Tag: Mulher-Maravilha

  • Resenha | LJA: Terra 2

    Resenha | LJA: Terra 2

    JLA - Terra 2 - capa - Grant Morrison - Frank Quitely
    Terras paralelas sempre foram um elemento chave da DC Comics, embora a editora tenha tentado acabar com o conceito nos anos 1980 com a maxi-série Crise nas Infinitas Terras. Para tornar seu universo de personagens mais coeso e aberto a novos leitores, a Crise serviu como uma forma de simplificar as muitas Terras tornando-as uma só. Isso facilitou a vida tanto de roteiristas quanto de novos leitores, embora elementos cruciais da cronologia da editora tivessem sido varridos pra baixo do tapete. Na saga em questão, universos inteiros morreram, e o primeiro a ser extinguido da existência foi o que comportava a Terra-3. Esse planeta era uma cópia às avessas da Terra principal, onde havia uma versão maligna da Liga da Justiça e o único herói era Alexander Luthor. O conceito de “cópia maligna”, apesar de parecer uma solução preguiçosa pra arranjar bons vilões, sempre foi usado na editora e se perdeu com a reformulação.

    No entanto, muitos personagens e várias linhas narrativas acabaram ficando prejudicados com a Crise. Se não existiam mais Terras paralelas, os roteiristas pós-Crise passaram a ter que justificar a existência de heróis que tinham sua origem fortemente ligadas a esses mundos. Assim, malabarismos precisaram ser feitos para explicar as origens de personagens como a Supergirl, a Legião dos Super-Heróis e a Poderosa. A maioria dos roteiristas apenas aceitou as mudanças e fizeram o melhor que puderam com um universo único.

    Mas Grant Morrison não era como a maioria dos roteiristas.

    Na metade da década de 90, Morrison reformulou a Liga da Justiça trazendo de volta vários elementos clássicos da Era de Prata, principalmente a formação da equipe com os sete maiores heróis do universo. Sua fase na revista LJA foi aclamada por público e crítica – cometendo alguns deslizes típicos do autor, de certa forma perdoáveis – e revitalizou o título, que havia se tornado uma comédia pastelão com heróis secundários desde o final da década de 80 até então. A Liga de Grant Morrison era grandiosa e empolgante.

    Morrison pretendia trazer de volta o conceito de Terras paralelas – algo que recentemente se mostrou fixação do autor, com a série Multiverso DC – mas parecia que não havia um jeito, devido à Crise. Mas o universo de antimatéria ainda era um conceito válido na época, e foi disso que ele se aproveitou para escrever LJA: Terra 2.

    Lançada nos Estados Unidos como uma graphic novel, Terra 2 passou quase que despercebida pelas terras brasileiras. Na época, a Editora Abril lançou uma ousada e questionável iniciativa na sua linha de hqs de super-heróis, abandonando o consagrado formatinho e adotando a linha Premium. Essa nova linha, embora maior e melhor, tinha um preço pouco acessível aos leitores da época, e muitos acabaram abandonando o hábito de ler quadrinhos. LJA: Terra 2 foi publicada na primeira edição de Superman Premium e nunca mais relançada em português, até agora com a Coleção de Graphic Novels da DC Comics, da editora Eaglemoss.

    Na trama, Morrison revela que o universo de antimatéria abriga uma versão espelhada da nossa Terra, tal qual a extinta Terra-3 pré-Crise. Mas esse universo parece muito mais sombrio do que sua extinta versão, adaptada para a realidade do fim do milênio (mais sombria e realista). Alexsander Luthor, único herói dessa Terra (tal qual a versão pré-Crise) descobre um universo livre da tirania do Sindicato do Crime e pede ajuda aos heróis da Liga da Justiça. Após um momento de deliberação, Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde (Kyle Rayner) e Flash (Wally West) resolvem ajudar, ficando apenas Aquaman e Caçador de Marte na nossa Terra. Os heróis descobrem que nesse universo, as coisas funcionam de forma bastante diferente do que estão acostumados: lá, o Mal sempre ganha!

    Temos alguns momentos interessantes, como o encontro de Batman com a versão de seu pai – o Comissário Thomas Wayne – e descobrimos que Ultraman e seu Sindicato do Crime dominam a Terra. Supermulher (versão da Mulher-Maravilha) tem um relacionamento com Ultraman, mas mantém um caso com o Coruja (o Batman de lá). Há uma “troca de lugares”, e o Sindicato do Crime vem parar na Terra da Liga e, invertendo a ordem das coisas, passa a chama-la de Terra 2! A Liga da Justiça vê-se então forçada a retornar para reestabelecer a ordem. Com uma trama bastante simplória, vence o Sindicato. Isso porque, em nosso mundo, o bem sempre vence o mal.

    É sempre interessante perceber como Grant Morrison utiliza conceitos simplistas de forma magistral. O autor costuma pegar elementos que a maioria dos fãs prefere ignorar e fazer deles algo bem construído e agradável de se ler. Além disso, a arte de Frank Quitely casa perfeitamente com o estilo de narrativa do autor. Quitely colabora com Morrison eu outras ocasiões, como em Novos X-Men ou Grandes Astros: Superman, e sempre adiciona a dose certa de modernidade e saudosismo à trama.

    Morrison prova, mais uma vez, que até o mais simples dos conceitos pode ser bem trabalhado e render uma boa história. A Eaglemoss acertadamente nos traz essa pérola há muito esquecida pelas editoras nacionais, ainda com uma história secundária de 1961 que mostra, pela primeira vez, o conceito de Terras paralelas. A história O Flash de Dois Mundos é simples e direta, mas alicerça a longa tradição de infinitas Terras da DC Comics.

    LJA: Terra 2 foi o pontapé inicial para que as Infinitas Terras voltassem com força total nos anos posteriores e retomassem lugar de destaque nas histórias da DC.

    Compre: LJA – Terra 2

    LJA - Terra 2 - 01

  • VortCast 39 | Batman vs Superman: A Origem da Justiça

    VortCast 39 | Batman vs Superman: A Origem da Justiça

    Vortcast 39Bem-vindos a bordo. Nesta edição, Flávio Vieira (@flaviopvieira), Bruno Gaspar (@HecatesGaspar), Pedro Lobato (@PedroLobato), Dan Cruz (@superdancruz), Jackson Good (@jacksgood) e André Kirano (@kiranomutsu) se reúnem para comentar sobre o novo filme do Superman… Batman vs Superman: A Origem da Justiça. As expectativas, decepções e o que esperar da Warner/DC em seus próximos filmes.

    Duração: 73 min.
    Edição: Victor Marçon
    Trilha Sonora: Victor Marçon
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Crítica Batman vs Superman: A Origem da Justiça – Por Marcos Paulo Oliveira
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  • Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2)

    Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2)

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    “The Red Capes are Comming”. A frase de Lex Luthor (Jesse Eisenberg) que se fez famosa no trailer de Batman vs Superman: A Origem da Justiça remete ao herói da independência dos EUA, Paul Revere — que também virou música na voz de Johnny Cash — atuando como mensageiro nas batalhas de Lexington e Concord. Ele chegou a Boston em seu cavalo gritando esta frase em referência aos soldados ingleses que usavam capas vermelhas.

    E é com a reação da humanidade à vinda de um força maior coberta por capa vermelha que a trama se move por boa parte do primeiro ato. O surgimento de uma espécie alienígena representa duas grandes questões da modernidade: a retirada do ser humano do pedestal de ser mais poderoso do universo, e a materialização de sua relação ambígua entre amor e temor que boa parte das religiões têm com relação às divindades. Se na Antiguidade a existência de uma força maior era um fato, hoje a fé é desmotivada e se mostra enfraquecida, como relatou Nietzsche, indicando que a fé tornou-se secundária na vida moderna, dando origem ao que ele chamou de Super-Homem (Ubermensch – Além do Homem) capaz de controlar o mundo à sua volta e não mais um joguete das fatalidades.

    Ainda assim, porém, existe a ideia de que nossos erros são a raiz da raiva de forças as quais não alcançamos total controle, tal é com as forças da natureza. Essa ideia preenche a relação de crime e castigo, amor através do temor e fidelidade forçada, conceitos essenciais para entender por que a invasão de uma divindade causa reações tão paradoxais à população do filme, temendo um deus que perde a calma caso alguém não se ajoelhe para pedir perdão.

    O medo, a febre que cresce nos corações são o motor de uma guerra, seja ela forjada em palavras ou com fogo, e é desta característica que Lex Luthor se aproveita para trabalhar sua megalomania caótica de quem não apenas desacredita e confronta, mas pretende ser o deus de seu tempo. Sua amargura é descrita numa citação breve do argumento da contradição dos fatos do filósofo David Hume para a inexistência de um deus. Porém sua maquinação não é racional como aquela da filosofia, mas sim solitária e apaixonada a ponto de impedi-lo de se contentar em matar apenas o deus metafórico e tornar-se senhor de si. O surgimento de um verdadeiro deus não se traduz para ele como uma afronta ou temor, mas na oportunidade de vingança que vai além das ruminações de quem espera respostas filosóficas. Tudo isso relaciona-se com sua performance física e verbal ao trazer um pouco de outras encarnações deste que é um dos maiores vilões dos quadrinhos, mostrando-se leve, sagaz e manipulador ao retratar o yuppie moderno da era da informação em toda sua vaidade.

    Nenhum pecado será perdoado. E é com este mantra enraizado em seus traumas que a orfandade trouxe que Batman/Bruce Wayne (Ben Affleck) e Superman/Clark Kent (Henry Cavill) interagem para criar os dois lados de uma mesma moeda. A vontade e a necessidade de fazer algo frente ao que se entende como errado são uma arma poderosa, porém polissêmica, e por isso capazes de produzir não só grandes feitos como também grandes tragédias, tal qual religiões, em que um mesmo conceito é capaz de tanto fazer alguém dar a vida em prol de um ideal quanto é capaz de dar as armas para dizimá-la. Para ligar estes dois personagens, o truque foi usar uma coincidência dos quadrinhos para representar os amores mais profundos dos meninos (apesar de a Mulher-Maravilha representar muito bem o gilrpower e mostrar-se superior e mais saiba que qualquer outra pessoa da trama, este é um filme que fala essencialmente aos meninos) e ligá-los emocionalmente.

    As duas grandes surpresas do filme ficam na performance e representação que Affleck trouxe ao Homem-Morcego, e Gal Gadot como Mulher-Maravilha, todavia o casting é irrepreensível. Como seus alteregos, a coisa funciona igualmente bem. O Batman se mostra brutal, poderoso e amedrontador em sua performance física exacerbando violência e em sua postura e fala que jamais recuam, deixando claro que sua principal gadget é o medo que provoca. Uma personificação exemplar que relaciona o figurino e o forte apelo à fantasia mostrando um Batman capaz de feitos improváveis, mas não necessariamente impossíveis.

    A Mulher-Maravilha é especialmente bem tratada, tanto por sua música-tema, que é mais impactante e carismática que a de seus companheiros de cena, quanto pela cinematografia (não por acaso é colocada no centro da Trindade), tratando de mostrar uma heroína inabalável e divina na essência do termo. Ela demonstra em suas linhas de diálogos já ter passado pelos sofrimentos que hoje os demais heróis passam. Mesmas dúvidas, mesmas tristezas, mesmas perdas, mas com a sabedoria de que não há recompensas em viver acima das nuvens, ciente de que a corrupção do poder sempre chega.

    O roteiro é coeso, mesmo com a abertura para as loucuras temporais que a DC trabalha nos quadrinhos, e possui todas as pontas costuradas pelos sempre talentosos Chris Terrio (Argo) e David Goyer, que se utilizaram de ao menos duas grandes histórias clássicas dos heróis-título. Apesar desta competência, faltam pausas para assimilar e deixar respirar certas ideias do filme e assim algumas conclusões podem soar falsas ou apressadas. Falta a mesma contemplação para justificar a ação, que, apesar de ser intensa e poderosa, conta mais com a pose do que com movimentos ao capturar muito da estética e linguagem narrativa dos quadrinhos. O recurso que nas mãos de outro diretor poderia traduzir-se em cenários enfadonhos, é bem aproveitado por Zack Snyder, o qual entende que o que há de especial na linguagem visual dos quadrinhos é justamente o preenchimento entre um quadro e o outro exigido do público, e por isso produz cenas que, independente da apreciação do todo, funcionam por si só.

    Ainda assim, o ritmo traz algumas perdas para a narrativa e à estrutura dos atos, que iniciam e terminam a ação em períodos incomuns nos demais filmes de super-heróis (tanto da Marvel quanto da Trilogia Nolan), o que afeta a noção de tempo do filme, desregulando as emoções sobre os acontecimentos e prejudicando a entrega. Ao decidir emocionar pela fantasia de se observar a trindade dos quadrinhos agora em carne e osso e pelo jogo esquemático e inteligente do roteiro, a direção acaba optando também por evitar emoções mais profundas, formando um filme rebuscado e apaixonado, mas carente de amor.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (1)

    Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (1)

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    O que interessa aos heróis não é brigar entre si, mas sim lutar por um bem maior. Só que alguém fez o diretor Zack Snyder – que como cineasta é um ótimo designer de videogames, além de famoso por seus exageros – entender e aplicar isso no cenário de um filme que precisava ser épico, mas diferente de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Se o Superman de Henry Cavill quer na soberania de suas ações se retratar e nos fazer esquecer de O Homem de Aço, o Batman de Ben Affleck vive num mundo à parte dos filmes de Christopher Nolan, sendo o mais sisudo e inflexível dentre os exibidos no cinema. Um personagem ao mesmo tempo limítrofe às próprias fraquezas, mas que chega a acender o bat-sinal no céu de Gotham e enfrentar um Deus, tão furioso quanto ele, para subvertê-las e não ter que enfrentá-las a base de vodka ou psiquiatria contra os traumas do passado; esses sim, invencíveis. E que tudo em Batman vs Superman: A Origem da Justiça gire em torno do peso de outrora sobre o presente, para que enfim seja erguida a ponte do universo DC Comics no Cinema, da mesma forma que a Marvel já conseguiu. Passou da hora.

    Um filme de responsabilidades, seguro de si para incorporar mais certezas que dúvidas sobre o futuro; dúvidas oriundas da falta de planejamento da DC e Warner – muita boataria e fato que é bom, nenhum! Todavia, quando o Morcego e o Homem de Aço dividem a tela pela primeira vez, num show de efeitos especiais de doer os olhos tamanha a complexidade visual, fica difícil não sorrir. Porque, numa analogia indireta à fazenda dos pais adotivos de Superman, o campo está arado e só falta colher os frutos, já que o próprio filme é fruto, em parte, das vaidades estéticas e sufocantes de seu diretor – dessa vez muito mais consciente do poder do material que tem em mãos do que quando rodou Watchmen -, filme após filme, pavimentando e aprimorando o mirabolante universo DC na telona, mesmo que essa seja uma atitude retumbante, mas atrasada e vacilante no êxito, até agora… Até agora, pois o terceiro ato é o grande trunfo da obra.

    A produção vem lotada de surpresas, e isso não poderia ser melhor, principalmente num tempo em que qualquer easter-eggs de fenômenos pop é motivo de intermináveis fóruns, internet afora. Também por isso, o filme apresenta um bom equilíbrio entre tantos personagens dividindo a mesma história. É notável, em especial no ótimo terceiro ato, como Snyder sabe aproveitar a extremidade da tela de cinema IMAX, ampliando sem comiseração esse potencial da situação, o que faz uma lenda ser mito quando a máscara racha durante a luta, o que neste caso aprimora o espetáculo e amplia suas ilusões, mesmo que o 3D ao longo do filme seja 100% preguiçoso e inútil, o que parece demonstrar que o diretor estava preocupado demais na empolgação da coisa, para “enxergar” onde mora o razoável numa luta tridimensional como essa.

    Filme frenético, moderno, cheio de fúria, fogo e barulho, mas calma, não é Mad Max, mesmo! Do começo ao fim, estudamos e sentimos o poder que move o certo e o errado, o bem e o mal que o Cinema nos ajuda a definir e validar no valor de seus símbolos e mitos. Batman vs Superman: A Origem da Justiça é um filmaço, é o desenho da Liga da Justiça com atores reais e um pouco da seriedade de Nolan (um dos produtores do filme), mas o melhor, claro, feito sobremesa, é deixado para o fim.

  • Resenha | O Reino do Amanhã

    Resenha | O Reino do Amanhã

    O Reino do Amanhã - capa

    A Era de Ferro dos Quadrinhos

    A década de 1990 foi um período conturbado para as hqs de heróis. Uma verdadeira explosão de comic shops nos Estados Unidos levou um grande público a consumir cada vez mais revistas novas, com heróis que fugiam dos padrões morais das décadas anteriores. Resultado direto de uma nova visão de mercado adotada dez anos antes, as editoras perceberam que séries fechadas poderiam render boas cifras. Além disso, o público havia tomado conhecimento da raridade de exemplares “número um” e seus valores astronômicos atingidos (uma cópia de Action Comics nº 1, com a primeira aparição do Superman, pode chegar hoje a 1 milhão e meio de dólares). Assim, uma grande especulação fez com que qualquer exemplar com o número 1 estampado na capa vendesse horrores, na esperança de que um dia aquilo valeria alguma coisa. Na ânsia de capitalizar em cima dessa tendência, as editoras despejaram nas comic shops cada vez mais “primeiras edições” de revistas com qualidade duvidosa. Essa tendência, junto com a necessidade dos autores e artistas de terem maior poder criativo sobre seus personagens, levou ao surgimento de editoras independentes, sendo a Image Comics a principal delas.

    As histórias de super-heróis de então tiveram seus maiores artistas criando cada vez mais novos personagens, que não estavam diretamente ligados a nenhuma cronologia pré-existente. O impacto visual das páginas passa a ser mais importante do que as histórias, e assim vários desenhistas começaram a roteirizar seus próprios quadrinhos. Extremamente violentos, com musculatura exagerada e armados até os dentes, os heróis do fim do milênio não eram tão diferentes dos vilões que enfrentavam. O bom-mocismo estava, definitivamente fora de moda. As duas maiores editoras, Marvel e DC Comics, incorporaram essa tendência em suas páginas também. Vimos então histórias mais violentas, roteiros menos elaborados e arte exagerada – com direito a mulheres sendo representadas pura e simplesmente como objetos sexuais. Um herói que não matasse seu inimigo – de preferência, da pior forma possível – não merecia ser chamado de herói. Da mesma forma, um desenhista que entendesse minimamente de anatomia não teria seu lugar ao sol no mercado de hqs.

    Até que chegou Alex Ross.

    Retorno à Era de Prata

    Em 1993, Ross tinha ilustrado a belíssima minissérie Marvels. Com um estilo bastante realista e um retorno às origens da Casa das Ideias, Marvels lançou o jovem pintor no mercado de forma magistral. Pouco tempo depois, Alex Ross teria ido à Distinta Concorrência apresentar um novo projeto. Ele que cresceu com os personagens da editora, lendo seus gibis e assistindo seus desenhos animados, queria ilustrar uma história que retratasse sua paixão pela Era de Prata dos quadrinhos, um tempo no qual heróis eram heróis “de verdade”. Para não cair no risco de deixar uma obra de tamanha magnitude ser roteirizada pelo próprio desenhista (algo bastante em voga na época), o editor Dan Raspler convidou Mark Waid para a empreitada. Waid era famoso por seu conhecimento enciclopédico do Universo DC, e era talentoso o bastante para encarar tamanho desafio. Assim, com os esboços e anotações originais de Ross em mãos, e após várias reuniões de criação, Mark Waid criou uma história fantástica que ao mesmo tempo que criticava o cenário da época, reverenciava os maiores personagens de todos os tempos. Alex Ross teve bastante liberdade na criação, e sua ideia original (a história deveria se chamar A Era Heroica) teve bastante coisa aproveitada.

    Assim, em 1996, Reino do Amanhã é publicado, na forma de uma minissérie em quatro partes. O sucesso foi estrondoso. Uma grande campanha de marketing antecipou o lançamento, com pôsteres e cards colecionáveis. Desde então, a história tem sido republicada frequentemente, com edições de luxo, materiais extra, esboços… E a trama, embora um registro histórico da época em que foi escrita, continua relevante nos dias de hoje.

    Verdade, Justiça e Quadrinhos Americanos

    O primeiro capítulo apresenta como está o mundo após a aposentadoria dos maiores heróis do UDC. Através do ponto de vista de um ser humano comum, o Reverendo Norman McCay, Waid e Ross nos apresentam esse futuro pessimista e muito parecido com o que estava acontecendo nas outras editoras. Os meta-humanos se consideravam superiores ao resto do planeta, e suas brigas mesquinhas e egocêntricas ofereciam mais riscos do que segurança à população. Os vilões não são mais um grande problema, e sim os próprios autoproclamados heróis. Wesley Dodds, o Sandman original, está num leito de hospital, em seus últimos momentos da vida. Norman McCay presencia sua morte e acaba herdando as visões do Armagedom que Sandman tinha em vida. Ao fim de um culto, Norman recebe a inesperada visita do Espectro, o Fantasma da Vingança, que anuncia ao pastor sua missão no fim do mundo. McCay e Espectro iniciam uma jornada no plano etéreo na qual presenciam os grandes fatos que levará ao Apocalipse de suas visões.

    Assim, vemos um Superman isolado em sua Fortaleza da Solidão em um holograma que simula fielmente a Fazenda Kent. Clark está mais velho, de barba e cabelos grisalhos, e seu semblante demonstra o peso do mundo que carrega em seus ombros. Ele demonstra não saber do incidente que ocorreu há pouco tempo no Kansas, uma explosão nuclear causada pela morte do Capitão Átomo pelas mãos de Magog. Diana, a Mulher-Maravilha chega para avisá-lo de que o mundo precisa dele novamente, aparentemente sem sucesso. Espectro então leva Norman para conhecer o que restou da antiga Liga da Justiça. Descobrimos que o Flash se fundiu à Força de Aceleração, e agora praticamente pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, inclusive em outras dimensões da realidade. Gavião Negro se tornou uma entidade da natureza, Lanterna Verde orbita solitariamente a Terra em uma base espacial que ele mesmo construiu com seu anel. E Gotham City é governada por uma legião de drones controlada pelo Batman, que adota uma estratégia de tolerância zero ao crime. O fim do primeiro capítulo mostra o Superman finalmente retornando à ativa e trazendo consigo novamente a esperança de tempos melhores.

    No segundo capítulo, vemos o ressurgimento da Liga da Justiça da América. O retorno do Superman inspirou outro heróis de sua época a juntarem-se às suas fileiras. Flash, Lanterna Verde, Poderosa, Ray, Mulher-Maravilha, Gavião Negro e Robin Vermelho são os primeiros. Com o tempo, a inspiração faz com que mais heróis saiam da sombra. Menos, claro, o Batman, que continua recluso em sua caverna, controlando os drones e monitorando, como um Grande Irmão, sua cidade. Seu estado físico encontra-se debilitado, mas suas habilidades mentais estão melhores do que nunca. Bruce Wayne se recusa a voltar para a Liga da Justiça, por não concordar com os métodos que o Superman adota. Após o diálogo entre os dois gigantes, descobrimos que o Homem-Morcego tem sua própria rede de vigilantes, em sua maioria jovens e filhos dos heróis do passado. Isso reforça a tradição do Cavaleiro das Trevas de influenciar e arrebanhar jovens pro seu exército particular. Dick Grayson, o primeiro Robin, não está ao seu lado. Como Robin Vermelho e conhecendo seu antigo mentor, ele prefere juntar-se ao kryptoniano, mas sua filha não pensa da mesma forma e engrossa as fileiras do Batman (uma subtrama que, infelizmente, se perdeu e só ficamos sabendo devido ao material extra). Ao lado do Batman, temos também grandes figurões como o Arqueiro Verde, Besouro Azul, Canário Negro entre outros.

    Superman continua seu recrutamento e vai atrás dos novos heróis, impondo sua vontade através da força. Os que recusam são presos em um Gulag projetado pelo Senhor Milagre, impossível de escapar (uma clara referência ao sistema de encarceramento e trabalhos forçados da extinta União Soviética). Alex Ross concebeu a arquitetura da prisão com o design clássico do QG da Legião do Mal, do desenho Superamigos. A ideia do Superman é que o Gulag seja uma espécie de colônia de reabilitação, e hologramas são projetados para educar os internos a usarem seus poderes com responsabilidade. Infelizmente, as coisas não são tão simples como ele gostaria.

    Nesse capítulo ficamos também sabendo o motivo pelo qual Superman se aposentou. Com a chegada de novos heróis, a opinião pública passou a não confiar mais nos métodos considerados antiquados do protetor de Metrópolis. Após um ataque do Coringa que resultou na morte de Lois Lane, Magog – um dos novos heróis – assassina o Palhaço do Crime e é preso pelo Superman, que o leva a julgamento. Seguindo a ideia de que “bandido bom é bandido morto”, o júri absolve Magog que desafia Superman para uma luta. Ao ver que isso não levaria a nada, o Azulão abandona sua cidade, seus protegidos e sua “batalha sem fim”, entregando esse novo mundo aos heróis do novo tempo. Seu isolamento então mostra-se uma forma de abandonar tudo, menos seus ideais, pois ele ainda está convencido de que está certo. Ao voltar, enfrenta Magog e o prende para a reabilitação.

    Além dos dois grupos de heróis, vemos ainda nesse capítulo os humanos mais ricos do mundo, liderados por Lex Luthor, formando uma Frente de Libertação da Humanidade. Os maiores vilões do passado se mostram preocupados com o destino dos humanos comuns frente a tanto poder concentrado nas mãos de tão poucos. Esta cena reflete em muito a noção de que magnatas e grandes corporações são quem realmente governam o mundo. Luthor e seus aliados podem até usar a desculpa de que estão protegendo a humanidade, mas na verdade estão apenas protegendo seus próprios interesses e garantindo os privilégios da elite capitalista. Qualquer semelhança com qualquer magnata da vida real (principalmente alguém que porventura almeja o cargo de presidente dos Estados Unidos) não me parece mera coincidência. Novamente, os quadrinhos americanos refletem a sociedade na qual são produzidos.

    Ponto de ebulição

    No terceiro capítulo, tudo dá errado. O Gulag não funciona como reabilitação, e cada vez mais os prisioneiros se rebelam. A população, que havia voltado a acreditar no Superman, passa a olhá-lo novamente com desconfiança. A Mulher-Maravilha então começa a pressionar Superman para que ele tome atitudes mais severas. Como uma guerreira, ela acredita que força letal deve ser usada contra os mais resistentes. Superman não concorda por achar isso uma atitude fascista, e a Princesa Amazona insiste que ele deva assumir de uma vez seu papel como líder mundial. Vemos um Superman dividido entre a vontade de tomar as rédeas do poder e a ideia de justiça e democracia que ele sempre defendeu e acreditou. Enquanto isso, Bruce Wayne une-se a Lex Luthor para garantir o protagonismo à humanidade. Luthor tem em suas mãos uma arma secreta: o jovem adulto Billy Batson, que sofreu lavagem cerebral desde criança e pode tornar-se o Capitão Marvel e agir à favor do magnata.

    O capítulo fica cada vez mais tenso quando vemos o rompimento da Mulher-Maravilha com o Superman. Decidida a derrubar a prisão sobre as cabeças dos presos rebeldes caso necessário, Diana segue para o Gulag com os heróis que a apoiam. Enquanto isso, Bruce Wayne revela que nunca esteve realmente do lado de Luthor, que manda o capitão Marvel derrubar a prisão. É a batalha do Homem de Aço contra o Mortal Mais Poderoso da Terra.

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    No quarto e último capítulo, o Armagedom chega à Terra. Durante a luta entre Superman e Capitão Marvel, a ONU resolve mandar uma bomba nuclear sobre o local, eliminando a ameça sobre-humana de uma vez por todas. Batman e seus aliados juntam-se finalmente aos seus antigos amigos para combater os prisioneiros. Enquanto isso, os jatos dos Falcões Negros chegam com a bomba, que é lançada no coração dos Estados Unidos. Superman e Capitão Marvel parecem finalmente ter chegado a uma trégua no embate, e enquanto a bomba cai, o Espectro finalmente dá a Norman McCay a ordem para cumprir seu papel no fim do mundo: julgar. Cabe ao velho pastor decidir quem deve pagar pelos pecados do mundo, os super-humanos ou a humanidade.

    A explosão da bomba – e a morte e sacrifício de vários heróis –  faz com que Superman perca o juízo e decida acabar de uma vez por todas com os responsáveis. Com fúria nos olhos, voa para o prédio das Nações Unidas decidido a derrubá-lo. Nesse momento, Norman McCay pede ao Espectro para que ele possa interferir. Como um bom pastor, o reverendo MacCay aconselha o ensandecido kryptoniano e firmemente o trás à razão. Superman então percebe que a paz não pode ser imposta pela força, e que um novo mundo mais justo só é possível com a união entre humanos e super-homens.

    A história então termina com a redenção dos meta-humanos e sua reinserção na sociedade, de uma forma bastante inspiradora e positiva após tantas tragédias. Superman volta a acreditar na humanidade e isso fica representado em seu retorno à identidade de Clark Kent, ao colocar os óculos na última página.

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    O Reino Hoje

    Anos após a publicação original, duas novas cenas foram acrescentadas à trama, em edições encadernadas de luxo. A primeira é o encontro do Super com Órion, em Apokolips, que tomou o lugar de seu pai Darkseid como ditador do planeta, e a conversa com Senhor Milagre, que projetaria a prisão. A segunda é o epílogo, onde vemos que Clark e Diana não só estão juntos como anunciam para Bruce Wayne que ele será o padrinho do bebê que está no ventre da Mulher-Maravilha. Uma cena bastante emocionante, diga-se de passagem.

    O tempo também nos mostrou o quão acertada foi a decisão de Dan Raspler em convocar Mark Waid para o roteiro. Embora a ideia de Alex Ross fosse excelente, é muito provável que o resultado não seria o mesmo caso o próprio ilustrador assumisse o roteiro. Prova disso é a maxi-série Justiça, escrita por Jim Krueger e ilustrada  por Ross, que foi muito maior (12 capítulos!) e não teve o mesmo êxito que o Reino. Vinte anos depois de sua publicação original, Reino do Amanhã ainda tem muito o que dizer. A Edição Definitiva apresenta, além dos esboços de Alex Ross para cada personagem, um guia para cada easter egg presente na hq, além de toneladas de textos explicativos, pôsteres e a sensação de que cada material extra é realmente relevante. Reino do Amanhã não é apenas uma história da Liga da Justiça. É uma epopeia atual, que mostra os super-heróis como deuses vivos da mitologia moderna andando entre nós. Se o Superman é o protagonista da história, Norman McCay é o “pé-no-chão” que nos conecta a ela. Norman representa cada leitor ou leitora que já se admirou com essas lendas e, por um motivo ou outro, virou as costas pra ela. A narrativa bíblica, presente em versículos do Apocalipse de São João nas visões do reverendo, dá o tom grandioso da história. O conflito ideológico entre Batman e Superman, além das inserções da Mulher-Maravilha, nunca estiveram tão presentes no mundo moderno quanto hoje em dia. Ao mesmo tempo, a escalação dos personagens remonta claramente à época em que foi escrita. O Lanterna Verde por exemplo, é Alan Scott porque Hal Jordan tinha morrido nas publicações da época e a Tropa dos Lanternas Verdes não existia mais.

    A história serviu ainda de base para muitas publicações futuras da DC, mas nenhuma delas se equipara à grandiosidade e maestria dessa saga sobre deuses e mortais, sobre o Bem e o Mal, sobre homens e super-homens.

    Compre: Reino do Amanhã (Edição Definitiva)

  • Resenha | Liga da Justiça: Os Sete Sinistros

    Resenha | Liga da Justiça: Os Sete Sinistros

    JLA - Os Sete Sinistros

    Em um tempo anterior a distribuição da Marvel e DC Comics pela Panini Comics, uma geração de leitores foi formada através dos formatinhos lançados pela Editora Abril. Edições que ainda hoje despertam nostalgia e foram significativas para os quadrinhos no país, ainda que a qualidade e o tamanho influenciavam na leitura. Em paralelo a estes lançamentos, a Mythos Editora publicava diversas edições especiais em um formato maior daquele vigente, entre o formatinho e o americano. Como a editora principal adquiria os direitos somente das revistas mensais e de certos especiais, havia espaço para concorrentes publicarem edições fechadas e arcos que a Abril considerava impopular.

    Muitos destes lançamentos eram atraentes ao público devido ao formato diferenciado e ao fato de tais histórias serem fechadas, uma justificativa que motivava o leitor que reconhecia que a cronologia original necessitava, normalmente, da leitura de muitas histórias anteriores. Diversas aventuras alternativas e releituras foram publicadas no país neste conceito e, sem duvida, ajudou a Mythos a estabelecer o laço editorial que proporcionou a parceria para editar as revistas da Panini Comics.

    Liga da Justiça – Os Sete Sinistros é uma dessas pérolas lançadas pela editora em 2002. Com roteiro e arte de Dan Brereton, autor de Batman: Pulp Fictiona trama se desenvolve a partir de uma mitológica história de sete reis pré-históricos que retornam a Terra tentando dominá-la. Após ser derrotada em uma primeira investida contra tais seres, a Liga da Justiça decide aceitar a ajuda de dois espíritos irmãos também oriundos de uma época antiga.

    A história breve de 52 páginas é superficial e se vale das diferenças entre os integrantes da Liga para causar um conflito inicial, marcado por frases de efeito rasteiras. Superman é o único personagem que deseja descobrir a origem dos vilões e adentra um mundo onírico para descobrir sua história, uma dessas antigas lendas de traição e poder. Com a ajuda de um espírito gêmeo que alerta os heróis sobre a destruição da humanidade, a equipe aceita um presente que seria capaz de destruí-los. Sem nenhuma justificativa do que significa o artefato, as personalidades dos integrantes se invertem, tornando-os malignos e, assim, combatendo o mal com um mal maior. A trama se apoia na carga de efeito desta transformação que, assim como foi realizada, se encerra sem nenhum drama profundo.

    Os traços de Brereton são rapidamente identificados com um estilo de pintura distorcida que mais transformam as personagens em caricaturas do que compõe bonitas páginas. Todos seus personagens parecem carregar expressões exageradas, como se faltasse nuance na arte e certo senso de proporção estética. Dando-nos a impressão de que a história mais parece um exercício de um fã do que propriamente um produto oficial e licenciado pela DC Comics.

    Ainda que os personagem sejam os conhecidos heróis do público, Liga da Justiça – Os Sete Sinistros é o tipo de material cuja leitura mais funciona como história absurda e motivo de riso involuntário do que uma trama para ser levada a sério mesmo como aventura, uma daquelas edições que somente leitores assíduos manterão em sua coleção.

  • Resenha | Liga da Justiça: Torre de Babel

    Resenha | Liga da Justiça: Torre de Babel

    Liga da Justiça - Torre de Babel - capa

    Quarto lançamento da recém-lançada coleção de Graphic Novels da DC Comics pela Eaglemoss, Liga da Justiça – Torre de Babel apresenta uma elogiada história publicada originalmente no país pela Editora Abril em uma época que tentaram renovar os quadrinhos e, abandonando o formatinho, lançaram edições em estilo americano, fase conhecida como premium. Um interessante projeto que não se adaptou ao mercado naquele período.

    Escrita por Mark Waid e desenhada por Howard Potter, a história envolve os membros da Liga da Justiça mas se destaca devido ao Batman e um de seus grandes vilões, Ra´s Al Ghul, com um elaborado plano para derrotar a equipe. A trama estruturava um aspecto conflitante na personagem do Homem-Morcego que se tornaria definitiva em anos posteriores e fundamental para causar atrito entre a comunidade heroica, nas futuras grandes sagas da DC Comics: um herói de alta inteligência, precavido e paranoico, desenvolvendo planos de contingência para derrotar cada um de seus colegas, caso necessário. Planos que são furtados pela Liga dos Assassinos e executados por Ra´s ao lado de um sistema que inibe a compreensão da fala, fato que justifica o mito bíblico da Torre de Babel do título.

    A personalidade do Morcego é definida diante destas duas vertentes. Ao mesmo tempo que demonstra engenhosidade em estudar os pontos fracos de cada um de seus colegas, a preocupação de Bruce Wayne soa exagerada, e assume que, diante de adversidades, somente ele seria um personagem incorruptível. Se os planos ressaltam sua inteligência, também apontam uma falta de confiança na equipe, motivo que lhe faria desenvolver um satélite espião, parte fundamental do conflito em Crise de Identidade e Crise Final.

    O argumento de um Bruce Wayne metódico e preparado para qualquer adversidade foi utilizado na revista do Morcego na saga Jogos de Guerra, quando um plano para fazer o alterego Fosforos Mallone se tornar o chefão de Gotham é interceptado pela Salteadora e colocado em prática, resultando em uma guerra entre gangues no local. Ressalta-se, novamente, a vertente controladora di personagem, talvez por ele reconhecer intimamente que, mesmo sendo herói com muitos recursos, é ainda humano diante de toda uma equipe formada por super-seres. Wayne insere a dúvida dentro de uma equipe que deveria ser coesa, demonstrando que, mesmo com um senso nítido de moral heroica, há desvios que favorecem um bem maior em detrimento de um plano e paranoia pessoais.

    Como Batman se torna simultaneamente o herói e uma espécie de vilão, a figura de Ra´s Al Ghul funciona para aplicar seus planos de contingência, roubados da Batcaverna, para destruir a liga enquanto desenvolve o sistema que inibe a compreensão da linguagem. Mesmo como um coadjuvante catalisador do conflito, o vilão se apresenta fiel a sua personalidade, desejando uma nova ordem no mundo diante de uma condição global desoladora. A filha Talia também se destaca e é personagem principal de uma das partes da aventura que apresenta o roubo dos dados na Batcaverna.

    Os desenhos da história são o elemento mais destoante. A princípio, em comparação com o padrão atual, soam menos sombrios e menos realistas, fato que não diminui em nada a história a não ser pela composição exagerada de muitas expressões que desequilibram a densidade e um certo senso de realidade que o roteiro de Waid tenta impor.

    A edição da Eaglemoss apresenta também a primeira história da Liga da Justiça, momento em que os heróis se reuniram para lutar contra o vilão Starro. Uma visão bem diferente da maneira pela qual os heróis são descritos atualmente, mas interessante por tratar-se de material histórico de quando os quadrinhos eram somente um divertimento de primeira linha.

    Torre de Babel expande a composição do heróis, focando no medo de cada um, principalmente no de Bruce Wayne, em uma carga realista que demonstra o medo e apreensão de um mundo dominado por vilões e da validade de qualquer medida externa para evitar que isto ocorra. Sem dúvida, uma história que aflora mais o lado humano do que heroico das personagens, o que seria o conflito principal das futuras sagas mencionadas.

    Compre: Liga da Justiça – Torre de Babel

    Liga da Justiça - Torre de Babel - capa 2

  • Mulher-Maravilha: Símbolo Feminino do Séc. XX? – Parte 3

    Mulher-Maravilha: Símbolo Feminino do Séc. XX? – Parte 3

    Perez-Wonder-Woman

    Capítulo 1 – Contexto Histórico

    Capítulo 2 – Origens da Mulher Maravilha

    Capítulo 3 – Queda e Ascensão

    Em 1954, o Dr. Frederic Wertham escreveu o seu livro Sedução dos Inocentes que expôs suas ideias sobre os quadrinhos e como eles afetam a marginalidade e a sexualidade da juventude. É visto por muitos historiadores de quadrinhos como a morte da Era de Ouro, e do início do Code Authority. A indústria de quadrinhos foi voluntariamente censurada e alguns temas foram estritamente removidos. Na era do Código, a Mulher Maravilha foi totalmente neutralizada. Ela não falava mais como uma feminista e foi deixado para os braços Steve Trevor, e com o tempo desgastou na Era de Prata. HG Peter, o artista original morreu ao completar a edição # 97. Sua origem logo foi reformulada.

    Seus poderes foram retirados e se tornou uma mulher comum, basicamente o que era esperado das mulheres no período pós-guerra, que retornassem ao trabalho doméstico, e sempre submissas ao sexo masculino. Nos anos 60, ela foi despida de seus superpoderes para se tornar uma mulher mortal. Estava preocupada puramente com o “feminino”, usava roupas da moda. Suas botas foram substituídas por sapatos de salto alto com tiras no tornozelo, e seu penteado era totalmente estilizado em um olhar Jackie Kennedy. Ela já não tinha seu avião invisível ou sua cura e poderes especiais telepáticos. Era mais vulnerável agora, mais facilmente enganada e seduzida pelo sexo masculino. Ela parecia ter ficado mais jovem ao invés de mais velha. Tornou-se menos poderosa, quase um espelho do papel da mulher no período pós-guerra. Esperava-se que as mulheres voltassem para casa das fábricas – e da independência para cozinhar, limpar e ter filhos.

    wonder woman for presidentNos anos 70, ela começou uma butique de roupas!

    Mas esta mudança radical, apesar de alardeada e bastante incentivada pela DC não duraria muito tempo. Pode ter surpreendido até a Mulher Maravilha ter sido escolhida como um símbolo do crescente movimento de Libertação da Mulher no início dos anos 1970.

    Em 1973, a personagem estava de volta ás suas origens, em grande parte graças à Gloria Steinem, famosa jornalista americana que, revoltada por ver a personagem com a qual cresceu lendo descaracterizada, colocou a heroína com seu uniforme original na capa da revista feminista Ms., uma revista de grande circulação nacional. Na verdade, não era exatamente o uniforme original, pois possuía algumas sutis diferenças, mas a essência do uniforme estava ali. Diana Prince voltou então a ser a Mulher Maravilha que os fãs conheciam.

    “William Moulton Marston tinha visto direto no meu coração e compreendi os meus medos mais secretos.”

    STEINEM, Gloria. Revista Ms. 1972

    “Quando eu era jovem, a Mulher Maravilha me encorajou a acreditar que não só eu posso fazer o que um garoto poderia fazer, mas eu também poderia superá-lo. Como Mulher-Maravilha diria a seus inimigos do sexo masculino: “Eu ainda vou rir por último”! Qualquer coisa que você pode fazer, eu posso fazer melhor! “Agora, como adulta, ela continua a inspirar-me a ser um modelo positivo para as meninas”. Algum dia, eu vou ser uma super-heróina também”.

    STEINEM, Gloria. Revista Ms. 1972

    “Aqui era uma pessoa heroica que poderia conquistar com força. Mas só uma força que foi temperada com amor e justiça.” De alguma forma ela conseguiu fazer o impossível: ela é um exemplo brilhante de militantes feministas. Eles entenderam que, juntamente com a igualdade de remuneração e de cultura e o direito de possuir crédito em seu próprio nome, as mulheres jovens precisam ser capazes de ver-se em um forte modelo de cultura pop e de formar-se nas versões da vida real.”

    STEINEM, Gloria. Revista Wonder Phyllis Chesler’s Woman, 1972

    Em 1973, a DC Comics restaurou a Mulher Maravilha a sua antiga glória, devolvendo o antigo uniforme. Dois anos depois, a série de televisão estrelada por Lynda Carter (cuja beleza mais do que corresponde à imagem dos desenhos animados). Na TV, Batman já havia se tornado um sucesso com seu seriado estrelado por Burt Ward e Adam West e o Superman interpretado por George Reeves. A Mulher Maravilha apareceu originalmente em um episódio piloto na década de 60, estrelado por Ellie Wood Walker e Hope Summers, que foi criado pelos produtores do seriado Batman; Exagerado, estúpido, e um insulto para o caráter, o piloto felizmente nunca chegou à tela da televisão. Após o fiasco da primeira tentativa , a Mulher Maravilha apareceu pela primeira vez na televisão durante um episódio de 1972 do desenho Kids Brady intitulado ” Isso é tudo Grego”.

    Em 1973, a Mulher Maravilha apareceu na manhã de sábado da ABC como uma das integrantes do desenho Super Amigos (Hanna Barbera produções, assim como Scooby-Doo, Jetsons e Super Gêmeos). Embora fosse maçante e sempre tinha uma desajeitada lição de moral no final de cada episódio, essa versão animada de Mulher Maravilha com o penteado Marilyn Quayle é uma das imagens mais duradouras.Em 1974, a Mulher-Maravilha nasceu como um medíocre filme pela ex-tenista Cathy Lee Crosby (mais lembrada por sua participação no reality Show That’s Incredible!) Como uma versão bizarra loira da Princesa Amazona, que em nada parecia com sua contraparte dos quadrinhos a não ser pelo titulo do filme “Mulher Maravilha”.

    Sem super poderes, um traje modificado que foi um cruzamento entre uma aeromoça e ginasta, e um roteiro sem sentido, o projeto foi por água abaixo. Stanley Ralph Ross, escritor responsável por episódios da Mulher-Gato no seriado do Batman, surgiu com uma versão da Mulher Maravilha que restaurou conceitos criador William Moulton Marston, incluindo a definição da II Guerra Mundial e a origem da história. O roteiro de Ross, apropriadamente intitulado The New Original Wonder Woman, tornou-se um filme de TV em 1975. O produtor executivo Douglas S.Cramer insistiu que Lynda Carter conseguisse o papel principal, apesar dos escrúpulos sobre sua inexperiência.

    O piloto foi um sucesso suficiente para gerar mais dois filmes de TV. Finalmente, em dezembro de 1976, a ABC lançou uma série de episódios semanais de uma hora. Fiel a temas de Marston, o episódio mostrou a abertura princesa amazona reabilitar seu inimigo, uma nazista do sexo feminino. Os quadrinhos foram reconhecidos nos créditos de abertura de animação, e por um dispositivo de cena em que as legendas escritas à mão aparecem no canto da tela. O filme piloto, exibido em 7 de novembro de 1975, foi um sucesso de audiência, e a ABC rapidamente autorizou a produção de dois especiais de uma hora que foi ao ar em abril de 1976.

    Estes dois episódios adicionais foram autorizados pela ABC para ir ao ar a qualquer hora que quisesse e foram usados para preencher lacunas na programação. Estas três produções viriam a ser consideradas parte da primeira temporada da série. Todos os 3 marcaram avaliações fortes e Mulher-Maravilha tinha mostrado potencial comparável ao “The Mary Tyler Moore Show” (Sitcom avaliado pela revista TIME como um dos 17 shows que mudaram a TV), utilizando como propaganda para o seriado a venda de uma boneca da Mulher Maravilha com o rosto de Lynda Carter na caixa do produto. A ABC ordenou mais 11 episódios para a temporada 1976-1977 de televisão. Na TV, começou a ser exibido os episódios no início de outubro (Inicio das novas temporadas de TV nos EUA) de 1976 até meados de fevereiro de 1977. Depois de meados de Dezembro de 1976, o programa foi ao ar semanalmente. Sua habilidade de bloquear balas, os closes em câmera lenta nas cenas de ação e a explosão durante o rodopio de transformação da personagem tornavam os episódios imperdíveis para o público.

    wonder woman tv
    Figura 3 – Lynda Carter como Mulher Maravilha

    Chegou-se a um consenso quanto a sua origem, que de forma controversa funcionou para a época em que foi criada; a personagem era unilateral, representava um ideal de força, autoconfiança e inspiração para as mulheres apesar do seu apelo sexual masculino. Todos os personagens de quadrinhos da época foram reciclados, sendo sua concepção feita durante a Segunda Guerra. Toda a geração que leu a concepção original da personagem cresceu coma ideia de que existia a chance de mudar as coisas na sociedade, o bom autor de ficção vai exatamente criticar ou discutir algo que permeia seu tempo. A pesquisa mostrou como de fato para a cultura americana os quadrinhos são pertinentes, pois são o primeiro contato de leitura na maioria das crianças, junto com os livros ilustrados, e é mostrado isso pela variedade de produtos que existiram e são comercializados até hoje com a mesma personagem.

    A Mulher Maravilha representou o que seu autor pensou ser o correto para a nova geração, que seriam os adultos dos anos 60 e aplicou essa ideia no meio de comunicação que mais chamava a atenção de leitores de todas as idades, sendo eles homens, mulheres, garotos ou garotas. Nós temos esse conceito inserido no roteiro de pequenas histórias, mostrando a partir de um ideal de beleza, um ideal americano e um ideal feminino. Com a morte do autor temos seu conceito totalmente invertido para refletir o que foi a mulher no período pós-guerra, de fato o que afetou a imagem da personagem por mais de 10 anos, tempo esses em que a contracultura; revoluções sexuais aconteciam em território americano em pró de um ideal de paz e amor, surgido pela pressão que havia se instaurado na sociedade e pela guerra do Vietnã. Seu conceito se repagina de forma positiva a partir da década de 70, com o seriado e com os quadrinhos.

    Alguns aspectos mesmo sendo reformulada tantas vezes se mantêm intactos na formação da personagem como sua fisionomia, beleza, altura, força e habilidades especiais. Se ela servia como um padrão, esse padrão fisicamente é inalcançável de diferentes formas, desde o fato de ser uma princesa para aproximar do imaginário da menina quanto a capacidade de fazer o que queria no momento em que queria. Esse modelo de inspiração assim como o de todos os outros super.

    Heróis estão fisicamente num padrão de apreciação, porém o que de fato torna essa personagem ou qualquer outro tão perdurável ao tempo é sua essência, a capacidade de inspirar a uma nova geração com feitos diferentes em contextos diferentes; A Mulher Maravilha da década de 85 é a mais vulnerável psicologicamente o possível, que apesar de inspirar apresenta erros que qualquer ser humano pode cometer. Ela pode ser reutilizada em diferentes contextos para trazer uma inspiração, uma ideia que pode alcançar de forma relevante muito mais que uma pessoa só, não necessariamente como símbolo feminino como já foi, mas como uma representação do que o autor quiser refletir.

    Texto de autoria de Halan Everson.

    FONTES CONSULTADAS
    1. ROBBINS, Trina,“The Great Women Superheroes wrote”, 1940
    2. OLIVE, Richard. Revista Family Circle, “Não ria dos Quadrinhos”, 1940
    3. HANK’S, Fletcher, Fantomah #14, Jungle Comics, 1941
    4. MARSTON, William Moulton. The American Scholar, 1943
    5. CHARLES, MOULTON. PETER, H.G Sensation Comics #1 Dez, 1941 DC Comics
    6. STEINEM, Gloria. Revista Wonder Phyllis Chesler’s Woman, 1972
    7. STEINEM, Gloria. Revista Ms. 1972
    8. DAVIDSON, Bill. From the pages of comic books, T.V Guide, jan.27 1977
    9. EVANIER, MARK. Her Name is Lynda Carter, The amazing World of DC comics, Ago.15 1977
    10. LEAPS and BOUNDS. Wonder Woman on TV, DC Comics – Sixty Years of the World’s Favorite Comic Book Heroes, 1980
    11. DANIEL, LES. Wonder Woman: The Complete History. DC Comics, 2004 pg. 28–30. 130-190
    12. GREENBERGER, Bob. PÉREZ, George. Wonder Woman, Amazon. Hero. Icon, Ed. Universe, Abr.6 2010

  • Mulher-Maravilha: Símbolo Feminino do Séc. XX? – Parte 1

    Mulher-Maravilha: Símbolo Feminino do Séc. XX? – Parte 1

    mulher maravilha

    Parte I – Contexto Histórico

    Olhando para trás, os movimentos de defesa dos direitos das mulheres ocidentais no séc XX parecem ser dominados pelo clamor crescente para a reforma política e o voto para as mulheres (livros, artigos, discursos, fotos e documentos do período, no entanto, mostram uma grande diversidade de tema a ser discutido em público).

    Na Holanda, por exemplo, o direito à educação, os direitos à assistência médica, melhores condições de trabalho, a paz e os duplos padrões sexuais foram as principais questões feministas da época, não só na Europa: este mesmo clamor por direitos estava também presente na América. Em meio a Segunda Guerra Mundial, elas assumiam empregos formalmente ocupados por homens na sociedade: motoristas de táxi, vendedoras, donas de escritório etc.

    Muitas delas se recusaram a abrir mão dessa liberdade profissional, criando uma grande crise no que era formalmente naturalizado como as definições de masculinidade e feminilidade. E nesse contexto, devido à guerra, Mulheres liam mais quadrinhos que o público Masculino.


    archie

    ArchieComics #174 – Uma das primeiras revistas dessas leitoras foi a mensal “ArchieComics”, estrelando um grupo de adolescentes americanos

    Durante a Era de Ouro dos Quadrinhos (1930 a 1940), tempo em que os quadrinhos estavam em ascensão, as mulheres não apareciam primeiramente como super-heroínas, mas apresentavam tipos característicos: enfermeiras, modelos, datilógrafas, jornalista, escritoras e etc. Protagonistas em romances, popularizadas por Joe Simon e Jack Kirby, geralmente se caracterizavam pela garota boa e a garota má; a que tem seu coração partido e a que parte o coração dos outro rapazes; e histórias de adolescentes rebeldes.

    quadrinhos femininos

    Dois exemplos de quadrinhos com a figura feminina

    Mulheres só foram se tornar combatentes do crime muito tempo depois, aparecendo primeiramente em quadrinhos policiais como ladras e assassinas (esse conceito da mulher delinquente reaparecerá nas personagens da revista The Spirit, de Will Eisner). Uma editora em particular, Fiction House, trabalhou em desenvolver suas histórias com heroínas como Sheena (mais conhecida no Brasil como Shanna), a rainha da selva criada por Will Eisner e S.M Jerry Iger. Foi a primeira personagem feminina a ter seu próprio título mensal.

                                               crimes woman e sheena                                        
     Crimes Women #4 e  Sheena #4

    Em 1940, a escritora Trina Robbins, na revista The Great Women Superheroes Wrote, diz que “muito do estilo de ação Pulp da Fiction House também começou com belas, fortes e imponentes heroínas. Eram enfermeiras de guerra, aviadoras, detetives e uma rainha dos animais de pele branca na selva que realmente estavam no comando. Armas de fogo, adagas, espadas e lanças eram o arsenal de Shanna ao passar das páginas, pronta para derrotar qualquer vilão sem precisar ser socorrida.” 

    A primeira super-heroína conhecida foi desenhada e escrita por FletcherHank’s. Fantomah é uma ancestral egípcia nos tempos modernos que pode transformar seu rosto em uma caveira com superpoderes para combater o mal. Foi publicada na editora Fiction House na revista “JungleComic#2” em fevereiro de 1940.

    Fantomah

    Fantomah se transformando. Fantomah #14 (1941), página de FletcherHank’s

    Na segunda parte, conheceremos a origem da Mulher-Maravilha e suas diversas personificações a cada década.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Resenha | DC: A Nova Fronteira (1)

    Resenha | DC: A Nova Fronteira (1)

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    Escrita em 2004, DC: A Nova Fronteira tem uma estrutura narrativa cinematográfica, com uma base de três quadros largos por página e variando de acordo com a necessidade dentro dessa mesma estrutura, gerando uma leitura fluida e agradável. Qualidade essa que se destaca em conjunto com o trabalho consistente de Darwyn Cooke nos desenhos, os quais lembram, muitas vezes, um storyboard pela simplicidade do traço e a imersão que as cores de Dave Stewart trazem à revista.

    Acredito que a intenção original seja um exercício de estrutura próximo do que outro roteirista, Alan Moore, trazia na construção de seus roteiros: condensar em crescente o universo DC como um todo, contextualizando historicamente eventos reais em conjunto com o nascimento da Trindade, a origem do Lanterna Verde, Flash, Caçador de Marte, Elektron, os Homens Metálicos, entre outros.

    E não apenas isso, Nova Fronteira, certamente, é a primeira revista que une não só todos os heróis DC numa mesma origem, mas também grupos militares como os Perdedores e Blackhawks, e outros pouco conhecidos, como os Desafiadores do Desconhecido e o Esquadrão Suicida. A história preocupa em manter uma constante de datas e resumir alguns dos eventos principais como o registro dos Super-Heróis pelo governo americano com manchetes de jornal e fotos simulando o efeito de retícula em cima de algumas ilustrações (ao mesmo tempo pra justificar a ausência de alguns seres místicos como Capitão Marvel, Zatanna e Doutor Destino dos eventos em que se passa a história). Esse preciosismo com o contexto histórico é tamanho que vemos inclusive transições nos uniformes do Super-Homem e Batman.

    A HQ passa até um pouco mais da metade encaixando muitos personagens e introduzindo novos. A impressão que você pode ter é que o ritmo dela é arrastado por isso. Em compensação, temos uma grande cena de ação no desfecho da revista, com direito a vermos quase todos os heróis agindo em conjunto. Apesar das 300 e poucas páginas, divididas em dois volumes pela Panini Comics, a leitura acaba passando mais rápido do que parece, com quadros dinâmicos e praticamente sem balões de pensamento ou narração em off, com exceção do emocionante discurso no final escrito por John Kennedy.

    Hal Jordan é com certeza o protagonista da história. É através dele que uma grande parte da narrativa é contada, deixando também espaço para o Flash e o Marciano John Johnz (que tem por sinal uma das narrativas mais contextualizadas nos anos 50, se passando por um detetive do departamento de Gotham), mas é possível ver o carinho especial dado a ele e, mais adiante, a toda a era de prata da DC. Em contraponto, só vemos a Trindade pouquíssimas vezes na história toda. Quem sabe essa seria a grande mensagem final de Cooke para os leitores, roteiristas e toda a indústria de quadrinhos? Deixar grandes medalhões no seu lugar e dar espaço a novas histórias, personagens e lugares para alcançar!?

    A ameaça final representa essa liberdade que os roteiros mais antigos possuíam de não necessitarem de grandes plots, conspirações e reviravoltas. Essa última, bem contextualizada, é utilizada em função do que “voltar pra casa” significa em Nova Fronteira: é o voltar para o real espírito de aventura que tais histórias perderam durante os anos. A edição é uma ótima introdução ao universo DC nos quadrinhos, tirando qualquer mérito das séries animadas por Bruce Tim e roteirizadas por Paul Dini e dando espaço à leitura de uma boa HQ.

    Compre aqui: DC: New Frontier (Deluxe Version)

    Texto de autoria de Halan Everson.

    Dc - Nova Fronteira 03

  • Review | Mulher-Maravilha (Piloto Cancelado)

    Review | Mulher-Maravilha (Piloto Cancelado)

    mulher-maravilha-serieEm 2011, vazou na internet o piloto do seriado da Mulher-Maravilha, cuja continuidade foi interrompida graças a uma série de motivos ligados à franquia do Batman de Chris Nolan e também por interesses financeiros. Inacabado, o episódio inicia-se sem qualquer introdução, mostrando uma correria desenfreada sem necessidade de explicações, já que seria igual a tantas histórias isoladas da heroína abençoada pelos deuses gregos.

    O draminha particular envolvendo Diana Prince – feita pela voluptuosa Adrianne Palicki, chamada por fanboys de “gorda” – envolve alguns problemas de concepção. Em torno de sua personagem correm algumas questões familiares, apelando-se para o clichê da pobreza econômica extrema para sensibilizar o público, seja ele qual for.

    As cenas de ação são muitíssimo mal acabadas, justificadas, evidentemente, pelo original jamais ter sido lançado oficialmente, visto que não havia verba para investir-se em efeitos especiais. Mas mesmo ignorando os cabos, os embates físicos são demasiadamente toscos. O grupo de brutamontes que vai encarar a heroína é composto por indivíduos bombados, todos unidimensionais. Há total ausência de vilões bem construídos, mesmo com Elizabeth Hurley (ainda em forma) fazendo uma Veronica Cale tão insossa que lembra a vilã vivida por Sharon Stone em Mulher-Gato. Tão mal construído quanto a vilania de Cale é o namorico mal resolvido da protagonista: além de não ter qualquer química com seu par, a heroína ainda vive uma D.R. das que mais dão vergonha alheia, mesmo se comparada com o show de horrores do piloto inteiro.

    A falta de identidade pode ser encarada como o maior inconveniente da produção, já que alguns pontos apelam para o nerd típico, que adora moças de collants coloridos correndo atrás de bandidos; mas a série também tenta angariar o público feminino, apresentando uma discussão sobre feminilidade contra feminismo, mas sem fundamentar o argumento, não sendo nem panfletário e nem crítico ao movimento. Analisando o texto final – se é que se pode chamar assim o roteiro -, é fácil imaginar o motivo de terem dado fim ao seriado antes mesmo dele ir ao ar.

    A discussão sobre a sexualização do personagem é rasa até quando tenta resgatar invertidamente as histórias dos anos 40, quando o fetichismo imperava. As bonecas da heroína não poderiam ter seios tão avantajados, no entanto a vigilante usa um bustiê que quase estoura as mamas na tela. Em determinado momento, num hospital, um policial baixinho quase brinca de gaita de foles com as peitolas da moça.

    Apesar da participação de Adrienne Palicki na produção ser ótimo para a figura da amazona em 2014, não parecia ser na época. Certamente, suas curvas são mais aceitáveis que a magreza descomunal de Gal Gadot; seu talento dramatúrgico é baixo, como o da israelense, mas o fator que certamente preponderou para a retirada da atriz do páreo certamente foi o seu envolvimento com esta fita.

    A condução de Jeffrey Reiner é equivocada demais, em alguns momentos parece até lembrar a direção dos episódios de Power Rangers nos anos 90. No entanto, a culpa da produção não ter dado certo é compartilhada com seu produtor e roteirista David E. Kelley, que em momento algum conseguiu emular nenhum dos bons momentos, nem dos idos de 1940, nem da reinvenção de George Perez no pós-Crise das Infinitas Terras, tornando a esquete completamente genérica e de mal gosto.

  • Crítica | Liga da Justiça: Guerra

    Crítica | Liga da Justiça: Guerra

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    Iniciando o reboot das animações do DCAU (DC Animated Universe), Liga da Justiça: Guerra adapta o primeiro arco de histórias de Geoff Johns à frente do título dos Novos 52. O início, introduzindo Batman – até então uma lenda urbana – e o Lanterna Verde (Hal Jordan) mostra uma das primeiras ações conjuntas dos heróis mascarados, ainda bastante desentrosados. A cena em si pouco inspira entusiasmo e quase não diz nada ao espectador.

    A personalidade dos vigilantes é fraca, sua constituição é vazia e não permite nuances, é quase como se o poder fosse a personalidade deles. Quase não há variações e o nível de ação sem propósito é grande, no sentido de não explorar grandes motivações. O erro seria até perdoável, caso as cenas de ação fossem bem feitas e plásticas, mas isso não ocorre com frequência. As animações da DC jamais foram um primor quanto ao roteiro, mas sempre foram redondas, algumas vezes até se saindo melhor que as sagas originais, vide Liga da Jusiça: A Legião do Mal por exemplo. Este sucesso não se repete nesta obra.

    O foco maior das ações dos seres superpoderosos é em atos isolados dos feitos dantescos, quebrados no máximo por ações em dupla com outros vigilantes coloridos. O quadro muda decorridos 60 minutos de exibição, especialmente com a presença do opositor, o soberano de Apokolips: Darkseid. O ruim é que o excessivo tempo gasto em piadas desvirtua a atenção do público, e a falta de exploração dos dramas dos personagens causa uma total falta de empatia por seus caracteres.

    A equipe de dublagem não é ruim, mas está muito aquém dos antigos castings de Andrea Romano. Vozes como as de Kevin Conroy, Tim Daly, Michael Ironside e tantos outros fazem uma falta considerável, visto que estes encarnaram os heróis mais famosos dos comics por muitos anos. Outro inconveniente é o opositor. Antes retratado como um inimigo imponente de discurso orgulhoso e bravo, é mostrado como uma ameaça física unicamente, se importar com si é praticamente impossível pois sua faceta não tem o mínimo apelo ou carisma.

    Justice League War inicia mal a nova seara de animações da DC Comics. Tem um caráter ordinário, falha em produzir algo novo, em rememorar os bons momentos da editora e tampouco revitaliza o tema de modo competente. Jay Oliva traz uma fita insossa e apática, muito inferior a sua anterior, Liga da Justiça: Ponto de Ignição mesmo quando apela para a violência pueril e tudo isso é ainda mais lamentável quando percebe-se que acabaram com a equipe criativa antiga para trazer isso à tona. A cena pós créditos dá um gancho para continuações vindouras, mas é tão gratuito que mal justifica a menção.

  • Crítica | Liga da Justiça: Ponto de Ignição

    Crítica | Liga da Justiça: Ponto de Ignição

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    A animação que dá origem ao reboot do DCAU (DC Animated Universe) começa com um brutal assassinato que culmina num trauma infantil. Barry Allen, o protagonista, é marcado com fogo ainda criança. Já adulto ele se atormenta, pensando que se fosse mais rápido poderia ter impedido o crime. O roteiro é baseado na saga de Geoff Johns e Andy Kubert, e apesar de tomar algumas liberdades, mantém-se fiel ao espírito da trama original.

    O quadro pintado mostra grandes diferenças da realidade alternativa mostrada em tela com o universo que o grande público está acostumado a assistir. O herói, acorda na delegacia, sua última memória é a de ter lutado contra o Professor Zoom. Logo ao sair do posto policial, percebe que algo está errado, pois sua mãe – a pessoa assassinada nos primeiros minutos de exibição – o recebe. Logo ele percebe que não tem mais seus poderes, e as mudanças não param por aí.

    Cyborgue é o cão de guarda do governo americano, Batman utiliza armas de fogo e tem outra identidade, a Mulher-Maravilha é a soberana do Reino-Unido, Capitão Átomo é utilizado como uma arma apocalíptica, Aquaman não é um bucha – é um tirano belicista amargurado – há muita informação para pouco tempo de tela, o que faz com que o conteúdo fique bastante jogado. O visual dos personagens também é modificado, os designs destes são quadrados e há uma clara influência de animações japonesas.

    Deixando a história de lado, ao menos as cenas de ação são bem executadas. O ataque dos atlantes é muito massa véio, todos os guerreiros são fodões absolutos, mas ainda assim há muita gratuidade. Qual a real necessidade de mostrar Mera – legítima esposa de Aquaman – vendo o marido “consumando” o matrimônio com Diana? Seria para justificar o ataque dela a rainha de Temyscera e ganhar tempo? A solução é tosca e empobrece um dos bons argumentos da revista original. As memórias de Barry Allen entram em conflito, aos poucos suas lembranças são substituídas pelos fatos que ocorreram naquele universo. O motivo do paradoxo é mal explicado, a correria do roteiro só serve para mostrar como Back to the Future seria catastrófico num universo levado a sério.

    A batalha final entre Arthur e Diana é muito bem feita, principalmente quando há interferência dos outros heróis. As caracterizações do Capitão Trovão e de Kal-El são muito boas. O ato final do Morcego é bem emblemático, apesar de ser um pouco piegas. Flashpoint Paradox tem graves erros, mas compila de forma leve os acontecimentos da história de Johns e Kubert, e mesmo com todos esses erros ainda possui mais sentido que a Mega-Saga de quadrinhos.

  • Resenha | Superman: Para o Homem Que Tem tudo

    Resenha | Superman: Para o Homem Que Tem tudo

    Para o Homem Que Tem Tudo

    A Crise das Infinitas Terras se aproximava, e alguns heróis passavam a contar algumas de suas “últimas histórias”. Em Janeiro de 1985 Alan Moore e Dave Gibbons seriam responsáveis por uma destas histórias do Azulão.

    Para o Homem que tem tudo começa em Kandor – cidade kryptoniana engarrafada por Brainiac -, em uma festa surpresa para Kal-El. As crianças presentes vêem o seriado de Asa Noturna e Pássaro Flamejante. Enquanto isso, no Pólo Norte, os amigos do herói azulado – Batman, Mulher Maravilha e Robin – chegam para comemorar seu aniversário. A ideia de uma festinha com mascarados é pueril e é um resquício da infantilidade das historias da época, em contraponto com os temas abordados por Moore. O Batman recalca Jason Todd, que observa a Mulher Maravilha em trajes sumários, o proibindo de ter pensamentos impuros – piadas com a sexualidade do menino prodígio era uma prática comum.

    Ao se depararem com Superman os vigilantes percebem que ele está preso num simulacro, em uma realidade própria. Seu devaneio passa por estar em seu planeta natal – que não fora destruído – e com uma família, com esposa e filhos. Seu pai Jor-El caiu em desgraça após a sua profecia apocalíptica não ter se cumprido, no entanto a sociedade kryptoniana está em franco declínio.

    A ilusão é causada por uma planta alienígena chamada Clemência Negra, que daria ao seu portador tudo o que ele deseja. O artefato é um presente de Mongul, um antagonista do Super criado em 1980 por Len Wein e Jim Starlin (também criador de Thanos). O vilão pelas mãos de Gibbons é cruel e tem um traço visualmente intimidador. Seu plano maquiavélico põe a responsabilidade em sair da ilusão ao herói. Só o Superman pode escolher sair de seu “paraíso perdido” e salvar seus companheiros, a mercê do poderoso brutamonte amarelo.

    A situação e o caos político que atravessam Krypton é a forma do inconsciente do herói dizer que algo está errado com ele e com o que ele está vivenciando. O plano de Mongul era subjugar o Superman emocionalmente, com a recusa de seus desejos, uma dor muito mais profunda que qualquer acerto de contas físico.

    A batalha entre Superman e Mongul é homérica e de proporções titânicas. O embate faz perguntar por que este vilão não poderia ser utilizado em um filme do Azulão, ao invés de repetir as fórmulas de Lex Luthor ou “trios da Zona Fantasma”. A descrição de como seria o sonho de Mongul influenciado pela Clemência Negra é cruel, e com direito a incineração de Jason Todd e decapitação e empalamento do escoteiro, além da submissão de povos alienígenas ao Mundo Bélico. Para O Homem que tem tudo é uma das histórias clássicas do Super-Homem, não só por mostrar como seria sua vida caso não tivesse pousado no Kansas, mas também para reforçar seu caráter de auto-sacrifício, além de resgatar a sua aura de salvador, provando que, ao menos em seu universo, o mundo precisa sim de um Super-Homem.

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  • Agenda Cultural 14 | Tarantino e um Exílio Francês

    Agenda Cultural 14 | Tarantino e um Exílio Francês

    Agenda Cultural agora também dentro da vertente ‘moda’. Felipe Morcelli (@multiversodc) do site Multiverso DC se reúne a Flávio Vieira (@flaviopvieira) e Mario Abbade (@fanaticc) para discutir as tendências da moda que regem o mundo dos super heróis. De quebra você ganha uma aula sobre Tarantino e o ‘way of life’ dos Stones e seus excessos.

    Duração: 53 min.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira

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