | Ausência

    Ausencia 1

    O ambiente de um lar de classe média pode ser hostil, especialmente após perdas de peças chave da estrutura familiar. Ausência, do cineasta Chico Teixeira, trata dessas questões e de tantas outras, ligadas à pressa do crescimento de um jovem rapaz que depois de tempos de crise se vê como a figura masculina máxima de sua casa.

    Serginho, interpretado por Matheus Fagundes, é um menino que aos catorze anos carrega um conjunto de responsabilidades incomuns a um rapaz de sua idade. O cuidado que tem com seu irmão mais moço é por si só uma demonstração da quantidade de afazeres que lhe são cobrados. Sua rotina envolve o trabalho como feirante ao lado de parentes que lhe são bastante distantes, como quase todos os adultos mostrados em tela, exceção feita ao professor Ney, vivido por Irandhir Santos, sendo este a única figura de afeição do rapaz no âmbito dos adultos.

    O exemplo de como não se viver através do exemplo dentro de casa está na personagem Luzia (Gilda Nomacce), que, ao invés de agir como figura materna, explora a paciência e salário do rapaz, travando com o garoto uma relação grotesca, interesseira e moralmente invertida. Os abusos emocionais a que Serginho é submetido o fazem confundir seus sentimentos e figuras de autoridade, e o modo como Teixeira conduz tudo é muito tocante, atual e assolador.

    A instabilidade mental típica de um menino com pouca idade piora demais ao não possuir qualquer base para a formação, tanto de caráter quanto de ideário, a começar pela completa ausência dessas figuras familiares, passando também a outros possíveis mentores. Serginho só tem a si para recorrer: mesmo os adultos em quem ele confiava não lhe entregam tudo o que deseja, sobrando em seu coração uma carência tão grande que o faz agir de modo impensado e ingênuo.

    O modo como todo o conto é estabelecido abarca sentimentos comuns a qualquer ente vivo, gerando empatia e tristeza no espectador, talvez sem verificar em si mesmo se as atitudes não são iguais e tão intempestivas quanto a dos agressores de Serginho. A realidade vista em Ausência é presente na rotina de muitos garotos, especialmente dos anos 1990 em diante, quando o divórcio deixou de ser um tabu. O abandono emocional se mostra ainda mais intenso e universal do que a já flagrante deserção factual, fazendo do filme um infeliz retrato da realidade egoísta de nossos tempos, mostrando uma visão que evoca muita parcialidade naturalizada.

  • Crítica | As Memórias de Marnie

    Crítica | As Memórias de Marnie

    As Memórias de Marnie - poster

    A anunciada aposentadoria de Hayao Miyazaki, um dos fundadores do Studio Ghibli, gerou notícias desencontradas sobre o encerramento do estúdio, fazendo desta produção um momento final. Após apurações de informações, como naturalmente ocorre com qualquer mudança organizacional em uma empresa, a Ghlibi entrou em um pequeno hiato somente para redefinir o estúdio, o que não impediu que manchetes exagerassem sobre seu final, fazendo desta última produção um símbolo.

    Dirigido por Hiromasa Yonebayashi, responsável pelo O Mundo dos Pequeninos, As Memórias de Marnie se baseia no romance da escritora infantil Joan G. Robison, cujo roteiro também é assinado por Yonebayashi. Na trama, Anna é uma garota de 12 anos de idade, filha de pais adotivos. Sempre solitária, a menina possui asma e o ar urbano a impede de melhorar, assim sua mãe adotiva lhe manda para o interior, um local com um castelo e uma ilha isolada, onde conhece Marnie. Juntas elas se tornam amigas, mas Marnie não é quem parece ser.

    O onírico, tema tão tradicional nas produções do estúdio, novamente está presente, também como o retorno a um estado mais primitivo em contato maior com a natureza. Ao visitar seus tios no interior, Anna está em um local bem diferente da selva de concreto de sua cidade. Um espaço que lhe dá maior movimentação para a imaginação e onde o limite entre real e imaginário se apresenta.

    Tanto Anna quanto Marnie são personagens deslocadas de seus mundo; crianças que ainda não encontraram sua trajetória e não se sentem representadas pela sociedade e nem queridas no seio familiar. A amizade estabelece um ponto de contato e identificação entre as duas, sendo o trauma da infância uma dor em comum. Muitos dos momentos ao lado de Marnie acontecem sem explicação lógica, fazendo a personagem central refletir se tudo não passa de um sonho. Um fato que a narrativa leva até o final, em um desenlace sensível que une as personagens.

    Como tema notável na condução da história sem nenhum fundo moralizante, nem menos uma intenção de amenizar contextos para as crianças, a visão oriental apresenta um reflexo da vida sem nenhuma deformação, apontando que as crianças, à parte seu mundo imaginário, também conviveram e estavam diante de problemas difíceis de serem assimilados.

    A trajetória de diversas personagens centrais da Ghibli se desenvolve como uma jornada interna que faz do isolamento do mundo uma justificativa a mais para encontrar uma filosofia. A criança é vista como um ser que também deseja conhecimento e respostas, e se aventura livremente para encontrá-las, mesmo que a busca seja um limítrofe entre a realidade e sua projeção, o sonho, o intangível.

    Esse cenário é fundamental para a composição da animação com uma riqueza impressionante de detalhes, compostos em cores luminosas sem poucas sombras. O cuidado com cada quadro é coerente para que a linha entre onírico e real seja tênue. E é essa dualidade que configura a coesão da trama em uma sensibilidade que aflora no crescimento da narrativa, dando continuidade à história de Marnie e Anne, equilibrando o senso real e aquilo que a criança imaginou a partir da própria história.

    Como a obra foi a última antes do hiato do estúdio, é natural que maiores interpretações surjam na história, como uma das cenas finais com uma bonita despedida parecendo um símbolo da própria mudança da Ghibli. Independente deste fato, é notável que a trajetória do estúdio foi marcada por grandes narrativas infantis e, mesmo após a aposentadoria de um de seus mestres, mantém a originalidade em uma sensível história e uma animação belíssima.

  • Crítica | Romance Policial

    Crítica | Romance Policial

    Romance Policial - Poster

    A ficção, e suas vertentes variadas, se mantém como uma realidade desenvolvida em representação de um tempo ou um momento, sendo comum a inspiração em vidas específicas como matéria-prima narrativa, com muitos autores transformando seus diários ou relatos pessoais em uma obra duradora. Como a narrativa em si não apresenta nenhum método específico, o jogo é livre para o autor criar à sua maneira, e o tempo se torna responsável por eternizá-los ou enterrá-los sem sucesso – parte da angústia de ser um escritor.

    Romance Policial, novo longa de Jorge Durán, parceiro de Hector Babenco em diversas produções, chega aos circuito três anos depois de sua produção, com Daniel de Oliveira no elenco em uma história metalinguística sobre a criação literária. Na trama, Antônio é um funcionário público e escritor iniciante responsável pela publicação de um único conto. Em busca de inspiração, viaja até o Deserto do Atacama, no Chile, quando se envolve com uma misteriosa mulher e um crime sem suspeitos.

    A ambiguidade da produção se desenvolve desde o título, jogo narrativo que ecoa na vida da personagem e na sua procura por uma inspiração e uma história para narrar. Ao encontrar um corpo no deserto e se tornar um suspeito do crime, o escritor se torna tanto personagem de um romance policial como, ao se envolver com Florência, estabelece uma difícil relação amorosa.

    A estrutura da narrativa policial, tradicional em muitos romances, é transportada para um conceito de maior drama em uma ambientação que difere da comum do gênero. Os tradicionais ambientes noturnos são modificados pela claridade evidente do deserto, local distante do ambiente urbano, uma das referências do inicio da narrativa noir americana. Uma atmosfera que mantém personagens tipificados que carregam dubiedade como a mulher fatal, o policial possivelmente corrupto e outros que parecem esconder parte de sua trajetória, amplificando o suspense.

    No papel de um escritor novato, Oliveira se destaca diante de um dilema central para qualquer escritor: o conflito entre o escritor e sua obra, a busca pela inspiração e a compreensão de que parte da composição narrativa vem tanto de uma parcela de inspiração quanto de vivências externas, um tema que também se apresentou no recente Entre Nós. Uma força que cada escritor encontra na maturidade reconhecendo que é possível contar uma história sem necessariamente vivê-la. Buscando sua inspiração a todo custo, o personagem mantém as dúvidas sobre o crime pela necessidade de escrever sua história, como um leitor que se debruça sobre um livro de mistério desejando ir até o fim da narrativa.

    O jogo narrativo do roteiro esconde surpresas – afinal, sem elas, a essência de um enigma seria perdida – mas mantém uma vertente dramática que explora maiores problemas nas relações das personagens, indo além da resolução de um crime. Um efeito duplo eficiente que finaliza tanto a vertente investigativa da trama como o drama por trás dela. Como a história é narrada sob o ponto de vista do escritor, com direito a algumas falas em off como uma narrativa literária, a realidade e o imaginário se diluem e ressaltam a motivação da composição do roteiro demonstrando o quão delicado é o que se considera real e palpável diante de uma ficção capaz de transformar a realidade. O efeito circular entre realidade e ficção.

  • Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – O Final

    Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – O Final

    JV

    Repartida em duas partes, Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 e Jogos Vorazes: A Esperança – O Final, a franquia segue a história de um mundo dividido em distritos, onde a Capital consagra-se em louros, luxo e riqueza e os demais distritos lutam por migalhas de uma vida. Na parte anterior iniciou-se a reorganização dos distritos contra a Capital, porém esta medida resulta em diversos atritos, fazendo com que estes se desliguem de seu inimigo em comum: o Presidente Snow (Donald Sutherland). Lideradas nos bastidores por Alma Coin (Julianne Moore) e Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman), usa-se da propaganda e do poder do mito para estabelecer as motivações de um povo para alcançar sua liberdade.

    Katniss (Jennifer Lawrence) é este grande mito, criado inicialmente nos primeiros Jogos Vorazes, quando a Capital inseria crianças para se matarem em um jogo sangrento a fim de apaziguar os ânimos, e principalmente demonstrar a superioridade da Capital sobre os demais distritos. Propaganda, sede de sangue, mentiras, manipulação midiática e interesses escusos retratam com excelente aproximação o estado de nosso planeta, e não à toa é a franquia que melhor retrata nossos tempos para posterior registro histórico.

    Com o grande mérito de criar uma das sagas mais importantes cultural e comercialmente da história do cinema, a saga infanto-juvenil “Jogos Vorazes” traz consigo um conteúdo mais robusto do que seus pares no cinema, bem como um elenco de excelência capaz de traduzir o conteúdo político com a simplicidade e verdade necessárias. O destaque fica com Donald Sutherland e sua elegância: cinismo, bom humor e perigo iminente; e para Philip Seymour Hoffman, cuja falta foi duramente sentida principalmente ao final do terceiro ato.

    Coincidentemente ou não, é possível ver atualmente países europeus que por um lado flertam e negociam com príncipes sauditas, que por sua vez financiam grupos terroristas. Assim, diante do poder de choque de um atentado, a solução óbvia jamais é complicada. A solução óbvia é justamente enviar meninos e meninas para matar ou morrer em guerras ineficientes.

    Eis que surge um exemplo. O fenômeno chamado “Efeito Espectador” traduz a dificuldade de grupos sociais agirem em momento de ajuda quando solicitado, como uma espécie de sedação coletiva. Uma possível solução para isso, de acordo com o pesquisador Phillip Zimbardo, é justamente o poder que o herói detém sobre nós. O herói é o exemplo capaz de retirar a venda da sociedade e demonstrar o potencial de pessoas comuns frente a situações extraordinárias.

    Assim, Katniss é constantemente manipulada pela presidente Coin, ao usar de sua empatia natural para comunicar com o que há de mais honesto no povo. Katniss jamais tem o amparo e esperança que os Messias do cinema trazem consigo, tais como Luke Skywalker, mas sim a dificuldade e a tristeza de ter sua vida retirada de si até que estivesse numa situação onde agir seria a única solução. E é desta maneira que Katniss representa esta heroína incomum e inesperada, quase como quem tivesse de ser outra pessoa, e é assim que ela triunfa sobre os vetores de uma guerra política suja e incoerente. Por não ser uma personagem comum, toda a estrutura da saga segue um formato não-canônico, onde o clímax não se traduz na luta da heroína com seu nêmesis, mas sim na abertura para a complexidade do jogo político e o entendimento que o grande inimigo não é uma pessoa. É sob esta percepção que A Esperança: Parte 2 inverte o conceito de vitória e derrota quando, sob uma operação “bandeira falsa”, Katniss percebe que o verdadeiro retrato do fascismo não é uma caricatura de Hitler ou coisa que o valha, mas sim aquele capaz de tudo pelo bem comum, o “cidadão de bem”; aquele que fará tudo sob o pretexto de alcançar o melhor para todos, inclusive roubar a liberdade do povo, e que esta atitude não tem lado ou ideologia pré-determinada.

    Acusado, como seu capítulo anterior, de ser muito lento para a audiência com déficit de atenção, a conclusão da saga de Katniss como a heroína de um novo tempo parece inadequada em seu formato. Realmente a direção tem seus momentos de dificuldades, o clima é soturno e desamparado, quase sem momentos de alívio, o conteúdo é mal dimensionado e poderia valer-se do incrível elenco para trazer mais impacto à história que ocorre de maneira lenta — E eventualmente simplesmente não progride — mas é com certeza um fechamento muito digno para a saga, que apesar de não ter conseguido alcançar a excelência técnica em seus capítulos, é com certeza um dos materiais mais ricos da cultura pop atual ao fazer emergir temas tão atuais e de difícil digestão.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | American Ultra: Armados e Alucinados

    Crítica | American Ultra: Armados e Alucinados

    American Ultra - Armados e Alucinados - poster

    Desde 2014, quando este projeto foi anunciado, parecia evidente que American Ultra: Armados e Alucinados seria um típico produto desenvolvido como teste para o carisma de dois atores em ascensão que haviam trabalhado juntos anteriormente: Kristen Stewart, destacada pela saga Crepúsculo e Jesse Eisenberg, de boas produções como Zumbilândia e A Rede Social e agora catapultado a astro devido ao vindouro Batman e Superman: Alvorecer da Justiça.

    Do mesmo roteirista de Poder Sem Limites, um interessante filme sobre poderes heroicos na vida real, e do recente Frankenstein, a produção é uma colagem que intenta satirizar o universo da espionagem através de uma paródia de ação, uma proposta semelhante a de Kingsman – Serviço Secreto. Na trama, Mike Howell é um jovem pacato que trabalha em uma loja de conveniências sem saber que, na verdade, é um agente da CIA mortalmente treinado. Quando uma operação decide matá-lo, o jovem é reativado para descobrir os responsáveis pelo fato em companhia de sua namorada depressiva.

    Tentando uma proposta cômica dentro de uma narrativa comum com clichê repetidos em diversos filmes de ação, falta uma credibilidade mínima para que se veja a história como uma paródia e não como um produto mal executado. Eisenberg entrega seu personagem costumeiro entre falas rápidas, pouca expressão facial e um estilo verborrágico que caracteriza um papel deslocado. Não há nenhum carisma ou credibilidade que sustente o passado de agente federal do jovem. Mesmo que algumas cenas sejam bem coreografadas, a falta de porte físico ou traquejo técnico para o ator não lhe dá segurança de que, um dia, foi um homem treinado para o combate e muito menos produz riso por seu estilo desajeitado. Ainda que, mesmo assim, algumas cenas que parodiam o exagero de filmes de ação sejam eficientes de qualquer maneira.

    Além da ausência de credibilidade do ator principal, o roteiro também incomoda quando explora o passado do agente da CIA. As personagens são caricaturais ao extremo, e os intérpretes nem parecem acreditar em si. Há certos momentos que a trama mais parece um filme juvenil de Sessão da Tarde devido a situações inverossímeis e bobas. Porém, esta não é a intenção da paródia, o que prova um desalinho geral da produção, como se não houvesse um trabalho melhor no roteiro para que a sátira fosse bem produzida e equilibrada, desenvolvendo, ou tentando, um estilo próprio.

    Kristen Stewart, que aparece dividindo os cartazes com o outro personagem, pouco aparece em cena, sendo Mike o verdadeiro personagem central. Quando a ação engrena e o casal poderia se juntar e promover boas cenas de ação, seu papel é submetido a mocinha em perigo, perdendo uma boa oportunidade de colocar dois atores fora do mundo de ação para executar cenas do estilo.

    Sem saber exatamente o que o filme tenta parodiar, a produção repete os clichês habituais de maneira incômoda e insossa. Nos Estados Unidos, estreou em sexto lugar nas bilheterias e foi a estreia mais fraca da semana, ficando atrás de A Entidade 2 e Hitman – Agente 47. Sua bilheteria arrecadou pouco mais de 50% de sua produção, um fracasso notável e coerente com uma obra comum e sem nenhuma identidade.

  • Crítica | Garota Sombria Caminha Pela Noite

    Crítica | Garota Sombria Caminha Pela Noite

    Gatoa Sombria Caminha Pela Noite

    A figura do vampiro, criada na literatura e fundamentada no cinema, passou por releituras que nunca perderam suas bases. Anne Rice transformou-a em personagens fatalistas e românticas; Stephenie Meyer lhe deu uma roupagem pop com direito a brilhar quando em contato com o sol. A solidão foi tema de Deixa Ela Entrar, adaptação do romance de John Ajvide Lindqvist. Exemplos que demonstram como esta figura ainda tem apelo e, devido a sua composição, pode ser lida sob diferentes aspectos e interpretações.

    Garota Sombria Caminha Pela Noite se baseia na graphic novel de mesmo título cuja autora, Ana Lily Amirpour, também assina o roteiro e a direção deste longa-metragem. Mantendo a fidelidade narrativa de sua obra, a adaptação foi produzida em preto e branco. Uma referência às cores da história que também explicita um estilo antigo do cinema, quando ainda não havia cores, e o jogo de luz e sombras era executado de maneira diferente. Atualmente, a ausência de cores se torna um diferencial, evocando essa época anterior.

    Semelhante ao conceito de Jim Jarmusch e seus vampiros solitários e entediados em Amantes Eternos, a produção apresenta um conjunto de personagens deslocados, além da garota referida pelo título, uma pessoa explicitamente fora da sociedade e que vaga pela noite à procura de alimento. Desenvolvendo um cunho romântico com doses de terror bem inseridas nas cenas, as ações da garota são suficientes para que o público infira sua solidão. Motivo pelo qual se aproxima de um outro, Arash, tão solitário quanto ela.

    A cidade de Bad City parece ser povoada somente pelos personagens apresentados na história, graças ao vazio do cenário, um local desolado onde nada parece acontecer além de uma usina que funciona 24 horas a todo o vapor. Existências que parecem frias e com poucas conexões, um traficante local, uma prostituta velha, uma criança, um pai viciado, habitam um círculo cotidiano e vazio.

    Quando a garota e Arash se encontram, passam a compartilhar uma existência mínima em conjunto, deslocados e tímidos para saber se estão se relacionando corretamente. A garota vampira é apenas o exemplo máximo de um afastamento que o garoto também sente, como se fosse incapaz de reconhecer outra pessoa como um semelhante.

    Parte das cenas do casal é realizada em um silêncio incômodo, como se ainda não tivessem intimidade suficiente para conversar mas se sentissem satisfeitos com a companhia um do outro. A imagem é fundamental para a interpretação das cenas e dessas lacunas. Conforme conhecemos cada personagem, observamos que todos estão à margem de si mesmos, sem um caminho para seguir.

    O vampiro, como um ser único e solitário, bem como o deslocamento do rapaz, não é inédito, trata-se de um tema interessante de ser abordado mas comum, ainda que seja uma releitura diferenciada do conceito vampiresco. O visual em preto e branco intensifica a visão de um mundo, ao menos, diferente daqueles outros universos ficcionais, e promove uma composição bem realizada em estética com uma bonita história dramática de horror sobre a solidão.

  • Crítica | Atividade Paranormal: Dimensão Fantasma

    Crítica | Atividade Paranormal: Dimensão Fantasma

    Atividade Paranormal Dimensão 1

    Começando sua história através dos flashbacks presentes na parte 3 da franquia, a partir do trecho que explorava a infância de Katie e Kristi, Atividade Paranormal: Dimensão Fantasma se inicia, como a quinta parte de uma cinessérie muito rentável, tanto por seu caráter de cinema pobre em orçamento e proposta quanto pela popularidade enorme junto a público, em especial o latino-americano.

    A direção de Gregory Plotkin, estreante na feitoria de filmes (não que experiência seja necessária para um alvo tão fraco) é frouxa, enquanto a desculpa para registrar os fatos por câmera sequer é explicada, como de praxe. O tempo avança décadas à frente, até 2013, onde se mostra uma família recebendo um parente que acabou de terminar um relacionamento. O tempo previsto para ele sair da casa não foi discutido, o que gera mais um motivo de discórdia inútil e genérica, para ocupar mais tempo na duração que sequer chega a 90 minutos.

    A “detentora” das questões paranormais é Leila (Ivy George), uma inocente menina que é vigiada o tempo todo por seus parentes. O diferencial desta versão seria a câmera utilizada para fazer os registros, equipada para filmagens em três dimensões, fator já utilizado pelo videogame que gravava movimentações em infra-vermelho, quase igualando o recurso a este, o que demonstra que nem o pretenso aspecto que distinguiria Dimensão Fantasma consegue funcionar.

    A utilização de uma criança como figura de terror parecia uma boa ideia, dando prosseguimento a questões levantadas em outros episódios da série cinematográfica, mas ainda assim não é desenvolvida bem. Carpenter, Kubrick e tantos outros mestres do terror já fizeram de infantes figuras malévolas, e ambos já foram muito melhor imitados do que neste Atividade Paranormal: Dimensão Fantasma.

    O filme não consegue funcionar nem como exploração fantasmagórica, nem como continuação para Marcados Pelo Mal – promessa antiga dos produtores – e muito menos como capítulo a finalizar a história, já que não amarra ponta nenhuma, nem mesmo em relação à criatura Toby, que incorre e se debruça sobre a quintologia anterior mal engendrada; nem às questões envolvendo o pequeno Hunter, Wiatt e Robbie ou a Atividade Paranormal 4. O resultado final se assemelha demais a uma versão spin-off, ainda menos ligada aos episódios anteriores que a versão latina, sendo a pior das encarnações por não conseguir atemorizar ou assustar o seu público, sendo mais uma prova cabal da decadência da franquia.

  • Crítica | Fora de Controle

    Crítica | Fora de Controle

    Fora de Controle - Poster

    Antes de estrelar grandes produções e de iniciar a carreira de diretor, Ben Affleck era reconhecido como um ator de comédias românticas e produções variadas de pouco impacto, exceto por seu trabalho nas comédias de Kevin Smith. Em 2002, o astro participou de dois filmes de sucesso, responsáveis por uma possível mudança em sua carreira, não fossem outros futuros filmes fadados ao fracasso.

    Com direção de Robert Michell, cujo filme mais popular e bem-sucedido é o romance Um Lugar Chamado Notting Hill, Fora de Controle reúne Affleck ao lado de Samuel L. Jackson numa crônica sobre o caos urbano. Na trama situada em Nova York, Gavid Banek e Doyle Gibson se envolvem em um acidente de trânsito. Apressados para resolver compromissos inadiáveis, ambos saem prejudicados do local e, após tentativas de contato amigável, decidem se vingar um do outro.

    O caso urbano e a urgência devido à falta de tempo se transformam na causa principal para as ações egoístas das personagens. O embate apresenta os dois lados após o acidente, demonstrando que cada um possui problemas de difícil solução que poderiam ser resolvidos de maneira mais fácil se um apoiasse o outro no momento da colisão, uma metáfora sobre a paciência e a observação diante de questões pontuais.

    O choque não acontece apenas de maneira literal no acidente. Mas também promove uma representação de classes econômicas diferentes e, assim, um retrato sobre a sociedade: o advogado Banek, como profissional mesquinho e sem escrúpulos; enquanto Gibson tenta superar problemas alcoólicos do passado para manter a união familiar. São dois polos diferentes simbolizando uma vida mais material em contraposição ao fator humano. Nos papéis centrais, mesmo que não entreguem uma interpretação além do normal, Affleck e L. Jackson estabelecem bem esta diferenciação, bem como o stress devido ao caos diário.

    O roteiro de Chap Taylor e Michael Tolkin (Impacto Profundo) mantém qualidade tanto na vertente dramática pela crítica aos tempos modernos quanto no humor ao criar situações em que, propositadamente, as personagens tentam se autodestruir. Em nenhum momento, o enredo faz de um personagem mocinho ou vilão, mas pontua que, diante da urbanização estressante, locais onde o tempo é uma forte moeda, momentos caóticos são naturais, sendo necessário bom senso para evitar conflitos.

    Fora de Controle cria uma boa crônica sobre o caos cotidiano em um roteiro equilibrado cuja mensagem explícita sobre harmonia e maior compreensão entre seres é parte da mensagem final. Uma história natural e comum a tantos momentos vividos diariamente.

    Compre: DVD | Blu-Ray

  • Crítica | Falcão: O Campeão dos Campeões

    Crítica | Falcão: O Campeão dos Campeões

    Falcão - O Campeão dos Campeões

    Esse é possivelmente um dos filmes estrelados por Sylvester Stallone mais adorado pelo povo do nosso Brasil varonil. Só não é justo dizer que isso acontece devido às suas incontáveis reprises na Sessão da Tarde. Neste filme, Sly coloca todo o seu carisma à prova e sustenta sozinho toda a trama, o que não é uma tarefa das mais fáceis. Infelizmente, o público não comprou muito a ideia, e Falcão foi um grande fracasso de bilheteria, o que não quer dizer que seja um filme ruim

    Na trama, Stallone interpreta Lincoln Falcão (tradução literal do nome Lincoln Hawk, feita pela distribuidora brasileira da película), um solitário caminhoneiro que tenta se reconectar com o filho após um longo período ausente. Ele então vai até o encontro do garoto em uma academia militar para que juntos partam em uma jornada através do Estados Unidos para se conhecerem e cujo destino final é o campeonato mundial de luta-de-braço (ou queda-de-braço, braço-de-ferro…). Porém, enfrentarão alguns problemas no percurso, como a grave diferença de personalidades e gostos que possuem e o avô do garoto que o quer de volta de qualquer forma.

    Escrito por Stirling Silliphant e pelo próprio Stallone, o roteiro do filme é um baita amontoado de clichês, sejam eles os de superação ou relacionados ao drama familiar que sustenta a subtrama do filme. Porém, enquanto a jornada de superação e glória consegue ser bem tratada, o subplot que envolve a ex-mulher e mãe do filho de Stallone chega a se assemelhar a um dramalhão mexicano. A segunda subtrama, envolvendo todas as armações do avô do garoto para reavê-lo, consegue ser um pouco menos piegas. Já a jornada do herói Falcão é edificante e bem redonda. Ainda que possa parecer estranho, ele não chega a ser aquele herói unidimensional que permeou a carreira de Stallone. Falcão é aquele cara “gente como a gente”, que trabalha pra caramba pra se sustentar e ainda tem que se virar pra garantir uns trocos a mais. Existem alguns outros rombos de roteiro na parte final do filme, mas que não cabe ficar citando aqui. Ficam bem óbvios e não precisa nem de muita atenção para percebê-los.

    A direção de Menahem Golan, responsável por Comando Delta (estrelado por Chuck Norris), é bastante limitada. Porém, ela se sobressai no terço final do filme, quando ocorre o torneio de luta-de-braço. O diretor transforma a disputa em um grande evento com momentos empolgantes. É interessante a maneira com a qual o diretor apresenta os competidores, colocando-os como se estivessem participando de uma entrevista que posteriormente fará parte de um documentário. É uma excelente sacada. A trilha sonora incidental composta por Giorgio Moroder ajuda a tornar tudo ainda mais empolgante.

    Sylvester Stallone abusa de seu carisma para dar vida ao caminhoneiro Falcão, muito por ter ciência de suas limitações dramáticas. O ator compensa esse entrave com muita entrega ao papel e muita energia na atuação. Já David Mendenhall, que interpreta seu filho Mike, é mais canastrão do que Sly jamais foi em toda a sua carreira. A interpretação ruim do garoto torna-o irritante ao extremo, causando o desejo de que Falcão o jogue do caminhão em movimento. Já o veterano Robert Loggia está competente como sempre no papel do vilanesco ex-sogro do protagonista.

    Mesmo que seja um filme um pouco piegas, datado e reprisado ao extremo, Falcão: O Campeão dos Campeões ainda provoca aquela vontade de assisti-lo quando é exibido em alguma reprise. Vocês podem não admitir, mas ainda torcem pelo Falcão, mesmo sabendo de cor o que vai acontecer.

    Compre: Falcão – O Campeão dos Campeões

  • Crítica | Star Wars – Episódio III: A Vingança dos Sith

    Crítica | Star Wars – Episódio III: A Vingança dos Sith

    ep3
    Mito.
    substantivo masculino
    1. 1.
      relato fantástico de tradição oral, ger. protagonizado por seres que encarnam as forças da natureza e os aspectos gerais da condição humana; lenda.
      “m. e lendas dos índios do Xingu”
    2. 2.
      narrativa acerca dos tempos heroicos, que ger. guarda um fundo de verdade.
      “o m. dos argonautas e do velocino de ouro”

    Mito. Para a antropologia é um relato simbólico, levado de geração em geração e que narra e explica a origem de um fenômeno, de um ser vivo, de um grupo ou costume social. Na matemática, é o que (ainda) não pode ser explicado por 1+1. E para o Cinema (que já foi um Mito da tecnologia), é Star Wars.

    O uso desse mito e sua riqueza, toda essa mitologia, na visão de Lucas, impondo a graça de suas simbologias da forma mais divertida possível, é um triunfo em A Vingança dos Sith em todos os sentidos! A história consegue se manter sóbria durante todo o tempo, sem afetações de usar mil personagens, mil cenas de ação e todo o carnaval já conhecido, numa investigação do potencial da galáxia criada em 1977, e com uma reputação quase destruída pelo baixo nível dos filmes de 1983, 1999 e 2002 (O Retorno de Jedi, A Ameaça Fantasma e O Ataque dos Clones). Parece que não seria mais possível construir uma trama boa o bastante para um universo tão rico, até esse A Vingança dos Sith aparecer e fazer as pazes com um público fiel, seguidores sedentos por um verniz de qualidade.

    George Lucas, compadre de Spielberg, sempre pareceu ter uma relação de “te amo, mas te odeio” com sua criatura. Tal George R. R. Martin, criador de Game of Thrones, Lucas sabe que manter os músculos criativos em forma é vital para suportar a enorme pressão de cultivar seu “ganha pão”. É preciso vender o peixe, ouvir o público (o cliente tem sempre a razão) e fazer tudo ser o mais interessante possível. Milagrosamente, A Vingança dos Sith tem a melhor história desde o antigo O Império Contra-Ataca, o melhor exemplar de toda a saga, exalando, no filme de 2005, uma verdadeira ode ao que faz de Star Wars um mito grego homérico de tragédias e vitórias, contudo, nos moldes do grande público pop.

    “E é assim que a liberdade termina: Com um grande aplauso.”

    Porque é lindo ver as intenções da arte casando com as do negócio. No caso, o amor pela história e o lucro almejado pelo estúdio, a Fox. Star Wars em 2005 parou de ser o videogame que começou em 1983 a ser, para reassumir o ares de drama shakespeariano de antes, dando atenção à história, complicada e cheia de elementos, mas sabendo equilibrar toda a mitologia que nos faz adorar a série. É o Poderoso Chefão da jornada nas estrelas, discutindo política, laços familiares e reinvenção pessoal diante dos conflitos da vida. No colosso de Coppola, todos lutam contra ou a favor dos seus princípios pessoais, sendo que no épico de Lucas não há tempo para profundidade filosófica, com ética, moral e valores explorados através de perseguições, conflitos e duelos de (quase) tirar o fôlego.

    É nesse episódio que podemos nos deleitar com a melhor cena de luta da saga, ao som dos hinos militares do maestro John Williams elevando o nível de duas cenas paralelas que, por mera concepção, já seriam épicas de qualquer forma. O problema é quando a mesma trilha-sonora se torna onipresente em todo o filme, como se fosse um musical imponente lotado (obeso) de efeitos especiais, muitos nem um pouco convincentes. O excesso de trilha e CGI é tanto, devido a escala surreal da história, que o filme pode até nos levar à dúvida: Seria uma animação com atores? A quebra de realismo é constante, e personagens e cenários que deveriam convencer, ser críveis, são tão falsos quanto o King Kong de 1966. Curiosidade: A Vingança dos Sith estreou depois da revolução de O Senhor dos Anéis, o que, dentro ou fora de contexto, é quase uma vergonha para o filme de George Lucas. Ainda mais se lembrarmos que, nos anos 70, quem causou uma revolução foi ele.

    O filme de 2005, na verdade, existe para nos dar certeza plena e total que há ordem no universo de Darth Vader, e companhia (Não tem bagunça, não!). Tudo tem uma causa e consequência, e o bem e o mal nem sempre é claro, mas pode ser turvo como um feixe de holograma. Há uma conspiração política prestes a explodir nos confins do universo, a fim de destruir o equilíbrio do poder e levar os de bom coração ao lado negro da força. Lucas não apenas tenta estabelecer o que aconteceu antes do primeiro filme de 1977, mas conta com inteligência e calma como Darth Vader se tornou o Hitler de Star Wars. Como alguém, antes do lado dos anjos, cai e decai tanto em uma só vida?

    O poder corrompe, e o elenco se esforça para que a tensão exale da tela, mais do que qualquer trilha-sonora ou efeito especial consiga fazer. Natalie Portman (Cisne Negro) e Ewan McGregor (Toda Forma de Amor) se destacam por fazer de Obi-Wan e Padmé pessoas em constante apreensão, sentindo ambos na pele de que a escuridão está por vir, e que parte da responsabilidade de evitar tempos difíceis está em suas mãos. É Padmé, mãe de Leia e Luke Skywalker, que solta a frase acima, numa cena de clara referência nazista.

    Tudo está em sintonia, até mesmo Yoda e o supremo chanceler Palpatine carregam o mesmo carisma icônico de sempre, entre tantas outras criaturas inesquecíveis, mas escalar Hayden Christensen como futuro Vader não seria um problema se George Lucas soubesse dirigir um ator, coisa que 30 anos depois ainda se esforça a fazer (umas aulinhas com Spielberg seriam ótimas)… Hayden, de As Virgens Suicidas, luta para encarnar a maldade crescente de Anakin Skywalker, cada vez mais pervertido, num trabalho que Al Pacino recebeu, em 1972, em Chefão, mas Hayden não conta com um Coppola guiando sua atuação. Faz o que pode e se garante, feito todo mundo.

    Ao trabalhar tão bem com expectativas e a reputação de uma cultura (um filme de Star Wars é e tem a própria cultura, por si só, tamanha a carga de signos e dogmas), A Vingança dos Sith não só atualiza o mito, mas esclarece o porquê merece seu status de lenda, e apresenta ainda uma visão mais séria e coerente as lutas de sabres de luz, aos voos de naves inter-espaciais, enfim: Para toda a brincadeira, atribuída por culto a muitos, e que aqui, foi elevada a outro patamar.

  • Crítica | Jonas

    Crítica | Jonas

    Jonas 1

    Estreante na feitoria de longas-metragens, após um bom período como produtora e assistente de direção, Lê Politi apresenta seu Jonas, um filme que remonta elementos da fábula cristã em uma nova roupagem, mais atual, brasileira e claro, sexual. O roteiro de Politi e Élcio Verçosa tem por base a antiquada questão do amor impossível entre pessoas de classes distintas, usando o personagem-título, filho de empregada, como possibilidade romântica da jovem patroa.

    Jonas é vivido por Jesuíta Barbosa, ator que está cada vez mais à vontade no cenário de cinema mainstream brasileiro. O drama paulista flerta levemente com a luta de classes, artifício que serve, claro, de despiste. Curioso é notar que o personagem de Jesuíta permanece com os olhos arregalados o tempo inteiro, talvez por erro da condução, mas que, diante de todo o cenário tragicômico da fita, torna-se até charmoso, abrindo inclusive a possibilidade de este comportamento ser algo premonitório.

    Depois do encontro com Branca (Laura Neiva), e após uma série de flertes, Jonas se vê em meio a uma situação absurda, envolvendo a famosa participação do rapper Criolo (em um dos papéis mais hilariantes do filme), fato que muda completamente o cenário e, claro, as atitudes dos homens. Além da óbvia comparação com a história do profeta foragido bíblico, há um bocado de Pierrot e Colombina no drama mostrado em tela, além de claras alusões ao roteiro de Quentin Tarantino, Amor à Queima-Roupa.

    No último terço há uma clara subida de carisma dos personagens, especialmente de Ariclenes Barroso, que vive Berro, um dos traficantes locais que protagoniza a melhor cena junto a Ana Cecília, quando em ameaça destila um diálogo engraçadíssimo, carregado de espirituosidade. Outro personagem que rouba para si o protagonismo é o jovem Jander, vivido pelo ator mirim Luam Marques, que consegue causar nos espectadores uma sensação de absoluta simpatia e interesse, especialmente por suas tiradas e verborragia pouco observadas nas crianças. Os diálogos bem urdidos fazem lembrar as ótimas conversas presentes nos scripts de Braulio Mantovani em Tropa de Elite e Cidade de Deus, não na gravidade, evidentemente, mas no aspecto de usar frases de efeito curiosas.

    O desfecho de Jonas e dos seus é semelhante ao que aconteceu em toda a sua vida, usando o carnaval paulista e a vida suburbana como background, o que faz toda a tragédia ganhar até mais significado. De fato o argumento não é um primor, mas é certamente compensado pelo tom e pelas atuações dos coadjuvantes, que ofuscam o desempenho pouco convincente de Neiva enquanto protagonista feminina, resultando Jonas em um filme divertido, semelhante aos clássicos de Grande Otelo e Mazzaropi, não em formato, mas bastante em magnetismo humorístico.

  • Crítica | Táxi Teerã

    Crítica | Táxi Teerã

    Taxi Teerã 1

    Exibindo uma face documental e informativo Irã, brincando com a metalinguagem de manter ligada uma câmera junto ao volante do táxi, enquanto o próprio diretor dirige, Taxi Teerã começa como uma nova aventura de mergulho na identidade dos conterrâneos de Jafar Pahani, tão íntima quanto Cortinas Fechadas e Espelho, dois dos filmes anteriores do cineasta.

    Os passageiros que habitam o ambiente de trabalho de Panahi falam sobre assuntos diversos, embarcado normalmente por pessoas importantes do âmbito social do país, não tendo essa importância levada graças a serem “figurões” do cenário político, e sim por serem apenas populares que possuem opinião própria. As conversas travadas revelam detalhes e meandros dos iranianos. Sem saber que fazem parte do filme, elas falam abertamente sobre questões graves, como por exemplo, o fato de serem o segundo país que mais mata seus próprios habitantes, só perdendo em nível global para a China.

    Apesar de ter um tom bem mais leve do que seus filmes anteriores, Panahi ainda apresenta uma face dura de seu país, ainda que sua intenção seja a de resgatar nuances comuns também ao mundo ocidental, tentando humanizar Teerã, desmistificando a visão xenófoba normalmente enquadrada para a cidade. O investigar de Panahi é a pessoas comuns, apresentando ao mundo o ordinário e pacato cidadão de seu país, fator que em termos otimistas, ajudaria a desconstruir a islamofobia tão em voga atualmente, em especial após mais uma série de atentados terroristas assinados por extremistas religiosos.

    A intimidade do homem e de mulher comum vai muito além do espectro religioso ou do fundamentalismo normalmente associado ao iraniano. O exercício narrativo de Panahi tem uma premissa interessante, mas não segue seus quase noventa minutos de duração com a mesma toada entusiasmada, ao contrário, carece de encanto em muitos momentos, tendo até problemas com o ritmo durante a sua execução.

    Taxi Teerã apesar de não muito inspirado, serve bem a discussão recente sobre os detalhes dos povos de países árabes, mostrando uma a afinidade e similitude por eles mesmos, sem filtros e sem barreiras e preconceitos estrangeiristas, funcionando como um ensaio sobre o que importa e o que não importa na normalidade da população do Irã, feito inclusive com esforços e verbas dos populares do país, servindo de manifesto contrário ao que a imprensa estrangeira costuma usar como estereótipo sobre o país.

  • Crítica | Chatô: O Rei do Brasil

    Crítica | Chatô: O Rei do Brasil

    Chatô O Rei do Brasil 1

    Após uma longa espera, aproximadamente vinte anos depois do início da produção, Chatô: O Rei do Brasil chega as salas de cinema brasileiros com uma distribuição curta, fruto do óbvio descrédito que o seu diretor Guilherme Fontes tem após polêmicas que envolvem uso de verba pública, processos criminais e muitos outros espectros polêmicos. O corte de 102 minutos contém uma abordagem singular com um conjunto de influências que vai muito além do comum aos blockbusters brasileiros.

    A obra de Fernando Morais é muito completa, tanto na pesquisa histórica, quanto na construção fantasiosa da figura de Francisco Assis Chautebriand. E a vontade de Fontes – que primariamente sequer seria o diretor – em retratar o comunicólogo passa por óbvias comparações com Cidadão Kane de Orson Welles graças a temática, passando também por uma aura utópica que faz lembrar as viagens mentais de David Cronenberg e o hermetismo visto nos filmes de Jim Jamursch. Na primeira cena, Marco Ricca já aventa uma das origens de Chatô, reunindo elementos típicos do teatro em um dialeto metalinguístico.

    Chateubriand era um homem de excessos e, para representar tais extravagâncias, a fotografia de José Roberto Eliezer, a direção de arte e o roteiro andam lado a lado, em um trabalho primoroso que ajuda a construir o cenário político e midiático o qual o biografado vivia. Além da questão do deslumbre visual, os personagens são bem retratados, em especial Paulo Betti, com um jocoso Vargas (com muito mais alma que Tony Ramos, no filme recente Getúlio), Andrea Beltrão como o interesse amoroso de quase todos os homens, a Senhora Vivi, e até Gabriel de Braga Nunes, como o antigo pupilo e mais tarde rival Rosemberg, em uma performance que faz perguntar o que aconteceu com sua promissora carreira.

    No entanto, apesar das ótimas apresentações de coadjuvantes, que ainda contavam com Leandra Leal adolescente e com o esplendor de Leticia Sabatella, os holofotes estão todos sobre Marco Ricca que consegue como poucos representar o glamour, grosseria e carisma de sua personagem, que infelizmente será pouco visto, graças ao ínfimo número de salas em que será exibido – em torno de quarenta – somando Rio e São Paulo. Tal agouro e o trabalho de guerrilha de Fontes em fazer o filme circular é certamente atrelado ao salário de seus pecados enquanto administrador de verba e como cineasta.

    Muito se fala a respeito desta polêmica, e o conjunto de boatos faz as informações se desencontrarem. A reunião de Fontes com Francis Ford Coppola gerou uma comparação curiosa e bastante irônica, pois, em Apocalypse Now ocorreu também um problema como este com estouro de orçamento e produção demorada – sem verba pública, afinal, a máquina de Hollywood funciona com outros combustíveis. O processo no filme de guerra também se arrastou por anos e o resultado final é uma obra prima, comparável as melhores obras do cineasta. Curioso como um pecado de Copolla tem um peso e o de um inexperiente (e brasileiro) tem para parcela do público e crítica, analistas que se permitem ser tão criteriosos e exigentes, mas que apresentam dois pesos nestes diagnósticos.

    A metalinguagem utilizada no programa de tribunal, aberto ao público é inteligentíssima, conseguindo atingir toda a megalomania e egocentrismo presentes no ideário de Chateubriand, exibindo de modo burlesco, curioso e colorido, ao mesmo tempo em que discute hipocrisia, jogo de poder e influência econômica e social. A harmonia entre o formato e o conteúdo de contestação é impressionante, com um poder pouco visto mesmo dentro do melhor dos cenários dos filmes nacionais.

    Chatô: O Rei do Brasil é fruto de seu meio e filho de sua própria história. A grandeza narrativa e dramatúrgica vista no filme que Fontes orquestrou só fazem sentido graças a atualidade e aos temas políticos discutidos nos anos 2010, em especial no que tange o monopólio midiático. Os paralelos com a manipulação da imprensa são atuais, mostrando que a demora em se definir enquanto filme fez amadurecer o texto do primeiro tratamento do roteiro, claramente modificado em essência, desde sua concepção até o resultado final exibido na tela grande. A política e a origem de Chatô são respeitadas, o que faz valer ainda mais o esforço em tornar real este belo quadro sobre um dos mais notáveis brasileiros que já existiu.

  • Crítica | 007 Contra Spectre

    Crítica | 007 Contra Spectre

    007 Contra Spectre - poster

    Quatro anos após a queda de James Bond e uma audaciosa renovação da personagem, em sincronia com sua época e o estilo de ação formatado nestes anos, o agente britânico retorna às telas para sua 24 ª aventura, demonstrando força desta longeva franquia do cinema. O sucesso de 007 – Operação Skyfall garantiu a Sam Mendes a cadeira da direção, dando continuidade à sua narrativa.

    Como nas demais produções estreladas por Daniel Craig, a obra de Ian Fleming, criador da personagem, se mantém próxima desta nova história, trazendo à tona uma organização criminosa presente em diversos romances do autor. A intenção de promover um recomeço desde Cassino Royale e retornar à base fundamental da obra é coerente. James Bond foi reintroduzido ao público em um formato diferente do habitual.  O cerne da personagem estava presente mas havia uma interpretação mais realista tanto na história como nas cenas de ação, fugindo de outras interpretações anteriores. Um movimento que atingiu o ápice na produção passada com a destruição do universo conhecido.

    007 Contra Spectre é o próximo passo natural que abre um novo momento, realocando a série na tradição de seus filmes após um caminho nunca antes percorrido. A sustentação realista permanece demonstrando que o MI6, e seu projeto de agentes autorizados para matar, pode ser um conceito obsoleto. Sem dúvida, a desconstrução é o cerne deste novo momento, tanto desta franquia quanto de seu parente mais pop, Ethan Hunt, que desde Missão Impossível – Protocolo Fantasma também refletia sobre a importância de atividades de espionagem realizadas em segredo diante de um mundo contemporâneo, conectado e supostamente mais transparente. Ambos são personagens fiéis a uma ordem diferente da atual, que se torna, simultaneamente, obsoleta mas ainda necessária para se manter a ordem.

    A aventura é mais linear e tradicional no quesito espionagem, aproximando-o dos filmes anteriores. É um realocamento das aventuras Bond: ainda na vertente atual, mas inserindo novamente o universo exagerado e charmoso do espião que nunca falha. O senso da realidade dá um passo atrás avisando ao público que estamos diante de uma personagem cujo marco são as cenas impossíveis, o carisma sedutor e um enfoque no qual prevalece a ação.

    Quando o vilão de Christoph Waltz entra em cena, vemos uma composição contrária daquele concebida em Skyfall. O vilão de Javier Bardem era um homem dissonante em uma história realista; nesta Waltz parece um homem real em uma trama com indícios da tradição de Bond. Em pouco tempo em cena junto com o protagonista, sua loucura é expressa pela contenção do ator, motivo pelo qual se projeta o medo. Se novamente compararmos as obras de Craig, a cena de tortura em Cassino Royale e a desta produção têm a mesma base. Porém, enquanto a primeira era brutal e simples, a segunda é elaborada, megalomaníaca, coerente com os grandes vilões que, em maior ou menos grau, desejam dominar o mundo.

    Ao inserir o grupo terrorista SPECTRE, o filme entrelaça suas tramas anteriores, resgatando o necessário para demonstrar que a dinastia de Craig tem uma única e grande história narrada em pontos altos para chegar a este momento. Após a ruptura de Skyfall, os rumos da personagem seriam diferentes se os roteiristas continuassem com queda e crise, talvez descaracterizando James Bond. SPECTRE faz a curva que retorna à pista da tradição da franquia com um vilão megalomaníaco, cênico ao extremo, demonstrando que, realismos à parte, estamos vendo uma obra de ficção.

    Na direção, Sam Mendes compartilha deste preceito e brilha criando cenas que fogem da realidade mas que são um deleite visual, com cenas à meia-luz que intensificam a personagem; contrastes teatrais que trazem poesia à sua história, além de ainda se apoiar em um senso realista nas cenas de ação, pontuais e bem equilibradas.

    Novamente, observamos um novo ponto de transição de James Bond, um movimento de retorno em que a tradição é resgatada com os conceitos deste novo recomeço, um equilíbrio entre a brutalidade da ação com vilões bizarros e planos elaborados, um caminho que aponta para uma última produção com Craig mais próxima deste conceito, mantendo, novamente, em vertentes variadas, o destaque deste grande personagem da ficção.

  • Crítica | Mistress America

    Crítica | Mistress America

    Mistress America 1

    Roteiro de Noah Baumbach com a atriz que já estrelou dois de seus filmes, Greta Gerwig, Mistress America é mais uma história singela, cujo drama parece feito sob medida para a atriz, nos dois papéis principais. O mote do filme envolve a jovem solitária, entediada, carente e ainda assim bela Tracy, vivida por Lola Kirke.

    O estereótipo visual e de idade faz Tracy lembrar uma versão rejuvenescida de Frances, em Frances Ha, substituindo a área artística da dança pela da literatura, mas igualando o mesmo “não pertencimento” ao glamouroso mundo em que tenciona adentrar. O destino faz Tracy encontrar uma pessoa muito mais segura, decidida e de bem com sua identidade pessoal. O fator de união seria o casamento dos pais de ambas, o que faria Brooke (Gerwig) enxergá-la automaticamente como uma irmã caçula, suprindo uma carência afetiva cuja lacuna está vazia desde o falecimento da mãe de Brooke.

    A persona de Brooke é tão curiosa em essência que Tracy se permite usá-la como personagem falha em um conto literário, usando-a como inspiração em um misto de admiração e desdém, tão complexo quanto a montagem que o caráter de um ser adulto deve ser. Brooke é sonhadora, amoral e moderna, feminista e sensível, a ponto de fazer a pretensa escritora rever seus paradigmas, se agarrando sem pensar à rotina da sua nova parente.

    O roteiro toma o cuidado em dar conteúdo e substância à personagem de sua roteirista, mostrando-a como quem usa um pensamento muitas vezes pautado na futilidade, misturando animação e paranoia de um modo que é quase indistinguível onde começa um sentimento e onde termina o outro. Seu jeito verborrágico faz lembrar o personagem clássico de Woody Allen, ainda que haja uma carga de feminilidade mais interessante do que a do desgastado personagem do diretor judeu.

    Brooke é a típica fútil legal, mistura animação e paranoia; se acha certa o tempo todo. Ela faz contraposição à insegurança de uma mulher que tem uma possibilidade de futuro muito lucrativa, em especial graças à sua pouca idade, mas que é atacada pela ansiedade e não consegue desenvolver bem sequer seus próprios desejos, já que não tem clarividência sobre quais seriam esses anseios. Brooke é tão perfeitamente complexa que se assemelha a um personagem literário idealizado, ao mesmo passo em que possui defeitos muito comuns a uma mulher comum.

    Baumbach parece, a partir de O Solteirão, localizar quase todas as suas histórias no mesmo universo particular, não deixando isso tão evidente quanto Scorsese e Tarantino geralmente o fazem, mas dando indícios narrativos filme a filme, seja na repetição de conflitos, seja na construção de pessoas desajeitadas tentando encontrar a definição sentimental, profissional ou de algo que faça sua identidade valer de algo. O roteiro usa o constrangimento para emular carisma, além de uma dose cavalar de emoção, como já é costume do cineasta.

    A direção de Baumbach faz lembrar o recente Enquanto Somos Jovens, embora a ótica da jornada seja a partir dos olhos do jovem que se inspira no mais experiente. A antimoral e vida de pequenos excessos mostram ter seu “preço”, que é a insegurança financeira e emocional, o que faz a mulher mais velha ter de enfrentar os entes de seu passado, acompanhado, claro, uma coleção de pessoas tão ou mais desajustadas que ela.

    Mistress America discorre sobre distúrbios emocionais, como depressão e bipolaridade, além de outras anátemas a doenças mentais, com uma personagem carismática que resiste em ainda ter tesão na vida, apesar dos fracassos e da sua idade que não para de avançar. O desfecho, com reviravoltas semelhantes às de Enquanto Somos Jovens, novamente põe um choque de gerações em pauta, ainda que seja um aspecto secundário, um ponto de partida para um drama sobre desfechos sem despedidas, que, mesmo não sendo tão inspirado quanto o filme anterior de seu diretor, ainda traz uma bela abordagem agridoce sobre as dificuldades em crescer e se tornar responsável por suas próprias inseguranças e medos.

  • Crítica | O Lagosta

    Crítica | O Lagosta

    The Lobster 1

    The Lobster é um filme que funciona fundamentalmente para quem é afeito à filmografia de seu diretor, Yorgos Lanthimos, realizador dos anteriores Alpes e Dente Canino, inclusive reprisando grande parte dos conceitos dos produtos citados. A sinopse do longa é bizarra, fazendo valer conceitos como apatia, concessão e obediência sem discussão.

    A primeira metade do roteiro de Efthymis Filippou funciona quase perfeitamente, gradativamente revelando uma sociedade distópica, baseada em um sistema insano de repressão a quem não possui um par matrimonial, que captura os divorciados e solteiros para alocá-los en um hotel, onde todos teriam 45 dias para conseguir encontrar seu par, sob a pena de, ao final do prazo, ser transformado em um animal. A história é narrada a partir do olhar de David (Colin Farrell), que escolhe para si a possibilidade de virar uma lagosta.

    O esforço para não transmutar faz com que os alocados no hotel tentem achar aspectos em comum, para finalmente formar um par e se ver livre do destino terrível. As instruções dentro da pousada reforçam o maniqueísmo, simplismo e o discurso de ódio, evocando a cultura de estupro, funcionando bem como paródia da banalização comum aos tempos atuais, onde qualquer falácia torna-se automaticamente válida, somente para fortificar argumentos sem base e veracidade.

    Apesar de discutir a comum dependência humana mútua, The Lobster pouco acrescenta, e utiliza-se de um argumento que piora ainda mais ao revelar que a resistência ao regime também vive sob os mesmos preceitos imbecis, demonstrando que não há fuga minimamente aceitável, ainda que em paralelo com o quadro político mundial. Ainda assim, é demasiado simplista para um filme que busca ser irônico. A narração executada por Rachel Weisz ajuda a desmistificar ainda mais o texto que, a priori, deveria evoluir o destaque aos defeitos do estado atual.

  • Crítica | Resident Evil 2: Apocalipse

    Crítica | Resident Evil 2: Apocalipse

    residentevil2-apocalypse 1

    Antes dos eventos do primeiro filme, uma onde de calor toma Racoon City. As cenas que seguem após o breve anúncio mostram que o caráter do Resident Evil 2 Apocalipse é bastante diferente do episódio anterior, fora claro alguns personagens recorrentes. De resto, mal dá pra se notar que este é uma sequência, especialmente pela troca na cadeira de diretor, com o cargo recaindo sobre Alexander Witt , mais acostumado a reger comédias, bastante diferente do que fazia Paul W. S. Anderson – que dessa vez só assina o roteiro e produz o filme.

    Já no início, o espectador é apresentado a um personagem clássico, exibindo Jill Valentine (Siena Guillory), que é basicamente uma mulher de belas curvas que sabe que zumbis morrem com tiros na cabeça, no entanto, não é fria o suficiente para acabar com o martírio de um amigo seu que foi mordido. Essa reticência da personagem se agrava pela superficialidade dos personagens, quem vê o filme não tem possibilidade nenhuma de se sensibilizar com os personagens, dada a falta de substância e estofo neles. Os sujeitos entram, se apresentam e morrem sem acrescentar nada a trama. As cenas de ação são mal filmadas e os truques de câmera são facilmente percebidos, com bungee jumps de helicópteros a corridas na vertical de prédios presos a cordas de rapéu, aspectos que aumentam horrorosamente o nível de vergonha alheia do filme.

    Jill consegue andar de ladinho, em um esforço estranhissimo para emular as características do vídeo game, que em suma, só provaca risos na platéia. Retorna a trama a sobrevivente Alice (Milla Jojovich), que demonstra sua imortalidade ao atravessar uma vidraça de igreja de moto sem nenhum motivo aparente. A câmera acompanha a trajetória dos tiros da mulher guerreira até as motos, unicamente para matar os monstros no cemitério. Ao mostrar a ressurreição dos mortos, que entram em conflito com a dupla feminina na porrada, são apenas alguns dos exageros que dão a tônica do filme, unido é claro as piadinhas repetitivas, mostrando que o mundo pode até acabar, mas o bom humor há de prevalecer sobre as adversidades, mesmo que seja as custas da paciência do espectador.

    A  mudança de caráter da protagonista serve como alegoria a completa falta de substância do roteiro, Alice que antes era reticente  em agir como heroína de ação, neste muda completamente de postura, tornando-se uma máquina de matar, graças provavelemente aos experimentos a que foi submetida, ou talvez pela falta de talento de Witt em dirigir atores. O aspecto mais risível do filme é a relação dela com o antagonista Nemesis, que no game é um vilão amedrontador e na fita é um ente sentimental, digno de pena e que somente não chora por ser feito de borracha e por consequentemente não possuir pálpebras.

    Quando Nemesis (Matthew G. Taylor) anda, lembra muito Shaquille O’Neal em Steel, por parecer um monstro obeso, cuja maior característica ´w dificuldade de locomoção. Ainda assim, o vilão acerta com uma bazuca o “possante” esquadrão de elite da cidade, que por sua vez, não apresentam resistência nenhuma, não justificando a alcunha de tropa especial. O monstro é semi-racional e só obedece ordens, mas ainda assim consegue fazer piadinhas irônicas.

    A luta final é mal urdida e completamente desnecessária, pontuada por um sentimentalismo extremo e bobo. Uma das poucas piadas tragáveis é a forma como uma das personagens mais insuportáveis falece, a repórter que registrava tudo com uma câmera foi atacada por um horda de zumbis juvenis, enquanto a filmadora gravava tudo.A forma como a mega empresa acoberta os incidentes acaba sendo uma das poucas saídas inteligentes do roteiro, mas não justifica nada. O final sem um desfecho real deixa dúvidas na cabeça do espectador, encerrando o argumento de modo apelativo, sensacionalista e pobre como todo a história que corre diante do espectador.

    Compre aqui:  Resident Evil – A Coleção Dvd  |  Blu Ray

  • Crítica | Star Wars – Episódio II: Ataque Dos Clones

    Crítica | Star Wars – Episódio II: Ataque Dos Clones

    ep2

    Após a fria recepção de A Ameaça Fantasma pela crítica e pelo público, tudo indicava que a legião de fãs da saga havia perdido o brilho nos olhos, e que a ansiedade em torno de sua volta ao cinema cairia por terra. Porém, em Ataque dos Clones, George Lucas consegue (ou conseguiu) provar que o universo criado em 1977 ainda é capaz de causar algum impacto no coração dos fãs.

    Dez anos após os acontecimentos do antecessor, a trama gira em torno de um movimento separatista liderado por Conde Dooku (Christopher Lee), que tem como um de seus objetivos assassinar a agora senadora Padme Amidala (Natalie Portman). Com o intuito de protegê-la, o Conselho Jedi convoca Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) e seu aprendiz padawan, Anakin Skywalker (Hayden Christensen). Enquanto Obi-Wan parte para investigações, Anakin é designado para proteger a senadora.

    Se em A Ameaça Fantasma a decepção reside na trama fraca e no clima irritantemente infantil, Ataque dos Clones consegue corrigir grande parte dos defeitos do antecessor, nos oferecendo uma história melhor desenvolvida (ainda que imperfeita) e um visual que, em partes, recria a maturidade dos primeiros filmes, além das ótimas cenas de ação, e que correspondem aos acontecimentos, não sendo só um show visual com inimigos vindo de lugar nenhum como no episódio anterior.

    Após um início eletrizante, o filme passa a sofrer com sérios problemas de ritmo ao se dividir em dois, quando Anakin parte com a senadora em sua missão. Tem início um dos períodos mais cruciais da história a franquia: o romance que levaria ao nascimento dos protagonistas dos acontecimentos futuros. E é pelo peso que carrega que merecia melhor desenvolvimento. Parece não haver química ou simpatia entre Christensen e Portman mesmo quando a relação é desnecessariamente invadida. Fica a sensação de que o romance é mera exigência da história, e não algo que foi construído naturalmente pelos personagens.

    O filme carrega como um de seus maiores defeitos a falta de empatia de Hayden Christensen, que parece ter seguido o exemplo da versão mirim de seu personagem, e não transmite emoção alguma, elemento essencial ao desenvolvimento de seu personagem, e mesmo dando lampejos do que se tornaria, seja em suas inúmeras discussões com seu mestre e nos debates com a senadora, o ator é incapaz de mostrar capacidade de se tornar quem se tornaria.

    Por outro lado, a investigação de Obi-Wan nos entrega alguns dos momentos mais envolventes do filme, protagonizados por um excelente Ewan McGregor que troca o semblante impetuoso do episódio anterior pelos traços do poderoso guerreiro que é, referenciando a imortalizada figura sábia criada por Alec Guiness na trilogia original.

    Os três anos que separam Ataque dos Clones de seu antecessor foram marcados por uma evolução tecnológica enorme, permitindo que o episódio se tornasse um verdadeiro show de efeitos em vários momentos, mas o exagero de George Lucas tira partes do charme mais “rústico” que marca a trilogia original ao tentar mostrar sinais de evolução na franquia, de forma que possamos ver o mundo que sempre teve em mente. Porém, um dos maiores destaques da direção “exagerada” de Lucas são suas cenas de ação, conduzidas com fluidez e naturalidade, explorando ao máximo os cenários virtuosísticos e a tecnologia digital da qual dispunha. Algumas das batalhas aqui travadas são até hoje lembradas como alguns dos melhores momentos da franquia.

    Se A Ameaça Fantasma fez toda a ansiedade em torno do retorno de Star Wars cair, sua sequência foi capaz de recuperar boa parte da magia da saga. É inegável que, quando os créditos começam a subir e começamos a refletir sobre o que vimos nas últimas duas horas, percebemos que a trama não é maravilhosa, que o roteiro é recheado de momentos desnecessários e forçados, e que alguns dos momentos mais importantes foram banalizados sem hesitação. Entretanto, como todos os filmes da saga, Ataque dos Clones não foi feito para ser “pensado”, mas apenas “sentido”.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Crítica | Deadly Adoption

    Crítica | Deadly Adoption

    A Deadly Adoption 1

    Executado de maneira próxima ao formato de telefilme, Deadly Adoption é dirigido por Rachel Goldenberg (do jocoso Z Nation) com texto de Andrew Steele, que já havia trabalhado com Will Ferrell em Casa de Mi Padre. A premissa do filme é “séria”, apesar do protagonismo dos ex-astros do Saturday Night Live; na verdade tem o tom e paródia dos grandes dramas do próprio Lifetime.

    Sarah (Kristen Wiig) e Robert Benson (Ferrell) são um casal feliz no começo da fita, que vivem dos louros do marido best-seller, mas que se veem em um trauma enorme: um acidente caseiro que os faz perderem seu bebê ainda em gestação. A partir dali, dramas cotidianos seriam retratados sob cenas em ambientes abertos e de luz predominante, como nas novelas dos Estados Unidos, além de mostrar um script cheio de falas toscas que explicitam de modo óbvio a vida comum do subúrbio.

    A busca de um novo filho ocorre cinco anos após o fatídico acontecimento, e Robert se torna muito desconfiado, mesmo ao tentar adotar uma criança, somente melhorando sua visão a respeito ao conhecer Bridgette (Jessica Lowndes), uma linda moça grávida, que aos poucos passa a habitar o cotidiano da família, inclusive abraçando de modo terno a pequena Sully (Alyvia Alyn Lind ), filha do casal que é superprotegida pelo patriarca graças aos seus problemas com glicemia.

    Aos poucos, se desenvolve uma estranha relação da moça, a qual se dizia leitora de Benson e que tenta se aproximar lascivamente do pai da família, semelhante ao visto em A Mão Que Balança o Berço, ainda que de modo suave e pasteurizado, e supostamente sem ideais de assassinato – ao menos não tão escancarado quanto a versão com a babá. De maneira bem óbvia, há uma exploração do passado do escritor, explicitando de modo imbecil suas indiscrições no passado. Ainda que o tom de humor seja sutil demais em comparação com os demais filmes de Ferrell, é praticamente impossível não notar que os dramas apresentados possuem um tom de pastiche, mesmo para os desavisados.

    Uma trama de rapto logo se desenvolve, do modo mais sensacionalista e pífio possível, com um protagonista completamente engessado e sem capacidade de sentir qualquer coisa que não esteja previamente programado em sua rotina. As cenas que exigem maior talento dramatúrgico são feitas com coreografias e rotinas bastante patéticas, pois os criminosos são estúpidos, só perdendo em burrice para os personagens que fazem parte da mentalidade média americana.

    A irrealidade de Deadly Adoption se aproxima de ser engraçada, mas o tom ainda não vence. Claro como os olhos azuis de Ferrell, o filme guarda suas besteiras para um final em que o comediante banca Chuck Norris, pegando emprestado sua barba, sua pose de herói falido e uma trilha sonora tosca, que tenta ser edificante, tudo isso para remir seus pecados, traumas e afins, ao tentar achar sua filha e claro, exibir seu dublê – que nada tem a ver com o ator original.

    Os atos de bravura maniqueístas ganham ações de praticamente todos os membros do principal núcleo familiar, aumentando o nível de cafonice a camadas estratosféricas, que automaticamente tratam de fazer o clã vencer seus medos. Tudo a ponto de terminar o longa fazendo passinhos de dança, que explicitam o caráter de deboche que a obra teimava em não imprimir em toda sua extensão, o que faz causar lamentos, já que ela poderia ser bastante engraçada e apenas arranhar a superfície.

  • Crítica | Amizade Desfeita

    Crítica | Amizade Desfeita

    Amizade Desfeita 1

    Começando como um arquivo em vídeo em formato web que parece não estar totalmente funcional, Amizade Desfeita é um longa-metragem de terror dirigido pelo cineasta da Georgia Leo Gabriadze, que depende bastante do seu formato como conversa da internet para funcionar. O mote do roteiro se baseia na invasão de privacidade e evasão de informação pela Internet.

    O início do filme mostra conversas de adolescentes via skype, primeiro de um casal se desnudando na frente um do outro, para depois tornar-se uma vídeo-chamada em grupo, onde seis adolescentes falam sobre as bizarrices escolares, focando especialmente no caso de Laura Barns, uma menina que teve um vídeo íntimo vazado e que se matou após isso. Aparentemente os perfis de redes sociais dela foram hackeados, o que causa furor em meio aos adolescentes, piorando quando percebem que seu avatar no Skype está na conversa, e quando fotos privadas dos mesmos começam a cair nas redes sociais abertas.

    Aos poucos a situação se agrava, com o desaparecimento dos jovens um a um, e um mistério que consegue driblar inclusive a vigilâncias das webcams que estão sempre ligadas. Problemas técnicos de má conexão ajudam a manter a aura de suspense acesa e cenas grotescas e violentas ocorrem, vitimando os juvenis bem ao estilo dos slasher movies.

    Com o decorrer do longa, a confiança dos amigos começa a ser minada entre eles mesmos, através de uma temática baseada no falso moralismo e no conservadorismo que supostamente não deveria estar no comportamento deles, mas que se torna gritante diante dos segredos descobertos. O stress causado pelas revelações joga os rapazes  em um nível de passionalidade absurdo, algo que é agravado pela abordagem semelhante a de Jogos Mortais.

    Amizade Desfeita é um filme que depende fundamentalmente de seu formato para ser certeiro, se valendo de uma fórmula bastante barata, que se apropria de uma história simples e que não precisa sequer de muito aprofundamento nos personagens, já que se utiliza apenas de arquétipos.

    A gravidade não está no filme em si, mas na possibilidade de se tornar uma franquia como a de Atividade Paranormal, onde basicamente se reciclam os mesmos elementos rumo a eternidade, sem nada a acrescentar, nem a proposta e nem ao ideário de filmes de horror. A produção é um exercício de suspense interessante de Grabiadze, com um frescor que está bastante em falta no cenário de terror mainstream atual.

  • Crítica | Impacto Fulminante

    Crítica | Impacto Fulminante

    Impacto Fulminante

    Sete anos depois da parte três da franquia Dirty Harry, Clint Eastwood decidiria pela primeira (e única) vez assumir a direção de um filme sobre seu personagem mais famoso, supostamente para salvar Impacto Fulminante da continuação caça-níqueis, um arquétipo que o ícone que era Callahan ajudou a construir no cenário de ação do cinema norte-americano.

    O tom de autoparódia é notado logo em seu início, quando Callahan agride verbalmente um bandido que acabou de ser absolvido pelo sistema legal, usando frases de efeito e um comportamento bastante canastrão, auge que se dá por uma veia sobressaltada na testa de Eastwood. Finalmente os métodos ultra violentos do policial são discutidos, gerando a partir daí uma atitude enérgica, de afastamento deste que é transferido de São Francisco para a Califórnia, onde deveria apenas descansar, o que evidentemente não ocorre.

    A galhofa do filme prossegue, com demonstrações de tiros de Dirty Harry com uma Magnum cujo cano se assemelha a uma vareta de tão grande, bem como o retorno de Albert Popwell em sua quarta participação na franquia, com seu quarto personagem diferente, dessa vez como o amigo do anti-herói, Horace King, um especialista em armas.

    Novamente o detetive se vê em meio a assassinatos em série, mas não ao modo comumente mostrado pelo cinema mainstream. Jennifer Spence, vivida por Sondra Locke, é uma artista que é violentada sexualmente. As lembranças do ato nefasto são traumáticas e reúnem as melhores e mais inspiradas cenas organizadas pelo diretor, que se vale de ângulos estratégicos para causar no público a mesma repulsa ao ato que a vítima sofreu.

    As pinturas da artista retratam as perturbações de uma mulher, remetendo à desconstrução do ser feminino, servindo até de esconderijo para os crimes que ela comete, assassinando cada um dos envolvidos em seu estupro, em cenas nas quais a violência caricatural serve de válvula de escape, como um “descanso” para o caos social em que o filme está inserido, justificando o tom burlesco dos opositores.

    Apesar do final apressado, que inverte os arquétipos de agressor e refém, construídos no decorrer do filme, Impacto Fulminante consegue, por muito pouco, ultrapassar a barreira de ser apenas uma sequência tardia, principalmente por possuir uma direção inspirada, que garante muitos bons momentos para um roteiro que não chega nem perto de ultrapassar a linha da mediocridade.