Após uma primeira temporada bastante elogiada, o ator, diretor e showrunner Seth MacFarlane finalmente retorna sua própria versão da utopia de Gene Rondenberry/homenagem a Jornada nas Estrelas, com The Orville 2ª Temporada, que se inicia mostrando Ed Mercer lidando com os acontecimentos do primeiro ano. A repercussão desses fatos é bem explorada já nesses primeiros capítulos, da temporada que teve 14 episódios.
Um dos mergulhos mais surpreendentes nesse ano é o dado na intimidade da tripulação que está na nave que dá nome ao seriado. Isso faz lembrar bastante das séries posteriores de Star Trek, em especial Jornada nas Estrelas: A Nova Geração. O clima e ambientação das desventuras e escapismos é bem semelhante ao que Picard, Data, Troi e Cia vivem no programa de Sci-fi de 1987, em especial no que se vê a partir da terceira e quarta temporada.
Ao contrário do que se vê nas outras Space Opera, este programa tem personagens cheios de falhas e muita humanidade. Mercer mesmo não é exemplo para ninguém, ele persegue seu ex-par como um sujeito obsessivo, e não representa em nada o ideal de liderança e masculinidade que se espera dele, até por ser bastante inseguro e ciumento. Também há uma desconstrução de personagens secundários, como Alara Kitan (Halston Sage), que até deixa de ser chefe de segurança mais a frente, reprisando o clichê de Tasha Yar em Star Trek TNG. Esses momentos são legais pelas participações que tem, em especial a de Robert Picardo, sem falar que a despedida de Lamara inclui episódios em seu planeta natal, com uma bem vinda mudança de cenário para as aventuras e um aprofundamento de personagem que é incomum até na recente Star Trek: Discovery 2ª Temporada.
Curioso como mesmo numa utopia, se discute muito costumes, seja com as espécies extra-terrestres utilizando bigodes para mudar o visual, ou as inteligências artificiais sendo julgados por terem um senso moral diferente do considerado “normal”. O modo como o roteiro de Identity (episódios 8 e 9) caminha é sui generis. Até as fragilidades visuais, como as lutas ruins fazem lembrar momentos clássicos de Jornada, como a luta contra os Borgs e a disputa de Data e Lore, é simplesmente incrível como se copiam os problemas de uma maneira reverencial, ao ponto de não se colocar acima do material base e como as soluções são bem pensadas para o tipo de narrativa atual
A serie não tem qualquer amarra ou preocupação em soar épica, podendo assim surpreender seu espectador sempre que se apela para algo de importância maior. Em alguns pontos, mal se lembra que MacFarlane é especialista em comédia, embora os alívios cômicos sejam normalmente hilários em um nível histriônico e voltado para um humor de constrangimento, como nos momentos que envolvem Kelly Grayson (Adrienne Palicki) falando de como Ed era um parceiro sexual inseguro, reforçando a postura de homem longe do ideal do comandante de frota, ainda que isso não o desautorize por completo. Ele é humano, falho, mas ainda assim preparado para representar os ideais da frota.
É ótimo como se aprofunda a questão da sexualidade tirada do filho de Bortus (Peter Macon), com episódios dedicados diretamente a discutir isso, ou simples acenos, como o vício do casal formado por ele e Klyden (Chad Coleman) em cigarros, droga normalmente associada ao momento pós coito. Mais até do que isso, se discute o machismo via biologia e tradição dos moclans, mostrando a dificuldade em aceitar um outro estado (uma colônia que quer ser independente, só de mulheres) e o poder bélico de barganha dos mesmos, que são fundamentais aliás contra os Kaylons.
O season finale é executado com um capricho absurdo, aludindo a realidades alternativas e variações da vida dos personagens, remontando bem o clichê típico das Space Operas. Há referencias aos caçadores de recompensa de Star Wars, especialmente no aspecto visual, e é um belo aceno do roteiro, mostrar que a realidade de Orville se houvesse dado tudo errado, deixaria de ser uma versão alternativa de Star Trek seria sim um estado ditatorial como visto no fim de A Vingança dos Sith e no meio de O Império Contra Ataca.
Existe uma miríade de discussões bem legais neste segundo ano de The Orville, o formato pensado por Jon Favreau é muito bem conduzido pelos diretores convidados – incluindo nesse ano o próprio MacFarlane, Robert Duncan McNeill (o Tom Paris de Jornada nas Estrelas: Voyager), Jonathan Frakes, Rebecca Rodriguez (irmã de Robert Rodriguez e editora de Machete e Machete Mata) e – é uma obra que louva muito o legado de Rondenberry, mas que busca uma identidade própria, principalmente no sentido de auto paródia, além de evoluir quadros de discussão e de incluir pautas mais atuais a discussão, sem cair em clichês típicos das séries de Star Trek dos anos noventa, fugindo por exemplo da hiper sexualização das tripulantes femininas. As atuações de seu elenco fixo são excelente, bem como há participações sensacionais também e é uma boa alternativa para os trekkers ou fãs de Babylon 5 que tem saudades das obras originais.