Há quase 20 anos, quando lançou o primeiro jogo da série Warcraft, a Blizzard Entertainment certamente não imaginava as proporções que este título tomaria no mundo. Na época, a história limitava-se a retratar a batalha entre a raça dos orcs e os humanos pelas terras de Azeroth. Hoje, 18 anos após o lançamento daquela estória, humanos e orcs são apenas uma pequenina fração de tudo o que Warcraft representa, são apenas mais duas raças de seres vivos no gigantesco e complexo “mundo de Warcraft”.
WoW é, talvez, o game com a estória mais profunda na indústria (e talvez fora dela também…). Na minha opinião, o lore de Warcraft pode ser comparado apenas com as obras de Tolkien. Ao longo de seus 18 anos de história, Warcraft criou grandes heróis, terríveis vilões, cimentou mega-cidades e destruiu continentes inteiros, tudo em prol da diversão dos jogadores e apreciadores de uma boa estória. Em 2004, com o lançamento do MMO World of Warcraft, a Blizzard finalmente deu a oportunidade dos jogadores entrarem no mundo fictício de Azeroth e interagirem diretamente com os grandes heróis da série. Já tive a oportunidade de jogar Warcraft 2 e 3 e jogo WoW desde 2006, posso dizer por experiência própria, que a história desse mundo evoluiu à passos largos dentro do MMO. É muito interessante, como jogador, observar a grandiosidade de Azeroth e sua história de dentro daquele mundo. Um mundo com uma história real e palpável, que evoluiu linearmente e é extremamente consistente em sua caminhada. Ao contrário do mundo dos quadrinhos, por exemplo, tudo o que acontece no mundo de World of Warcraft afeta o futuro daquele mundo. O presente daquele universo, crível como se fosse real, é o resultado da soma de tudo o que já aconteceu nele.
Uma história tão interessante e viva não deveria, no meu entendimento, ficar restrita a comunidade gamer. Mesmo que você não possua um computador capaz de reproduzir o jogo ou não goste de games, tenho certeza que a história de Azeroth e dos outros reinos que coexistem neste universo te impressionaria, e não sou o único a pensar assim. Já tem um tempo que algumas partes dessa história vem sendo contadas fora da plataforma virtual, através de autores que organizam os fatos e criam estórias complementares baseadas no jogo. Recentemente a editora Record trouxe ao Brasil, através do selo Galera, o livro Marés da Guerra. O romance, escrito por Cristie Golden, utiliza os personagens e fatos ocorridos na história de Warcraft para criar uma aventura bastante interessante e divertida.
Logo depois de derrotarem Asa da Morte, o poderoso dragão que despertou depois de eras e lançou o cataclismo sobre mundo, Horda e Aliança vivem tempos pacíficos. Durante um breve momento de necessidade, lutaram lado-a-lado na batalha do Nexus e agora ambas as facções parecem não se odiarem com tanta voracidade. Garrosh Grito Infernal, sucessor de Thrall como chefe guerreiro da Horda, acredita na supremacia de seus párias e vê a presença dos humanos e anões da aliança em Kalimdor como uma afronta a esta superioridade. Munido do poder supremo que o cargo de Chefe Guerreiro lhe confere, Garrosh une os taurens, trolls e elfos sangrentos aos orcs de suas próprias fileiras e os lança em carga contra a cidade de Theramore, lar da poderosa maga Jaina Proudmore. Em tempo, Jaina reúne membros da Aliança ao redor do mundo para resistir ao ataque da horda.
Em paralelo a tudo isso, Kalecgos, o ex-Aspecto Dracônico discípulo do poderoso e já falecido Malygos, parte de Nortúndria em busca de um artefato muito poderoso roubado dos dragões por um inimigo ainda desconhecido. Líder da Revoada Dracônica e um dos últimos dragões azuis vivos em Azeroth, Kalecgos precisa encontrar a Íris Focalizadora, que move-se velozmente através dos territórios das raças mais jovens em Kalimdor, antes que seu captor a utilize para seus fins, sejam eles quais forem.
Como um jogador de World of Warcraft e grande fã da história desse mundo criado pela Blizzard, tenho a dizer que as primeiras páginas do livro me empolgaram demais. Todas as tensões entre o Chefe Guerreiro Garrosh, o líder dos tauren e Vol’jin dos trolls já foi trabalhada algumas vezes in-game. Há, entretanto, outras diversas situações históricas do mundo que são trabalhadas sem o mesmo aprofundamento da narração no jogo, dificultando e até alterando o teor do livro para quem não conhece os eventos em sua totalidade. A resignação de Jaina, os sentimentos de Kalecgos para com os outros dragões e até a aparição de Thrall (agora utilizando o nome de batismo: Go’el) e seu pouco interesse no problema entre as facções não fazem muito sentido para quem não conhece (ou não presenciou) as crueldades de Arthas após transformar no Lich King, ou a batalha contra Malygos e contra o Asa da Morte e toda a destruição promovida pela batalha do Nexus. Até mesmo a descrição de Varian, Rei da Aliança, e de Garrosh, Chefe Guerreiro da Horda, são pouco detalhadas e não contam nada das batalhas pregressas dos dois.
Ficou claro, para mim, que o livro não cumpria meu anseio de levar o mundo do meu joguinho de computador para que a minha irmã, por exemplo, pudesse conhecer a estória. É bastante evidente que ele foi lançado para os jogadores de World of Warcraft (sobretudo os mais antigos) e, como um deles, eu posso afirmar que cumpriu muito bem seu papel. Algumas passagens do livro (principalmente durante os devaneios do dragão Kalecgos) soaram um pouco desinteressantes para mim, mas cumprem o papel de construção deste personagem que quase não aparece na história in-game. As batalhas são extremamente bem retratadas e a leitura delas é bem fácil de compreender. Tanto a parte política quando a ação é bem trabalhada e dosada na medida certa dentro do livro.
Acho, entretanto, que faltaram anexos referenciais na edição. Na primeira página há um mapa de Theramore, com algumas pouquíssimas referências utilizadas na batalha travada entre Horda e Aliança, mas num geral o livro carece desse tipo de adendo. Um mapa de Kalimdor como um todo, ou de Azeroth, poderia dar uma ideia melhor ao leitor de quanto os elfos sangrentos tiveram que marchar para se juntar à Garrosh, Baine e Vol’jin ou poderia ajudar e ilustrar a dificuldade em reunir a Aliança à Theramore.
Com o lançamento da tradução em português do jogo, muitos termos do livro se “abrasileiraram” e, destes eu também não gostei. Entendo o porque de estarem presentes no texto, mas não consigo ver a cidade de “Ventobravo” com a mesma imponência da capital da aliança que conheci há alguns anos: “Stormwind”. Garrosh Hellscream, no original, recebeu a grande honra de liderar a horda do próprio Thrall Warchief, e seu título também é mais pomposo em inglês. Undercity e a Cidade Baixa também não tem o mesmo peso, além de me lembrar com saudosismo quando a pobre Vereesa Correventos era conhecida, mesmo entre os brasileiros, como Vereesa Windrunner. A lista poderia continuar por mais algum tempo, mas isso pouco tem a ver com o livro: foi desta forma que a Blizzard traduziu e era desta forma que o público brasileiro reconheceria o personagem do livro dentro do jogo.
Como citei acima, o livro provavelmente não vai angariar mais brasileiros para as fileiras da Horda e da Aliança nos servidores de WoW, mas cumpre muito bem o seu papel de oferecer ao jogador uma ótima aventura. Se você acompanhou as expansões do jogo, desde seu lançamento, sabe que a relação entre Horda e Aliança sempre foi volátil. Ora inimigos mortais, ora aliados improváveis, os membros das duas facções sempre transitaram ressabiados pelas ruas dos territórios neutros, sem saber quando uma guerra entre ambas as facções voltaria a aterrorizar o mundo. Quando a terra de Azeroth finalmente repousa em busca de paz, parece que a influência de alguns personagens arrasta novamente o mundo para uma luta armada. Horda e Aliança, recém devastados pela batalha contra o Asa da Morte, parecem cada vez mais próximos de enfrentar Marés da Guerra!