Apesar do lançamento das duas minisséries ter sido em 1983 e 84, o modo como é filmado remete à abordagem dos filmes sensacionalistas utilizando como tema a paranoia da Guerra Fria, sendo o que vem de fora do Eixo do Bem (leia-se Estados Unidos) torna-se necessariamente ruim, cruel e assassino. Kenneth Johnson é o principal realizador de V: A Batalha Final, exibida originalmente em episódios longos de aproximadamente 90 minutos cada. Há três momentos distintos, o primeiro ano, denominado originalmente como V, o segundo, V: A Batalha Final, além de um seriado com 19 episódios, exibidos entre 1984 e 1985.
Em meio a todos os problemas daquela específica época e as fronteiras não tão claras entre mundos amigos e inimigos, naves alienígenas invadem os céus das principais cidades americanas. Logo surge a notícia de que elas habitavam os céus de outras megalópoles mundiais, como Roma e Paris. Os extraterrestres tentam estabelecer contato com os humanos terráqueos, pedindo uma reunião com um membro da ONU, o que, ao modo do roteiro, demonstra que eles fizeram bem o seu trabalho de pesquisa.
Para a tranquilidade de toda a população, os invasores vieram em paz, e se mostram iguais quanto à aparência dos humanos, ainda que sua visão seja mais sensível a luz – John, o porta-voz da tal raça usa um óculos escuros, à noite, em virtude das luzes dos holofotes e os flash das máquinas. Solícitos, eles pedem um acordo de cooperação mútua em que pediriam alguns pequenos favores aos seres humanos, já que seu planeta está em uma grave crise ambiental. Em contrapartida, as criaturas emprestariam seu conhecimento avançado e toda a sua tecnologia para que solucionassem os problemas do mundo, como doenças incuráveis e pragas. Pensando em convencer a mídia, e para afastar qualquer possibilidade de discurso contrário, John convida alguns jornalistas para entrar em sua nave e, claro, filmá-la.
O povo abraça os visitantes, mostrando-se solícito. Na primeira aterrissagem dos seres em um dia claro, num ambiente civil de Los Angeles, uma banda de colégio toca o tema de Star Wars, numa cena involuntariamente cômica. Os forasteiros trajam roupas alaranjadas, e alguns deles são atrapalhados, não completamente versados em inglês. O intuito de mostrá-los com defeitos é aproximá-los da humanidade, uma gama de defeitos comuns do sujeito comum. A unicidade pregada entre as espécies é tão grande que neste momento pouco se foca em personagens específicos: a abordagem realiza-se como nas telenovelas, nas quais se mostram muitos núcleos, e seu aprofundamento é vagaroso.
No entanto, nem todos os personagens são ingênuos, Michael Donovan (Marc Singer), um repórter televisivo de vida familiar conturbada, decide entrar clandestinamente na nave, descobrindo alguns dos incômodos costumes daqueles seres, que escondem uma aparência monstruosa semelhante a dos lagartos. Após ele finalmente ter essas informações em mãos, os reptilianos tem o cuidado de inverter a possibilidade de encararem-no de modo hostil, pondo-se no papel de vítimas, dizendo ser perseguidos por facetas da sociedade intolerantes com eles. O modo com que o roteiro é levado é interessante, e consegue não despertar a descrença no público, dentro e fora da tela, ao menos neste momento. Mesmo armados, os extraterrestres são encarados como indivíduos bons. Aproximando-se do visual das cidades da imaginação distópica de controle estatal, a obra relaciona-se ao universo de 1984, de George Orwell, mas de modo muito superficial. Os cientistas e seus simpatizantes são perseguidos, não só pelos invasores, mas também pelas autoridades.
Stanley Bernstein (George Morfogen) é um pai de família, cujo filho, Daniel Bernstein – vivido por David Packer, que ao longo do seriado galga degraus na relação de submissão aos invasores – é um servidor dos alienígenas. Sua ideia de mundo ideal é semelhante ao que acontecia no passado, sem as interferências externas. Aos poucos, ele e outros membros civis se veem amedrontados em relação à ideia de ser capturados por reptilianos, ainda que a fonte desse temor sejam somente rumores. A paranoia permeia o comportamento de alguns membros ativos da sociedade, e grupos diminutos começam a se reunir. A resistência segue reunindo-se no underground, em vielas e afins.
Curioso como os homens vilanizados são mostrados como pessoas moralmente falhas, com problemas de bebida, como se o comportamento conservador fosse sinônimo de boa-aventurança. No entanto, há alguns erros grosseiros de composição. A resistência é formada de modo tosco, com indivíduos que não se completam, nem social ou empaticamente. Sequer há simbiose de competências, como a habilidade. Não há qualquer esperança de êxito, pois parece haver ali só fracassados. A intenção de mostrar ao espectador que qualquer um pode ser um revolucionário esbarra nas feições de coitados dos rebeldes e no aspecto paupérrimo de suas instalações e aparatos. Ainda assim, estes acabam sendo quase páreos para os ETs, ao menos no corpo a corpo.
Ainda na primeira minissérie (dois episódios), descobre-se a real intenção dos visitantes, que é retirar a água da Terra para levá-la ao planeta deles, e fazer dos homens instrumentos para escravidão. Os rebeldes descobrem um armazém onde são guardados milhares de corpos de humanos, mantidos a vácuo para não estragarem. No entanto, a farsa prossegue, mesmo após o embate final – ridiculamente executado, aliás – perto do fim da minissérie.
Talvez o maior diferencial da segunda mini (três episódios) para a primeira seja a gravidez de Robin Maxwell (Blair Tefkin), que leva em seu ventre um ser meio-humano meio-visitante – este é um momento crucial na série, visto que ela dá luz a gêmeos, uma criança de aparência humana (mas capaz de soltar uma toxina) e outra reptiliana, representada por um boneco absurdamente mal feito, que provoca risos ao invés de susto, mesmo para a época. Os ecos do baixo orçamento não permitem ao espectador esquecer o que se trata o show, mas não atrapalham o seu consumo, evidentemente. O grupo rebelde consegue invadir uma transmissão televisiva, em que os alienígenas decretam ter achado a cura para o câncer, visando desmascarar publicamente a real faceta dos invasores. Os dois lados da guerra finalmente são evidenciados, e as intenções saem das tocas.
Um fator que demonstra total diferença entre os dois períodos é a estética. Sai a realidade condizente com duas décadas atrás e surge algo mais árido, certamente tomando por referência a franquia Mad Max de George Miller. No entanto, o plot mais expandido e explorado é o da miscigenação entre as raças que se realiza através da filha de Robin, entregue aos reptilianos de bom grado por meio de um estratagema cujos detalhes não foram completamente mostrados. As nuances que são propostas durante a série não ficam claras quanto a sua resolução, especialmente com Martin (Frank Ashmore), o alienígena que ajuda os humanos, e que tem sua identidade descoberta na frente de Diana (Jane Badler). Tardiamente, ele e mais um grupo de dissidentes se unem à resistência para não serem pegos pelo ardiloso plano de destruição dos reptilianos no enfim arquitetado plano de contra-ataque. O levante dá certo e finalmente os humanos subjugam os alienígenas em seu terreno, ainda que Diana consiga escapar, o que dá margem a um novp seriado, de 19 episódios, de duração média de 45 minutos cada.
Em V – The Series, a sociedade humana retorna aos seus moldes habituais. Porém, há muitos focos de tentativas de sobrevida dos reptilianos. Há uma notável perda de foco e de qualidade narrativa, já que se esquece uma série de detalhes, como a voz diferenciada dos reptilianos. Logo, um novo grupo de opositores humanos se levanta, liderado por Nathan Bates (Lane Smith), um influente empresário que quer lucrar com a situação, acompanhado do antigo (uma vez que estreou em A Batalha Final) e ambíguo rebelde Ham Tyler (Michael Ironside). Além da notável queda de qualidade narrativa, há um enorme problema quanto à linha temporal, pois há grandes saltos cronológicos, que na maioria das vezes não são explicados, caso do crescimento de Elizabeth Maxwell, que em Batalha Final deixa de ser um bebê recém-nascido para se tornar uma criança, enquanto na série maior ela passa por uma mutação, tornando-se adulta (Jennifer Cooke). Isso explica-se através de um argumento technobabble relacionado ao seu hibridismo entre humano e reptiliano, fazendo-a evoluir dez anos – a explicação tapa-buraco é deveras tardia, além de não esclarecer o crescimento anterior.
Grande parte da perda de qualidade se dá devido à saída de Kenneth Johnson como realizador e roteirista, atuando apenas com alguma produção executiva e, claro, como o nome responsável pela criação dos personagens. Logo, ficam claros dois diferentes viés de posicionamentos: o primeiro é a via anárquica dos rebeldes, que defendem uma intervenção armamentista contra os aliens; e outra mais moderada, dada como oficial, liderada pelo empresariado que tem em Bates seu avatar maior. Há um tentativa de criar um conflito entre abordagens, mostrando Kyle Bates (Jeff Yagher), o filho de Nathan, se aliando aos radicais, com sua jaqueta de couro, seu veículo de motocross e sua atitude de selvagem desajustado, mas com cabelo engomado, claro. Para apimentar ainda mais a questão, passa a arrastar asas para a híbrida, que é o alvo de discórdia entre humanos e alienígenas, o elo perdido preconizado na bela Elizabeth, que resolve renegar o papel de mocinha em perigo.
Um acordo não oficial é firmado entre Diana e alguns membros da resistência, para que a relação entre ambas as partes seja a mais harmoniosa possível. No entanto, Donovan teima em esbarrar nessa fina paz inúmeras vezes, especialmente quando resolve ter contato com seu filho John, que está alistado junto aos reptilianos. É curioso que, apesar de haver muito mais espaço nesta do que na minissérie, perde-se tanto em momentos de intimidade desnecessários, enquanto os plots realmente interessantes se arrastam ad aeternum.
Um ponto favorável é o boletim jornalístico, narrado no começo da maioria dos episódios, por Howard K. Smith, mostrando como está a situação política do mundo devido à guerra travada entre as duas raças soberanas. Ali, dá para perceber que o armistício ocorrido nos EUA não passa de uma fachada cuidadosamente envernizada para que a opinião pública não fique alarmada. A fala do jornalista é repleta de eufemismos, chegando ao ponto de enfim glorificar as ações de resistências estrangeiras, louvando de um modo que o comunicólogo não poderia fazer com seus compatriotas, ao menos não tomando partido de modo tão taxativo.
Uma das muitas lástimas do decréscimo de qualidade do seriado é a postura de Diana. Ela, que sempre se mostrou uma personagem ambígua, mais ambiciosa, é nesse momento somente uma vilã maniqueísta, má como o diabo, mostrando-se cruel com aqueles que a cercam, especialmente com os humanos que mantém reféns. Quase todos os estratagemas envolvendo os visitantes são ou esquecidos ou transformados em piadas. O último capítulo contém alguns reencontros dos rebeldes com pessoas de seu passado, e que convenientemente não haviam sido citados antes.
A suposta traição de Martin pesa para que seu irmão Phillip (também vivido por Frank Ashmore) se una aos ideais da humanidade e tente conciliar a paz, mas ainda assim o plano não é bem urdido. O líder dos visitante resolve pessoalmente pousar na Terra para manter contato com os terráqueos. Para isso, ele convoca a telepata, híbrido e gatinha Elizabeth (sim, ela está mais bonita e com mais poderes) a embarcar numa das naves mães, acompanhada dos líderes da resistência, Julie Parrish (Faye Grant), Donovan e Kyle.
É claro que alas mais radicais dos rebeldes – pouco mencionadas antes – se infiltram e atacam a suposta nave do Líder, que obviamente era uma armadilha, para revelar as verdadeiras intenções de Diana, que jamais aceitou bem as ordem de Phillip. Dali, uma minibatalha se deflagra, e Julie e Donovan literalmente abandonam a jovem Elizabeth junto aos visitantes que conversarão com o chanceler. A possibilidade de um golpe dos reptilianos não é sequer cogitada por parte dos mocinhos. No entanto, a trama prossegue com Elizabeth seguindo o Líder por meio de um teletransporte, e seu amado Kyle dando um jeito de segui-la.O desfecho da série é assim, sem um real final, pois o programa foi cancelado graças às baixas audiências da época, e não à toa, visto a quantidade de incongruências do programa.
Infelizmente, foi esse o sabor que restou da última parte mal construída. A franquia só viria a ser revisitada em 2009, no remake da série, que até resgata alguns dos bons pontos das minis. Uma pena que o afastamento de Keneth Johnson tenha sido necessário, pois seu texto e sua consultoria fizeram com que a saga se tornasse realmente relevante, não o exploitation barato que V se transformou.