Por mais que as franquias Shin Megami Tensei e Persona sejam amadas no mundo inteiro, algumas pessoas não fazem ideia de onde surgiu tudo isso. Muitos desconhecem, inclusive, os primeiros jogos da série, Megami Tensei. E mais ainda, que os jogos foram baseados em uma série de livros do autor japonês Aya Nishitani. Aqui falarei do primeiro livro, Digital Devil Story: Megami Tensei (em tradução livre, História do Demônio Digital: Reencarnação da Deusa).
Akemi Nakajima, nosso protagonista, estuda na Escola Jusho, onde existe uma divisão entre alunos dotados e normais. Nakajima faz parte do primeiro grupo e apresenta grandes conhecimentos em programação. Está desenvolvendo um programa de computador capaz de invocar demônios (!), mas sua máquina não tem potência suficiente para finalizá-lo.
Uma de suas colegas de escola, Kyoko, demonstra interesse amoroso por Nakajima, que a rejeita. Inconformada, ela pede para um aluno “normal”, Kondo, agredir Nakajima. O protagonista, tomado pela raiva, sente-se ainda mais compelido em finalizar seu programa e iniciar uma vingança. Utiliza os computadores da escola, mais potentes, e finalmente (?) cumpre seu objetivo e ordena que o demônio mate Kondo e Kyoko. Mas nada acontece.
Dias após, durante uma aula neste laboratório de informática, o demônio Loki dá o ar da (des)graça e, finalmente, cumpre o desejo de Nakajima, enquanto o resto da turma entra em estado de hipnose. Kondo e Kyoko são brutalmente assassinados por Loki, além de um professor.
Sucesso! Ele finalmente consegue idealizar seu plano, e agora possui enorme poder em suas mãos. Porém, a entidade exige sacrifícios de mulheres. A partir daí, Nakajima iniciará verdadeiras atrocidades até a chegada da nova aluna Yumiko, que terá papel fundamental na trama.
Por mais que a trama seja interessante, a escrita de Nishitani é um pouco confusa. Pode ser culpa da tradução em inglês não oficial que li, uma vez que a obra não foi publicada no ocidente. Vencido este obstáculo, temos em mãos uma história bizarra e violenta.
Existem vários núcleos de personagens, sendo a maioria pessoas da escola. A liberação do demônio Loki foi um grande erro, que tentará ser corrigido por Nakajima e Yumiko. O ponto forte do livro são as descrições de body horror absolutamente perturbadoras e nojentas, daquele jeito que só os japoneses conseguem fazer. Neste ponto, o autor consegue traduzir em palavras as cenas grotescas de deformidades e atos sanguinários.
A ambientação da narrativa se passa na época em que o livro foi escrito, os anos 1980. Não é raro que, ao revisitarmos obras antigas nos dias atuais, muitas coisas soem ridículas e datadas, especialmente no quesito tecnologia. Aqui temos uma ideia interessante: a magia utilizada para invocar os demônios seguem uma lógica parecida com a linguagem de programação. Ou seja, houve uma mistura de ciências exatas com ciências ocultas. E mesmo que a potência dos computadores da época sejam muito aquém dos atuais, faz sentido dentro das regras criadas para aquele universo.
Não podemos tecer críticas muito pesadas à escrita do autor, pois já mencionei que não há uma tradução oficial e profissional da obra para o ocidente. O que podemos avaliar é a qualidade da história e as ideias apresentadas. Nestes pontos, Aya Nishitani está de parabéns. Ele criou uma história de ficção científica/horror/sobrenatural que, não à toa, resultou em inúmeros jogos. Mesmo que a leitura seja um pouco confusa e cansativa em alguns momentos, vale a pena investir seu tempo, especialmente quem gosta da série nos videogames.
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