Fruto da exploração do passado americano via cone sul, O Abraço da Serpente é um drama que explora a diferenciação entre povos distintos, tomando por base os europeus colonizadores e os índios nativos da Amazônia, falando de modo emocional e lisérgico sobre o contato humano com a natureza. Sua carreira internacional foi tão bem sucedida que o filme ficou entre os finalistas ao Oscar de filme em língua estrangeira.
Ciro Guerra organiza uma base de roteiro simples em premissa, mas profunda se analisada em seus sentimentos transpostos em tela. A história é contada a partir do olhar de um nativo, um bravo habitante da floresta, Karamakate (Nilbio Torres), que vive sozinho e aparenta ser o último de sua tribo. Cruzando o rio, se encontram Manduca (Yauenkü Migue), um índio que se rendeu a civilização europeia, dada suas roupas, e Theo (Jan Bijvoet), um alemão que se adoentou em meio a pesquisa que realizava.
O argumento trata de questões chave, inerentes tanto ao homem moderno como em sua face mais visceral e em contato com a natureza selvagem. A solidão de Karamakete e Theo são diferentes, mas se encontram aos poucos, compartilhando a partir dali uma viagem à procura da cura para o cientista. Logo, o roteiro se bifurca em dois momentos, apresentando uma linha temporal quarenta anos à frente, onde o etnobotânico Evan (Brionne Davis) começa a procurar a mesma planta encontrada por seu antecessor, a qual teria o poder de fazer o homem sonhar. Nesta jornada, Evan tem a ajuda de um nativo, interpretado por Antonio Bolivar.
A divisão da história ocorre de modo intercalado, realizando um comentário metalinguístico, ao emular as condições especiais da mata invadida pelo homem. A compreensão do nativo entre os dois visitantes europeus claramente muda com o passar das década. Há um claro abismo entre as figuras de Theo e Evan, resumida na postura que os índios tem em relação a ambos, resultando em uma dubiedade no primeiro e na simples aprendizagem dedicada ao segundo.
O texto usa de alguns signos óbvios, como a posse da bússola como avatar da informação universal de localização, dita pelos nativos como instrumento de democratização do conhecimento, artigo que deveria ser posse de todos, e não somente de um povo. A produção discute a purificação dos seres, determinando que este é o fator para alcançar a plenitude espiritual e não as vias religiosas comuns. O texto não tem qualquer pudor em expor os católicos civilizados como seres violentos e tirânicos, impondo suas verdades absolutas as custas da crença e da pele alheia, castigando os rebeldes que não permitem se domar ou moldar, em ambas fases as da história.
O Abraço da Serpente trata também do contato com o natural, comum ao sujeito que vive na mata em contraponto com a evolução violenta e hostil vista no sujeito urbano que habita a Europa e a América colonizada, mostrando de maneira poética os caminhos da alma de um ser falho como o homem através da consciência incorpórea, elevando-a a patamares incompreensíveis para mentes viciadas e impuras, através da sabedoria de povos que foram dizimados pela ganância dos colonizadores que, em suas expansões, pouco se importavam com seus iguais.