Desde A Bruxa de Blair que os filmes de terror têm se utilizado da câmera em primeira pessoa para tornar suas tramas ainda mais assustadoras e pessoais, utilizando o intimismo deste formato para aproximar a história do temor imaginável e da realidade palpável. A fórmula ganhou uma franquia lucrativa, a partir de 2007 com Atividade Paranormal, onde o filão ficou ainda mais barato, se eximindo de ter bons atores em nome da situação ficar ainda mais real, já que emula-se um amadorismo nas câmeras. O Herdeiro do Diabo (Devils Due) lembra muito a franquia iniciada por Oren Peli, ainda que mexa com outros tantos temores.
Um dos graves problemas do filme é a completa falta de carisma dos personagens. A dupla recém-casada, formada por Samantha (Allison Miller) e Zach McCall (Zach Gilford) começa a história numa viagem de lua de mel malfadada, em terras estrangeiras, e após um porre homérico eles voltam para casa, descobrindo que tem uma gravidez deveras cedo. Após isso, o registro em vídeo do futuro pai mostra que a esposa começa a agir de modo estranho e paranoico, variando as imagens entre sua câmera e outras filmagens de vigilância. O inconveniente é que nem uma e nem outra são cativantes e não despertam praticamente nenhuma curiosidade em seu espectador.
A fita dirigida pela dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett se vale do viés mitológico ligado ao apocalipse cristão, iniciando sua narração com trechos da Bíblia Sagrada, remetendo ao nascimento de inúmeros anticristos pelo curso da história. Curioso é que tal coisa já havia sido feita recentemente, em O Último Exorcismo, que fazia mais questão de disfarçar tal coisa. O grande twist é evitado nesse filme de 2014, já deixando claro que será a mesma temática de A Profecia e O Bebê de Rosemary, mas sem a sutileza de Donner ou Polanski, dando lugar a uma abordagem das mais manjadas.
Uma das poucas coisas válidas são os sinais que ocorrem em volta de Samantha, ainda que estes não sejam sutis, tampouco bem interpretados, os muitos rompantes de violência não são plenamente explorados graças a câmera trêmula, que não permite olhar a expressão facial de Alllison Miller, que leva mais jeito do que qualquer protagonista de Atividade Paranormal. Mesmo assim a direção segue irritante, levantando a possibilidade de forças malignas estarem manipulando até as filmagens – uma quebra da quarta-parede desnecessária e pretensiosa, que piora com os aspectos visuais demasiado grotescos.
Nem mesmo os sustos valem muito o interesse do público ávido por tal artifício, até as discussões de relação causam mais medo do que as tomadas em ambientes escuros, sem qualquer produção de suspense. Algo milenar e que causa tanto medo na população geral desde então deveria ter uma abordagem mais assertiva e menos variante. A troca das câmeras é confusa e fica ainda mais evidente quando Zach resolve investigar o que acontece de errado com a sua esposa.
O filme muda de gênero, deixando de ser um sub-produto de terror para virar uma amostra de poderes paranormais sinistros, lembrando muito o recente Poder Sem Limites, obviamente muito mais galhofado e imberbe. Os fatos que seguem perdem a razão e o sentido com a investigação mal realizada pelo sujeito que deveria ser o sustentáculo da família. Até o seu ethos é traído, com o ânimo dobre de Zach sendo mostrado, ao não saber se abandona os não pretensos membros de sua família. Outra incoerência enorme é o personagem manter a câmera segura a despeito de toda a perseguição que sofre ao tentar chegar ao âmago do sinistro nascimento. O desenrolar foi tão esquizofrênico que os créditos acabam com uma música alegre, afirmando que tais coisas irremediavelmente aconteceriam, pois antes dos reclames, a cena inicial de lua de mel se reprisa com outro casal e em outro canto do mundo, mostrando a inexorabilidade destes preceitos, e claro, jogando uma pá de cal em cima de qualquer bom senso que poderia ocorrer com os realizadores. Nada em O Herdeiro do Diabo é coerente ou bem construído, fazendo dele um sub-produto ainda mais inferior à franquia Atividade Paranormal.