Polissia (Polisse), filme francês de 2011, dirigido por Maïwenn Le Besco, roteiro também de Maïwenn em parceria com Emmanuelle Bercot, traz uma série de histórias baseadas na observação da própria diretora, ao departamento de crimes contra a criança, da polícia francesa.
O filme tem um tom documental. Com a câmera sempre na mão e sem uma linha narrativa principal, Polissia alterna entre casos policiais, infelizmente tão comuns – basta ligar qualquer noticiário pinga sangue, para constatar isso. E cenas cotidianas da vida daqueles agentes de polícia, tanto com suas famílias, quanto entre eles próprios.
Um dos grandes méritos do longa é o seu distanciamento daqueles casos escabrosos a que somos apresentados. Uma investigação de abuso sexual infantil, abordada de forma relativamente fria, sem tomar posição, apenas colocando os fatos, deixando com que o espectador forme sua opinião sobre aquilo que vê, apenas pelo fato em si. Sem forçar o tom. Sem um pré julgamento moral sobre quem está certo ou quem está errado. Isso é reforçado, por uma das vitimas de abuso, ao ser informada que o criminoso será preso. Faz uma pergunta simples: mas se ele é doente, porque vai para a cadeia e não para um hospital? Com isso, além de reforçar sua proposta de levantar questões ao público, o filme traz também um novo questionamento: quem realmente precisa ser salvo?
As ações policiais são intercaladas quase sempre com cenas descontraídas das pessoas por trás da farda, seja dançando, contando piadas, ou em algum momento com a família. O objetivo com isso talvez seja mostrar como a exposição àquele tipo de violência, que gera revolta em qualquer pessoa, pode também nos tornar indiferente a ela. Indiferente, não no sentido de estar imune a ela, e não aflorar sentimentos com aquilo que acontece. Pois os policiais sentem, se envolvem. Mas sim, no sentido, de que para conseguir levar as suas próprias vidas adiante. Eles não podem se deixar envolver. Eles precisam esquecer daquilo que faz parte de suas rotinas, caso contrário não conseguirão ter uma vida realmente digna.
Outro ponto a se ressaltar do longa, é quanto ao sentimento de injustiça, dentro da própria força policial. Algo tão importante como é a proteção à criança, muitas vezes é negligenciado, tratado como um departamento de menor importância. Um exemplo é quando precisam de um carro para salvar uma criança, mas este foi cedido para a divisão antidrogas. Ou até mesmo quando um abusador confesso, que tem conexões, contatos, faz pouco caso do seu crime, pois sabe que será absolvido. Isso nos traz um novo questionamento: tal negligência a esse departamento, seria apenas um reflexo da nossa sociedade? Ou também, seria esse pouco caso com os menores, um dos motivos de tanta violência futura? Afinal, sem uma proteção adequada a eles, quais os traumas que eles sofrerão e os impactos disso na sociedade como um todo? Mas novamente, o filme não toma uma posição, cabe a você refletir sobre o assunto. E sobre essa crítica aos valores da nossa sociedade.
Além de seus temas, os personagens são outro ponto muito positivo de Polissia. Todos com uma personalidade desenvolvida, apesar do pouco tempo dedicado a cada um deles individualmente. Méritos para os atores, tanto os infantes quanto os adultos, com ótimas atuações. E méritos também para o roteiro, quase todo baseado em diálogos rápidos, que com pouco dito, conferem grande profundidade sobre os personagens.
Outro ponto a se destacar, é a presença da própria diretora, atuando em Polissia. Ela interpreta uma fotógrafa, que está acompanhando aquele departamento de polícia. A personagem inicialmente tem distanciamento da equipe de policiais e de tudo aquilo que acompanha. Mas com o decorrer do filme, ela não consegue sair ilesa de tudo aquilo, e também acaba por se envolver. Isso claramente serve a dois propósitos, um deles é uma autorreferência de sua observação dos casos na polícia de verdade. E também de levantar como essa violência afeta àquelas pessoas que lidam com isso diariamente, e dizer que não há como não tomar posição sobre isso. Isso no contexto do filme, porém, não me pareceu uma escolha acertada. É uma das personagens menos desenvolvidas na trama, e com um pano de fundo que pouco acrescenta a tudo que é discutido e aos temas do próprio filme. Nada que torne o resultado final ruim, mas é um ponto a ser ressaltado.
Polissia é um ótimo filme, humano, crítico. Tocante por seus temas, e não pela sua forma, que deixa que aquele que assiste desenvolva suas próprias emoções pelo que pensa da situação, e não por apenas exagerar no tom e levar o público para a direção que quer. E tratando ainda de temas tão delicados e de certa forma, revoltantes, como ele trata, é um mérito maior ainda, não cair pelo caminho fácil e barato de conquistar o espectador através do drama exagerado que não se faz necessário.
Ótimo texto! Conheci o filme através de um anuncio de filmes em cartaz no site Filmow, logo marquei como “Quero Ver”. Mas tenho quase certeza de que não chegará nos multiplex. Vou dar meu jeito para tentar assistir
Espero que ele entre em cartaz aqui no RJ.
Fiquei muito afim de assistir 🙂