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  • Crítica | Duna

    Crítica | Duna

    Minhas expectativas para Duna estavam em xeque, não li a série de livros do Frank Herbert, tampouco sou um admirador da adaptação cinematográfica de 1984. Não tenho qualquer valor afetivo pelo material, aliás, não tinha, pois o novo longa de Denis Villeneuve me deixou esfaimado por mais. Isso seria bom se o próximo filme já estivesse confirmado, mas é uma estratégia arriscada quando a progressão da história depende de seu sucesso financeiro. Duna (que começa com o subtítulo parte um) é maravilhoso, mas perde o sentido se não tivermos direito a uma continuação.

    Não vejo problema em dividir uma obra em duas ou três partes, mas é preciso uma cautela narrativa em relação à codependência das histórias, pois cada filme precisa funcionar individualmente. Peguemos como exemplo o final de Kill Bill: Volume 1. Todos sabemos que a jornada da personagem de Uma Thurman não acabou, ela quer matar Bill, e precisaremos de mais um filme para isso. Funciona porque a épica batalha contra os crazy 88, e o confronto com O-Ren Isshii dão ao espectador algum senso de desfecho, pelo menos a nível estrutural. A história vai continuar, mas o filme tem um ato final, e isso não acontece com Duna, que abruptamente acaba.

    Nosso protagonista é um jovem duque que vem lidando com sonhos premonitórios, super poderes de persuasão, e que pode ou não ser “o escolhido” de acordo a uma profecia. Ele acompanha seu pai até ao planeta Arrakis (Duna), que possui a cobiçada substância “spice” (funciona basicamente como magia), além de minhocas gigantes e areia. O que segue é um drama político sci-fi grandioso que me fez coçar a cabeça lá e cá. Muitos conceitos são tangencialmente abordados, gestos ou menções que presumem um conhecimento que pode desorientar a quem está explorando esse universo pela primeira vez. Da iconografia meticulosamente criada, às diretrizes culturais do figurino, à fantástica e plausível mitologia, há tanto para explorar aqui que me senti um pouco extraviado, mas não a ponto de perder o foco do conflito central que, como sempre, é motivado pela fortuna (invasão de um planeta para extração um recurso precioso, yada yada yada…).

    Villeneuve não gosta de economizar planos, é um diretor paciente, que exige o mesmo do seu público, e o recompensa com incansáveis ostentações composicionais. É como se ele competisse com ele mesmo a cada corte pelo melhor ângulo, pelo enquadramento perfeito, pela simetria sublime, e ele costuma vencer. Pra melhorar, ele tem Hans Zimmer fazendo a música, que cria um climão de guerra com a percussão (a cinematografia ajuda a compor essa atmosfera, e notam-se as homenagens a clássicos como Apocalypse Now e Lawrence da Arábia). Há uma ou outra batida onde a melodia quis me levar na marra, mas é uma trilha lamuriosa e ao mesmo tempo berrante. A gaita de fole não rolou pra mim, mas lembrei de Coração Valente, então ficou tudo bem.

    Tudo é desbundante em Duna, mesmo sendo todo cinza ou bege. Tecnicamente o filme é perfeito, mas a eutimia narrativa do diretor continua sendo um gosto adquirido. Se Blade Runner 2049 te pôs pra dormir, aqui provavelmente não será diferente. E não é um estilo que favorece as sequências de ação, que apesar de muito vistosas, precisavam de uma energia que quebrasse a melancolia subjacente. As minhoconas, por exemplo, prometem mais do que cumprem.

    Os efeitos visuais são perfeitamente integrados aos práticos, a criação de mundo é um barato (adorei os helicópteros insectóides), e eu preciso enaltecer o simples e eficiente uso do escudo com o contraste azul x vermelho, e como é satisfatório vê-lo no lugar daquela aberração de 84.

    Timothée Chalamet tem carisma de sobra. Ele se porta exatamente como um duque em construção, deixando transparecer a insegurança de quem carrega uma série de incertezas. E o diretor sabe que ele é um fofo, abusando dos close-ups do nosso herói contemplando sobre a vida com seu cabelo formidável. Rebecca Ferguson tem uma intensidade fortíssima nos olhos, o elemento de sua angústia materna é responsável pelas cenas mais emocionalmente carregadas do filme. A comunicação dela com o filho é bem trabalhada, e as camadas da dinâmica desse relacionamento estão apenas começando a cair. Oscar Isaac não atrapalha, mas não parece completamente confortável com o personagem. Ainda assim, uma de suas cenas certamente será lembrada. Jason Momoa tem uma das piadas do filme, é engraçadinha. Ele traz uma energia necessária ao ritmo remansoso, e sua ausência é frequentemente sentida. A outra piada é do Javier Bardem, ele não tem muito mais pra fazer, mas a cena é, de novo, engraçadinha. Há uma baixa dose de humor aqui, suficiente para pequenas descontrações sem afetar o tom austero predominante. A personagem de Sharon Duncan-Brewster é subdesenvolvida, Josh Brolin funciona (seus diálogos não ajudam), e Dave Bautista não. Ele não parece ter um lugar nesse universo, é apenas um bruto que é grandão porque sim, e a cena em que ele precisa demonstrar indignação é difícil de assistir. Stellan Skarsgård faz um vilão excepcionalmente grotesco e genuinamente ameaçador. Quero distância total desse cara, eca! Zendaya está no filme para soltar um trocadilho bem bolado e estimular o público com a possibilidade de mais tempo com sua presença celeste no filme seguinte.

    Duna pode parecer derivado, mas é justamente o contrário. O material fonte é tão influente que se tornou vítima das futuras criações que inspirou. Quando vi o elemento da Voz, lembrei imediatamente de Obi-Wan Kenobi usando a Força em 77, e não me pareceu justo. Mad Max, Alien, Blade Runner… muitos clássicos beberam alguma dose dessa fonte, preciso criar vergonha na cara e ler o primeiro livro.

    Nota: 8.9

  • Resenha | Duna – Frank Herbert

    Resenha | Duna – Frank Herbert

    “Deus criou Arrakis para treinar os fiéis.” – ditado fremen, o povo da areia.

    Eis o destino cármico para a humanidade, ou pelo menos, para os destemidos que fazem de tudo pelo poder. Arrakis é o planeta Duna, lugarejo impróprio a vida humana e que carrega consigo um fatalismo inevitável – não só por suas terríveis condições naturais, mas pelos vermes de areia gigantescos que lá residem. Um inferno planetário, árido e hostil, com tempestades cujos ventos retiram até a carne dos ossos de alguém, e que esconde sob as infinitas dunas desta Terra desértica, a valiosa ménange. Uma especiaria que dá poderes a quem a consome, e se vicia, e que só é encontrada na desolação e nos perigos de Arrakis. Dispensável dizer que muitos poderosos a ambicionam, numa guerra cada vez mais oficializada pelo controle da droga, custe o que custar, a menos que as lendas e profecias dos fremen sejam reais, e um salvador, o tão esperado Kwisatz Haderach, venha de fato unir os povos dentro e fora de Duna e trazer consciência (e limites) a ganância dos homens.

    No gênero de fantasia, o clichê nunca some ao apontar O Senhor dos Anéis como seu expoente máximo, tal qual Duna, clássico de Frank Herbert, como a magnum opus literária da ficção-científica. É porque, às vezes, todo clichê é inevitável quando este é real. Há um pedaço vital de Duna em todo e qualquer produto extremamente popular do gênero pós-1965, incluindo Star Wars, Harry Potter, Jogos Vorazes, Game of Thrones, ou ainda na maravilhosa série Arquivo-X dos anos 90. O que Frank Herbert conseguiu em Duna, antes de mais nada, foi revitalizar a essência questionadora, e utópica das obras basilares de Aldous Huxley e Philip K. Dick, os titãs da ficção- científica do início do século XX (autores obrigatórios), e inserir doses explícitas de política na idealização de um planeta com um sistema e religião próprias, mitos e temores particulares, e tecnologias que visam a sobrevivência da espécie, mas que pode resultar no extermínio de um ecossistema inteiro. Duna consegue ser utópico e distópico ao mesmo tempo, estruturando tudo num contexto engenhosamente político, sob um realismo fantástico profundo, e impecável.

    O livro poderia também se chamar Onde os Fracos Não Têm Vez, uma vez que o duque Leto Atreides, ótimo pai e marido, homem de bom coração, aceitou se mudar para Arrakis a fim de administrar toda a extração do ménange, se achando astuto o suficiente para evitar traidores – nada maquiavélico ele, no uso original do termo. Quando a família Atreides sai de seu planeta Caladan e vão todos enfrentar, diretamente, a realidade que esconde os temidos vermes gigantes, um misterioso povo guerreiro cuja água é o mais inestimável bem, inexistente sob um sol vermelho escaldante, e muitos outros segredos além do horizonte, tudo começa a mudar, como se o destino exclamasse: “Vocês não deveriam estar aqui”. Não demora muito para o plano de poder dos Atreides dar errado, e assim, Lady Jessica e o filho de Leto, o jovem Paul Atreides, têm suas vidas mudadas por um jogo de interesses interplanetários enraizado em Arrakis, num amplo esquema de corrupção política que não poupa ninguém – Duna é o Brasil e ninguém percebeu isso?

    Presos numa armadilha que Leto sem saber os colocou, esposa e filho lutam por suas vidas, entregues a sorte e ao azar, enquanto o asqueroso barão Vladimir Harkonnen (a grande inspiração para Darth Vader, entre muitas outras que George Lucas usou em Star Wars) trama diabolicamente esquemas e intrigas para controlar Arrakis e o seu “petróleo”, a substância que aumenta a força psíquica, e mediúnica, do ser-humano. Mas os altos escalões sempre subestimam a força popular, e na sua jornada contra a morte, Jéssica e Paul descobrem que há futuro e salvação entre os “rebeldes” fremen, uma espécie de cangaceiros do deserto e que não se curvam as forças militares do barão Harkonnen! Diante de tantas subtramas assim, e uma miscelânea de personagens que ao final não queremos nos afastar, a narrativa em terceira pessoa de Frank Herbert é quase sempre sublime, deixando algumas passagens ser tão célebres quanto poderiam ser, de fato – vide sua habilidade em organizar tramas paralelas (e fazer isso parecer que é simples).

    Herbert fez de Duna o romance da sua vida, a viagem inesquecível, seu pomo de ouro, pelo menos neste primeiro volume. Mestre com seus diálogos e suas frases de efeito, sendo a mais famosa “Não terei medo, o medo mata a mente.”, dita por Paul, o escritor construiu em pouco mais de 600 páginas um monumento dificílimo de adaptar para o cinema ou TV, devido a força e aos detalhes de suas palavras; a magnitude definitiva de sua grande alegoria política, quase que impossível de ser superada em filme ou série, apenas copiada. Por ser a obra de ficção-científica mais vendida (e uma das mais inspiradoras) da história, desde 1965, e publicada com grande apreço e carinho no Brasil pela Editora Aleph, Duna justifica sua popularidade universal a cada um dos seus capítulos, os quais possuem trechos iniciais retirados de uma espécie de bíblia do sábio e nômade povo de Arrakis. Este, sempre à espera de um salvador, de um guia, ou de uma força extra, como preferir. E quem não está?


  • Crítica | Duna de Jodorowsky

    Crítica | Duna de Jodorowsky

    Duna de Jodorowsky 1

    Focado em uma das figuras que tencionavam deixar claro que o cinema é muito mais arte do que indústria, o documentário de Frank Pavich retrata as inspiradas falas de Alejandro Jodorowsky, a respeito do que seria a sua versão do clássico de Frank Herbert. Duna de Jodorowsky tenta em um esforço hercúleo retratar como teria sido o tal filme, que apesar de jamais ter visto a luz do dia e não ter chegado a grande tela, influenciou praticamente todo o cenário cinematográfico de sci-fi dos anos sessenta e posteriores.

    Reverenciando o artista, o documentário passa rapidamente pelo fenômeno que ocorreu nos cinemas pelas madrugadas’ com o western El Topo, além de louvar também Montanha Mágica, que por si só é bastante psicodélico. A trajetória inclui também o conhecimento do realizador junto ao quadrinista Moebius, que passou a sonhar com ele a feitoria do que seria o seu “pessoal” Duna, exibindo uma face ainda mais ácida do que a vista na versão de Lynch. A remontagem das artes conceituais em movimento revelam uma adoração a Moebius e Jodorowsky, além de contemplar belamente o que deveria ter sido, tangendo o que podia ter sido algo mágico.

    A personalidade de Alejandro era única, e seu domínio deveria ser pleno, o que impediu até o aporte do especialista em efeitos especiais Doug Trumbull, que havia trabalhado com Kubrick em 2001. Os detalhes vão desde esta recusa até a aproximação de Dan O’Bannon, que acabava de estrelar e escrever Dark Star. O processo de formação do filme começava a tomar forma, juntando-se ao time a estrela em ascensão David Carradine, que tinha em seu Kung Fu uma porção de influências de El Topo. O conjunto de texto e visual do filme tinha um caráter messiânico, transparecendo desde a construção dos desenhos que seria um divisor de águas, mesmo antes do advento dos blockbusters.

    Jodorowsky tinha poesia até em suas explicações, falando de maneira apaixonada sobre as semelhanças entre os clássicos de ficção científica espaciais e o teatro, tornando o conceito de space opera em algo ainda mais literal. O design de roupas e máquinas, as cores saturadas que predominariam até sobre o ambiente desértico, compunham um quadro de qualidade abordagem ímpar.

    As influências de Dali, vistas em porções inteiras da arte conceitual tomou forma carnal no desejo de Alejandro em incluí-lo no elenco, mesmo sabendo que seria difícil fazer ele aceitar. A mistura de elementos envolveu também H R Giger, muito antes de sua concepção mais famosa, em Alien, o Oitavo Passageiro, dali sairia o início do tom gótico dos Hakkonen, os vilões daquele universo. O conjunto de personalidades de campos completamente diversos incluiria a banda gótica Magma, Mick Jagger no auge da carreira e Orson Welles, quando já era mal visto por Hollywood, enquanto só fazia beber e comer, mas ainda considerado um gênio por Alejandro.

    A raiva passada nas palavras do realizador, revela o cansaço não só pela não execução de seu filme, mas também pelo desastre decadente em que o formato de arte se inseria, uma vez que foi o fator monetário que o manietou e o impediu de seguir em frente em sua proposta surrealista, o que resultou na “retirada”, através de um parente de Dino de Laurentis que entregou a David Lynch, que por sua vez também teve seu filme retalhado pelos produtores.

    A direção e escolha de ângulos e cenários feitos por Pavich é belíssima, e emula em grande parte a genialidade de Jodorowsky em conceber seu projeto, que apesar de não ter ganho as telas, influenciou dezenas de filmes, desde bombas como Mestres do Universo, Flash Gordon de 1980 e Prometheus até clássicos comerciais e cults, como Star Wars, Caçadores da Arca Perdida, O Exterminador do Futuro, Contato, entre outros, herdeiros morais daquele Duna, alguns filhos que provocam orgulho e outros que fazem rir e sentir vergonha, mostrando neste “clã” um paralelo com qualquer família comum e ordinária.

    Duna de Jodorowsky serviu especialmente para reunir novamente o cineasta autor de seu comparsa de longa data Michel Seydoux, que jamais haviam se encontrado até então, depois da não realização do filme, o que gerou uma série de conversas e a parceria em A Dança da Realidade, exibido em Cannes em 2013, treze anos depois de O Ladrão do Arco-Íris, último filme de Alejandro. Não bastasse o reencontro cósmico, o documentário possui um classicismo mágico, capaz de fazer sua plateia viajar sonhar com o que poderia ser este Duna, além de louvar o legado e a obra posterior dos envolvidos.

  • Agenda Cultural 07 | Zumbis, Gatos Cantantes e a Ilha “Psicodélica” de Lost

    Agenda Cultural 07 | Zumbis, Gatos Cantantes e a Ilha “Psicodélica” de Lost

    Sétima edição do nosso encontro cultural semanal. Dessa vez sem um dos integrantes habituais, mas de volta com o Carlos Voltor (@CarlosVoltor), juntamente com Amilton Brandão (@amiltonsena) e Mario Abbade (@fanaticc). Se reúnem para comentar tudo o que está rolando no circuito cultural dessa semana, com as principais dicas em cinema, teatro, seriados, quadrinhos e cenário musical.  Não perca tempo e ouça agora o seu guia da semana.

    Duração: 57 min.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira

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    Comentados na edição

    Literatura

    Duna – Frank Herbert

    Games

    Left 4 Dead 2
    Bioshock 2

    Séries

    Lost – Series Finale
    Mistérios Catalogados: Resolvidos/Pendentes
    Aloha to Lost – Especial Jimmy Kimmel (após o final da série)

    Música

    Cats: O Musical

    Cinema

    Carros Usados, Vendedores Pirados
    Em Teu Nome
    Crítica O Escritor Fantasma
    Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague
    No Meio do Mundo
    Olhos Azuis
    Pânico na Neve
    Sex and the City 2

    Dica da Semana 

    Evento GLBT em SP

    Comentados na leitura de e-mails

    Flávio no Masmorra Cast (especial Dio)
    Amilton no PodMMO sobre Diablo
    Sextacast
    Mitografias – Podcast sobre Mitologia
    Farrazine