Son Hayes (Michael Shannon) aparece na primeira cena do filme sem camisa. Seu corpo é mostrado repleto de cicatrizes nas costas, que mais tarde se revelam um segredo pessoal e de sua família. Seu porte não é nada atlético, garantindo-lhe um aspecto de “aparente” fragilidade natural, característica logo contrariada no decorrer da história.
A péssima relação familiar, revelada em minutos de exibição, escancara os motivos que o fazem ser tão isolado. O personagem de Son é real. Com defeitos e falhas, não tem pretensão de ser diferente do que apresenta. Funciona como uma tela em branco, que reflete tudo exposto a sua frente. A reprodução é fidedigna, sem condescendência e rodeios. Tal crueza certamente atrapalha a relação (surpreendentemente existente, visto seu aspecto) com sua parceira/esposa.
A câmera de Nichols é natural. A forma de filmar é fluida, sem firulas. Sua intenção é mostrar de forma fiel o modo de vida dos habitantes comuns da cidade, sem pretensões de glamourização e afins. Somente registra como estes tocam suas ordinárias vidas e o quão bizarra pode ser a existência do homem, mesmo quando esta segue todos os padrões de normatividade e valorização da família, tradição e propriedade. Son, mesmo não demonstrando de início, tem em seu interior um conjunto de metas deveras ambiciosas, e a frustração de não te-las alcançado se reflete em seu modo passivo/depressivo de encarar a rotina. Ele tem dificuldade de expressar sentimentos, mesmo diante do filho.
A briga familiar, completamente descabida se analisada de forma fria, deixa rastros de destruição dos dois lados do entrave, onde nenhuma das partes se enxerga como errada, ambas lutam com unhas e dentes por seus “ideais”. Explicita-se uma crítica do realizador às atitudes cegas tomadas de forma passional, praxe infelizmente constante em grande parte dos lares rurais e outras localidades. O constrangimento com os “familiares” dos envolvidos é grande, especialmente em razão da cidade onde vivem ser tão diminuta. A possibilidade de mais confrontamentos só aumenta com o convívio entre os “iguais”, no entanto Son é o retrato da serenidade. Resoluto e calmo em aparência, contraria as evidências internas de ódio que plantou em seu coração e no de seus irmãos. Sua reação é raivosa e carregada de rancor, mas em momento algum é barulhenta ou violenta e, ainda assim, agride muito mais do que um arroubo de emoções ou um estouro de impropérios.
As maneiras distintas de encarar a perda de um ente querido e as possibilidades de vingança são mostradas de forma clara e direta, explicitando o rompimento dos limites por pessoas de personalidades diversas. A mensagem que Jeff Nichols quer passar pode ser encarada de duas formas: uma crítica direta à violência com que são resolvidos os conflitos, das menores esferas de influência até as maiores; ou pode ser vista como contemplação à natureza humana, agressiva, odiosa e rancorosa. A violência que permeou a existência de Son cobra o seu preço, exigindo de si, e dos que o envolvem, mais e mais ódio e derramamento de sangue. A atitude mais corajosa, que traria a hipótese de uma convivência amistosa, provém do personagem mais covarde retratado, o irmão Bob Hayer (Douglas Ligon). Seu modo de enxergar o mundo prova-se do ponto de vista mais interessante e cabível apresentado na trama.
O roteiro passa um argumento pacifista sem apelar para moralismos ou armadilhas politicamente corretas, mesmo com o fim do bem sobrepujando o mal. Shotgun Stories é uma análise que evidencia o quão selvagem pode ser o modo de vida do homem, se ele assim o permitir, e visa causar uma reflexão sobre o que realmente vale na defesa do que se acredita ser o certo.