A literatura latino-americana é tão pouco difundida no Brasil que chega a dar dó – as vezes ouvimos, na terra de Machado de Assis e Clarice Lispector, alguma ressonância de Pablo Neruda, Jorge Luis Borges ou Gabriel Garcia Márquez como uma brisa que vem de longe trazendo algum som, consigo. Contudo, o escritor e professor chileno Alejandro Zambra é outro nome que surgiu há tempos para merecer ser uma exceção à regra (no que tange o desprezo ou a nossa ignorância ao desempenho criativo dos nossos conterrâneos latinos de uma produção que sempre trocamos pelo brilho e pelo marketing em escala industrial que irradiam lá de cima, das badaladas exportações norte-americanas). E por que o autor de Bonsai & A Vida Privada das Árvores também precisa ser descoberto, entre tantos outros?
Zambra seria um contista brilhante que sabe do seu imenso poder de síntese e tudo aquilo que nele consegue expressar, em meias palavras ressoantes, cujo impacto rápido e preciso outros do seu ramo levam capítulos e por vezes livros inteiros para alcançar. Seria, e de fato o é, vide suas pequenas grandes histórias que mais parecem resumos assertivos de grandes obras em que a beleza permanece intacta – tal qual um legítimo bonsai, simbolizando o esplendor, a curiosidade e a graça de uma árvore em miniatura. Seu estilo literário carrega cada um desses aspectos, encapsulando em poucas páginas começos, meios e fins de amores sem fim, não tão eternos assim, e o que faz de nós humanos, afinal de contas. Zambra também admira Borges, e operando por subtração, segundo suas próprias palavras, faz de sua piscina de palavras algo abissal em significado.
No primeiro conto, talvez o mais eloquente e fascinante de se mergulhar, adentramos com a leveza do vento na história de um jovem casal no Chile que no começo só pensa em sexo e livros, trilhando com eles seus caminhos e imprevistos como se estivéssemos lendo as páginas do seu diário secreto que essa corrente de ar abriu (da vida privada das marionetes, como num drama de Ingmar Bergman em que romance nenhum consegue ser perfeito). Entre Júlio e Emília havia uma paixão grande demais para caber entre o céu e a terra, e intensa demais para não marcarem-nos para sempre. Logo o presente vira passado, ainda que eterno na lembrança, e Zambra nos enlaça nos desdobramentos desse “amor” como um cronista delirante numa conversa com São Pedro. Para o escritor, o cotidiano já é delirante, e por isso faz malabarismo com a nossa plena incapacidade, até mesmo ridícula, de sermos fiéis aos outros e sobretudo a nós mesmos.
Amparado por esse motivo de reflexão um tanto melancólico, justamente por ser real, temos nessas duas primeiras obras do autor pílulas de literatura do mais auto nível e que se encaixam como Júlio e Emília, ou como outro casal que vem depois e que ganha outros nomes, mas cuja essência permanece; como se um conto, de fato, precisasse do outro para expandir as consequências desses enlaces urbanos tão inconsequentes, tão manchados por dois ou mais amantes adoravelmente salientes, fadados ao fracasso ou a expectativas inúteis como de praxe,habitando milhares de apartamentos e o imaginário popular de qualquer cidade, mundo afora. Francamente? Eis um livro sobre monólogos de quitinete fortes o bastante para ecoar muito além de seus poucos metros quadrados; além do rápido beijo e adeus de dois seres em constantes movimentos inconstantes. “[…] E quem não é, de vez em quando, uma mancha na vida de alguém?”.
Mesmo caracterizando-se por uma literatura de fácil assimilação universal, Zambra guarda nela uma poética informalmente orgástica, ligeira, episódica e calorosa, e que pouco nasce, de maneira tão primorosa, de fontes não-latino americanas. Trata sua prosa como um jardineiro de uma planta só, no caso, de um bonsai, e que pelo cuidado exclusivo ao cultivo de sua vida orgânica, faz pulsar de forma magnética aquilo que é germinado a favor da clássica expressão “tamanho não é documento”. Estamos falando então de uma novela-resumo perfeitamente assimilada em forma curta, cujo conteúdo não acha razão para se estender além de suas rápidas e deliciosas páginas que ardem suas fodas, encontros e desencontros – senão memoráveis, digníssimos de nosso apreço e (re)leitura.
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