Tag: John Lithgow

  • Crítica | Cemitério Maldito (2019)

    Crítica | Cemitério Maldito (2019)

    Após 30 anos da primeira versão de Cemitério Maldito, os diretores do (excelente) Starry Eyes, Kevin Kölsch e Dennis Widmyer, trazem à luz uma volta a Ludlow, cidade cenário do romance de Stephen King, O Cemitério e já em seu início ele mostra uma versão bastante diferente de Mary Lambert. Em alguns momentos, o filme apresenta ótimas idéias e conceitos interessantes, mas que não são minimamente desenvolvidos.

    Essa versão de Cemitério Maldito tem uma fidelidade maior com o material original. O Louis Creed de Jason Clarke é incrédulo, e faz questão de mostrar a todos que é ateu, até a sua filha, Ellie, feita por Jeté Lawrence. Na relação de pai e filha mora a face mais emocional do filme, mas mesmo essa faceta é mal desenvolvida ao longo da trama. Desde o começo do filme se percebe uma aura sombria, não há sutileza, toda sorte de pessoas e situações parecem excessivamente dark e carregadas de malignidade, destoando completamente da obra original.

    Ao menos do ponto de vista do gore, Widmyer e Kolsch acertam. O filme não tem receio em ser asqueroso ao expor sangue, mesmo contando com um elenco infantil. No entanto, até essa qualidade visual é discutível por conta do excesso de cenas escuras. O elenco também não funciona muito bem, John Litgow faz um vizinho de origem estranha, cuja motivação não se explica e não se dá nenhuma importância, nem por seus sentimentos ou passado. As sensações e o carinho que ele diz ter pelas crianças dos Creed não faz sentido, pois ele sequer parece gostar de crianças. As obviedades do roteiro de Matte Greenberg e Jeff  Buhler irritam e tiram a atenção do espectador. Os efeitos ligados a Church, o gato-zumbi, são terríveis, assim como seu comportamento passivo-agressivo.

    O  desenrolar do final assusta com a falta de sentido, independente da troca da criança que será perdida (apesar de também haver um peso diferente entre perder uma criança e um bebê, mas tudo bem), e sim por conta do que se desenha, já que não faz sentido nem por conta do trauma que Louis sofre e nem com o desenrolar dos acontecimentos. Cemitério Maldito é surpreendente por ser tão mal pensado e executado.

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  • Crítica | Brincando nos Campos do Senhor

    Crítica | Brincando nos Campos do Senhor

    A busca e a conquista pela naturalidade das histórias cinematográficas é o mote que guiou o cineasta Hector Babenco no filme mais ambicioso de sua autoria, acerca da busca e da conquista de uma população “selvagem” por religiosos americanos infiltrados em uma comunidade indígena amazona. Através desse trabalho de catequização e imposição de um casal branco e evangélico, Babenco procura o efeito rústico e, como já mencionado, natural de filmar causas e consequências cuja forma no filme tem substancialmente a ver com toda a natureza ambiental ao redor, e com os próprios sentidos percebidos e subentendidos de Brincando nos Campos do Senhor.

    Ao longo de quase três horas de exibição, fica difícil imaginar outro cineasta tão versátil e apaixonado pela arte que usufrui no comando da adaptação do romance de Peter Matthiessen, escritor modernista do século XX. Isso porque o argentino Babenco sempre ostentou uma fascinação antagônica e explícita com o Brasil, seus signos e ritos, fazendo com que o filme encarne e explore com força muitos dos ritos característicos dos índios que recebem seus colonizadores, de olhos de turista e blusa e vestido de algodão, com flechas e tacapes apontados para cima, sem intenção de ferir ninguém. Estimulados por tal recepção que, para os nativos, é instintiva (pelo menos enquanto os forasteiros não vão longe demais), o doutrinador casal Huben, seu filho criança e outros companheiros de aventura tentam fazer a diferença na região como se realmente fossem, para isso, os enviados oficiais de um Deus cristão.

    Assim como aconteceu (de fato) no Brasil colonial, quando padres jesuítas envolvidos no drama dos escravos que eram livres antes da sua chegada não quiseram denunciar os índios mais rebeldes aos seus algozes portugueses, por já terem se apegado com seus valores, seu respeito e proteção com seu ecossistema, e a humanidade que os assassinos europeus não apresentavam, os Huben e o sociólogo Martin Quarrier empunham a missão que já se convenceram a completar, mas logo aprendem que civilizar aquela gente, seja pelo motivo que for, consiste em algo inatural, predador e custoso ao extremo – culminando na morte por doença de seu próprio filho, num desequilíbrio inevitável da aventura e na revolta que só cresce entre o casal, interpretados com maestria pelos veteranos John Lithgow e a maravilhosa Kathy Bates, cada vez mais perturbados não pelos imprevistos que ocorrem na terra que invadiram, mas pela própria petulância e magnitude do que eles foram fazer na mais plena vastidão amazônica.

    Brincando nos Campos do Senhor traz à tona questões a respeito da própria natureza humana (traição, aceitação, humanização, desumanização), e no desenrolar destas tantas na história, o filme carrega por conseguinte muitas das virtudes e das vaidades do seu diretor, como a identidade visual inconfundível de Babenco, sempre recorrendo e integrando como parte inextrincável dos seus filmes à paletas mais barrocas e com cores mais pesadas, tornando a imagem densa e profunda, escondendo segredos e deixando aforismos para serem discutidos quando o filme acabar. Por outro lado, Babenco nunca foi muito bom com ritmo e fluidez narrativa, e aqui isso demanda um preço alto, tornando o filme longo sobretudo no seu terceiro ato que, se não merece ser chamado de interminável, é porque a direção de atores de Babenco e seu domínio da mise-en-scène são infalíveis, como sempre.

    Porventura, se o passado para nosso finado argentino verde e amarelo é um fator inseparável da observação das coisas, qualquer coisa, nesse seu legítimo épico latino-americano, assim como Aguirre e Fitzcarraldo também o são para Werner Herzog, mas por outras razões igualmente nobres de se falar, para os colonizados o tempo age como um rio cujas margens são visíveis para quem faz daquela terra bem regada palco às suas gerações, tradições, deveres e desejos enraizados em seu habitat. O tempo aqui não existe, se existe ninguém liga, e o passado, tão glorificado por Babenco, se faz como hoje (e se depender dos “selvagens”, será o amanhã também), seguindo assim o fluxo do que é natural, e resistente. Esse talvez tenha sido o maior motivo para o cineasta adaptar o livro de Matthiessen, e se de fato foi, nós, enquanto público, ganhamos com isso uma verdadeira façanha em forma de filme.

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  • Crítica | Armas na Mesa

    Crítica | Armas na Mesa

    O dito cinema “liberal” americano vez ou outra entrega filmes promissores com interessantes e profundos debates sobre temas que estão em evidência na sociedade. Porém, quando se faz cinema com um objetivo apenas político sem sensibilidade artística e subestimando o espectador, por vezes temos filmes que apenas raspam na beira de discussões interessantes, mas passam longe de trazer qualquer debate verdadeiramente profundo sobre o que se propõe, e este é o maior problema da nova produção do diretor John Madden, chamado Armas na Mesa (Miss Sloane).

    O filme conta a história de Elizabeth Sloane, personagem ficcional baseada no mundo dos lobistas profissionais do congresso americano, interpretada por Jessica Chastain, que trabalha em uma grande firma do ramo, sempre agindo de formas obscuras no limite da lei. Ao ser contatada pela indústria armamentista para tentar fazer o público feminino comprar armas, tem uma crise de consciência e vai trabalhar em uma pequena firma que quer passar uma lei de controle de armas, mas que quer apenas fazer com que pessoas em listas de terrorismo e criminais não consigam armas tão facilmente, semelhante a polemica que se deu recentemente no país quando Obama lutou em vão para tentar restringir o fácil acesso a armas de fogo no país.

    Ao ter uma suposta crise de consciência, é abordada pelo “outro lado” e vai trabalhar para o lobby a favor de uma maior regulamentação da venda de armas, e aí que a trama começa a desenrolar, pois o telespectador começa a ser jogado de um lado para o outro, como se estivesse vendo um thriller de espionagem, onde uma Elizabeth Sloane começa a ficar cada vez mais fora de controle em sua obsessão pela vitória, o que a leva a decadência final, quando sua antiga equipe a coloca frente a uma comissão de ética do Senado.

    Mas eis que uma antiga e fiel assistente, interpretada por Alison Pill, reaparece. Em uma cena anterior, ela havia sido estabelecida como fiel a Sloane. Depois as duas rompem. E depois, claro, ela se mostra uma infiltrada e na verdade estava trabalhando para Slone durante todo o tempo. Tudo enquanto Sloane dá o seu discurso moralista e destrói a imagem dos bandidos corruptos e malvadões de Washington.

    Desta forma, Armas na Mesa, com a qualidade e orçamento que teve, se tivesse uma história e roteiro à altura, poderia trazer à tona discussões interessantes sobre lobby, sobre o controle de armas, sobre corrupção, sobre qualquer assunto. Mas o que traz é o mesmo moralismo dos libleft americanos e o ar de superioridade intelectual e moral que avassala as produções do gênero. E contar com uma parte do elenco de uma produção tão boa quanto The Newsroom deixa isso ainda pior.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

    https://www.youtube.com/watch?v=591hCwxsNsM

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  • Crítica | O Contador

    Crítica | O Contador

    Em 2013, Gavin O’Connor chegou ao ponto mais alto de sua carreira ao dirigir o drama de ação Guerreiro, que contava um pouco da história da família Conlon (Nick Nolte, Joel Edgerton e Tom Hardy) ambientada durante uma competição mixed martials arts, o que acabou rendendo a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante a Nolte. Três anos depois, O’Connor retornou com o discreto e inofensivo western Em Busca de Justiça, com Natalie Portman, e mais recentemente, O Contador, com Ben Affleck.

    O longa acompanha a história de Christian Wolff (Affleck), um misterioso contador, portador da Síndrome de Asperger, fato este que dificulta a capacidade de sociabilização do protagonista, contudo o torna mais familiarizada a resolver qualquer problema matemático posto à sua frente, que costuma trabalhar lavando dinheiro para organizações criminosas ao redor do mundo, e por conta disso se torna alvo frequente desses mesmos criminosos numa tentativa de queima de arquivo mal-sucedida, já que não imaginam que o silencioso contador é também um assassino profissional. As coisas parecem mudar na vida de Wolff quando ele tem seus serviços requisitados para a auditoria de uma empresa de tecnologia, e decide aceitar um trabalho legal e que possivelmente não lhe trará grandes riscos, contudo rapidamente ele percebe que o trabalho tem mais podres do que ele imagina.

    Em contrapartida, acompanhamos a subtrama encabeçado pelo diretor do Tesouro Nacional Ray King (J.K. Simmons) e a agente Marybeth Medina (Cynthia Addai-Robinson), designada por King para investigar e encontrar o misterioso contador responsável por uma trilha de assassinatos de terroristas e chefes do crime organizado pelo mundo.

    Partindo de uma trama simples e sabendo utilizar os clichês ao seu favor, a começar pelo típico estereótipo do gênio antissocial, cheio de segredos e capaz de realizar coisas incríveis por conta de seu autismo, o roteiro de Bill Dubuque apesar de didático funciona muito bem na proposta de O’Connor, deixando de lado monólogos e diálogos desnecessários, e apostando ainda num sub-texto em alta dentro de Hollywood, o mercado financeiro. A construção das personagens e o universo que os rodeia é adequado a atmosfera existente em O Contador, além de ainda conseguir achar espaço para uma crítica à Wall Street e uma mensagem importante, apesar do psicologismo barato, a respeito do tratamento de doenças que envolvem distúrbios neurológicos e comprometem a interação social de seus portadores.

    O trabalho de direção de O’Connor se mostra eficiente durante as cenas de ação, no entanto, perde o ritmo quando retrata o passado de Wolff por meio de flashbacks desnecessários e que interrompem o dinamismo do longa e servem de muleta narrativa para um desenvolvimento mais fluido do anti-herói vivido por Affleck. Um trabalho de montagem mais apurado daria conta desses problemas.

    Contudo, o filme se mostra um thriller de ação bastante eficiente no que se propõe. Affleck se mostra bastante à vontade em seu papel, apesar de sua limitação técnica de atuação, o ator tem escolhido bem seus papéis já há alguns anos, optando por personagens mais soturnos, como ocorre em Hollywoodland, ArgoGarota Exemplar,  já em O Contador, Affleck parece uma junção de John Wick, personagem de Keanu Reeves em De Volta ao Jogo, com Raymond Babbitt, personagem vivido por Dustin Hoffman em Rain Man. Simmons novamente rouba cena, interpretando um agente cheio de ambiguidades, enquanto Anna Kendrick funciona muito bem ao lado de Affleck em cenas pontuais de humor dentro da ação desenfreada do cineasta.

    O Contador cumpre o que se propõe, um thriller de ação preciso, eficiente e escapista que não se apresenta como algo além disso.

  • Crítica | O Amor é Estranho

    Crítica | O Amor é Estranho

    O Amor é Estranho - Love is Strange - Poster Internacional

    Dois anos após a beleza poética de Deixe a Luz Acesa, o americano Ira Sachs retorna às telas versando, mais uma vez, sobre o amor. O roteiro escrito em parceria com Mauricio Zacharias aborda a história de um casal que, após 39 anos vivendo junto, decide se casar oficialmente.

    Ben e George, interpretados pelos sempre excelentes Alfred Molina e John Lithgow, são homens maduros que possuem a rotina, coerência e estabilidade de um casal que há muito se conhece. Vivem naquele momento em que podem falar a respeito de tudo com o outro e se conhecerem intimamente, sem necessidade de julgamentos, nem mesmo para reclamações cotidianas.

    Ao efetuar o matrimônio, a profissão de George sofre um abalo. Músico de uma escola católica, ele é convidado a se retirar de suas atividades por não mais seguir o código cristão estabelecido pelo local. Mesmo que sua relação nunca tenha sido um segredo para pais, filhos e professores, cientes sobre seu parceiro, a personagem reconhece a impossibilidade de ir contra uma sagrada instituição que ainda condena tais relações.

    A estrutura de vida do casal é modificada. O casamento, que deveria ser a consagração máxima deste equilíbrio, produz, inconsequentemente, uma separação física. O casal se vê obrigado a vender o apartamento em que mora e, até conseguir um bom local para viver sob novas condições financeiras, se hospeda em casas de parentes. George permanece na casa de um casal de policiais, moradores do mesmo antigo prédio; enquanto Ben vive na casa de um sobrinho, ao lado de esposa e filho.

    A distância do casal demonstra as dificuldades que qualquer relação, mesmo que longa e duradoura, pode passar. As personagens estão fora de seu ambiente natural, em um momento sensível após o casamento, e sentem-se desconfortáveis por viver uma rotina que não a delas. Um local com festas quase diárias, no caso de George; um quarto dividido com o afilhado, sem um local para dedicar-se à sua arte, caso de Ben. Dia a dia, os dois tentam superar a distância obrigatória.

    O roteiro de Sachs/Zacharias aprofunda-se nas personagens sem deslocá-las das rotinas que as cercam, demonstrando nestes locais como situa-se o universo íntimo de cada família. Tanto o casal quanto a esposa do sobrinho de Ben trabalham com a arte. Um ambiente carregado de dedicação criativa que, normalmente, necessita de um espaço próprio para desenvolver-se. Passando boa parte do tempo em casa, Ben não encontra um local adequado para inspirá-lo, algo que também impede Kate (Marisa Tomei), esposa do sobrinho, dar prosseguimento ao seu novo romance. De maneira suave, o longa também faz essa breve reverência ao labor artístico.

    A trama apresenta a história sem focá-la em um drama específico. Os conflitos são vistos com naturalidade e se destacam também em um dos diálogos de George, em uma carta dedicada à sua escola: “A vida tem seus obstáculos, mas aprendi cedo que é melhor enfrentá-los com honestidade”. Um recurso rápido e explícito de apresentar a intenção por trás da história. Uma ciência de que os problemas na vida são naturais, e de que espetáculos dramáticos a respeito devem ser evitados para serem resolvidos da melhor maneira possível.

    Sachs trabalha também com qualidade a composição das imagens. Se no filme anterior prevaleciam ambientes escuros apoiando a indecisão da personagem central, neste as cores são sempre claras e os ambientes iluminados, como se representassem pelas imagens a maturidade estável e o brilho do amor do casal.

    (Para uma análise mais completa da obra, a partir deste momento revelações do filme serão apresentadas. Sendo assim, pare imediatamente se não quiser saber sobre o desfecho da produção).

    O estilo escolhido para representar a morte de um dos pares é bonito, metafórico e simples. Impressiona pelo impacto posterior ao descobrirmos a morte por intermédio de seu sobrinho em um diálogo. Na referida cena, o casal se despede em frente à escadaria do metrô, ainda vivendo em casas separadas. A personagem que sairá de cena é quem desce as escadas rumo ao subsolo para o transporte. Bonita metáfora de travessia acompanhada por um longo fade out que parece anunciar o final do filme. Mas esta cena encontra um par com o momento final, do sobrinho caminhando de skate ao lado de uma garota. Durante a trama, o garoto revelou ao tio Ben uma paixão por uma garota desconhecida. Assim, não só inferimos que a personagem encontrou-a novamente como o passeio é apresentado de maneira hábil, com a câmera posicionada às costas deste novo casal e contra a luz do sol. Uma metáfora oposta à anterior, explicitando a sensação de paz e iluminação do garoto ao ter este encontro.

    Litgow e Molina, que sempre se destacam pelas boas interpretações, apresentam um bonito casal maduro que transparece a cumplicidade mútua e um amor raro de muito anos. O Amor é Estranho é um drama bem equilibrado que não transforma a idade ou união em uma carga desnecessária de sentimentos, produzindo a naturalidade e a capacidade de lidar com as adversidades da vida de maneira orgânica, com apurada narrativa poética.

  • Crítica | Dívida de Honra

    Crítica | Dívida de Honra

    Divida de Honra 1

    O revisionismo é um artifício comum no cenário cinematográfico, uma vez que os temas tendem a se esgotar dentro dos formatos e categorias de gênero. Dívida de Honra é acima de tudo uma reinvenção, tanto da carreira de seu diretor Tommy Lee Jones, com poucas realizações, apesar de ser um veterano com quase 50 anos de sétima arte, quanto na escolha e construção do ethos de seus protagonistas.

    Marie Bee Cuddy (Hilary Swank) é uma mulher resignada, cuja existência é pautada essencialmente emsua origem do Nebraska, fazendo dela uma pária em meio a um conservador e recrudescente Texas, que se torna ainda mais conservador e assustador para uma mulher sem marido. A pequena comunidade, composta por menos de uma dezena de chefes de família, se preocupa com sua subsistência, ante a escassez de bens básicos, inclusive alimentos, que rareavam graças à intensa seca, agravada pela permanência de três damas com problemas que as impedem de viver plenamente. Cuddy se oferece para uma jornada em busca de mantimentos em outras paragens, já que os poucos homens que restam na aldeia recusam o chamado aventuresco.

    Jones é o autêntico filho de sua terra: seu cinema quase sempre abarca o estado em que nasceu, como foi com Três Enterros e Os Bons e Velhos Companheiros, e com o remake ainda em pré-produção The Cowboys. Ainda assim, Dívida de Honra promete reavivar a chama de Era Uma Vez no Oeste – com uma Claudia Cardinale que se vale mais da força bruta do que de seu corpo voluptuoso –, além de apresentar um forte código ético, capaz de produzir mudanças em seres decadentes, como é o caso de George Briggs, um maltrapilho condenado à morte e à própria sorte, quase enforcado em árvores de galhos secos, no meio do nada.

    O personagem de Tommy Lee Jones é um anti-herói, mesclado ao arquétipo de herói falido. Sua honra é tão baixa que a submissão a um desígnio com poucas chances de dar certo não é sequer discutida. A repaginação de persona chega a ter uma comicidade, com a reversão da figura de homem forte, pondo toda a sua história como ator em pauta. Logo, Cuddy enxerga na fuga das três mulheres a melhor possibilidade para elas e para a aldeia, decidindo então cruzar o país entre os gemidos de suas comadres e o crescente temor de tornar-se semelhante a elas.

    A jornada segue invertendo as figuras de temor, substituindo a figura de fragilidade e inimizade dos índios nativos americanos, transformando-os em figuras ameaçadoras, diante da carência de chumbo, para revidar possíveis ataques. Mas o fôlego do filme se perde após a primeira hora de exibição, apesar do bom começo. A metade final reforça a carência e destempero da personagem principal, que em hora alguma se prova forte ou minimamente interessante, o que obviamente dificulta qualquer sentimento empático, facilitando a mudança de foco que ocorre na parte final da película.

    O forçado enlace entre a dupla de personagens centrais ocorre de modo tão engessado e robótico quanto a interação lasciva entre eles. A despeito da bela fotografia, direção de arte e de algumas boas cenas, especialmente as que retratam a desforra do homem forçadamente desonrado, quase não há momentos em que o espectador sinta-se compelido a importar-se com a história, mesmo contando as reviravoltas do roteiro que, em suma, revelam a necessidade de Jones de tornar-se protagonista da história que conta.

    O agridoce epílogo repete a vã tentativa de salvar Dívida de Honra da banalidade, mostrando o personagem sem passado, cuja única certeza é o fato de ter cometido um crime, tentando festejar e achar algum alento à sua miserável existência, que só teve algum momento de honradez ao final de sua jornada. O esforço não salvaguarda nada, nem faz a qualidade da fita subir. A dificuldade de Tommy Lee Jones em imprimir um ritmo interessante ao seu filme agrava o conceito em relação a sua direção, fazendo com que se pareça inapto no ofício, já que nem o interesse por parte dos fãs de western ele parece ter conquistado.

  • Crítica | Interestelar

    Crítica | Interestelar

    Interestelar

    Desde que o primeiro homem andou sobre esse planeta, o céu e as estrelas exercem uma fascinação na espécie como nenhum outro fenômeno da natureza. Não à toa, praticamente todos os povos terrestres tinham como deuses planetas e estrelas, dadas sua magnitude, distância e beleza. Portanto, nada mais natural que, na era moderna, as artes tentem reproduzir esse senso de admiração pelo desconhecido. Dentre todas, o cinema é a que chega mais próxima de construir e reproduzir essas sensações para o público dito “comum”, que em meio à correria do dia a dia, mal tem tempo de olhar para o lado, quanto mais para cima.

    Desde Georges Méliès, passando pelo sempre cultuado 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Contatos Imediatos de Terceiro GrauContato e, mais recentemente, por Gravidade, o Universo exerce um fascínio por sua exuberante beleza, ao mesmo tempo que assusta por suas escalas inimagináveis de grandeza e a sensação de que, ali, estamos perto de ser literalmente nada. Ciente de todas essas questões, o cultuado diretor britânico Christopher Nolan se lançou em uma empreitada arriscada, a de fazer uma história que se passa nesse cenário e que, ao mesmo tempo, possa emplacar um sucesso comercial.

    Interestelar gira em torno do piloto Cooper (Matthew McConaughey), que cuida de sua fazenda no interior dos EUA junto a sua família. Em um futuro não muito distante, que flerta com uma distopia onde a humanidade não foi destruída, mas passa por dificuldades e tenta viver normalmente, a sociedade não precisa mais de engenheiros e pilotos, pois a exaustão natural do planeta, junto ao crescimento da população, provocou a escassez de comida, sendo essa a atual função de Cooper, que nunca superou o fato de não ter levado adiante sua vocação. Sua filha, Murph (Mackenzie Foy/Jessica Chastain/Ellen Burstyn), mostra uma grande inteligência e inclinação para a ciência, enquanto seu filho, Tom (Timothée Chalamet/Casey Affleck), se mostra contente em seguir seus passos de fazendeiro, tudo aos cuidados do pai de sua falecida esposa, Donald (John Lithgow).

    Cooper tenta ao máximo se esforçar para cumprir suas tarefas como fazendeiro e pai, mas a frustração de não ser piloto sempre o impede de dar a tudo a atenção e importância que merecem. A passagem em que ele discute com os responsáveis da escola de seus filhos, onde os livros de história sobre a exploração espacial foram alterados, é excelente na medida em que mostra o descompasso entre aquele estágio da humanidade, que se contenta em apenas sobreviver, e a reminiscência de um passado sonhador, na figura de Cooper, que imaginava expandir as fronteiras da humanidade rumo ao espaço. A discussão a respeito do pioneirismo da exploração espacial – relembrando o Velho Oeste -, e o papel da ciência como salvadora da humanidade também poderia ser mais problematizada. O filme ignora condições sociais e ideologias das quais a ciência é fruto. Ela não existe sem seres humanos dotados de vontade produzindo-a, e da mesma forma que ela é tratada sozinha como a salvadora da humanidade, também poderia ter sido a causadora de sua extinção.

    Dentro deste mundo, os fenômenos naturais com os quais estamos habituados não acontecem mais do mesmo jeito. Elementos como uma poeira constante (que às vezes se transforma em tempestades) e alterações na gravidade por vezes acontecem, mas a preocupação com o dia a dia é tão grande que poucos ligam. Menos Murph. A criança percebe em seu quarto que algo estranho, que ela chama de “fantasma”, acontece, já que os livros de suas estantes sempre caem sozinhos. Cooper diz a ela para compilar dados e analisá-los, para depois se chegar a uma conclusão, como manda a lógica científica. Prontamente, Murph realiza o pedido do pai e em pouco tempo descobre uma mensagem codificada, em código Morse, e que, para a surpresa e espanto de Cooper, os leva a uma instalação secreta da NASA.

    Lá, Cooper reencontra um antigo amigo de seus tempos de piloto, o professor Brand (Michael Caine), e conhece a filha dele, Amelia Brand (Anne Hathaway). Então, a história dá uma guinada. Cooper é convidado para fazer parte de um projeto de tentativa de salvação da humanidade, que será extinta por uma “praga” que consome nitrogênio e altera o balanço da atmosfera. O projeto, que estava em andamento há anos, levou equipes diferentes de cientistas para outra galáxia através de um buraco de minhoca posicionado perto de Saturno por “alguém”, que ninguém sabe quem, mas que não estaria ali por acaso. E esse seria o caminho da viagem, o qual envolveria muitos riscos, provavelmente sem retorno.

    Nesse momento, o desenvolvimento dos personagens e suas angústias é parado para dar vazão a uma velha mania de Nolan, que é explicar para o espectador tudo o que os especialistas do filme pretendem fazer. Nesse caso, o professor Brand explica todo o passo a passo para Cooper, e o fato de escolherem um ex-piloto e fazendeiro, que apareceu por acaso naquela base para pilotar a missão mais importante da humanidade, causa um certo estranhamento, em que a explicação dada, onde “algo” o enviou ali, convence o espectador mais crédulo, mas não aquele mais exigente. A explanação do professor Brand sobre os planos A (resolução de sua equação e retirada da população da Terra para outro planeta) e B (popular o novo planeta com material genético guardado) também é acometida por isso.

    Chamado de volta a sua vocação, Cooper aceita a missão e precisa deixar a família, para o desespero de sua filha. A promessa do retorno do pai não resolve o conflito, que ecoará para sempre na vida de ambos. O relógio que Cooper dá a Murph como uma tentativa de criar um elo sentimental e temporal entre ambos também falha nesse sentido.

    Ao abandonar a Terra e ir para o espaço, o filme toma outra proporção, e as discussões científicas entre os personagens, para decidirem o próximo passo da missão, são sempre explicativas dentro de um limite do aceitável, mas bem perto deste limite. Para um espectador sem nenhum tipo de conhecimento científico, talvez ajudem-no a entender alguns conceitos básicos e o que estaria acontecendo em determinados momentos. Porém, para este mesmo espectador, explicação alguma ajudaria a entender fenômenos mais complexos, como o que acontece dentro de um buraco negro, o que, na verdade, ninguém sabe. Se em A Origem o excesso de explicações sobre uma trama relativamente simples acaba entediando o público, em Interestelar isso não acontece, pois as informações estão inseridas em um contexto totalmente diferente do que estamos habituados, e os diálogos ajudam-nos a familiarizar tanto com o tema quanto com as motivações por trás de cada personagem. Obviamente, escorregões acontecem, quando Amelia Brand discorre sobre o amor, mas são poucas as vezes.

    A sequência de aproximação, e quando entram no buraco de minhoca, é belíssima e lembra muito a viagem de Ellie, em Contato, ao transformar uma viagem espacial sob condições inéditas e extremas em uma aventura por si só. Ao mesmo tempo, a chegada ao local se transforma em uma paisagem visual para o vislumbre do espectador e dos protagonistas. Juntos na viagem estão os outros cientistas Doyle (Wes Bentley) e Romilly (David Gyasi), além dos computadores com inteligência artificial TARS (voz de Bill Irwin) e CASE (voz de Josh Stewart), que garantem bons alívios cômicos.

    Ao transformar o desconhecido do espaço em potenciais riscos para os astronautas, Nolan consegue criar situações de tensão de forma eficiente, e utilizando-se de toda a complexidade de estar em uma realidade com tempo e espaço totalmente diferentes, o horror da situação aumenta ainda mais, como na excelente sequência dentro do planeta aquático onde estava uma das cientistas que buscavam mundos habitáveis. Lá, tudo o que poderia dar errado, deu, em referência a uma própria brincadeira do filme com a “Lei de Murphy”. O fato do planeta estar próximo do buraco negro Gargantua faz com que poucas horas ali se transformem em quase 30 anos perdidos na Terra, e o peso de tais erros, ainda mais brutal sobre os tripulantes. Ao retornar à nave, percebem que se passaram 23 anos na Terra, e muita coisa aconteceu. Os filhos de Coop cresceram, e Murph, que agora trabalha com o professor Brand na NASA, ainda não superou a partida do pai, enquanto Tom permanece cuidando da fazenda. A teoria da relatividade é citada, usada e explicada extensivamente no filme e serve de fundo para explicar a motivação de Coop para tentar retornar logo para a Terra.

    Por perderem muito tempo e combustível nesse planeta, sobram mais dois para visitarem: um do Dr. Mann (Matt Damon), brilhante cientista, e outro do Dr. Edmmonds – que tinha um relacionamento amoroso com Amelia -, ambos com motivos para serem visitados. Porém, o lado racional de Cooper fala mais alto e eles seguem para o planeta de Mann, que, desesperado pela solidão e medo da morte, manda o sinal mesmo sem ter encontrado nada para tentar escapar, o que também garante boas sequências de ação e tensão, mesmo que previsíveis, com os velhos discursos do vilão e tudo mais. Aqui, ele poderia encarnar de forma mais enfática o papel crítico sobre a ciência, mas foi feita a escolha mais simples.

    A transformação do homem racional e altruísta em um homem egoísta, contradizendo todos os argumentos racionais de Cooper para escolherem aquele planeta, é feita de forma rasa ao contrapor o velho “sentimento versus razão”. A fuga do Dr. Mann danifica o equipamento espacial que acopla as naves, e a sequência para tentar encaixar a nave pilotada por Cooper e Amelia lembra bastante Gravidade, ao colocar seres humanos em risco no espaço, realizando manobras praticamente impossíveis para tentarem se salvar, mas sempre sem abusar da expectativa e tensão, que poderia cansar caso fosse esticada demais.

    Nesse momento, é também revelado para Murph e para Coop e Amelia que o plano original do professor Brand sempre foi o B, e a sua equação gravitacional não resolveria o problema de como salvar a humanidade, que sempre esteve condenada. Portanto, a viagem de volta de Coop seria impossível.

    Com o gasto excessivo de combustível, agora não havia o suficiente nem para Cooper voltar para casa, nem para irem ao planeta de Edmmonds. A solução é usar os recursos para contornar Gargantua e usar sua força para impulsionar a nave, mas Cooper engana Amelia e solta sua nave, caindo no buraco negro. E dentro do buraco negro onde Nolan se rende a homenagear, à sua maneira, o clássico espacial de Kubrick. Se em 2001 – Uma Odisseia no Espaço estamos sozinhos com Dave, dando a cada imagem o nosso próprio significado, Cooper faz questão de perguntar ao computador TARS cada passo da etapa no qual se encontra, em uma conversa que não chega a incomodar, mas tira um pouco o poder do espectador de ter a mesma epifania visual e criativa que Kubrick corajosamente permitiu.

    Assim como em 2001, a estrutura de dentro do buraco negro falou diretamente com Cooper, dando a ele elementos de sua natureza para conseguir se comunicar – no caso, a biblioteca do quarto de Murph quando criança. Lá, todas as condições são radicalmente diferentes de tudo o que conhecemos, e tanto o tempo quanto a gravidade são distorcidos. A estrutura consegue distorcê-los de forma padronizada, fazendo com que Cooper envie os dados da equação gravitacional que resolveria o problema de como salvar a população da Terra, ou seja, ele era o fantasma de Murph quando criança tentando se comunicar com ela. Todas essas cenas dentro do buraco negro, apesar de serem atrapalhadas por tanta explicação, brincam com conceitos da física, ao mesmo tempo que garantem uma gama enorme de emoções, em grande parte por causa da brilhante atuação de McConaughey.

    Após enviar a mensagem para Murph usando o mesmo relógio que havia dado à menina, ela consegue decifrar os dados e salvar a humanidade, enquanto Coop é reenviado pela estrutura do buraco negro e encontrado pelos terráqueos do futuro em Saturno. Nessa conclusão, um pouco da magia inicial se perde, pois o objetivo principal do desenlace é explicar e resolver praticamente todas as pontas soltas do filme, não deixando margem para praticamente nada, a não ser o paradeiro e situação de Amelia Brand. O reencontro de Coop com Murph, já idosa e prestes a morrer, não garante muitas emoções, e o passeio turístico dentro da estação espacial em Saturno soa desnecessário.

    Porém, em relação ao aspecto técnico, a produção funciona muito bem. As sequências no espaço, sempre em silêncio, garantem uma atmosfera de suspense que se mantém, até misturar com o som dos ambientes fechados dos atores. O jogo de luzes dentro das naves, remetendo sempre ao sol (o nosso, ou não), é sempre interessante de acompanhar. A também já criticada parceria com Hans Zimmer mostra sinais de cansaço, mas ainda funciona para compor canções que, por vezes, casam perfeitamente com os momentos vividos na tela, em especial nas cenas finais.

    Muito se tem comparado Interestelar a outras produções do gênero, mas nenhuma comparação é justa. Nolan, como qualquer artista, retira influências de suas obras preferidas e as coloca ali, misturadas a seus próprios elementos dentro de uma narrativa própria, que tenta fazer uma homenagem não só à ficção científica, mas ao próprio sentimento humano de querer saber o que existe além. Quem condena a exploração espacial por ser gasto inútil de dinheiro não consegue ver mais adiante. Como o próprio filme cita, a tecnologia espacial gerou vários outros frutos para a humanidade, como as comunicações via satélite e a máquina de ressonância magnética, que poderia ter salvado a vida da esposa de Coop. Se a humanidade gasta dinheiro à toa, ali realmente não é o lugar. O Professor Brand também afirma que cada pedaço de metal sendo usado na construção daquelas naves poderia ser utilizado na fabricação de uma bala de uma arma, então, de certa forma, tudo aquilo foi positivo. É junto a esse conceito básico e humanitário que o filme se posiciona e se constrói, em como a ciência, ao desvendar o funcionamento por trás da natureza, nos ajuda a entender como ela é bela e, principalmente, nos torna mais humildes e capazes de admirar tudo o que está lá fora.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.