Certo dia, escrevi numa popular rede social que meu cérebro adoraria conhecer um ser alienígena, mas meu coração sentiria o contrário diante dessa experiência. Qual foi minha surpresa, então, quando todos adoraram esta publicação e a compartilharam, semeando esta mesma opinião tão inerente a curiosidade existencial do homem perante um universo profundo, e oco de vida. Afinal de contas, após termos a certeza de que Deus existe, e de onde viemos e para onde vamos, conhecer nossos irmãos de outras Terras é o nosso maior desejo, e paradoxalmente, um dos maiores medos que nos assola. Tal como um mistério irresistível, até mesmo delirante, ainda que grande demais para ser desvendado por meros mortais. Uma dúvida que faz nos sentir órfãos de um pai que talvez nem exista, numa sopa de letrinhas sem sentido algum além de nós, e apenas nós mesmos. Eis aqui um sentimento de desolação que pode unir a humanidade dentre tantos conflitos que criamos contra nossa evolução – tanto individual, quanto coletiva –, ou desuni-la, ainda mais, na iminência de não sermos filhos únicos.
Por mais inquietante que isso seja, são essas dúvidas que regem a espinha dorsal da trama de O Problema dos Três Corpos, obra chinesa de ficção-científica que não se entrega em momento algum a fantasia, mantendo-se na gravidade das possibilidades tangíveis da ciência ao invés das loucuras de um faz-de-conta sonhador. O livro de Cixin Liu, um dos mais premiados autores chineses contemporâneos, é perfeito aos amantes de Star Trek e de outros produtos da mídia que se devotam ao caráter altruísta das maravilhas da ciência moderna, indo longe em seus avanços, e modelando a história das civilizações através de seus triunfos reais, e programados por grandes mentes a favor do Todo. Não à toa, Liu coleciona honrarias ao redor do mundo ao esquematizar tramas que desafiam o intelecto dos seus leitores, combinando tecnologia com ambição, e no melhor estilo dos mestres do gênero, tais como Arthur C. Clarke (2001: Uma Odisseia no Espaço), e Philip K. Dick (O Tempo Desconjuntado). Numa época em que a ciência é atacada por boa parte de um sociopolítico doente, e crente a teorias de Terra plana, e outras ilusões dignas de internação psiquiátrica, publicações como essa da editora Suma de Letras são uma dose cavalar de bem-estar garantido. Ainda há muita inteligência neste mundo, e operando para as causas certas.
Ao descobrir o jogo de videogame “Três Corpos”, uma experiência imersiva que depende de um traje para que o jogador sinta as sensações que o jogo transmite ao entrar num mundo de ficção extremamente caótico a quem nele se aventura, o respeitado professor Wang Miao já tinha se envolvido num projeto ultrassecreto do ditatorial governo chinês para impedir que satélites de governos imperialistas de outros países (Estados Unidos e Rússia) vasculhem o gigantesco país asiático. Sem perceber por muito tempo o que o jogo poderia ter a ver com a segurança nacional da China, Miao começa a desconfiar de conspirações que podem mudar o curso da Terra, chegando até mesmo a duvidar de sua sanidade. Entrando em contato com agentes do governo já aposentados, e amigos que trabalham para os mais altos escalões de uma mentalidade política e militar absolutamente rígida, cujo nacionalismo é fatal e pode vir a restringir inúmeros direitos dos seus cidadãos, Miao se depara com uma contagem regressiva misteriosa a indicar algo tão inacreditável, quanto desesperador, envolvendo exploradores alienígenas e a nossa confiança (ou a falta dela) de que a nossa evolução científica, das cavernas até a era dos computadores, pode ajudar a China a se proteger contra uma provável (e sigilosa) ameaça a caminho, entre as estrelas.
Ao desmembrar da forma mais simples e sedutora possível boa parte do encanto que as diversas questões universais da Física despertam aos seus fãs apaixonados, professores e cientistas da área, sempre em função de novos experimentos, novas descobertas e futuros rumos para suas carreiras de grande esforço, o autor faz de O Problema dos Três Corpos mais que uma ode à ciência e suas viabilidades, mas um propósito forte o bastante (proteger a nação, o mundo, as pessoas e tudo o mais que amamos) para que ela exista, resista e possa fazer toda a diferença na vida das pessoas, e das coisas em geral. A obra se desdobra num ritmo elegante no acompanhamento das tensões e reviravoltas inerentes a uma trama repleta de camadas, e que usa de flashbacks e capítulos por vezes bem curtos para traçar com precisão um elaborado labirinto de informações imprescindível a compreensão do grande final. Cada vez mais pessoas tomam conhecimento de que extraterrestres realmente fizeram as malas, atraídos pelas condições perfeitas à vida deste mundo azul, e estão a todo vapor voando para cá. E mesmo se o abismo tecnológico entre nós e eles de fato seja maior do que o que existe entre humanos e gafanhotos, o que fazer, diante de uma invasão predatória (ou não), além de confiar em nós mesmos? O conselho então é claro: vamos torcer pelo melhor, enquanto produzimos os nossos próprios milagres. Nada mais sensato.