Os últimos dias de Jesus na Terra já foram temas de inúmeros memoriais bíblicos no cinema. A Paixão de Cristo registra os momentos finais do Messias e tantos outros produtos clássicos o fazem também, como as películas de Nicholas Ray. O longa de Norman Jewison tenciona também tenciona homenagear os sete dias derradeiros do Salvador na Terra, com uma trilha anárquica, que faz livre uso de guitarras, misturando influencias de rock, blues e jazz em meio a um roteiro completamente hermético, baseado claro no espetáculo teatral de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice.
A chegada dos personagens ocorre em um ônibus que contém as cores da bandeira de países arábes, os mesmos que tradicionalmente não tem uma boa relação com Israel, tampouco com os Estados Unidos, país de origem da produção. O Judas Iscariotes deste Jesus Cristo Superstar é vivido por Carl Anderson, sendo este um sujeito com um ideal político muito bem definido, de origens humildes como a cor escura de sua pele explícita, com uma alma arredia tão ávida por liberdade que transborda em uma potência vocal absurda, cujo alcance ecoa pelo deserto, denunciando os devaneios do Jesus da vez, vivido pelo esquálido Ted Neely.
O brilhantismo de Judas é quase inalcançável, mas o Messias e seus seguidores fazem também um bom papel, variando entre a personificação da contra cultura hippie como princípio da discussão a respeito do imperialismo – tomando os doutores da lei hebraica como representantes da opressão, sendo estes os servos leais da coroa romana – e a ebulição da libido como quebra da sensação de escravidão, indo na contramão das versões normalmente assexuadas do Filho de Deus, utilizadas nos filmes bíblicos mais clássicos.
Algumas das parábolas sagradas são resumidas entre os números musicais, assim como passagens importantes da jornada do santo. Entre as mais emblemáticas estão a reação intempestiva do homem sagrado quando vê o comércio na sinagoga, com a substituição da feira comum por um comércio de armas, granadas e demais materiais bélicos, em um comentário anti bélico semelhante ao de Johnny Vai a Guerra, e que leva em atenção o protesto relativo a instituição da Guerra Fria ainda em voga entre 1972 e 73. Seguida a ela, há uma cena em que o povo ávido por ser curado, exige do pretenso filho de deus a solução para os seus problemas, sendo esta a primeira mostra da ingratidão do povo, que o tratou como persona non grata, ainda que o chamassem em outro momento de superstar.
A sedução de Judas não havia de ser por ganância, e sim por ideologia. As moedas de prata, segundo essa versão eram só um modo para cumprir a entrega do cordeiro ao sacrifício, a fim de tornar o sujeito perseguido em um mártir de fato, finalmente. A sequência da crucificação inclui um número que se assemelha demais aos shows gospel das igrejas batistas dos Estados Unidos, com um coral de pessoas todas de branco, entoando hinos como nos cultos dominicais. O encerramento da vida de Jesus é acompanhado de um grande desprezo por parte daqueles que o seguiam, tomando um rumo parecido com o que tiveram no início, indo para o ônibus.
A controvérsia que ocorria desde o lançamento do espetáculo teatral evidentemente acompanhou o filme, tendo sido ele ignorado em muitas salas por ser considerado como herege. A posição do compositor das lestras Tim Rice era a de que Jesus não era um homem santo, mas sim o homem certo na hora certa. A recepção negativa ocorreu entre outros motivos pela simpatia que o Judas de Anderson causava, mas a reclamação é infundada, uma vez que algumas correntes teológicas judaico-cristãs também consideram o pretenso traidor como um sujeito injustiçado pelos mais dogmáticos, fator que também gera muita discussão. Jesus Cristo Superstar de certa forma é irmão temático de A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, ainda que seja ainda mais incisivo na crítica aos judeus mais fanáticos, uma vez que cabe somente a eles o papel de vilões contra o chamado cristo, e não aos romanos, que são apenas bufões. Mais do que isso, a crítica social que o filme apresenta ataca todo o conservadorismo, da época narrada e da contemporaneidade, deflagrando o quão contraditório é o belicismo movido pela religião cristã tradicionalmente.
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