Dirigido pelo premiado cineasta do interior baiano Aly Muritiba, Para Minha Amada Morta tenciona atingir um patamar normalmente mal visto por grande parte do público rançoso do cinema nacional, que apresenta uma espécie de drama que não compreende as faixas mais populares dos consumidores, sem necessariamente fazer concessões narrativas típicas das chanchadas produzidas recentes, reunindo elementos de cinema policial e thriller, dentro de seus esforços.
Fernando (Fernando Alves Pinto) é um homem melancólico, que vive seus dias solitários com seu filho, tendo seu estado de espírito piorado pela perda de sua esposa. Seu trabalho como fotógrafo policial traz uma gama de obsessões e hábitos que combinam de um modo curioso com a rotina solitária e introspectiva, explicando de certo modo, sua predileção por arquivos antigos. Após vasculhar os pertences de sua esposa, ele encontra uma série de fitas cassete, que remetem aos momentos antes da morte de sua amada e que revelam detalhes de atos que ele sequer imaginava, pondo em cheque os sentimentos que a mesma tinha por ele.
Uma das munições do longa é sua fotografia, executada por Pablo Baião, que ajuda a registrar uma cidade acinzentada, tão ausente de cor quanto a psiquê do protagonista. A direção de arte de Monica Palazzo também ajuda a compor o quadro pensado por Muritiba, deixando as cores que habitam a noite predominarem de um jeito que raramente é vívido, restando sensações e situações emocionais agridoces, onde se extravasa o vazio de espírito e a deformação de caráter, em meio ao sentimento de rejeição.
O roteiro tenta emular uma complexidade atroz, mas na prática mostra apenas um personagem naturalmente complexo e de caráter completo. Fernando passa por estágios do luto, é um homem falho, ciumento, vingativo e um pouco machista, repleto de falhas como qualquer ser humano comum. Ao se deparar com a identidade do homem que feriu e maculou seu casamento, a reação é de um sujeito que busca revanche, usando sua inteligência superior ao que é comum nos outros personagens para se infiltrar no seio familiar de seu novo antagonista.
Muritiba organiza seu filme em torno de Fernando, e quase somente sua ótica que vale dentro do registro fílmico. As cenas em que ele está com as pessoas que persegue são registradas sob cortes severos, onde basicamente só se mostram suas reações tensas, calculistas e inseguras, mas que só são evidentes para o espectador que está atento às suas expressões, sendo quase invisíveis para os que veem seus atos. É curioso como ele está sempre um passo à frente dos demais, em especial de Salvador (Lourinelson Vladmir), que vive o antigo parceiro de infidelidade da falecida.
A construção do mistério é visualmente cativante, com cada elemento mostrado em tela resultando em aspectos representativos e simbólicos. O grave problema é que esse mesmo cuidado não se vê no texto final, uma vez que muitas conveniências ocorrem. A fim de partir rumo ao seu sentimento egoísta, Fernando consegue deixar seu filho com parentes, que magicamente aparecem para ajudá-lo. Seu ingresso nas igrejas que frequenta não inspira a mínima desconfiança, ainda que a desculpa da ação benéfica sem olhar o privilegiado seja comum no âmbito religioso. A discussão que o possível vitimador tem com sua presa é forçosa, assim como a tentativa de sedução que o sujeito impõe pela filha mais velha (Giuly Biancato) e pela esposa vivida por Mayana Neiva.
No entanto, a transição do luto depressivo para o ódio exacerbado faz sentido, uma vez que os pontos extremos estão muito mais próximos entre si do que do equilíbrio emocional, ainda que este campo seja o bem e o mal. A exploração da hipocrisia por parte das pessoas religiosas é mostrada em tela, mas a tentativa de soar como um drama niilista esbarra na fragilidade dos argumentos expostos e na letargia que se fomenta graças a completa falta de conflito.
Os últimos minutos do longa guardam uma reflexão sobre a efemeridade da vida e das atitudes de seu personagem principal, trazendo-o de volta ao estágio em que começou, sem qualquer novidade ou evolução de quadro. Dessa forma, o resultado é um desfecho confuso, que parecia tecer um comentário sobre a ética e a verdade, mas que transparece somente uma mensagem pessimista ou realista de que a vida não trará respostas positivas, tampouco acalentadoras. Assim, resta apenas a apatia comum a todos os momentos da trama, que tenta expressar os terrores de um mundo injusto, desconsiderando a violência que todo o suspense constrói na totalidade da obra. Para Minha Amada Morta tem tanta ânsia por ser diferente, que peca em elementos básicos de sua narrativa, apresentando um filme interessante, mas ainda aquém dos talentos da equipe técnica, de Alves Pinto e principalmente de Muritiba.