Crítica | Eu e Você
Na ativa desde os anos 1960, o antigo assistente de direção de Pasolini – em Accattone – se vale de seu passado como estudante de literatura moderna para desenvolver o roteiro de Io e Te, um drama que envolve jovens pessoas, a busca pela maturidade ainda longe de ser alcançada e que ainda sim possuem problemas e dramas de gente grande.
Bernardo Bertolucci já abordara, em episódios anteriores de sua filmografia, as tragédias juvenis, especialmente em dois filmes (estadunidenses) seus, a saber Beleza Roubada (Steeling Beauty) e Os Sonhadores (The Dreamers). Após o longo exílio, Bernardo volta seus olhos novamente para o cinema italiano, e com um conteúdo universalista por essência. Lorenzo (Jacopo Olmi Antinori), o protagonista poderia ser um rapaz de qualquer nacionalidade, muito graças ao conjunto de signos que o acompanha, desde os fones de ouvido que usa, gigantes, e que o isolam do contato humano quando este o quer ou pela confusão mental típica de quem acabara de sair da fase infante da vida, até mesmo tocando levemente numa variação do Complexo de Édipo, claro, de forma jocosa.
Lorenzo é um rapaz muito parecido com tantos outros de sua geração, sofre bullying na escola, mas não se acha uma enorme vítima graças a isso, o que o diferencia dos demais é a visão que tem dos adultos e sua independência, ele tem qualquer coisa – talvez a indefinição típica da idade – que o incomoda, o faz querer fugir, se sente um intruso dentro de casa e um penetra por onde quer que ande. Ele encara a infância como uma prisão, ao verificar os adultos que os cerca os vê distantes, em pedestais enormes, não como objetos de adoração, mas como seres acima de si – a câmera flagrando um par dançando sobre um teto de vidro enquanto o rapaz observa, flagra isto com maestria. A inferioridade que o rapaz se auto-impige o faz procurar um esconderijo abaixo de todos, no subsolo, no esquecido porão de seus pais. Sua vontade é se isolar, ter espaço para nada fazer, para exercer o ócio e se entupir de seus refrigerantes e comidas gordurosas – mais avatares da adolescência – até que sua fortaleza é invadida.
Olivia (executada pela bela Tea Falco) adentra a privacidade do irmão sem mal bater a porta, e tenciona dividir com ele o lugar da fuga, suas motivações são inversas as dele, Lorenzo sente-se sufocado e quer liberdade, enquanto Olivia sente-se só, abandonada pelos seus – ainda que ambos não queiram demonstrar suas fraquezas, vão aos poucos tecendo uma relação simbiótica. O ambiente/cenário quase nunca muda, Bertolucci quer massificar a ideia da rotina imutável, da dificuldade em mudar e de sair do conformismo mesmo que as situações mostradas estejam longe de ser confortáveis.
Lorenzo se esconde, se esgueira, ainda não tem dimensão ou noção do que ocorre ao seu redor e da gravidade dos fatos rotineiros a sua volta – no entanto, isso não o impede de sentir-se mal com o modo como sua casa é administrada, além da forma como é tratado por seus parentes. Sua pouca maturidade não o permite sequer perceber o drama de sua meia-irmã na plenitude, e isso corrobora para que ela sinta-se mais a vontade, pois não há tratamento misericordioso ou penoso da parte dele consigo. Pouco a pouco, Lorenzo se permite ter uma relação mais sólida com Olivia, enxergando-a não só como uma irmã, mas também como uma semelhante, um ser igual a si.
Bertolucci conduz um filme monotemático quantos aos cenários, mas muito dúbio em relação aos dramas da juventude. A monotonia domina o período de reencontro entre as duas crianças, que tentam resgatar a rotina, os tempos mais simples e mais tranquilos de quando os dois tinham uma relação muito mais próxima, ainda que, mesmo com a distância, a ligação entre eles não deixou de existir, vide todo o cuidado e ciúme do caçula pela primogênita, aceitando-a mesmo que ela odeie alguns de seus entes queridos. O amor entre os dois transcende o background e as opiniões diversas, mostrando que a infância pode ser uma fase muito menos preconceituosa que a fase adulta. O prolixo roteiro de Bertolucci, Umberto Contarello e Niccolò Ammaniti toca em temas complicados, mas sem ser apelativo em momento nenhum.