Lembro-me de, aos oito anos de idade, roubar vários livros da biblioteca da escola onde estudava para, logo em seguida, ser descoberto com esses novos exemplares em casa (livros estes que, “misteriosamente”, apareceram comigo). É claro que fui obrigado por minha mãe a devolver todos, usando a mesma cara de pau de sempre para pedir desculpas pelo furto, uma vez declarado à base de tapas, e chineladas. Contudo, também me lembro que todos aqueles livros tão amados faziam parte da Vagalume, aquela clássica série da literatura infanto-juvenil brasileira que fez grande sucesso nos anos 1990 e início dos anos 2000 em muitas bibliotecas das escolas públicas e privadas do Brasil.
Uma série que se destacou, com muito títulos viciantes, dado o seu esplendoroso tom de aventura e diversão que tanto arrebatam e conquistam os leitores mais jovens. Dito isso, fico feliz ao me deparar com O Príncipe da Névoa, do espanhol Carlos Ruiz Zafón, por replicar e transmitir o mesmo frescor daquelas pequenas aventuras despretensiosas que me fizeram amar o mundo dos livros, e que conseguiram me tirar de frente da televisão para me hipnotizar, desta vez, nas páginas (ainda que curtas) da série Vagalume, como um todo. Sendo o primeiro romance do seu autor, a obra em questão conta com uma trama graciosa e hábil, o suficiente, para se manter instigante do início ao fim a todas as idades, em especial as crianças de hoje em dia, expostas a ansiedade dos inúmeros estímulos da vida contemporânea. Uma proeza, por si só, invejável.
O próprio autor comenta: “gostaria de escrever algo que eu me interessasse aos 13 anos, mas que também gostaria de ler aos 23, 43, 83 anos…”. E assim ele o faz. De cara, somos transportados a 1943, em um local situado no continente americano, sem especificar exatamente em qual país ou região – algo que concede a história um forte tom universal. Para escapar dos perigos da segunda guerra mundial, uma família inteira se muda para um pacato litoral à beira do Atlântico, em uma casa antiga e com a praia a seus pés, onde o jovem Max e sua irmã Alicia estão prestes a conhecer o solitário garoto Roland, um menino da região. Aos poucos, a aparente normalidade dos dias é invadida pelo surreal, e juntos, o nativo e os forasteiros se unem para viver uma jornada inesquecível que desafia a realidade – com a mão pesada do sobrenatural pairando sobre suas destemidas e inconsequentes cabeças.
O trio então descobre que um passado macabro nunca deixou de existir naquele lugar, e que por detrás de sua beleza litorânea e poética que a tantos escritores já cativou, uma entidade fantástica está à espreita para fazer sua próxima vítima, e mais conectada com essa trinca de jovens amigos do que eles imaginam. A trama não poderia ser mais sugestiva, dando margem ao prazer de se desvendar todo tipo de mistério em família e com novos amigos, em um lugar totalmente novo ainda a ser desbravado. A fluidez da história, e a naturalidade de seus contornos dramáticos e aventurescos, talvez sejam os melhores atributos de O Príncipe da Névoa, da editora Suma de Letras, remetendo também com sua narrativa tão doce e eloquente aos clássicos da juventude; ao deleite de se mergulhar em uma elegante e apaixonante criatividade literária, absolutamente sem preço, a qual Zafón conseguiu conjurar justo em seu romance de estreia.