Resgatando o passado do canônico aliado do Morcego, Batman: Gordon of Gotham inicia-se mostrando o novato policial já com um senso de justiça maniqueísta, semelhante aos dos bons policiais, sem maiores nuances ou falhas de caráter. O paladino que habita as ruas da cidade contrasta-se com o irritado pai de família que esbraveja com sua esposa Bárbara, a qual, por sua vez, acusa-o de ser relapso e de não querer tanto quanto ela ter um bebê.
As referências de machismo e chauvinismo de James fazem dele uma versão suavizada e menos “durona” de Dirty Harry. O agente da lei ainda é cru, com o caráter em formação, conduzido por um senso de justiça ainda infantil, baseado numa moralidade exacerbada, desnecessária e antiquada, digna do desprezo que alguns cidadãos de Gotham têm, especialmente por parte dos que são próximos aos presos. Sua truculência também é mal vista por seus companheiros de profissão, o que se repetiria anos depois, quando age ao lado do Cruzado Encapuzado.
Apesar das críticas claras ao seu modus operandi, o destaque dado pelo roteiro de Denny O’Neill à ética do personagem é enorme, inclusive justificando os fins – a colaboração com um homem fora da lei –, já que os que deveriam servir à cidade não o fazem de modo justo e correto, nem passando perto disto. A vilania predomina no departamento de polícia, e Gordon logo se torna um rival dos que buscam a manutenção do status quo corrupto.
O lápis de Dick Giordano remete aos momentos clássicos de sua parceria com o roteirista, mas dessa vez não tão inspirado como em décadas atrás. O que se vê é uma arte regular mas nada acima do medíocre, nivelada de acordo com a qualidade do roteiro, o qual até tenta ter momentos extraordinários, mas é claramente engessado por seu formato de “conto do passado”.
O gigantesco flashback em que o atual comissário conta tudo ao Morcego se dá por um escandaloso caso de corrupção envolvendo urnas de votação adulteradas, que teriam ajudado um político a vencer eleições de modo ilícito. O ardil envolve muitos dos nomes do departamento de polícia, além de resgatar um dos pecados que mais pesavam na consciência de Gordon.
A chance de redenção ocorre ao policial anos após ele escrever a página mais negra de sua ficha profissional. O peso da idade faz com que ele fraqueje ante seu rival, mas não a ponto de sucumbir, fazendo justiça a toda culpa que carregava. Após a luta, a postura do tira veterano muda completamente. Munido de uma confiança que não o acompanhava até então, ele tem certeza de que suas ações impediriam um ato terrorista de proporção global.
Ao final, o encadernado, ainda não lançado no Brasil, serve para analisar uma ação corriqueira de James Gordon possivelmente antes de sua saída para Chicago, momento que ainda resultaria em um retorno a sua cidade, como visto em Batman – Ano Um. Apesar dos nomes de peso, a historieta não possui momentos mais marcantes do que as histórias áureas do Batman, ainda que seu lançamento, nos idos dos anos 90, tenha sido em momento oportuno, dada a miséria em que o personagem estava.