Tag: Western

  • Resenha | Blueberry: Amargura Apache

    Resenha | Blueberry: Amargura Apache

    Baseado no clássico herói do faroeste de Jean-Michel Charlier e Jean Giraud (Moebius), Blueberry: Amargura Apache é uma história de aventura do tenente e herói título Mike Blueberry, com arte compartilhada por Joan Sfarr e Christophe Blain. A história é um western escapista, bastante direta e tradicional, mostrando uma aventura do agente da lei e se utilizando do cenário desértico e montanhoso os cânions colossais quase como um personagem.

    Blueberry testemunha um crime de intolerância, cujas circunstâncias são estranhas, envolvendo o assédio a duas mulheres nativo-americanas — parentes de um apache — e um assassinato passional que claramente não tem as mesmas intenções vis dos estupradores. Em poucas páginas já se estabelece a simpatia do personagem central aos navajos, as disputas socio-ideológicas entre os locais e a coisificação dos nativos.

    Mesmo sendo curta, a história possui um ar bastante melancólico em seu texto, sobretudo nas conversas entre os homens brancos que não são tão intolerantes. As conversas entre os policiais são longas, eles parecem ter as palavras travadas na garganta, possivelmente para disfarçar a vergonha de se discutir o futuro e o presente de todas as outras pessoas com menos privilégios e menos liberdade de viver, como são os nativos e as mulheres neste retrato.

    Esta versão da editora Faria e Silva é bastante caprichosa, com um acabamento simples e cuidadoso tanto na parte externa do gibi quanto no trabalho interno. O papel ajuda a valorizar o traço característico, as cores e as paisagens do oeste selvagem.

    As tramas secundárias são ordinárias e desimportantes, mas a história tem seus méritos, especialmente quando recicla os clichês de herói e ressignifica-os. Essa desconstrução casa bem com o traço simples das expressões que Blain coloca aqui, lembrando os personagens da Era de Ouro dos quadrinhos norte americanos.

    As personagens que aparecem na história são humanas, tem dilemas adultos que, mesmo sem se aprofundar demais dão conta de uma complexidade de fácil entendimento e igualmente fácil associação com dilemas atuais. Chega a ser curioso como o tom do quadrinho muda quando há confrontos. Os embates são violentos e sanguinários, a história mostra o quão cruel e agressivo era esse tempo. Amargura Apache é uma boa história de introdução a novos leitores, e promete dar continuidade a essa nova versão do herói que reverencia o clássico, com novas camadas de complexidade e discurso.

  • Crítica | Dez Segundos de Perigo

    Crítica | Dez Segundos de Perigo

    Dentre as nossas raras certezas, é dito que todo mestre possui um filme que destoa da sua carreira. Ninguém escapa desse karma que o universo reserva, cedo ou tarde, até para as maiores lendas do Cinema. Em Hollywood, isso costuma rolar quando um grande nome, no auge da fama, ganha a confiança de um estúdio para realizar um projeto dos sonhos. O Primeiro Homem é o exemplo mais recente disso: com todo o louvor mega exagerado de La La Land, Damien Chazelle ganhou liberdade total na Universal, e o projeto da primeira missão à lua foi um fracasso tanto de público, quanto crítico. Mas Dez Segundos de Perigo, título esperto e referente ao tempo médio que o peão se mantém em cima do touro, nunca foi sonho de Sam Peckinpah – estando mais para um vislumbre (nada criativo) desses que temos numa rápida soneca vespertina.

    Porque o filme é totalmente deslocado das obras-primas do diretor nos anos 1970, a ponto de fazer quem não conhece os grandes clássicos de Peckinpah se desinteressar em descobri-los se começar por aqui. Ao revelar que esse faroeste urbano está entre Meu Ódio Será Sua Herança (1969) e Billy the Kid (1973), é o mesmo que assistir um pato manco jogando bola no intervalo entre duas partidas com Pelé e Garrincha. Todo o brilhantismo que veio antes e depois nesses filmes destoa violentamente do marasmo deste raquítico drama sobre um ex-campeão de rodeio, Junior Bonner, de volta à sua cidade rural no Arizona, a qual vive um intenso processo de urbanização. E é justamente essa ambientação que melhor se encaixa na perspectiva naturalista e bem-humorada do cineasta, mas que no filme em questão é preenchida pelo vazio de uma trama que poderia ser interessante, caso Peckinpah não estivesse tão no modo automático.

    Precisando de grana para sobreviver e ajudar o pai acidentado, o veterano Bonner (Steve McQueen, moreno e de chapéu de cowboy) tenta a sorte uma última vez na vida após uma longa pausa na arena, mas não antes de ser pressionado pelo próprio irmão ganancioso a vender a propriedade da família naquelas áridas planícies do oeste americano, em busca de mais dinheiro – e problemas à vista. Um misto de drama rasteiro acerca do impacto que o dinheiro pode ter nas relações de família e amigos, com breves momentos de entretenimento (as cenas de rodeio são o ponto alto, no típico estilo de câmera lenta e edição frenética de Peckinpah, salvando a fita do absoluto esquecimento), Dez Segundos de Perigo é a maior digressão da carreira sublime de seu diretor. E se não é uma sessão de fato ruim, esta oferece a certeza amarga de que todo grande cineasta carrega consigo um O Poderoso Chefão: Parte III para chamar de seu. C’est la vie.

  • Crítica | Como Vivem os Bravos

    Crítica | Como Vivem os Bravos

    Como Vivem os Bravos envolve um grupo de camponeses que resolvem seus problemas de maneira truculenta, em trocas de tiros que espalham sangue pelas areias do sertão. No início, impera o silêncio, e as pessoas são mostradas mirando sua armas para o lado de fora de um círculo formado pelos protagonistas, em uma reunião de pistoleiros bem diferentes entre si.

    Os pistoleiros, índios e cowboys tentam se proteger em um movimento sofisticado, utilizado por militares que tem noção tática de autoproteção, e do alto de suas machadinhas e carabinas, espalham o sangue de seus inimigos pela mesma areia que pisam todos os dias, e esse cenário pode obviamente refletir o nordeste brasileiro, mas também poderia ser do interior do México, no Texas ou mesmo nos cenários de Almería onde se filmaram boa parte dos Western Spaghetti clássicos.

    A obra de Daniell Abrew começa imitando os filmes de Sergio Leone, sem falas, com pessoas mal encaradas prontas para matar seus rivais. A escolha da produção em deixar o filme praticamente sem diálogos torna a apreciação da obra confusa. Provavelmente essa opção se deu por uma questão estética e universalidade do drama.

    As paisagens são bem enquadradas, a direção de fotografia ajuda a compor um conjunto de imagens arrojado, mas infelizmente os efeitos digitais são aquém em comparação com restante dos aspectos técnicos. Abrew claramente tinha a intenção de trazer uma obra mais pomposa, mas não tinha grandes recursos para tal. As cenas com corpos em decomposição são artificiais, o sangue que sai das perfurações e tiros idem, destoando completamente dos figurinos e cenários mostrados anteriormente.

    O aspecto fantástico da obra é sútil, e dentro da proposta de filme funciona bem. Como Vivem os Bravos reúne momentos épicos, mesmo tendo toda atuação baseada em acontecimentos mudos, mas é irregular, coleciona tropeços quando precisa usar efeitos especiais. No entanto, o que mais fica na memória de quem assiste são as referências aos clássicos do gênero Western.

  • Resenha | Tex 607: A Filha de Satânia

    Resenha | Tex 607: A Filha de Satânia

    Tex: A Filha de Satânia é um quadrinho de linha das revistas Tex, publicada no número 607 da Editora Mythos de mesmo nome. A historia conduzida pelo escritor e editora da Bonelli Mauro Boselli, , e desenhada por Michele Benevento, mostra uma aventura do ranger Tex Willer, acompanhado de seu velho amigo Kit Carson, que veem a aproximação de uma moça, que usa as cores e o nome de uma bandida antiga, a bela e perigosa Satânia.

    A exploração da personagem resgata a ideia de legado, como é bem comum nos comics norte-americanos, a filha de uma antiga vilã ressurge com o manto de sua mãe, como aconteceu inúmeras vezes, o Duende Verde  já foi Norman e Harry Osborn nas histórias do Homem-Aranha, pai e filho também já foram os portadores do nome Kraven, o Caçador e outros tantos personagens de DC e Marvel também usaram desse artifício, não só como malfeitores como mocinhos também. Isso ajuda a guardar semelhanças dessas aventuras de faroeste com o mainstream das historias populares nos Estados Unidos, embora não pareça nada gratuito, é só uma referência bem encaixada mesmo.

    A historia é bem comum, mostra momentos escapistas, tem duelos entre animais selvagens e humanos, possui perseguições típicas entre herói e vilões, com capangas e estruturas bem normais a filmes e livros de western. Boselli escreve bem ao estilo dos clássico Bonelli, os desenhos de Benevento não tem uma grande movimentação ou dinamismo visual, a violência não é tão gráfica, até os tiroteios parecem lentos. Além disso, o texto é verborrágico, há um excesso de explicações, para o leitor que não está acostumado com o comum dentro das revistas da editora italiana.

    Se a ação não é tão gráfica, ao menos os cenários são bem detalhados, fato que ajuda a fomentar o tom tradicional da historia, que mira ser um conto escapista de tentativa de revanche, como um bom episódio das séries de faroeste que povoavam as sessões de matine nos cinemas ou as manhãs e tardes das televisões antigas. Tex: A Filha de Satânia apesar de ser uma historia bem recente, de 2019, possui um tom bem clássico, condizente com os momentos típicos do herói que enfrenta os fora da lei do velho oeste americano.

  • Crítica | Inferno na Fronteira

    Crítica | Inferno na Fronteira

    O cinema western sempre se caracterizou por trazer histórias épicas, majoritariamente de mocinhos corretos ou de personagens ambíguos. Inferno na Fronteira, lançado em 2019 mistura esses dois estilos e usa como base avida do lendário cowboy afro-americano Bass Reeves, primeiro vice-marechal negro dos Estados Unidos, enquanto residia no oeste do Rio Mississipi. Durante sua longa carreira entre Arkansas e Oklahoma, foi creditado a ele a prisão de mais de 3000 criminosos.

    Nessa versão conduzida por Wes Miller, Reeves é interpretado por David Gyasi, e a trama se passa no ano de 1875. A produção bastante barata conta com um elenco interessante, como Frank Grillo e Ron Perlman, mas não possui na direção de atores um grande trunfo. Boa parte dos diálogos e interações são tão mal pensados que parecem emular as peças de teatro do ensino fundamental.

    De positivo, existe a forma como a violência é representada, mas que certamente não agradará a todos. Para o fã de filmes de terror que busca uma produção com muito sangue e gore há um certo apelo neste longa. No entanto, isso é muito pouco e o filme soa um bocado trash. Sua narrativa se arrasta ao longo dos quase 90 minutos e faz o filme parece bem mais longo do que realmente é graças as cenas tão mal exploradas e a falta de ritmo. Isso fica bastante claro nas cenas de ação, a maioria delas bastante lenta, fazendo parecer que os pistoleiros estão todos lesionados de tão vagarosos que são os embates.

    O fim de Inferno na Fronteira se dá com uma musica no estilo hip-hop, mas até esse apelo estilístico é tardio, caso fosse lançado antes e na trama principal ao invés de estar nos créditos poderia causar nas cenas algum caráter de inventividade maior e dinamismo. No final, toda a sequência de fatos soa genérica, sem qualquer traço de personalidade ou alma.

    https://www.youtube.com/watch?v=zLKFPrIpHo0

  • Resenha | Bando de Dois

    Resenha | Bando de Dois

    “Quem nasce pro sertão, não fica preso em gaiola.”

    O tempo é generoso com as boas ideias – exceto se caírem nas mãos dos executivos de Hollywood. Em solo tupiniquim, Danilo Beyruth se fez nacional e criou com ótimos personagens e uma boa premissa uma história de retaliação com toques de redenção moral, não sendo superada desde que foi lançada em meados de 2010 em toda a sua intensidade, irreverência e charme indiscutíveis. Bando de Dois nos leva de volta ao cosmos aventuresco do cangaço de mentira, épico e à beira do surreal, em um diálogo livre e prazeroso com os gêneros de ação, e aventura.

    Indo além, eis uma invenção mitológica e sanguinária com cheiro de homenagem lendária aos dramas do terceiro-mundo, aqui deliciosamente exagerados na alegoria atemporal que se torna o sertão, e que de verdade mesmo só tem as tropas militares que caçavam os “fora da lei” com a mesma fúria da PM nos bailes funk de São Paulo e Rio, sem contar a peixeira e o rifle encardidos usados pelo cabra duro na queda que ousava sobreviver dentre a miséria e o fanatismo religioso, encarando a morte sem medo da desova já que danação maior que aquele inferno vivido, eles sabiam, não poderia mais existir.

    Não tem espaço para lágrimas nas vidas secas de Bando de Dois. Uma vez que todos do bando de Tinhoso e Cavêra foram mortos pela tropa do tenente Honório, vale agora só uma coisa: ir atrás das dezoito cabeças decapitadas dos membros do bando, prestes a ser expostas como troféu pelos militares que “livraram o mundo dos cangaceiros”. Cientes de serem os últimos representantes desse vulgo mal errante, e munidos da pouca honra que ainda lhes resta, os dois cachorros sem dono tentam impedir o plano de Honório em uma sequência de emboscadas digna dos clímaxes dos faroestes de Sérgio Leone, culminando o plano na pequena cidade (no meio do nada) de Nazaré.

    Dispostos também a dar paz no descanso espiritual de seus ex-companheiros, os dois partem nessa missão provavelmente suicida com muita astúcia, e sem-vergonhice, mirando em Honório e acertando numa vingança com gosto de justiça, em meio a tantas outras injustiças históricas que tanto marcaram o nordeste brasileiro. É como se o cangaço na verdade fosse tão fértil ao nosso encanto quanto qualquer mundo de imaginação, mas sem dragões e naves espaciais. Queremos ver o ignorante Tinhoso e o ganancioso Cavêra em outras mil aventuras, vivendo e morrendo na conta da bala; um par de cangaceiros que podem estar lado a lado do António das Mortes de Glauber Rocha, ou do Django explosivo de Quentin Tarantino. Eles vivem.

    A simplicidade em preto e branco nos traços expressivos, aqui, prova que nem toda HQ sobrevive em especial de suas cores mirabolantes para saltar aos olhos, e sim de uma ótima história contada da melhor forma possível, com todos os elementos equilibrados, como devem estar. Narrativa é tudo, Danilo entende isso com a naturalidade do vento, e fez de Bando de Dois uma das melhores e mais famosas novelas gráficas do Brasil dos anos 2010. E o que fica, é isso: uma obra completa, bem resolvida entre suas referências criativas de terror e fantasia, e presente em nosso apreço muito tempo após o término da adoração literária que merece.

    Compre: Bando de Dois.

  • Resenha | Bravura Indômita – Charles Portis

    Resenha | Bravura Indômita – Charles Portis

    Bravura Indômita, de Charles Portis, publicado pela editora Alfaguara por conta do filme de mesmo nome dirigido pelos Irmãos Coen — o romance teve sua primeira adaptação para os cinemas em 1969, dirigido por Henry Hathaway (A Conquista do Oeste) e estrelado por John Wayne — e é uma clássica aventura de faroeste de época. Protagonizado por Mattie Ross, uma menina de quatorze anos que abandona a fazenda natal para caçar o homem que matou traiçoeiramente seu pai e roubou seus pertences. Ela convence o agente federal Rooster Cogburn, e posteriormente, o Texas Ranger LaBoeuf a ajudá-la na empreitada. O resultado é uma aventura com toques de humor negro, surpresas e violência que resgata a atmosfera árida e agressiva presente durante a expansão da costa Oeste norte-americana de meados do século XIX.

    Como muitos romances do século XIX e XX, Bravura Indômita foi publicado originalmente em folhetins de jornal durante o ano 1968. Por conta disso, é daquelas histórias que entretém a cada capítulo, porque, para garantir a edição do dia seguinte, tinham que fisgar o leitor diariamente em poucas páginas. Um sintoma da criação voltada ao jornal é o primeiro parágrafo da narrativa. Em duas frases extensas, Portis conta o motivo e o desfecho da narrativa, sobrando, ao público, acompanhar como uma garota de quatorze anos conseguiu sair de casa para matar o assassino de seu pai.

    Os outros parágrafos do primeiro capítulo cuidam de informar mais sobre o pai da menina e a fazenda onde moravam, tudo para que os leitores tomem um lado: condenar o assassinato contra o homem de família. Assim, acompanhamos Ross,uma menina muito prática e decidida, mas também teimosa e mordaz, e é justamente essa vingança de onde menos se espera, com a companhia de dois anti-heróis, que torna a trama fabulosa e interessante.

    A aventura é uma montanha russa. Entre se apresentar, convencer que a acompanhem na tarefa e chegar ao destino combinado, Mattie Ross ultrapassa barbáries, momentos trágicos, cômicos e mantém a compostura destemida de quem vai vingar o pai. Nota muito positiva aos diálogos; todos eles desvendam os temperamentos dos personagens e funcionam impulsionando a narrativa e complementando as informações descritas.

    Frases, em geral, curtas, dão o movimento e força da aventura. Tudo é descrito de forma coesa, sintética, como a transparência única de um Oeste ainda não totalmente conhecido. É uma jornada de descobrimento, é bom que tenhamos certeza, e personagens bem feitos, situações das mais variadas e excelentes descrições nos mantêm ansiosos até o desfecho onde Mattie Ross finalmente encontra o nêmesis de seu pai. Apenas uma observação, os filmes de 1969 (Hathaway) e 2010 (Irmãos Coen) possuem um final diferente do livro de origem. Por isso, indico que leia a obra de Portis e se decida sobre qual o melhor desfecho para a história de Mattie Ross, Rooster Cogburn e LaBoeuf.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: Bravura Indômita – Charles Portis.

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  • Crítica | A Balada de Buster Scruggs

    Crítica | A Balada de Buster Scruggs

    Os irmãos Coen (conhecidos, dentre outros, por Fargo: Uma Comédia de ErrosOnde os Fracos Não Têm Vez) assinam o roteiro e são responsáveis pela direção de The Ballad of Buster Scruggs. Não à toa, o filme parece uma coleção de contos. Aliás, essa é a maneira pela qual se apresenta a obra, algo como se o espectador estivesse lendo um livro de contos (assim mesmo, em primeira pessoa).

    O longo se inicia com a história do criminoso Buster Scruggs (Tim Blake Nelson), um animado pistoleiro do antigo oeste americano, que anda trajado de branco, sempre sorridente e cantarolando. Essa primeira história começa numa locação deslumbrante em meio um deserto repleto de formações rochosas. Embora haja, aparentemente, algum tratamento digital para as imagens, já há aí uma grande entrega da obra. Na trama, Scruggs se mete em uma disputa ao chegar num típico saloon de época. Ao tentar recusar assumir uma mão numa disputa de poker, seu adversário lhe diz: “You see’em, you play’em!” (algo como: Você viu as cartas, então você joga com elas). Esse é o momento em que Scruggs deixa a todos atônitos com sua ação e sua habilidade. “Eu não tenho uma natureza má, mas quando se está desarmado suas táticas precisam ser de Arquimedes”. Apenas 12’45” de filme já são suficientes para conquistar o espectador.

    Logo após, o ladrão interpretado por James Franco entra num banco no meio do nada e disputa a existência com um velhinho baixinho e meio louco. Uma atuação para ser lembrada, embora curta. A vontade de ver essa história num longa com Franco atuando dessa forma se torna enorme tamanho carisma. Ironia fina, hilário, comicidade no meio da selvageria sem lei. Joel e Ethan Coen não precisam pensar em assaltar um banco, merecem receber sacos de dinheiro.

    Toda a tragédia, todo o drama, toda humilhação e dor pode ser concentrada numa única vida? Liam Neeson é incapaz de ser um personagem diferente? Um ser humano pode ter menos valor que uma galinha? Alguns homens se sentem satisfeitos em usar outros como instrumentos. Se sua moralidade os permitirem, são capazes de usar outra vida como um meio para o alcance de um pequeno objetivo. Da mesma forma, são capazes de se desfazerem de tal vida, facilmente, sem que lhes custe muito. Segundo Abraham Lincoln, “… government of the people, by the people, for the people, shall not perish from the earth” (governo do povo, pelo povo, para o povo, não perecerá na terra); a mensagem dos irmãos Coen nessa citação direta do Discurso de Gettysburg – do então Presidente dos EUA, proferido durante a Guerra Civil Americana em 19 de novembro de 1863 – não poderia ser mais clara.

    Pode o homem ser uma força que assusta toda a natureza? Parece certo que a força que impulsiona o homem à conquista, à vontade de ter, o leva a superar o que precisar passar por cima. Tom Waits tem uma excelente atuação, faz saltar da tela a mensagem do quanto a impulsão do homem ao trabalho como meio para o ganho é forte, e tão mais forte quanto maior a possibilidade do ganho. O trabalho pode ser suado, penoso e moral ou amoral, sujo e traiçoeiro (em verdade, o não-trabalho). Muitas vezes, “Só as pegadas no campo e a terra mexida restaram da vida turbulenta que havia interrompido a paz do local e seguido em frente”. O que verdadeiramente importa se o potencial de ganho é alto?!

    E a vida pode dar uma pirueta ou piruetas, e fazer tudo que parecia sólido e certo se transformar em areia movediça. Só o desespero sobra. Só falta e ausência. E mesmo em ausência é a cooperação que nos move à frente. A história do homem não é uma história de bravos, fortes, inteligentes, astutos conquistadores solitários. Os solitários, por mais corajosos e fortes, morreram sem disseminar seus genes. Os seres humanos que cooperaram entre si foram mais longe, viveram mais, construíram mais, superaram desafios, lograram mais prole, deixaram para a história a disseminação dos seus genes.

    E aonde chega o ser humano, por fim? Tentar entender o que somos? Entender o que, no limite, faz diferir um de outro… Cada um de nós aparenta acreditar ter as respostas, não importa o quão amplas ou estreitas são nossas experiências, cada indivíduo teima em ter (e em ser) a medida correta. É possível observar isso na mais populosa multidão em uma grande “arena” ou no mais estrito grupo no menor dos cubículos. Cada indivíduo vai levando sua vida, julgando os outros, sendo repulsivo, afastando-se pouco a pouco por motivos fúteis uns dos outros, entretidos com bobagens, deixando de fazer, de ser, desperdiçando grande parte da vida. Quando a viagem acaba, quando chega o fim da linha, não é incomum o viajante ter jogado fora a oportunidade de aproveitar a viagem, sem ter nunca entendido de fato o que passou e o que está acontecendo ao seu redor.

    Aos irmãos Coen, resta agradecer pelas excelentes doses de comicidade, drama, tragédia, suspense e motivos para refletir. As seis histórias do filme têm uma sequência e lógica entre elas incrível, ainda que sejam sutis e difícil de perceber – não estão no “campo do roteiro em si”, mas no da natureza humana.

    Texto de autoria de Marcos Pena Júnior.

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  • Crítica | Sua Última Façanha

    Crítica | Sua Última Façanha

    É de praxe como artistas americanos costumam vangloriar o seu país, e disso extrair para si e para o mundo belos filmes embalados em tratados sobre temas típicos da cultura nacional. Hoje, o pacote vem na forma do heroísmo mitológico que sempre remete, nas cores oriundas dos quadrinhos editoriais que esses super-seres usam, à bandeira dos EUA, notoriamente azul e vermelha. Se agora é assim, teve um antes pra servir de prelúdio a essa moda. O faroeste de Ford a Leone já serviu de referência a essa espécie de patriotismo exportado e importado que Hollywood tanto ostenta, entendendo portanto que a promoção dos ideais nacionalistas do Tio Sam se dá muito mais pelo Cinema, que pela Literatura ou até mesmo que pela Música, já que a sétima-arte tem uma capacidade maior de sedução imaginativa, oferecendo uma hipnose audiovisual mais propícia e latente à publicidade dos valores de um grande shopping center chamado Estados Unidos da América.

    E é por isso mesmo que Sua Última Façanha seria o filme, como outros que não vem a calhar aqui, que de forma alguma poderia vir a faltar na filmografia desse país. Uma terra continental que integra a política de tantos outros, e se vê responsável, tal um Superman de características geopolíticas, de interferir como bem acha que deve na vida de um planeta por inteiro. E que, muito que resumidamente falando, exclama seus poderios em troca de soberania, sob a égide da democracia que vende, ou melhor, diz conferir a quem segue seus preceitos capitalistas do “ter” acima do “ser” da questão – qual seria essa, então? Uma questão de valores, é claro. O longa é a fuga de um homem de uma liberdade imposta (?!). Um brilhante tratado estadunidense, do começo ao fim, e um tanto que esquecido pelas plateias sobre a intolerância, e logo na terra das oportunidades e da democracia – mais irônico que isso, fica difícil.

    Kirk Douglas é o irrefreável vaqueiro Jack Burns, um sobrenome que já deixa claro no que que a vida de Jack se baseia, ou irá se basear. Um homem avesso a qualquer tipo de modernidade mas não por isso bruto, ignorante ou violento: deixa-se prender para ajudar um amigo (Michael Kane) a escapar da prisão, mas descobre que esse, ao sair, terá muito mais a perder aqui fora. Nisso, Jack escapa sozinho, e uma perseguição frenética a cada minuto assola sua vida feito um incêndio devastador nos seus calcanhares, a partir de então, seguindo-o e à espreita do homem num cenário e ritmo perfeitos para fundir um estilo clássico e já enraizado na cultura americana com novas possibilidades tanto de se contar uma história, quanto de abordar um gênero.

    Na mesma década do western spaghetti de Sergio Leone e Clint Eastwood, a obra do cineasta David Miller (não apenas a partir de seu segundo ato aventuresco) configura-se na tela como embate do novo com o velho, e na história, como um marco narrativo e estético por ser mais uma pedra moderna em cima do cadáver resistente do faroeste clássico; um bang-bang monumental que agora divide sua tela fullscreen com um helicóptero sobrevoando um peão e seu cavalo, inundando o quadro de elementos inversamente icônicos e que, antes da década de 60, eram impensáveis de se contemplar num filme dum gênero tão simbolicamente conservador aos primórdios dos EUA. É por isso que o roteiro do tumultuado e famoso escritor comunista Dalton Trumbo, o mesmo de Spartacus, merece uma análise a parte, adaptado aqui do romance do anarquista Edward Abbey.

    A caça sofrida por Jack Burns, suas causas e consequências, exala semelhança e remete à perseguição que Trumbo sofreu por ser membro do Partido Comunista, bem antes dos anos 40, e aos ideais que o segundo autor defendia, afirmando que “O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”, uma frase atribuída a muitos(as) autores(as), mas escrita originalmente por Abbey num simples jornal estudantil. Vale ressaltar ainda que, no que se refere a vida profissional de ambos os escritores, suas carreiras acharam um ótimo paralelo ideológico num filme que representa e faz refletir, cena após cena, a moralidade da anarquia e da violência nacionalista, e a tendência tão norte-americana de perseguir (aqui, literalmente) quem não segue as suas regras, seja o alvo das ações um simples homem e seu cavalo, seja países inteiros que não concordam, obedientes, com suas demagógicas imposições de liberdade (?!).

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  • Crítica | A Qualquer Custo

    Crítica | A Qualquer Custo

    O western talvez seja o gênero mais emblemático do cinema americano. As histórias ambientadas no velho oeste dos EUA povoaram durante décadas os cinemas do mundo, atéperder força na década de 1970 e praticamente sumir do circuito comercial. Com exceção de algumas obras pontuais, o gênero deixou de ter a atenção dos espectadores, sendo substituído por películas de ação. Porém, essas mencionadas obras pontuais sempre foram capazes de reavivar o carinho e interesse do público, com direito a modificações precisas, caso desse A Qualquer Custo, situado no tempo presente mas, ainda ainda, um western. E daqueles muito bons.

    Na trama escrita por Taylor Sheridan,  dois irmãos, interpretados por Chris Pine e Ben Foster, iniciam uma série de assaltos a um banco específico do Texas. Eles procuram sempre roubar pequenas quantias de dinheiro com o intuito de usar o montante para quitar dívidas referentes à fazenda da família para dar uma vida melhor para seus filhos. Jeff Bridges vive o policial no crepúsculo de sua carreira que aceita a incumbência de detê-los.

    O filme é passado nas terras áridas do Texas e as paletas de cores utilizadas ajudam a acentuar a característica. O roteiro de Sheridan nos apresenta um Texas empobrecido, quase decrépito, onde os habitantes das cidades semi-fantasmas ainda carregam costumes antigos, como os chapéus e as armas no coldre o tempo todo. É nesse mundo que somos apresentados a arquétipos clássicos dos antigos westerns, o bandido impulsivo que está sempre a um passo de colocar tudo a perder, seu parceiro inexperiente e comedido que só entrou na jogada para tentar proporcionar uma vida melhor, o xerife aposentado que disfere insultos e piadas ao seu melhor amigo que é membro de alguma minoria étnica (no caso, o personagem é meio índio e meio mexicano). O texto demonstra grande habilidade ao delinear muito bem os personagens e sustentar seu roteiro principalmente nas relações humanas, uma vez que a trama é linear e concisa.

    O diretor David Mackenzie, auxiliado pela linda fotografia de Giles Nuttgens e pela linda trilha sonora composta por Nick Cave e pelo musicista Warren Ellis, explora com maestria esse mundo apresentado, usando de longas tomadas panorâmicas que explicitam toda a imensidão do Texas ao passo que mostra toda a sua aridez e opressão. Interessante observar também que o diretor estabelece um ritmo constante ao seu filme, com momentos de ação ao final de cada arco. Além disso, ao contrário de produções que em um determinado ponto se esquecem das personagens para se concentrarem somente na ação em busca de um clímax megalomaníaco, A Qualquer Custo mantém-se fiel à sua origem em um filme sobre suas personagens.

    No que tange às atuações, Bridges se destaca, ainda que seu personagem pareça demais com o de Bravura Indômita. O ator cria uma ótima interpretação para um personagem relutante em encerrar sua carreira na força policial e que faz da investigação aos assaltos empreendidos pelos irmãos uma espécie de seu canto do cisne como homem da lei. Ainda vale ressaltar que a dobradinha com Gil Birmingham, que interpreta seu parceiro descendente de índios e americanos, rende alguns diálogos povoados de incorreção política, mas impagáveis. Pine mostra a habitual competência como Toby, o irmão assaltante que quer dar uma vida melhor pros filhos e Foster, como o irascível Tanner, também está muito bem em cena. Entretanto, Foster está se tornando um ator de um papel só, visto que o personagem se assemelha a vários outros da carreira do ator.

    Indicado ao Oscar de melhor filme, ator coadjuvante (Bridges), roteiro original e edição, A Qualquer Custo é um grande faroeste, com direito a estar no mesmo patamar de grandes clássicos do gênero.

  • 10 Melhores Westerns Modernos

    10 Melhores Westerns Modernos

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    O gênero Western foi bastante popular nos período começado entre 1930 seguindo até os anos cinquenta, no entanto, já está presente no imaginário de Hollywood desde o cinema mudo, a exemplo de O Roubo do Grande Expresso (The Great Train Robberty) de Edwin S. Porter, lançado em 1903. Conhecido no Brasil como Faroeste (uma adaptação de Far West), o filão ficaria popular não só sobre sua faceta clássica que envolvia os longas de John Ford que eram protagonizados por John Wayne, James Stewart e Henry Fonda, mas também pela reimaginação italiana do Western Spaghetti, comandado pelos Sergios Leone, Sollima, Corbucci e tantos outros.

    Graças ao fascínio de realizadores e do público, ainda há produção de novas versões desse período histórico especifico, resgatando todos os elementos comuns ao estilo: ambiente árido, sentimento de vingança, assassinatos a sangue frio, maniqueísmo na montagem de personagens, arquétipos de injustiça e claro, mocinho e mocinha. Alguns dos filmes visam revisar a história, e abrem mão de um elemento ou outro, mas normalmente esse é esqueleto.

    Para confeccionar a lista, resolvi focar em westerns recentes, da década de noventa para frente, graças a refilmagem recente de Sete Homens e um Destino:

    10- Dívida de Honra (2014), de Tommy Lee Jones

    Divida de Honra 3

    Apesar de muitas críticas ao maniqueísmo de sua construção histórica, Dívida de Honra é um bom exemplo de western revisionista, especialmente por mostrar uma faceta do velho oeste pouco explorada, envolvendo a mulher como personagem principal e sem toda a galhofa típica de Rápida e Mortal, por exemplo. A direção de Jones – que também atua como co-protagonista, junto a Hilary Swank – foca no agridoce e na difícil aceitação de um passado negro, tema semelhante ao visto em Os Imperdoáveis, ainda que abordagem nesse seja bem diferente, ligada a um homem ainda mais fracassado, mas que consegue ter alguma honra no final de sua existência, em uma curiosa e rara construção da figura do anti heroi.

    9 – Slow West (2015), de John MacLean

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    O novato John MacLean imprime um apuro técnico tremendo em Slow West, mostrando o cowboy misterioso Silas Selleck (Michael Fassbender) sendo contratado para proteger um membro da realeza escocesa que ocorre em meio a uma crise no oeste dos Estados Unidos. O ritmo lento repete a mesma abordagem de outros primos seus, como Rastro da Maldade, ainda que sua roupagem seja muito mais moderna e direta do que o restante dos filmes da lista, abrilhantada claro por uma trilha envolvente e atuações marcantes de Fassbender e Kodi Smit-McPhee.

    8 – Dança com Lobos (1990), de Kevin Costner

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    O western spaghetti de Sergio Corbucci se dedicou a uma desconstrução interessante, focando-se nos personagens mexicanos que viviam nos estados anexados pelos EUA. Vamos Matar Companheiros faz muito bem isso, assim como El Topo de Alejandro Jodorowsky. O mesmo exercício ocorreu com o épico protagonizado e dirigido por Kevin Costner. Seu personagem, o oficial da cavalaria que serviu na Guerra Cilvil Americana John Dunbar decide escolher como lugar para se situar próximo da fronteira, onde se afeiçoa pela tribo dos índios Sioux. No decorrer das quase quatro horas de duração, o homem branco abre mão de sua carreira e vida pregressa para defender aqueles que julgar oprimidos. Apesar de ter como herói um caucasiano, que é parte importante da tal tribo, Dunbar é uma exceção ao sofisma, já que se converte em um deles, entendendo em níveis sentimentais quais são os anseios e qual é a espiritualidade desses.

    7- Os Oito Odiados (2015), de Quentin Tarantino

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    Tarantino sempre reuniu em sua filmografia, elementos de western, seja na parceria com Robert Rodriguez em Um Drink no Inferno, ou nos seus Kill Bill volumes 1 e 2. Em 2012, fez Django Livre, cuja qualidade é discutível, especialmente por parecer um cinema pasteurizado se comparado com o que vinha fazendo anteriormente. Os Oito Odiados é um retorno a essas origens, contendo não só a trilha de Ennio Morricone (finalmente oscarizado), mas também a violência gráfica, os closes parecidos com os de Sergio Leone, a vingança como mote principal e um conjunto de personagens detestáveis, além de referenciar em seu título uma tradição do gênero, como um número e uma alcunha para os personagens. Os diálogos infames e reviravoltas fazem deste roteiro um objeto interessante, inclusive superior ao episódio anterior da filmografia do cineasta.

    6- Rastro da Maldade (2015), de S. Craig Zahler

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    Pouco conhecido, e uma grata surpresa, Rastro da Maldade (ou Bone Tomahawk) é um filme subestimado e curiosamente protagonizado pelo mesmo Kurt Russell que estrelaria Os Oito Odiados. Russel vive um xerife veterano que junta uma força tarefa a fim de ir atrás uma menina sequestrada por uma tribo de canibais. A direção do jovem S. Craig Zahler é tocante e consegue driblar até a lentidão que costumeiramente acompanha as críticas ao longa. O final surpreendente desconstrói a fobia aos índios, mostrando uma denúncia interessante ao gênero clássico de western.

    5- O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford (2007), de Andrew Dominik

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    Dominik faz um cinema agressivo e que discute o papel dos bandidos marginais. Foi assim com o recente O Homem da Máfia e também com o excelente O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford, baseado no livro de Ron Hansen que por sua vez discute a intimidade do famosos fora da lei. A versão dos fatos mostra uma rivalidade intensa entre os personagens que estão no título, além de dar a oportunidade a Brad Pitt e Casey Affleck de realizar uma performance inspirada e interessante, que ajudam a grafar a gravidade dos eventos. O roteiro gera nuances e discussões interessantes a respeito de ética, poder e drama. Sob o ponto de vista técnico, o longa também funciona à perfeição, com uma bela filmagem e fotografia, além de uma trilha sonora condizente com todos os conflitos morais.

    4- Bravura Indomita (2011), de Joel e Ethan Coen

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    Refilmagem de um dos derradeiros filmes de John Wayne, a versão dos irmãos Coen prima pela crueza e pelo tom adulto, já mencionado por filmes anteriores, entre eles, o mencionado A Proposta de John Hillcoat. O Rooster Coogburn de Jeff Bridges é um homem grosseiro, turrão e mal humorado, exalando verossimilhança e compromisso com a realidade, ainda que guarde em si parte do pensamento heroico visto nos filmes clássicos, tendo sua performance casando à perfeição com a Mattie Ross de Hailee Steinfeld. Os Coen já haviam de certa forma visitado o gênero, pondo diversos elementos de western em Onde Os Fracos Não Tem Vez, e como no premiado filme de 2007 há um cuidado em registrar um mundo cínico, violento e pessimista, ainda que essa última pecha seja discutível, com um humor reduzido se comparado com a filmografia dos diretores, mas ainda grave em sua abordagem.

    3- Dead Man (1995), de Jim Jarmusch

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    Clássico de Jim Jarmusch, composto a partir de uma das melhores performances de Johnny Depp como ator, Dead Man é uma história pesada e corriqueira, poderosa por se focar em homem comum. William Blake é um contador da cidade de Cleveland que decide se mudar para uma cidade menor depois da morte de seus parentes, a fim de assumir um bom emprego em uma metalúrgica, fato que não se concretiza. A solidão o faz se envolver com uma mulher, que por sua vez deixa para si a maldição de ser acusado de um assassinato não cometido por ele, e partir dai começa uma jornada mística, ao lado de um nativo indígena. A abordagem e Jarmusch é poética e psicodélica e o modo de retratar a espiritualidade é bem interessante e inusual, fazendo deste longa uma pérola.

    2- A Proposta (2005), de John Hillcoat

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    O faroeste italiano revisitou o tema e o tornou mais sujo, cru e visceral. O comparativo simples entre o vestuário do Pistoleiro Sem Nome de Clint Eastwood e os heróis de John Wayne se vê pela sujeira de suas roupas e postura violenta. Hillcoat consegue descer mais fundo, resgatando através de uma fotografia amarelada e roteiro de Nick Cave. A perseguição aos irmãos Burns é retratada com violência e muito gore, sem banalizar o tema ou suavizar o caráter do oeste selvagem para o grande público. As atuações de Jack Huston e Guy Pearce colaboram para esse aumento de verossimilhança e corroboram o trabalho do diretor, que balanceia muito bem forma e conteúdo.

    1- Os Imperdoáveis (1992), de Clint Eastwood

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    William Munny é um antigo assassino que prefere ficar recluso, recusando o chamado da morte que corroeu toda sua vida. O comentário dentro do filme serve de paralelo com o ocorrido na carreira de Eastwood, que procurava não apelar sempre para os filmes western, em especial quando se tornou diretor por ser este seu lugar de conforto. A diferença básica entre personagem e interprete é que no caso do pistoleiro este lugar não é confortável, e sim a moradia da culpa. Os Imperdoáveis é um filme sobre destino e sobre o fracasso em tentar fugir da sina e Eastwood consegue inserir em uma história comum uma serie de elementos absurdamente bem urdidos, unindo a visão épica dos faroestes clássicos e a crueza típica das fitas italianas de Sergio Leone, claro, com uma direção que é comedida quando necessário e precisa nos momentos dramáticos.

  • Crítica | The Ridiculous 6

    Crítica | The Ridiculous 6

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    O cinema de Adam Sandler, salvo raras interpretações dramáticas, se divide em duas vertentes de comédia. Uma delas, a primeira na qual o astro se tornou conhecido, dedica-se a um humor explícito entre ironia, paródia e piadas físicas de apelo fácil. Outra se ancora em certa tradição da comédia romântica, transformando o ator em uma espécie de galã em histórias em que o conhecido humor exagerado fica mais leve, integrando melhor com a trama.

    Em ambos os caminhos, porém, o ator é criticado e ainda mantém o status de um dos atores menos rentáveis da indústria. O forte apelo de algumas produções se somam a outras obras pouco frutíferas, promovendo um caminho difícil em que o público nunca parece receptivo com suas histórias. Um fato que ainda não o impediu de ser personagem principal de diversos filmes e de manter sua popularidade fora dos Estados Unidos. Em nosso país, por exemplo, seus filmes sempre estreiam em primeiro lugar e se mantêm na lista dos mais assistidos.

    Assinando com a Netflix para produzir quatro longas-metragens, The Ridiculous 6 é o primeiro fruto dessa parceria que equipara o cinema tradição e o serviço de streaming em um mesmo patamar, com grandes produções e estrelas de destaque. Na trama, Tommy “Faca Branca” Stockburn parte em uma jornada para resgatar seu pai fora da lei, e no caminho descobre que tem cinco irmãos.

    Logo após o lançamento, as críticas negativas atribuíram o humor de Sandler como preconceituoso com os personagens abordados. Como em outras obras anteriores com o comediante, o roteiro utiliza clichês comum, no caso, o Velho Oeste, para produzir personagens caricatos. Como humorista, o ator nunca renovou seu repertório cômico e seu estilo de sempre é o visto em cena com piadas sobre escatologia, personificando figuras deslocadas e usando o riso como paródia. Nada de novo dentro de seu estilo de humor. A comédia sempre visa um alvo, afastando a realidade para rir de si mesma e, neste cenário, a produção ainda é capaz de rir do conceito que o cinema americano criou do cinema Western.

    Em cena se destacam as parcerias costumeiras do ator, como Rob Schneider e John Turturro, compondo certa química para uma história que não apresenta nada de novo. Dado que o humor de Sandler está preso à própria formula criada, aos poucos parte do público começa a rejeitá-lo pelo cansaço.

  • Crítica | A Proposta (2005)

    Crítica | A Proposta (2005)

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    A implacável ira do cenário desértico do Oeste Americano pré-século XIX é exibida antes mesmo do início das cenas, com uma abertura levada por uma música doce, exibindo fotos de cemitérios e de outros massacres que ocorrem naquela terra. O intenso tiroteio envolvendo os personagens Charles Burn (Guy Pearce) e seu irmão, Mike (Richard Wilson), ambienta o espectador na espiral de morte em que entrará por mais de cem minutos, no mundo particular que John Hillcoat costuma exibir em sua filmografia.

    Capturados pelo Capitão Stanley (Ray Winstone), os dois foras da lei olham ao redor, vendo cada um dos que os acompanhavam, mortos. Charles, o mais maduro e talhado para a vida, recebe então uma proposta que traria a redenção a ele e ao caçula, mas que o atingiria em cheio no coração. A alternativa pesada assemelha-se mais a uma sentença de se colocar em desgraça perante os seus, com a incumbência de assassinar o mais velho dos irmãos Burns, principal responsável por um massacre no passado.

    A sujeira presente nos dentes e no suor da têmpora dos personagens faz A Proposta se diferenciar dos westerns clássicos de John Ford & Wayne, passando um pouco pelo cinismo da trilogia dos dólares de Sergio Leone com a mesma alma encruada e mal cheirosa de Os Imperdoáveis, sobretudo nos personagens periféricos, como o beberrão Jellon Lamb (John Hurt), decadente em essência e caráter, amoral como todo o background dos anti-heróis do faroeste.

    Após alucinações, provenientes do torpor do veneno que faz Charles quase ir para o outro mundo, o personagem finalmente encontra o primogênito dos Burns, interpretado por um diferenciado Jack Huston, de cabelos longos e aparência tão surrada e mal cuidada quanto a dos outros membros do clã. A miséria é comum tanto a suas posses materiais quanto no comportamento de sua alma, mas não há qualquer capacidade mútua de fazer mal aos membros da família.

    O desprezo pelas leis se reflete também no comportamento errático de Arthur com os seus. Mesmo que suas intenções sejam boas para com seus semelhantes, falta ação e atitudes mais sinceras, o que faz Charlie balançar, não o bastante para ceder à proposta de fácil execução. Ele precisa ainda experimentar o pior de seu irmão ao vê-lo cometendo um ato imperdoável, tanto de negligência dos seus quanto de crueldade de espírito.

    Seu inimigos se postam em uma mesa figurativa à sua frente, como no conto bíblico que pede que se prepare um jantar diante de seus adversários, e o principal fator aviltante a ele é a intimidade com os que lhe impingem mal. Curiosa é a base do roteiro de Nick Cave, que usa as tragédias gregas de Sófocles como inspiração para os conflitos, algo semelhante ao que faziam os realizadores de western spaghetti com os filmes de samurai de Akira Kurosawa. A profundidade do texto está nas sutilezas que apresentam uma resistência interessante, mesmo diante de toda a violência que a fita apresenta. A forma não substitui o conteúdo, pelo contrário, fortalece o argumento repleto de viradas, dualidades e podridões de espírito.

  • Dossel dos Dólares – A Trilogia do Oeste

    Dossel dos Dólares – A Trilogia do Oeste

    O Star Wars no Oeste, antes de ser no espaço. Pensaram que onde não existe som – mas, nos filmes de George Lucas, o que não existe é a física – seriam mais bacanas duelos de rifle com sabres de luz, espaçonaves ao invés de cavalos etc. Pode ser, pode não ser, mas se de fato há discordância da qualidade da interminável série da família Skywalker, o mesmo não se remete aos clássicos indiscutíveis de Sergio Leone, seminais em sua proposta mas não em realização: os filmes são deliciosamente exagerados na abordagem das histórias, sendo que esse “excesso de Cinema” tornou imortal a trilogia justamente pela precisão na aplicação de intenções artísticas que Leone empregava, na fartura de linguagens em um mesmo filme, tal qual Akira Kurosawa ou Sam Peckinpah posteriormente, cada um com a sua manha. Além do gênero e sub-gênero spaghetti, exagero mesmo é não encaixar a quinquagenária Trilogia dos Dólares (em 2014, o primeiro filme completou 50 anos) entre as maiores trilogias, junto à Trilogia de Apu, do indiano Satyajit Ray, ou de Michelangelo Antonioni, a da Incompatibilidade. Leone vai além do diretor favorito de gente como Quentin Tarantino, foi um dos mestres que, com poucos filmes, feito Stanley Kubrick ou Hiroshi Teshigahara, se tornou uma lenda e elevou o Cinema ao respeito do mundo.

    Por Um Punhado de Dólares

    Em cada bala, e não são poucas, se justifica a relevância da metáfora na figura de um abutre, vulgo feitor de caixões. A clássica frase: “Erro meu, quatro caixões” se encaixa e é a essência do manifesto italiano a um cinema de hipóteses e incertezas contra qualquer permanência de clichês anteriores na filmografia do país. Leone se preocupa só em criar a mitologia primária da trilogia, a ética de um microcosmo empoeirado onde a moral é matar ou morrer ou servir, no máximo. Cada figura, e isso se aplica aos dois outros filmes, arrasta suas esporas num fio de navalha que ajudam a tecer e tornar cada vez mais mortal em seus conflitos de interesses, divertidos, unilaterais, havendo nestas questões planos óbvios para próximos filmes, que naturalmente iriam superar este primeiro exemplar, humilde síntese ao cunho de Sérgio Leone. Por Um Punhado de Dólares é o berço de gigantes como Sergio Corbucci, Enzo G. Castellari e Fernando Di Leo, ases da terra da Sicília que não escondem em obra alguma referências à excelência da história de gringo, cowboy sem nome, passado e, graças à sábia incerteza que o filme se apropria durante a projeção, futuro.

    Por Uns Dólares a Mais

    A morte, entretanto, é um excesso de certeza – lê-se isso nos olhos de Lee Van Cleef. A cena de Clint Eastwood e Cleef atirando em seus chapéus, dois raios no gatilho, para provar suas miras é emblemática: um sobrevivente avisando ao outro para não traí-lo em sua parceria desconfiada, só pra chegarem mais rápido na recompensa de ambos, no violento Índio, vilão sem limites cujo desejo repousa no banco de El Paso, e que o grande ator Gian Maria Volonté tratou de tornar inesquecível. Agora, o vilão e o parceiro de Gringo ganham pretérito e propósito para distinguir suas condutas em sentido imediato perante Gringo, caçador de recompensas que a morte parece não querer cruzar seu caminho. Num trote infinito de causas e consequências, um mural de esporas e verdadeiros centauros consagra um gênero como Cinema quente e abafado de primeira qualidade. Leone agora é mais dono de si, dono de suas marcas registradas. Por Uns Dólares a Mais carrega consigo uma propriedade mais refinada para representar sozinho, se for preciso, o trio que faz parte, lapida o que deu errado antes e o que dará certo mais tarde, e concede honra ao fazê-lo.

    Três Homens Em Conflito

    É o ponto máximo, é o épico que toda trilogia com começo, meio e fim tenta ter, mas poucas conseguem – todos sabemos bem disso. Leone não só atingiu a veia suprema na exploração de temas e recursos de sua trilogia, como maximizou seu legado sem precedentes em Era Uma Vez no Oeste, de 1968, um colosso incorruptível diante dos arquétipos da mise en-scène contemporânea. Il Buono, il Brutto, il Cattivo (porque no idioma original é sempre melhor) é tudo que o cinema permite, é um abuso positivo das quatro extremidades de uma tela de cinema em prol de uma história longa, 161 minutos cabíveis ao sentido de epicidade que Leone não abriu mão de conjurar. É difícil imaginar outros atores melhores: Eastwood, Van Leef e o extraordinário Eli Wallach – recém falecido, o eterno Tuco – são o ménage à trois, o real cenário pulsante e vivo de uma teia de fetiches ordinários, descompromissados, contudo cercados numa abordagem cirúrgica aos rumos que um dos maiores expoentes do western mundial ao longo dos anos tomou, aos poucos, sem pressa, até um clímax/aula de edição cinematográfica muito além do deserto de Almería, no nordeste de Madri (Espanha), que serviu de cenário a Por um Punhado de Dóles, e antes a O Xerife de Queixo Quebrado (1958), um spaghetti western britânico.

    Três Homens em Conflito é um marco histórico a ser celebrado ao mostrar (e definir, para muitos) o Velho Oeste de forma mais realista que John Ford ou Howard Hawks mostraram, para efeito de comparação, é claro. No encerramento da trilogia, Leone deixa a ambição subir à cabeça mas sabe como a usar em benefício próprio; chave difícil de se encontrar. O filme persegue suas personas, seus protagonistas, em três histórias que não evitam de se chocar de uma forma para a qual, hoje em dia, quase não se abre exceção. E sobretudo, se num mundo onde um homem vale o quanto mata e a mulher o quanto vê e silencia, muito da experiência irresistível se deve à alegoria sonora, a inconfundível música composta por um dos maestros seminais da trilha sonora fílmica, o veterano que em 2012 fez ingresso aos domínios de Quentin Tarantino – e desaprovou – com Django Livre, uma homenagem aos moldes de um tarado por Leone.

    Ennio Morricone, de timbres seletos e cada vez mais diversos no uso de instrumentos inusitados, tão inusitados quanto o espírito irreverente que se sente na tela, cria um bálsamo sonoro presente em 90 porcento do tempo, com aperitivos presentes neste artigo. Sua melodia, sensibilidade à flor da pele, embala e aprofunda um universo ao constituir aspectos subjetivos que nenhum diálogo e nem ação poderiam alcançar senão com a música. A digressão dos momentos não teriam a mesma emoção sem a fórmula sensorial desenvolvida por poucas e tão eficientes intervenções musicais. Morricone cria sublimes concertos e faz a poeira testemunhada ter gosto e cheiro, maturidade que num cenário merece tamanha identidade acústica. Numa trilogia que faz permanecer sua qualidade técnica até o fim como forma de personalidade linear, a música só é cortada pelos tiros que falam mais alto que qualquer coisa, afinal, señor, isso ainda é um bang bang. †

  • Crítica | Dívida de Honra

    Crítica | Dívida de Honra

    Divida de Honra 1

    O revisionismo é um artifício comum no cenário cinematográfico, uma vez que os temas tendem a se esgotar dentro dos formatos e categorias de gênero. Dívida de Honra é acima de tudo uma reinvenção, tanto da carreira de seu diretor Tommy Lee Jones, com poucas realizações, apesar de ser um veterano com quase 50 anos de sétima arte, quanto na escolha e construção do ethos de seus protagonistas.

    Marie Bee Cuddy (Hilary Swank) é uma mulher resignada, cuja existência é pautada essencialmente emsua origem do Nebraska, fazendo dela uma pária em meio a um conservador e recrudescente Texas, que se torna ainda mais conservador e assustador para uma mulher sem marido. A pequena comunidade, composta por menos de uma dezena de chefes de família, se preocupa com sua subsistência, ante a escassez de bens básicos, inclusive alimentos, que rareavam graças à intensa seca, agravada pela permanência de três damas com problemas que as impedem de viver plenamente. Cuddy se oferece para uma jornada em busca de mantimentos em outras paragens, já que os poucos homens que restam na aldeia recusam o chamado aventuresco.

    Jones é o autêntico filho de sua terra: seu cinema quase sempre abarca o estado em que nasceu, como foi com Três Enterros e Os Bons e Velhos Companheiros, e com o remake ainda em pré-produção The Cowboys. Ainda assim, Dívida de Honra promete reavivar a chama de Era Uma Vez no Oeste – com uma Claudia Cardinale que se vale mais da força bruta do que de seu corpo voluptuoso –, além de apresentar um forte código ético, capaz de produzir mudanças em seres decadentes, como é o caso de George Briggs, um maltrapilho condenado à morte e à própria sorte, quase enforcado em árvores de galhos secos, no meio do nada.

    O personagem de Tommy Lee Jones é um anti-herói, mesclado ao arquétipo de herói falido. Sua honra é tão baixa que a submissão a um desígnio com poucas chances de dar certo não é sequer discutida. A repaginação de persona chega a ter uma comicidade, com a reversão da figura de homem forte, pondo toda a sua história como ator em pauta. Logo, Cuddy enxerga na fuga das três mulheres a melhor possibilidade para elas e para a aldeia, decidindo então cruzar o país entre os gemidos de suas comadres e o crescente temor de tornar-se semelhante a elas.

    A jornada segue invertendo as figuras de temor, substituindo a figura de fragilidade e inimizade dos índios nativos americanos, transformando-os em figuras ameaçadoras, diante da carência de chumbo, para revidar possíveis ataques. Mas o fôlego do filme se perde após a primeira hora de exibição, apesar do bom começo. A metade final reforça a carência e destempero da personagem principal, que em hora alguma se prova forte ou minimamente interessante, o que obviamente dificulta qualquer sentimento empático, facilitando a mudança de foco que ocorre na parte final da película.

    O forçado enlace entre a dupla de personagens centrais ocorre de modo tão engessado e robótico quanto a interação lasciva entre eles. A despeito da bela fotografia, direção de arte e de algumas boas cenas, especialmente as que retratam a desforra do homem forçadamente desonrado, quase não há momentos em que o espectador sinta-se compelido a importar-se com a história, mesmo contando as reviravoltas do roteiro que, em suma, revelam a necessidade de Jones de tornar-se protagonista da história que conta.

    O agridoce epílogo repete a vã tentativa de salvar Dívida de Honra da banalidade, mostrando o personagem sem passado, cuja única certeza é o fato de ter cometido um crime, tentando festejar e achar algum alento à sua miserável existência, que só teve algum momento de honradez ao final de sua jornada. O esforço não salvaguarda nada, nem faz a qualidade da fita subir. A dificuldade de Tommy Lee Jones em imprimir um ritmo interessante ao seu filme agrava o conceito em relação a sua direção, fazendo com que se pareça inapto no ofício, já que nem o interesse por parte dos fãs de western ele parece ter conquistado.

  • [Ideias no Vórtice] O Cinema de profundidade de John Ford

    1956 - Rastros de Odio 4

    John Ford foi um dos maiores cineastas da história do cinema. Contribuindo desde 1917 como diretor (de acordo com o seu imdb), ele não só ajudou a estabelecer o mercado audiovisual como um dos mais importantes da época como conseguiu colaborar artisticamente em um dos aspectos mais importantes do cinema: a fotografia.

    Dono de um dos maiores acervos dentro do faroeste, Ford conseguiu elevar o gênero a outro nível ao exigir dos seus diretores de fotografia um enquadramento primoroso, em que não somente a mise-en-scene acontecia de forma triunfal, como também se conseguia ver a profundidade de campo impressionante quando filmadas no deserto.

    John Ford filmando

    John Ford dirigindo John Wayne

    Os exemplos para ilustrar foram escolhidos a partir de 4 filmes marcantes do diretor por serem filmados quase que exclusivamente no deserto, mais especificamente no Monument Valley.

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    O John Ford Point no Monument Valley, reserva dos índios Navajos, na fronteira do Arizona com Utah.

    No Tempo das Diligências (Stagecoach, 96m, 1939) Diretor de Fotografia: Bert Gleenon

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    Paixão dos Fortes (My Darling Clementine, 97m, 1946) Diretor de Fotografia: Joseph MacDonald

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    Sangue de Heróis (Fort Apache, 125m, 1948): Archie Stout

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    Rastros de Ódio (Searchers, 119, 1956) Diretor de Fotografia: Winton C. Hoch

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    Mais informações sobre o cinema de John Ford em português aqui em 4 partes: I, II, IIIIV, e em inglês em duas partes, 1 e 2.

    Quem quiser, pode comprar um livro da Taschen com todos os filmes do diretor aqui.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Onde os Fracos Não Têm Vez

    Crítica | Onde os Fracos Não Têm Vez

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    Onde os Fracos Não Têm Vez, ganhador de 4 Oscars e já cultuado filme dos irmãos Coen, ganhou tantas críticas e interpretações que soa difícil analisa-lo depois de tantos anos de seu lançamento. Mas sua qualidade é tão grande que, igual ocorre com todo grande filme, ele será sempre revisitado, pois enquanto a sociedade muda, e com ela as percepções das pessoas sobre ela e si próprios, novas camadas sobre ele vão sendo descobertas.

    O filme é uma adaptação do livro de Cormac McCarthy, e se passa no ambiente já conhecido e preferido dos Coen, o sul dos EUA e suas características, que compõem um personagem a parte. Em 1980, com o crescimento do tráfico de drogas na fronteira com o México e também o crescimento da violência urbana e da degradação social e moral que o mundo começou a ver com maior frequência, Llewelyn Moss (Josh Brolin) encontra uma mala com dois milhões de dólares em meio a cadáveres de traficantes. Enquanto isso, Anton Chigurh (Javier Bardem) é colocado em seu encalço para tentar recuperar o dinheiro, deixando uma trilha de corpos e destruição pelo caminho. Seguindo essa trilha está o xerife quase aposentado Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones), que cada vez mais fica surpreso e desiludido com a brutal realidade desse mundo novo, até então praticamente desconhecido para ele.

    O sotaque sulista, característica marcante do cinema dos Coen, soa como música aos ouvidos, onde cada palavra é pronunciada de forma elegante, e as frases montadas com uma certa erudição e um toque leve de comédia garantem uma diversão a parte e um deleite ao espectador atento. Porém, ao contrário das outras produções como E aí meu irmão, cadê você?, dessa vez a música não ganha o destaque principal, e é substituída por sons diegéticos que contribuem para o suspense das cenas de perseguição entre os personagens.

    O trio de personagens principais forma uma síntese da sociedade. Moss representa o selvagem do oeste clássico lutando pela sobrevivência. Chigurh representa a pura maldade e a psicopatia quase inexplicável que vemos ser cada vez mais comum, enquanto Ed Tom é o homem bom, civilizado, que luta para se manter equilibrado em meio ao turbilhão de eventos que está fora de seu controle, e que só resta a ele assistir a tudo impassível.

    A composição de Bardem em seu personagem merece um destaque a parte, pois desde o início somos apresentados a ele de forma crua e direta, sem origem e sem explicação, pois ele não necessita disso. Sua expressão corporal, rosto imóvel e olhar frio conseguem gelar qualquer ser humano ao menor contato, e a cena onde ele, algemado, mata um policial, com um close em seu rosto transfigurado pelo seu ódio impessoal, já diz tudo o que precisamos saber sobre sua violência. Porém, como é lembrado várias vezes durante o filme, Chigurh também parece operar sob um código próprio, distorcido de acordo com sua distorcida visão da sociedade. Quando ele é incomodado por uma simples pergunta de um dono de posto de gasolina a ponto de jogar uma moeda para decidir a sua vida, conseguimos acompanhar a crescente tensão da cena ao mesmo tempo que incomodamente conseguimos entender parte do funcionamento doentio de sua lógica.

    Enquanto avança o jogo de gato e rato entre Moss e Chigurh, fica cada vez mais claro que o primeiro não terá muitas chances contra o segundo. Tampouco conseguimos ter esperanças que Ed Tom conseguirá pegar algum dos dois. Dessa forma, o filme em seu ato final abdica de contar a história de perseguição e passa a refletir sobre o papel de cada um desses homens dentro da sociedade contra seus males, e mesmo a origem desses males. Ed Tom conversa com seu antigo parceiro, que sabiamente diz que nada daquilo é pessoal. Achar que o mundo está pior para nos punir por algo é pura vaidade. A complexidade das relações sociais que leva a isso vai além da cor de cabelo ou piercings, como outro personagem afirma, da forma que todos estamos habituados a ouvir.

    O espetáculo visual proporcionado pelos Coen garante um realismo e uma solidez aos ambientes dos personagens. A sisudez de ambos nos incomoda, ao mesmo tempo em que nos deixa com os olhos grudados na tela, querendo saber mais sobre aquele mundo, cujas portas sabemos que deveriam permanecer fechadas. Onde os Fracos Não Têm Vez mergulha no profundo abismo que a humanidade possui, e retorna de lá com essa mensagem incômoda e complexa de entender. Cabe a nós tirarmos conclusões sobre esse abismo e o seu reflexo em cada um de nós, ao mesmo tempo em que nos digladiamos para manter a nossa humanidade frente a tamanha escuridão.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Review | Deadwood

    Review | Deadwood

    deadwoodAtenção, este review contém alguns spoilers da série.

    Infelizmente, Deadwood não é tão conhecida na internet pelos adoradores de séries, talvez por ser de época e ter como cenário o velho oeste americano ou mesmo por ter sido cancelada pela HBO após a terceira temporada devido aos altos custos de produção. Seja como for, a série criada por David Milch (também criador de Nova York Contra o Crime), mesmo com os 36 episódios, conseguiu de forma magistral recriar a cidade de Deadwood com seu clima instável de território livre, os mistérios do garimpo do ouro e, principalmente, os personagens históricos que a habitaram.

    Sinopse: durante a turbulenta década de 1870, acompanhamos o período antes, durante e depois da anexação da cidade livre de Deadwood pelo estado da Dakota do Sul, transformando-se em território norte-americano.

    As três temporadas se dividem quase que exatamente entre estas três fases: a primeira é a anterior à anexação e apresenta o clima clássico de velho oeste americano, de uma cidade sem lei que está em guerra eterna com os índios perto dali. Consolidando o elenco principal, ela se foca em mostrar basicamente a vida no local, que alternava entre o bar e as firulagens de Al Swearengen e as disputas dos garimpos de ouro das regiões em volta.

    Ian McShane é o fucking c**ksu**er Al Swearengen.

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    Timothy Olyphant é o xerife durão Seth Bullock.

    A série começa com a chegada na cidade de uma caravana, liderada pelo protagonista Seth Bullock e seu sócio na loja de ferragens Sol Star. No mesmo comboio estão Wild Bill Hickock com Charlie Utter e Calamity Jane, em uma cidade já dominada pelo dono do bar/saloon The GemAl Swearengen, que tem como comparsas Dan Dority e Johnny Burns, além do dono de hotel E.B Farnum e do médico Doc Cochran.

    É logo no começo da série que vemos o clichê do gênero com a figura do lendário atirador Wild Bill Hickcok e a sua repercussão local. Porém, este clichê logo é superado nos primeiros episódios, principalmente ao focar nos dois protagonistas que se transformam em adversários: Seth Bullock e Al Swearengen.

    A segunda temporada ganha com a chegada de um competidor à altura de Al, Cy Tolliver, que monta o seu próprio bar/saloon/puteiro Bella Union com sua ajudante e cafetina Jonnie Stubbs. Além disso, passa-se a mostrar para o espectador todo o processo de negociação com os delegados e juízes estaduais para ver qual estado anexaria a cidade, sempre liderados por Swearengen. É muito curioso ver todos os trâmites legais da época, além, é claro, da repercussão que isso irá gerar sobre todos os envolvidos, principalmente os que possuem negócio, como o jornalista A.W. Merrick, Al e Cy com os bares/saloons/puteiros, e, óbvio, os donos dos terrenos que estão procurando ouro.

    É nesta metade que também se insere a figura de Francis Walcott, o procurador de George Hearst (pai de William Handolph Hearst, em que Orson Welles se baseou para criar o Cidadão Kane), que deseja comprar todo o garimpo de ouro, e toda a mudança que Hearst trará para a cidade na última temporada. Nesta metade insere-se a figura da cunhada de Seth Bullock, interpretada por Anna Gunn, a esposa de Walter White na “impecável” Breaking Bad.

    Uma das melhores cenas da série.

    A terceira temporada e o período pós-anexação prefere focar na legalidade da cidade. Como se transformou em território americano, Deadwood agora precisa de xerife, prefeito, banco e outros cargos/necessidades públicos. É aí que esta última temporada tem um ganho substancial, pois mostra como a corrupção é intrínseca à cidade, e agora ela se torna institucionalizada. Outra enorme adição é finalmente a chegada de George Hearst. Poder e corrupção agora se elevam a um nível nunca visto antes por uma pequena e simples comunidade.

    A linda abertura da série.

    A última temporada também apresenta o arco dramático e a relação entre Calamity Jane e Joanie Stubbs. O amor das duas é apresentado de uma forma natural por causa da Joanie, que já mostrava indícios de sentir atração por outras mulheres, e da Calamity Jane, por ser o tipo pessoa agressiva que sempre espantava qualquer um que se aproximasse dela, principalmente homens. O envolvimento entre ambas não deixou de ser surpreendente, e a forma como isso aconteceu foi um dos grandes trunfos da série. Outro destaque é mostrar como George Hearst se tornou um adversário à altura de Al Swarengen e Seth Bullock, que terminaram por se unir contra o magnata.

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    Calamity Jane, interpretada por Robin Weigert, um dos melhores personagens da série.

    A atuação é outra questão a ser ressaltada. Apesar de alguns atores limitados, os personagens principais baseados em personagens históricos estão muito bem representados. O dono de bar/saloon Al Swearengen interpretado magistralmente pelo inglês Ian Macshane pode entrar para a história da televisão moderna como um dos melhores personagens de todos os tempos; o limitado, porém esforçado Timothy Olyphant dá rosto e voz ao xerife Seth Bullock; a igualmente limitada Molly Parker encara Alma Garret, esposa de um interessado em procurar ouro na região; o excelente Brad Dourif, o Grima Língua de Cobra da trilogia Senhor dos Anéis, encarna Doc Cochran em um dos melhores papéis da sua vida; o ótimo ator John Hawkes é Sol Star, o sócio de Seth Bullock na loja de ferragens; Paula Malcomson, a mãe de Katniss Everdeen no plágio de Battle Royale em Jogos Vorazes, é a prostituta Trixie; Dayton Callie é Charlie Utter, o melhor amigo de Wild Bill Hickcock; William Sanderson consegue criar o dono de hotel E.B. Farnum, um dos mais interessantes personagens da série; o pouco expressivo Powers Boothe encarna Cy Tolliver; Robin Weigert é a bêbada Calamity Jane, um dos melhores papéis em Deadwood; Kim Dickens é a cafetina Joanie Stubs; e Gerald McRaney é o inigualável George Hearst.

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    George Hearst, interpretado por Gerald McRaney.

    Deadwood é o tipo de série que envolve o espectador logo de cara pela excelência do roteiro. Diferente da “impecável” Breaking Bad, aqui não há golpes de roteiro aparentes, os furos existentes são pequenos, e, da mesma forma que em The Sopranos, não existe encheção de linguiça – não há um detetive que passa uma série inteira sem saber que seu cunhado fabricava drogas, por exemplo. As situações de tensão e os vários dramas são apresentados, e seus personagens, logo postos à prova. Cada episódio de uma hora em média costuma ter tanta informação que pode ser difícil fazer maratona para quem gosta do tipo.

    A fotografia da série mantém o padrão HBO de qualidade, com o diferencial de adaptar um período histórico riquíssimo. Filtros e tons de marrom são escolhidos o tempo todo por causa da terra batida, das casas e móveis de madeira, além de alguns figurinos. A edição dos episódios segue o padrão televisivo HBO de qualidade, focando no roteiro e na atuação. A direção de arte também merece destaque, pois foi primorosa ao reconstruir de forma crível todos os cenários e figurinos da época.

    Se o seu receio é o cancelamento da série após a terceira temporada, fique tranquilo, pois no final dela se fecha uma espécie de ciclo na história. Portanto, não há motivos para não assistir Deadwood.

    Sem exageros, Deadwood pode ser considerada uma das poucas obras da dramaturgia televisiva moderna que conseguiu atingir a excelência no roteiro, e figura ao lado de The Sopranos e The Wire como as séries que mudaram o roteiro da televisão moderna e a percepção dos espectadores sobre elas. Foram estas três séries que, por exemplo, abriram espaço para que Game of Thrones, Breaking Bad e Mad Men pudessem ser feitas e hoje figurarem nas listas de melhores séries da atual era de ouro da televisão norte-americana.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Django Livre

    Crítica | Django Livre

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    Não é todo dia que vemos um filme de Quentin Tarantino no cinema. Nas duas últimas décadas, o estadunidense de 50 anos lançou apenas 8 filmes, e mandou bem em todos!

    O número de títulos assinados por Quentin é tão impressionante quanto seu aproveitamento: O filme mais fraco (minha opinião: Jackie Brown) não pode ser chamado de ruim, o casting de seus filmes sempre é incrivelmente estrelado e Hollywood sempre vê seus futuros projetos com bons olhos. Foi assim desde Cães de Aluguel, seu primeiro filme e que teve atores muito famosos se acotovelando para ocupar os poucos papéis disponíveis. Diretor novato, Tarantino conseguiu o que ninguém acreditava ser possível para um estreante: Ter o projeto aceito por um dos maiores nomes da época em Hollywood, o renomado Harvey Keitel. Além de Keitel, o primeiro filme de Quentin Tarantino, contava também com Steve Buscemi, Michael Madsen, Tim Roth e ele próprio, dentre outros.

    Assim como seus filmes, Tarantino possui várias marcas registradas que transbordam nas películas e fazem dele um diretor autoral com o nome gravado à ferro na história do cinema. Exímio diretor de câmera, abusa dos chamados long shots com cenas de até 10 minutos sem cortes. Seus roteiros, geralmente originais, trazem personagens de personalidade forte e a grande maioria das tramas tem uma dualidade muito evidente: Os personagens nunca são completamente vilões ou mocinhos. O grande trunfo dos filmes “tarantinescos” sempre foram os personagens e seus diálogos, muitas vezes surreais, sobre assuntos cotidianos.

    Os filmes dirigidos e roteirizados por Quentin tem, também, uma veia sanguinolenta e extremamente violenta que sempre se apresenta por grandes tiroteios, linguagem obscena e violência explicitada com litros e mais litros de sangue que transformam os cenários em retratos de chacinas fantasiosas, totalmente inverossímeis e exageradas. Todo filme dele é aguardado do anúncio à estreia com expectativas muito elevadas por parte da comunidade cinéfila, e Django Livre não foi exceção.

    O filme conta a história de Django (D-J-A-N-G-O, o “D” é mudo…), um escravo que é resgatado por um caçador de recompensas enquanto era transportado de sua fazenda de origem para um outro local. O caçador de recompensas, um alemão abolicionista conhecido como Doutor King Schultz, propõe a Django que o ajude a capturar (e matar) os três donos da fazenda em que ele trabalhava e em troca oferece sua liberdade e algum dinheiro para recomeçar sua vida. A principio relutante em aceitar a proposta, o escravo parte com o caçador em uma viagem em busca dos alvos.

    Depois de achar e matar os três irmãos e mais crédulo do discurso anti-escravagista do nobre Doutor Schultz, Django recebe a ajuda do caçador para reaver sua esposa, vendida para um fazendeiro de identidade até então desconhecida. Enquanto viajam lado-a-lado caçando procurados por todo o sul dos Estados Unidos, os dois se tornam amigos em busca do objetivo maior de Django: reunir-se novamente com sua esposa Broomhilda.

    O filme, vendido para mim como um thriller de ação e vingança se mostrou outra coisa durante a primeira uma hora. Esperei ver litros de sangue, tiroteios frenéticos e muitos personagens se interligando ao maior estilo Quentin Tarantino mesmo, mas essa primeira parte do filme não tem nada disso. Decepcionado? Nem um pouco!

    Esta primeira (e maior) parte do filme foca inteiramente na interação de Django (Jamie Foxx) e Schultz (Christoph Waltz). Tem diálogos impressionantemente bem feitos, ótimos momentos de humor e ação na medida certa para desenvolver os dois personagens. Durante esta primeira metade, Django e Schultz caçam dezenas de procurados enquanto o escravo aprende a técnica necessária para colocar seu plano em movimento. Quando finalmente descobrem o paradeiro de Broomhilda (Kerry Washington), as rédeas do filme passam para as mãos do protagonista-título da trama. Até este ponto de virada, Waltz leva o filme com a mesma maestria e atuação  que deu vida a Hans Landa (vivido por Waltz em Bastardos Inglórios, também de Tarantino). Impressionou-me bastante a forma como ele trabalha magistralmente bem junto de Quentin Tarantino, e o filme é levado por ele com uma atuação de gala que lhe rendeu, merecidamente, a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante. Seu personagem alterna extremamente bem momentos de serenidade e bondade com sequências de implacável violência e inteligência na caça aos bandidos procurados.

    E por falar em atuações de gala, Samuel L. Jackson está tão solto e frenético em “Django Livre” quanto estava em Pulp Fiction (pra mim, o melhor filme de sua carreira). Aqui, ele vive o afetado Stephen, um escravo que trabalha há muito tempo para o personagem de Leonardo Dicaprio administrando sua fazenda e cuidando da casa. O inglês pronunciado com um incômodo sotaque texano e sua falta de educação nos diálogos rendem boas risadas nos últimos 40 minutos de filme. Sua atuação tira parte do brilho do personagem de Leonardo Dicaprio, que vive Calvin Candie, um dono de terras que negocia escravos negros para as lutas de “mandingos” e é o atual dono da esposa de Django. Interpreta bem, nos poucos momentos em que o roteiro o deixa em evidência, mas não faz nada extraordinário.

    Jaimie Foxx me surpreendeu bastante com sua atuação. Na verdade, era o único que eu não sabia o que esperar mas manda bem demais durante todo o filme. Django é um personagem complexo e ele pareceu entender bem qual era seu propósito no roteiro, sendo modesto quando necessário, violento e forte quando o roteiro assim o pede e, como já falei, tomando as rédeas do filme depois que o personagem de Waltz vai embora.

    E é só depois que o nobre Dr. Schultz se ausenta que o filme toma ares mais tarantinescos de verdade. Passa, apartir dalí, a se tornar um filme sobre vingança, com ritmo acelerado e, como não poderia faltar, baldes e mais baldes de sangue derramado na tela. A velocidade da câmera, as viradas no plot e a aparição modesta de Quentin na tela mudam completamente a pegada do filme e compõe, agora sim, o thriller frenético de ação e vingança que haviam me vendido. Não sei precisar qual das duas partes eu gosto mais, mas este é certamente um adendo favorável ao meu resumo da obra: Comprei um ingresso de cinema e acabei vendo dois excelentes filmes!

    A trilha sonora é simplesmente uma das mais fantásticas que eu já ouvi e ajuda demais a ditar o andamento das cenas. Misturando estilos, Tarantino traz para o filme uma série de artistas diferentes que vão desde as trilhas compostas por Ennio Morricone até uma música montada num remix incrivelmente bem feito que une as vozes de, acreditem, James Brown e Tupac Shakur!

    Que outro autor/diretor você conhece com moral suficiente para emplacar um Western ao som de Hip Hop?! E o melhor da trilha é que ela está disponível, gratuitamente, para ser ouvida neste link. Nele você encontra todas as trilhas empregadas e algumas citações tiradas do próprio filme. Abaixo, a música póstuma produzida pelo Rei do Soul e o Mestre do Rap:

    Com orçamento estimado em 100 milhões de dólares e faturamento de quase 350 milhões, “Django Livre” tornou-se o maior e mais bem sucedido filme da ainda curta (mas muito bem sucedida) filmografia de Quentin Tarantino. O filme chegou ao Brasil em 18 de janeiro, mas ainda está em exibição em algumas poucas salas do país. Tarantino, que já anunciou que não pretende ir muito além de 10 filmes em sua carreira, conseguiu um resultado excelente e acima do meu esperado ainda que tivesse grande expectativa para o filme. Como já é de praxe, fez dezenas de referências durante os 160 minutos de filme. Referências facilmente captadas, como o nome do personagem e trilha de abertura (retirada do filme “Django”, de Sergio Corbucci), diversas metáforas ao homem branco e à relação do negro com a liberdade e até uma crítica bem humorada à Ku Kux Klan. Um filme bastante fácil de compreender, divertidíssimo e nada cansativo, que merece ser visto por todos os fãs de cinema, menos o Spike Lee.

  • Crítica | Os Infratores

    Crítica | Os Infratores

    Poster de os infratores

    Os Infratores (Lawless, 2012), filme dirigido por John Hilcoat (A Estrada), com roteiro de Nick Cave adaptado de um livro escrito por Matt Bondurant, neto de um dos personagens principais do longa, que é baseado em fatos reais.

    O filme nos conta a história dos irmãos Bondurant, que vivem no Condado de Franklin, Virginia. Na década de 1930 durante a recessão americana e portanto, com o cenário da lei seca. Os irmãos são Jack (Shia Labeouf) o mais novo, que tem sempre de provar o seu valor aos outros. Forrest (Tom Hardy), o mais velho; chefe da família, e Howard (Jason Clarke), o mais temido dos três, muito por seu comportamento explosivo.

    A família toca uma espécie de restaurante, posto de gasolina e base de operações para outros negócios, que agora com a lei seca, se resumem a fazer um Whisky clandestino de boa qualidade. Atividade que apesar de ilegal, é amplamente aceita e difundida entre as pessoas da região. O problema se inicia com a chegada do corrupto agente federal de Chicago, Charley Rakes (Guy Pearce), que deseja organizar o comércio de bebidas daqueles caipiras. Fazendo valer a sua autoridade sobre um xerife, que também não concorda com seus métodos.

    Rakes é um personagem enjoado, que destoa de todo aquele universo em que está inserido. Com trejeitos afetados. Um penteado dividido que é mantido com obsessão e um exagero constante no uso de sua colônia. Guy Pearce faz um bom trabalho na construção desse papel, apesar da pouca exigência de um personagem linear, sem nuances e traços contraditórios. Que não deixa dúvidas, nem ao espectador mais desatento, que se trata do vilão da trama.

    Somos apresentados também, a duas personagens femininas, Maggie Beaford (Jessica Chastain), uma dançarina da cidade que vai para o interior em busca de uma vida mais calma e acaba se tornando uma espécie de faz-tudo dos negócios dos Bondurant: garçonete, contadora, além de namorada de Forrest. A outra mulher da história é Bertha Minnix (Mia Wasikowska), filha de um pregador, que se apaixona por Jack, e acabam mantendo um romance proibido. Ambas as personagens pouco movimentam a história ou tem uma real importância naquilo que somos apresentados. Elas servem mais como um artificio para humanizar os heróis do filme, e de certa forma, transformar aquela história de crimes e violência, em uma história de família.

    Apesar dos créditos iniciais de ‘Os Infratores’ nos dizer que se trata de uma história baseada em fatos reais, tudo no filme funciona como se fosse uma saga de um pescador e seu peixe de 100 quilos no lago, contado enquanto se passeia por algum reduto longe da cidade. Quase tudo tem um certo exagero, tanto na velocidade com que as coisas acontecem, a proporção que os fatos tomam, e principalmente, as cenas de ação e tiroteios, longe de qualquer veracidade do nosso mundo. Mas que nos deliciaria ao ser contada como um “causo” do interior, repleto de lendas e folclore em torno da misteriosa família Bonderant, tida como invencível por toda região.

    Com homens da lei que agem por maneiras escusas. E transgressores honrados e corajosos, que não causam nenhum mal para aqueles que são bons. ‘Os infratores’ define muito bem quem é vilão e quem é herói. A única ambiguidade que vemos se dá na forma dos personagens Jack e Forrest, que são uma espécie de reflexo invertido. Enquanto o primeiro sempre foi um tipo avesso a violência, beirando a covardia, Forrest era o primeiro a se apresentar a ela. Em contrapartida, quando o assunto eram os negócios, Forrest era conservador, preferia manter sua vida tranquila, sem incomodar ninguém, para também não ser incomodado. Já Jack, era ambicioso, disposto a quase tudo pelo sucesso, venerando inclusive, o mafioso Floyd Banner (Gary Oldman) – que infelizmente faz um papel bem pequeno no filme e acredito que poderia ser melhor explorado.

    Com uma bela fotografia de Benoît Delhomme; direção competente de Hilcoat, principalmente nas cenas de ação, sempre intercaladas com cenas cotidianas que aprofundam e nos fazem simpatizar por aqueles personagens. Além de retratar o espaço e o tempo que aquela história se passa. Somado também a uma leve mistura de gêneros como Western e Gangsters, ‘Os Infratores’ se mostra um bom filme sobre um “causo” passado adiante por vários contadores de história.

  • Crítica | Os Imperdoáveis

    Crítica | Os Imperdoáveis

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    Clint Eastwood é, por si só, uma instituição do cinema americano: seus personagens e sua pessoa se misturam e como diretor ele é responsável por grandes clássicos. Em 1992, Eastwood retorna ao Western, gênero que o deixou famoso, mas que vinha esquecido há um tempo considerável.

    Os Imperdoáveis gira em torno de William Munny, um antigo assassino que adota uma vida reclusa com seus filhos e vive assombrado por seu passado violento e pela morte da mulher. Munny é encontrado por Kid, um jovem interessado em ganhar uma recompensa de 1000 dólares oferecida por um grupo de prostitutas que buscam vingança. Interessado no dinheiro para os filhos, Munny encontra seu antigo parceiro Ned Logan e segue para a missão.

    O oeste, nos filmes clássicos do gênero, sempre representou a ameaça da natureza sobre o homem e o herói é aquele capaz de colocá-la sob controle. O cowboy americano é o homem capaz de, por sua própria força (física e mental), civilizar forças perigosas e desconhecidas. Munny não é esse homem.

    O personagem é apresentado pela primeira vez já com algum tempo de filme. Vemos então um Clint Eastwood de cabelos brancos, enrugado, e é impossível não contrastar essa imagem com sua imponência nos filmes de Sergio Leone. O envelhecimento e a passagem do tempo rondam os personagens principais: eles já não atiram ou montam da mesma forma, dormir ao relento os deixa doentes. No final a passagem do tempo, o envelhecimento, a natureza enfim, parece estar ganhando deles.

    Em diversos momentos, Munny é jogado no chão por animais: ele não consegue controlar seus porcos ou seu cavalo. O personagem também não pode controlar a si mesmo. A vida regrada, o afastamento das mulheres e do álcool são a tentativa desesperada de encontrar do lado de fora aquilo que ele parece saber que está dentro. Munny teme que a crueldade esteja em sua própria natureza, teme que a crueldade anterior não seja mais do que parte dele mesmo.

    O código moral em uma terra sem lei é mais um elemento onipresente nos Westerns e é outro ponto que Eastwood coloca em discussão nesse filme. Em um dos diálogos finais, Beauchamp afirma que não merece morrer daquela forma; Munny lhe responde que merecer tem pouco a ver com aquilo. O personagem de Eastwood, ainda que atormentado, sai ileso enquanto Ned, o “melhor” dos dois, incapaz de matar a sangue frio, morre espancado. A moral e a virtude de um atirador são objeto da longa sequência em que Little Bill e Beauchamp conversam na prisão e o motivo pelo qual o biógrafo se desencanta com English Bob.

    Ao contrário de um faroeste clássico, aqui o destino dos personagens tem pouco a ver com seu comprometimento moral e a morte raramente vem acompanhada de nobreza. O universo de Os Imperdoáveis não tem lei, nem aquela certeza de sentido que acompanha boa parte do cinema americano.

    O filme é construído em grandes planos abertos, como esperado do gênero, mas aqui eles não servem para mostrar a terra a ser conquistada, e sim aquela que destrói e endurece os personagens. As cenas internas são sempre escuras, os planos fechados, cada personagem limitado por si mesmo e a moça mais bonita do filme tem seu rosto marcado por cicatrizes.

    Eastwood não chega exatamente a desconstruir o gênero, mas o elemento de tragédia e o pessimismo que insere em seus filmes subvertem os clichês. É um esforço notável e prova de sua excelência como diretor que os elementos mais fortes em Os Imperdoáveis não sejam os pertencentes ao faroeste, mas as características marcantes do cinema de Eastwood.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.