Filmado entre 2016 e 18, em favelas de Belo Horizonte e Rio de Janeiro, Fé e Fúria é um esforço em forma de documentário organizado pelo diretor Marcos Pimentel que visa mostrar como funciona a estranha relação entre favelas e comunidades pobres das grandes cidades com os credos religiosos, focando especialmente em questões relacionadas ao avanço neo pentecostal nas favelas.
O início do filme mostra uma rádio favela, reverberando as músicas e informes comuns a quem faz parte daquele micro universo, onde para quem mora, todo o conteúdo difundido ali faz sentido e para quem não está acostumado, o que se fala assim pode assustar. Logo depois o filme passa a mostrar pessoas de religião de matriz africana que foram agredidas, por conta de sua fé, e se percebe que este evento pode ter muito a ver com o que se fala nessas rádios locais.
O longa explora eventos reais, mas recai sobre a obviedade da infelizmente normal perseguição que cristãos (evangélicos, sobretudo) costumam fazer em relação a outros credos, seja pela tradição recente muito atribuído a práticas de algumas igrejas comandadas por “celebridades” ou pela tradição (de fato) da segregação católica romana as mesmas religiões perseguidas, via sincretismo religioso, onde as entidades aduladas pelos descendentes de africanos eram negadas pelos santos católicos.
A maior riqueza do filme mora no fato de os entrevistados serem fiéis de fato, parecendo ter mesmo alguma devoção e paixão ardorosa pelas crenças que defendem. Elas transparecem boas intenções, mesmo que seu discurso possa soar contraditório, em especial quando se fala sobre discriminação e demonização dos outros. Pimentel tem um câmera que varia entre o estático e o nervosismo, tendo um bom exemplo do segundo aspecto quando se mostra uma mulher ajoelhada diante de um sacerdote, num simbolismo fálico que denuncia o machismo e a submissão. Também há um caráter de denúncia na questão de apropriação de música marginal – em especial ao funk – por parte de algumas seitas cristãs, que tentam tornar sua palavra mais atraente, apelando para algo que os mesmos sempre condenaram, apesar disso não ser inédito.
Pimentel tem cuidado em mostrar depoimentos de praticamente todos os lados, mesmo de traficantes (que obviamente, escondem suas identidades) e isso dá uma aura de veracidade a todos os muito assuntos tratados aqui, tornando toda essa abordagem ainda mais rica por se falar em linguagem facilmente palatável para todos os tipos de públicos, se desviando de qualquer viés oportunista.
Não é uma discussão nova a que põe em contraponto questões de incentivo que alguns sacerdotes praticam, no intuito de perseguir quem é diferente. O caso famoso, de um pastor da Igreja Batista da Lagoinha no dia da inauguração de uma praça do Preto Velho, no entanto, a questão de perseguição dentro das favelas aos terreiros é algo que de fato precisa ser mais discutido e difundido, e nisso, Fé e Fúria acerta demais, mesmo que dê vazão a algumas “teorias da conspiração”, onde os entrevistados falam que talvez haja um conchavo entre igrejas e bandidos, para estabelecer um credo como o correto na favela, mas até por serem esses argumentos ditos por pessoas físicas, tudo fica cabível nesta obra.