Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Feliz Natal

    Crítica | Feliz Natal

    Feliz Natal foi a estreia de Selton Mello como diretor e um dos mais importantes filmes de 2008. O drama acompanha Caio – interpretado por Leonardo Medeiros – e sua família, que desmorona um pouco mais a cada dia. Ao deixar sua esposa cuidando de seu ferro-velho, a personagem vai passar o Natal com os familiares depois de anos sem vê-los. É partir desta noite que conhecemos e entendemos todas as problemáticas que circunda o passado dessas pessoas.

    O filme é nada mais nada menos do que um grande palco, com um elenco de peso e em grande parte muito afiado. Mello que também montou o filme ao lado de Marilia Moraes faz com que cada personagem tenha um momento de destaque, e nesse caso, de estouro. É comum que atores e atrizes que embarcam no trabalho atrás das câmeras priorizem performances. Aqui elas funcionam bem demais em alguns momentos, sendo o principal deles a festa de Natal. Em uma montagem rápida e uma câmera nervosa, o personagem de Caio vai desencadeando conflitos por toda a casa e um plano sequência fenomenal protagonizado por Darlene Glória conclui o trecho.

    A personagem dela e a festa, inclusive, são os maiores atrativos do longa. Depois disso, a produção entra numa monotonia desagradável. Os planos aproximando e distanciando dos personagens são belíssimos e a iluminação mínima cria uma estética interessante, mas a proposta do diretor em criar situações para todos seus astros brilharem soa como revezamento e nunca como continuidade. E tal impressão se mantém até o desfecho. A escolha de caminhar entre a culpa de seu personagem principal e os segredos e problemas de sua família sem grandes explicações ajuda a dar fôlego para a narrativa, porém em um ponto da jornada já sabe-se os motivos de alguns personagens serem como são e o longa perde o interesse.

    O final, pelo menos, tem bons momentos. A história ganha uma justificativa e as consequências são tão bem filmadas quanto simbólicas, além de trazer de volta a aura de “tragédia familiar” que o filme devia ter seguido desde a festa de Natal. Por fim, Feliz Natal é uma grande estreia para Mello e deixa claro que o ator e diretor tem assinatura e estilo. Além de saber criar bons momentos para as performances de seu elenco, ele também não peca em seus temas, mas é uma pena que o filme se perca em sua própria estrutura e acabe falando muito sem falar quase nada.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

    https://www.youtube.com/watch?v=6ulIDyktic8

  • Resenha | O Barril Mágico de Lena Finkle

    Resenha | O Barril Mágico de Lena Finkle

    Um dos segredos de um bom novelista é saber dosar a graduação do conflito ao longo da trama. Com poucos problemas a serem resolvidos, a história tende a ficar insossa, sem graça, se torna um desses livros que largamos antes da página sessenta. De forma contrária, com muitas lutas e pouca explicação, o leitor absorve uma caoticidade que pode fatigá-lo pelo excesso de interrogações. Agora imagine quando além do texto, você tem que se preocupar com o grafismo que complementam a informação textual. Tudo isso sem deixar a atenção do leitor cair. Haja habilidade. Essa destreza é a chave da russa Anya Ulinich em O Barril Mágico de Lena Finkle (WMF Martins Fontes), uma ambiciosa novela gráfica.

    A história começa de forma acanhada e muito particular: Lena Finkle é uma imigrante russa que chegou aos Estados Unidos nos anos de 1990, torna-se escritora e é chamada para voltar à Rússia 20 anos depois para dar palestras sobre seus livros (grande parte da trama é baseada na história de vida da autora). Voltando ao país de origem, a novela segue para as diferenças culturais (principalmente sobre sexo), entre os dois países. A personagem narra o despertar sexual nos EUA em comparação ao que ela sabia de sexo na Rússia. As discrepâncias intensificam a narrativa porque a autora utiliza flashbacks para aprofundar o nosso conhecimento sobre a personagem principal.

    Daí em diante a obra vai tomando corpo e os conflitos intensificam-se: Lena tem dois casamentos falidos, duas filhas, um caso com um russo ex-namorado de infância, problemas com os pais (a mãe se tornou bem sucedida nos EUA enquanto o pai está quase desaparecido), conflitos com o modo de vida americano, com a situação das amigas, e com os novos affairs que ela conhece ao frequentar aplicativos para namoro online.

    O Barril Mágico de Lena Finkle é uma novela gráfica ambiciosa que entrega tudo o que promete. Ao construir o ambiente ao redor de Lena Finkle, a autora discute relacionamentos abusivos, sexo, internet, imigração, família, modo de vida americano, capitalismo, feminismo, violência, machismo, auto-estima, filosofia, psicologia, tudo dramaticamente dosado, sem excessos ou falta de qualquer componente. Por conta disso, os grafismos que compõem a trama são esticados ou comprimidos para se adequar ao propósito de cada cena. Isso explica o aparente caos na arrumação das imagens.

    Mas, ao contrário do que possa parecer sobre os traços grossos e obtusos que por vezes aparecem na trama, há uma harmonia estética que visa demonstrar por meios visuais o redemoinho de responsabilidades ou insinuações que turvam a sobrevivência da personagem. Cada componente, seja o amor, os relacionamentos abusivos, a imigração, a família etc, deixam a marca na protagonista e ela escolhe exibir como tatuagem ao leitor. Quem lê, nesse caso, também é puxado ao redemoinho da personagem, contudo, tem a opção de estar a salvo.

    Lena Finkle não, principalmente quando o assunto são relacionamentos. Por sinal, este é o ponto de virada da trama. A ida à Rússia catalisa os ditames amorosos que prendem a personagem do meio ao fim da história. São essas situações de amor, ou quase-amor, que detonam os outros assuntos. A autora, portanto, cria os pretendentes de sua protagonista e, a partir deles, constrói e desconstrói os paradigmas que formam o estilo de vida americano pelo espelho da personagem, uma imigrante quarentona, irônica e com duas filhas. O que fica mais notável (uma necessidade à trama, talvez), é que apesar de Lena ser muito inteligente emocionalmente, isso não a impede de sofrer na mão de homens falhos em muitos sentidos. A personagem guarda uma forma de esperança enferrujada que a faz mergulhar na procura de um homem que caiba exatamente no conceito dela de companheiro. Mas mesmo quando o encontra, não é salva.

    Um quadrinho fantástico. A forma como a autora constrói e interrompe diálogos é criativo e inovador. A caoticidade, novamente, perambula por todos os aspectos do livro, mas não se engane, a ordem também é resultado do caos. Não há ponta soltas, não há desconexões arbitrárias, não é o caos por si só, é o caos pela arte, fotografado e exibido como interpretação irregular do cotidiano.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: O Barril Mágico de Lena Finkle.

  • Crítica | Star Wars – Episódio VIII: Os Últimos Jedi

    Crítica | Star Wars – Episódio VIII: Os Últimos Jedi

    No final de outubro de 2012, a Disney anunciou a compra do grupo Lucasfilm e, de cara, anunciou uma nova trilogia e o retorno do cast original para concluir a saga da família Skywalker criada por George Lucas. Coube a J.J. Abrams a dura tarefa de colocar as primeiras marchas no projeto, dirigindo e escrevendo (aqui, com o auxílio de Lawrence Kasdan), o sétimo episódio da franquia, O Despertar da Força. A dura tarefa da qual me refiro é que, por uma questão de mercado, talvez pura e simplesmente, o Episódio VII, não deveria agradar somente os fãs da saga, que são aqueles que fizeram de Star Wars o maior fenômeno da cultura pop desde o século passado, mas sim, angariar novos fãs, dos mais novos aos mais velhos. Com isso, a decisão de praticamente espelhar O Despertar da Força com Uma Nova Esperança, algo bastante controverso, diga-se, foi a decisão mais acertada. Porque agora faz todo sentido.

    O universo de Star Wars é extremamente rico, e com o novo capítulo entregue e direcionado por Abrams, fez com que o diretor Rian Johnson pudesse explorar uma enorme tela em branco com os pincéis entregues em O Despertar da Força, saindo do usual, entregando um filme diferente, mas que ainda assim, traz aquela sensação de estar em casa.

    Star Wars: Os Últimos Jedi parte exatamente de onde o anterior parou. Poe Dameron (Oscar Isaac) se engaja numa missão quase suicida, liderada pela General Leia (Carrie Fisher), com a finalidade de dar mais tempo para a frota da Resistência fugir da temível Primeira Ordem, que ganhou ainda mais força após a destruição da República no filme anterior. A missão gera o argumento principal da trama e abre espaço para que o elenco principal se separe em suas missões pessoais, assim como O Ataque dos Clones e O Império Contra-Ataca (os segundos capítulos de suas respectivas trilogias), liberando o caminho para as boas participações dos novos personagens, como a Vice Almirante Holdo (Laura Dern, se doando ao máximo), Rose (a simpática Kelly Marie Tran) e DJ (Benicio Del Toro). Enquanto isso, Rey (Daisy Ridley), ainda extremamente preocupada sobre suas origens e parentescos, tenta convencer o recluso e desacreditado mestre Jedi, Luke Skywalker (Mark Hamill), a treiná-la e a ajudá-la a derrotar a Primeira Ordem. Já no lado vilanesco, o cada vez mais caricato, General Hux (Domhnall Gleeson), continua sua rivalidade com Kylo Ren (Adam Driver), que vem sofrendo pesadas retaliações de seu mestre, o Supremo Líder Snoke (Andy Serkis). Importante ressaltar que tanto Driver quanto Gleeson (que tiveram antes suas atuações contestadas) se destacaram em seus papeis, merecendo reconhecimento aqui.

    Obviamente, o retratado no parágrafo acima é apenas uma projeção bem longínqua daquilo que aconteceu no filme, uma vez que o segredo com relação ao enredo e demais tramas paralelas foi tão grande que nem os atores foram a autorizados a revelar qualquer coisa por menor que seja.

    O desejo de Johnson para com esse filme era que o espectador pudesse ter uma experiência total, provando todas as sensações que o filme oferece e causa. E é justamente esse o maior mérito do diretor, que ao escrever uma história, ao longo de suas longas duas horas e meia de fita, focou em conexões muito fortes entre os personagens, dando o destaque individual de cada um de maneira bem justa, além de conseguir fazer com que aquele que assistia experimentasse as mais diversas sensações do primeiro ao último ato. O diretor brinca o tempo todo com o espectador: coloca desconfiança onde se deveria haver confiança, lealdade onde deveria ser o contrário, além de diversas suspeitas com relação às atitudes de diversos personagens, além de plot twists fortes, certeiros e totalmente dentro do contexto, o que faz com que não soem gratuitos em momento algum. Algo que merece uma atenção especial é a atuação de Mark Hamill, já que vemos Luke Skywalker dialogando pela primeira vez desde O Retorno de Jedi. Em muitos momentos é possível viajar no tempo e ouvir a voz do “bom e velho jovem Luke” da trilogia original, contrastando com o homem que se tornou.

    Toda esse mix de experiência faz com que o Episódio VIII tenha, ao menos, cinco ou seis momentos que, se não forem os melhores de toda a franquia, estão entre os melhores. São momentos que vão causar gritos, aplausos, risos (muitos deles) e choros dentro da sala do cinema.

    Além do elenco totalmente entregue ser causador de parte dessas sensações, outras delas são causadas pelas sensacionais batalhas, cenas de luta e diálogos que vão fazer você se arrepiar. Não é a toa que o planeta conhecido como Crait foi o escolhido para ilustrar os temas dos pôsteres de divulgação do filme, sempre vermelhos, contrastando com o branco, o que ilustra de maneira lúdica e abstrata, as “pinturas” de Johnson mencionadas parágrafos acima. Tudo muito bonito e bem feito, juntamente, claro, da fantástica trilha sonora, assinada, mais uma vez, pelo mestre John Williams, que conseguiu cravar em nossas mentes os novos temas apresentados no filme anterior, complementando com os clássicos que já conhecemos desde 1977.

    Star Wars: Os Últimos Jedi é o resultado do cérebro megalomaníaco de Johnson, aliado pelo amor que possui pela franquia e o resultado não poderia ser melhor, uma vez que o filme tem tudo que o gênero precisa, na dose certa. Agora, o desafio maior é preparar o terreno para o encerramento na história que marcará o retorno de J.J. Abrams na direção, após o afastamento de Colin Trevorow. Ainda há muitas pontas soltas e várias perguntas que só serão respondidas em 2019. Até lá olharemos para frente, sempre buscando o horizonte, assim como Luke Skywalker.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Como Nossos Pais

    Crítica | Como Nossos Pais

    Rosa tem um emprego que detesta, cuida praticamente sozinha de duas filhas pequenas, tem um marido de bons discursos mas de ações rasas, não se dá bem com a mãe, e do pai recebe mais problemas do que soluções. Não tem tempo para fazer o que gostaria – escrever peças de teatro – , não se sente enxergada por ninguém e num belo almoço em família recebe uma notícia que a faz questionar até quem ela é. Rosa é uma mulher e dela só cobram.

    Esse retorno de Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças, Chega de Saudade, As Melhores Coisas do Mundo) ao cinema é certeiro e soa tão atual quanto o seu último filme, a diretora escancara em Como Nossos Pais todas as tradições enraizadas na sociedade brasileira, principalmente pela perspectiva feminina, da mulher como esposa, mãe, filha e profissional. O maior trunfo do texto de Laís com Luiz Bolognesi é de colocar a personagem Rosa, interpretada magistralmente por Maria Ribeiro, em situações que nos mínimos detalhes expõem esses problemas, fazendo com que o longa seja muito mais delicado e profundo do que uma simples levantada de bandeira.

    A personagem de Maria Ribeiro é ativa, ela responde a todas as problemáticas que vão surgindo durante as quase duas horas do filme, ela é o centro e nos permite entendê-la e assim refletir sobre todos os temas sociais que Laís toca com tempo e desenvolvimento, porque de fato o longa não é sobre uma coisa só, ele é sobre muitas e se o assisti semanas atrás, tenha certeza que me pego pensando nele até o momento que escrevo essa crítica. Os diálogos ainda ecoam na cabeça de quem o assiste, principalmente aqueles com os personagens do marido (Paulo Vilhena) e da mãe (Clarisse Abujamra), se o primeiro é o retrato perfeito do homem-politizado-ativista que só tem discurso louvável, mas guarda o discurso no bolso quando chega em casa, a segunda é o contraponto de Rosa e quem dá real significado para o título do filme.

    Os diálogos funcionam bem demais na maior parte do tempo e como já dito, nas sutilezas que conseguem maior impacto, mas algumas falas soam mais bonitas no papel do que verbalizadas em alguns momentos e nos tiram da proposta verossímil. Em contrapartida, mesmo sendo um filme de diálogos, Como Nossos Pais tem funcionalidade em todos os setores quando se fala em imersão, em várias sequências o ambiente ajuda a contar a história de forma subjetiva e simbólica, como um reflexo no espelho ou até um leite fervendo.

    Simbolismos esses que não são tão especiais quanto o que representa a mãe de Rosa no filme, a personagem de Clarisse inicia de forma odiosa, mas com o tempo percebe-se sua função, o filme não se chama Como Nossos Pais á toa, Bodanzky nos mostra que o desequilíbrio entre homens e mulheres vem de gerações e mesmo hoje se esconde nas mais diferentes situações, inclusive, ações de mãe e filha são repetidas para dar ênfase nesse tipo de ligação. O mundo foi pra frente, mas de alguma maneira, continua da mesma forma que no tempo de nossos pais.

    Se nesse ponto o longa é bem resolvido, ele não é tão imparcial em seus personagens masculinos, além de todos serem caracterizados como babacas, em um momento do filme uma personagem feminina faz a mesma coisa que um personagem masculino e o filme trata as duas ações de maneira diferente, uma escolha da diretora que teoricamente faz sentido mas que acaba deixando um gosto amargo na boca. Mas, Como Nossos Pais se sobressai de todos suas pequenas derrapadas e nos apresenta um duro estudo de personagem e sociedade, causando uma reflexão pós-filme que o deixa longe da zona de esquecimento, e ser lembrada é o maior mérito de uma história como essa.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Resenha | Para Onde Vai o Amor? – Carpinejar

    Resenha | Para Onde Vai o Amor? – Carpinejar

    Para Onde Vai o Amor (Bertrand Brasil), do escritor Fabrício Carpinejar, é uma reunião de crônicas com o amor como tema principal. Mas mais do que o agrupamento de relatos cotidianos amorosos, Carpinejar é o operador de um microscópio sobre as formas de amor que atingem tanto homens quanto mulheres em diferentes fases de vida. O livro também pode ser lido como dezenas de conselhos amorosos dos mais sinceros e inteligentes que dispomos no mercado.

    Não é de hoje que Carpinejar é uma espécie de guru moderno quando o assunto é amor e nuances emotivas. O escritor tem uma dezena de obras, em maioria crônicas, tematizadas pelo sentimento pleno e é um expert quando o assunto é relacionamentos. De onde vem tanta inspiração? Não sabemos, mas o que temos certeza é que as palavras dele pesam, têm valor. Para Onde Vai o Amor não é cliché, não te diz o que fazer quando a situação X ou Y acontece, antes, é um livro que transborda faces de sentimento e nos faz confortáveis à medida que avançamos a leitura. É prazeroso pelo aparente descompromisso, mas eficaz pelas mensagens que transmite.

    Frases curtas com excelentes metáforas ao longo do livro, Carpinejar é um dos poucos que consegue escrever com tal nível de responsabilidade e entendimento quando o assunto é o amor. Ademais, é um livro de fácil compreensão que pode ser lido por todo o tipo de pessoas. Com essa simplicidade de escrita, o autor também expõe como o amor pode se transformar de algo inofensivo a incompreendido e, explícita essa intersecção, ele se põe a analisar as nuances que tiram o sono de quem está amando.

    O livro também é precioso (algumas pessoas podem dizer pretensioso), porque busca delimitar o que é o amor na atualidade. Carpinejar, contudo, não peca pela pretensão soberba em redefinir aquilo que somente os bons poetas conseguem versejar, ao invés, o escritor dá pistas, traça linhas visíveis e humildes que podem ser utilizadas como um mapa do tesouro a quem se sente perdido frente à intensidade do sentimento pleno. Livro mais do que recomendado.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: Para Onde Vai o Amor – Carpinejar.

  • Crítica | Columbus

    Crítica | Columbus

    O cinema tem entre tantas outras facetas, o poder de retratar vida. Inclusive, revisitar essas histórias é como reviver todos esses sentimentos como se fosse a primeira vez. Columbus é um desses fragmentos, um tão sensível, cru e imersivo que no meio de tantos planos estáticos soa tão vivo quanto a dose de realidade que injeta em quem o assiste.

    Difícil classificar o protagonista desse longa de estreia de Kogonada, Haley Lu Richardson é Casey, uma jovem adulta que trabalha na biblioteca e divide seu tempo extra vivendo com a mãe e se aprofundando em arquitetura, John Cho e seu Jin é um tradutor bem-sucedido que precisa retornar a cidade Columbus  para cuidar do seu pai arquiteto que entrou em coma. E enquanto esses dois personagens se conhecem nas ruas de Columbus, a cidade-título aflora como uma terceira protagonista simétrica e carregada de significados.

    Kogonada comanda o filme de forma paciente e claramente sã, o diretor e roteirista que também é o montador do filme, molda Columbus sem uma única ponta fora do lugar, os diálogos corriqueiros parecem ter sido retirados de uma longa e única conversa por soar linear e objetivo,  os planos são abertos e propensos ao espaço, se no primeiro plano quase sempre temos Casey e Jin, observa-se que ao fundo a cidade de Columbus participa com sua arquitetura modernista. Com imagens tão bem pensadas, quase sempre contemplativas – em alguns momentos chave Kogonada dá oportunidade para as paredes falarem, como quando duas grandes estruturas suspensas se apontam e o espaço entre elas evidencia uma grande temática do longa, o distanciamento -, a trilha-sonora bem dosada e seu texto emergente, o longa chega ao fim com a sensação de obra finalizada.

    Essa construção sensível que Kogonada faz dessa história tem camadas nobres, durante as conversas sobre arquitetura que as personagens de Haley Lu e John Cho têm durante o segundo ato, escancara-se a profundidade ou a falta da mesma nas relações dos dois com seus pais, enquanto Casey ignora um possível distanciamento da mãe e faz si mesma acreditar que aquele é seu lugar – tendo a presença física da mãe e várias cenas em todo o filme -, Jin nunca recebeu muita atenção do pai e não gosta nem um pouco de estar na cidade, reconhecendo-se longe e fora de Columbus, tendo em si até um bloqueio pela própria arquitetura que o cerca desde a infância, e o rosto de seu pai, consequentemente, em uma escolha interessante do filme, nem aparece.

    Cho entrega uma atuação surpreendente e tem em seus olhos o grande peso de seu trabalho, é neles que conhecemos o personagem, a maneira que olha para as coisas e como reagem ao falar de seu pai ou sobre a cidade. Haley brilha e nos mínimos e extremos entrega o mesmo nível de mensagem, principalmente na aparente frieza do final do filme. Certamente um elenco afiado e imerso, tão bem retratados em tela quanto nossa terceira protagonista Columbus, que se em ambientes rotineiros tem uma direção de arte simplória, esbanja arte e significado em grandes locações.

    Kogonada estreia de maneira brilhante e faz de Columbus um filme sobre o peso das relações e até onde o carregamos, faz de sua locação uma grande personagem e de suas temáticas uma bela representação da vida como ela é, dura, inevitável e influenciada pelo externo. O diretor escreve uma carta de amor á arquitetura e termina seu filme assinando á todos aqueles que um dia já se distanciaram, á todos aqueles que já foram embora ou que um dia tiveram que voltar, assina dando frescor e estilo para o cinema independente americano, assina como se assina o projeto um prédio, de bases fortes e com espaço para todo mundo.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

    https://www.youtube.com/watch?v=U8PRTargjnw

  • Crítica | Assassinato no Expresso do Oriente

    Crítica | Assassinato no Expresso do Oriente

    Agatha Christie é a romancista mais bem sucedida da história em literatura popular no que diz respeito ao número total de livros vendidos, que juntos venderam por volta de 4 bilhões de cópias no decorrer dos últimos dois séculos, ficando somente atrás de William Shakespeare e da Bíblia Sagrada. Sua especialidade era escrever sobre romances policiais, o que lhe rendeu o apelido de “Dama do Crime”, sendo que seus livros renderam mais de quarenta adaptações para o cinema.

    Assassinato no Expresso do Oriente é um de seus livros mais famosos e, inclusive, já rendeu uma adaptação para a tela grande sob a batuta do mestre Sidney Lumet, em 1974. O filme teve ao todo seis indicações ao Oscar, com Ingrid Bergman levando a estatueta de melhor atriz coadjuvante. Em 2017, coube ao veterano Kenneth Branagh o desafio de dirigir e estrelar uma nova adaptação do livro que promete superar o número de indicações à Academia e quem sabe até mesmo dobrar o número de vitórias em relação à adaptação anterior.

    Tão logo o filme começa, somos apresentados ao simpático belga Hercules Poirot (Branagh), ou melhor, Hercule Poirot, no singular. Dotado de manias pela busca de equilíbrio e simetria (o que já rende boas risadas ao espectador), Poirot é simplesmente o maior detetive do mundo, como ele mesmo se denomina e com cinco minutos de fita, já descobrimos o motivo de tamanho orgulho para com si próprio e para com a sociedade, ao resolver um entrave ao pé do Muro das Lamentações, em Jerusalém. O detetive só quer voltar para sua casa, mas no meio do caminho, recebe notícias a respeito de um caso antigo e importante que o faz adiar seu retorno. É assim que Poirot embarca no Expresso do Oriente, um luxuoso trem de propriedade de seu amigo Bouc (Tom Bateman).

    Dentro dos vagões somos apresentados ao grande elenco principal que compõe a história e que está recheado de bons atores. Johnny Depp é Edward Ratchett, um vendedor de artefatos falsos que angariou diversos inimigos ao longo dos anos. Trabalham para Ratchett seu secretário Hector McQueen (Josh Gad) e seu mordomo Edward Henry Masterman (Derek Jacobi). A jovem Daisy Ridley interpreta a governanta Mary Debenham, acompanhada de seu parceiro, o médico, Dr. Arbuthnot (Leslie Odom Jr.). Judi Dench interpreta a grosseira princesa Dragomiroff e Olivia Colman, sua empregada, Hildegarde Schmidt. Também temos Willem Dafoe interpretando Gerhard Hardman, Michelle Pfeiffer na pele da fogosa Caroline Hubbard, além de Penelope Cruz, que faz a religiosa Pilar Estravados. O elenco ainda é composto por Manuel Garcia Rulfo, Lucy Bointon e Sergei Polunin.

    A paz dos personagens dentro do trem muda quando uma avalanche faz a locomotiva descarrilhar, obrigando toda a tripulação aguardar o resgate. As coisas ficam realmente complicadas quando um dos passageiros acaba por ser brutalmente assassinado em sua cabine durante a noite. Assim, Poirot decide investigar o crime a pedido de Bouc, e o escala para auxiliá-lo na investigação, uma vez que foi o único que dormiu fora do vagão em que ocorreu o crime, estando livre, portanto, de qualquer acusação, sendo todos os outros suspeitos em potencial.

    O filme respeita exatamente aquilo que o gênero precisa e tudo que está em cena é para criar, de forma proposital, confusão na cabeça do espectador. Então, com o desenrolar da trama, mas antes do assassinato, aquele que assiste faz as suas apostas sobre quem será morto, sobre quem será o assassino, etc. Inclusive, temos desde o suspeito óbvio, até algumas pistas que estão na cara do espectador, mas que nem o olhar mais atento poderá sacar a jogada, além de reviravoltas interessantíssimas que culminam com o desenrolar do caso e que mexem com Poirot de forma profunda.

    Os méritos – além de Agatha Christie ser totalmente responsável por ter criado todo esse universo, também são do roteirista Michael Green, que recentemente trabalhou em histórias e roteiros de filmes como Logan, Alien: Covenant e Blade Runner 2049, além de ter escrito e criado a série American Gods. O trabalho de direção de Kenneth Branagh desenvolveu um estilo de filmagem bastante interessante, sabendo se valer dos espaços restritos que tem a sua disposição em um trem, gerando cenas interessantíssimas de dentro das pequenas cabines e apertados corredores. Há de se destacar ainda, o belo plano-sequência que funciona em prol do roteiro, apresentando cada um dos personagens, como também a tomada aérea onde a câmera do diretor enquadra seus personagens em um corredor quase como remetendo a um tabuleiro de xadrez, com a disposição de suas peças. Seu trabalho como diretor sempre se dá em função da narrativa, como por exemplo nas cenas de interrogatório, onde os seus enquadramentos se dão através de vários espelhos, denotando como cada um desses personagens podem ser multifacetados.

    Mas o destaque mesmo vem de sua brilhante atuação, que não seria de se estranhar se lhe rendesse sua quinta indicação ao Oscar. Aliás, existem grandes chances do personagem entrar para o “hall da fama” de queridos personagens da cultura pop. Branagh, ator provindo do teatro shakesperiano, sabe como ninguém construir a figura de Poirot em todo o seu desenvolvimento dramático, dosando quando necessário sua excitação em atuações mais contidas e extrapolando suas emoções em outros momentos. O cineasta sabe como ninguém colocar o peso das escolhas, ações e palavras de seu personagem.

    Vale destacar que o filme termina com um gancho para adaptar outro clássico de Christie que também tem o detetive Poirot como protagonista, Morte No Nilo, de 1937. Assassinato no Expresso do Oriente agradou tanto os executivos que o sinal verde para a nova adaptação foi dado e deve trazer novamente Branagh tanto na pele do maior detetive do mundo, quanto na cadeira de direção.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Review | Arrow – 5ª Temporada

    Review | Arrow – 5ª Temporada

    Após uma boa temporada de estreia (Arrow – 1ª Temporada), uma ótima segunda temporada, seguida por um dos maiores fiascos da história do Canal CW, a quarta temporada de Arrow precisou provar que a série ainda merecia seu lugar no canal para manter o já estabelecido arrowverse. Com muita dificuldade, a temporada que começou fraquíssima se reergueu firmando a série, livrando-a de um possível cancelamento. Parte disso se deu por algumas cobranças da estrela da série, o ator e intérprete de Oliver Queen/Arqueiro Verde, Stephen Amell, que tem uma ligação direta com os fãs. A cobrança de Amell deu resultado e Arrow ganhou um bom respiro em sua quinta temporada, se tornando a melhor temporada desde a segunda aventura do Arqueiro Verde nas telas da TV.

    Após a morte de Laurel Lance/Canário (Katie Cassidy) e após Thea/Speedy (Willa Holland) e John Diggle/Espartano (David Ramsey) aposentarem seus uniformes (mas ainda sendo personagens principais), o Arqueiro Verde busca recrutar novos heróis para dar continuidade ao legado de Lance e é assim que passa a trabalhar com Rene Ramirez, o Cão Raivoso (Rick Gonzalez), que há tempos vinha sendo um vigilante em Star City, Evelyn Sharp, a Artemis (Madison McLaughlin) e um velho conhecido dos fãs e da série, o cientista Curtis Holt, que assume o nome de Sr. Incrível (Echo Kellum), que junto de Felicity Smoak (Emily Bett Rickards), agora estabilizada como a Observadora, divide o núcleo cômico da série. Enquanto Oliver Queen não veste o capuz do Arqueiro Verde, ele é o prefeito da cidade, sendo o ex-capitão de polícia, Quentin Lance (Paul Blackthorne) seu vice prefeito, enquanto Thea vira sua assessora e Diggle retoma à sua função original de segurança de Oliver. Junta também ao elenco o novo e ótimo promotor da cidade, Adrian Chase (Josh Segarra), que na primeira metade da temporada parecia mais ser um Christian Bale genérico do que qualquer coisa, mas que depois, se mostrou um ótimo personagem, inclusive quando se tratava de entraves políticos/jurídicos que foram constantes nessa temporada.

    A quinta temporada de Arrow teve como premissa aparição do perigoso e violento Tobias Church, vivido por Chad L. Coleman, o Tyrese de The Walking Dead e logo de início, o team Arrow passa a ter sérios problemas com Church, principalmente porque a equipe é completamente desengonçada e não sabe trabalhar unida, o que acaba trazendo sérios problemas a Oliver, que passa a ter um temperamento extremamente explosivo, inclusive, dando surras severas nos membros do time durante os treinamentos. Logo sabemos que Church é apenas uma pequena peça de um quebra cabeça muito maior, cuja peça principal é o vilão Prometheus, um rival que possui habilidades idênticas ou até melhores que o próprio Arqueiro Verde e a caçada ao vilão foi um dos pontos altos dessa temporada. O problema ficou por conta da revelação de sua identidade, já que mais uma vez os produtores resolveram esconder a informação, assim como fizeram sobre a revelação de quem havia morrido na temporada passada, contudo, as coisas ficaram melhores após o vilão parar de usar uma máscara. Acontece que, mesmo após usarem um artifício chato, desta vez houve um motivo plausível.

    Algo que surpreendeu nessa temporada foi o enredo dos tradicionais flashbacks da série, que mostram a jornada de Oliver Queen desde que se tornou um náufrago até seu retorno para a casa, cinco anos depois. Como esta foi a quinta temporada, os flashbacks convergiram com os acontecimentos dos primeiros episódios da série. Aqui, Oliver busca cumprir a promessa feita à Taiana na temporada anterior: matar Konstantin Kovar, vivido por Dolph Lundgren que faz um líder da máfia e do crime organizado russo e que gosta de ir para a porrada. Para combater Kovar, Oliver se alia a um velho conhecido, Anatoly Kniazev (David Nykl) e finalmente podemos ver respondidas várias perguntas sobre a estreita relação do herói com os russos e com a organização chamada Bratva, algo que já foi mostrado por diversas vezes ao longo desses cinco anos.

    Outro ponto positivo dessa temporada foi que todos os personagens secundários tiveram suas respectivas tramas paralelas, mesmo que elas não tenham contribuído com o desenrolar da trama principal, o que passa despercebido por terem sido muito bem encaixadas. Os destaques ficam para a história de Rene, que teve um episódio próprio e o porquê dele ter se tornado o Cão Raivoso e sua estrita relação quase paterna dele com Quentin Lance, haja vista que, quem acompanha o seriado sabe que, assim como Rene, Lance viveu um inferno em sua vida. Também teve destaque a história da ex-policial Dinah Drake (Juliana Harkavy), que foi afetada pela explosão do colisor de partículas de Harrison Wells na primeira temporada de Flash, enquanto fazia uma investigação com seu parceiro que faleceu no acidente. Dinah é a primeira meta humana a integrar o elenco de Arrow, se não considerarmos as várias participações dos personagens de Flash já feitas até então. Os poderes de Drake são exatamente os mesmos da vilã Sereia Negra, a Laurel Lance (também, Katie Cassidy) da Terra 2 e que também passou a integrar o elenco na temporada. Por enquanto só fica a pergunta: teria Dinah Drake alguma relação de parentesco com Tim Drake?

    Como já é costume, logo no início da temporada tivemos o episódio que adaptou a saga Invasão, da DC Comics, que fez parte do já tradicional mega crossover da CW, que juntou, desta vez, o elenco de Flash, Supergirl, Arrow e Legends of Tomorrow. Confira todos os detalhes desse encontro clicando aqui.

    Assim, como na terceira temporada de Flash, houve uma diminuição considerável dos episódios chamados de monstros da semana, que foram incluídos dentro da história principal, fazendo com que o episódio seguinte sempre complementasse o anterior, seguindo assim, praticamente, do início ao fim da temporada. Mas apesar de toda a trama envolvendo Prometheus, os jogos políticos que Oliver precisou enfrentar na prefeitura, as tramas paralelas de todos os personagens que integraram o elenco, ainda sobrou espaço para que os produtores colocassem um novo e sanguinário vigilante diversas vezes em cena, muitas vezes combatendo os heróis que são totalmente contra à maneira de agir do cara. A propósito, sua identidade ainda permanece um mistério.

    Com essa quinta temporada, Arrow conseguiu o respiro que precisava, se firmando, novamente, como a principal série de seu universo dentro da CW e se firmando de vez como uma série auto suficiente, sendo que sua sexta temporada parece ser muito promissora e provavelmente manterá o mesmo nível da temporada que passou. É muito provável que seja renovada para uma sétima temporada e por que não, uma oitava.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Vingadores: Guerra Infinita | Teorias e análises sobre o primeiro trailer

    Vingadores: Guerra Infinita | Teorias e análises sobre o primeiro trailer

    As primeiras imagens de Vingadores: Guerra Infinita foram mostradas em julho durante o evento da Disney chamado D23 e causou furor entre os presentes. Os fãs que estavam lá tiveram o “privilégio” de ver que os Vingadores, Guardiões da Galáxia e demais heróis do chamado Marvel Cinematic Universe – MCU terão muito, mas muito trabalho para enfrentar Thanos e seus soldados da Ordem Negra.

    Eis que a espera acabou e o resto do mundo pôde ver o que está por vir com a liberação do primeiro trailer oficial do filme. Informamos que a partir daqui, o texto poderá conter diversos spoilers, assim como teorias que poder ser verdades ou não.

    Logo no início, Nick Fury, Tony Stark, Visão, Thor, Natasha Romanoff proferem aquilo que seria o embrião da Iniciativa Vingadores, iniciada há quase 10 anos com a cena pós créditos de Homem de Ferro, de que havia uma ideia de reunir pessoas incríveis para ver se eles poderiam ser algo mais e que, então, se as pessoas precisassem deles, eles poderiam lutar as batalhas que as pessoas jamais poderiam lutar. Nas imagens já vemos Tony Stark (Robert Downey Jr) completamente acabado em sofrimento, onde se acredita que ele está segurando a mão de alguém que veio a padecer. Vemos também Bruce Banner (Mark Ruffalo) caído e assustado dentro de um buraco, sendo observado pelo Dr. Estranho (Benedict Cumberbatch) e Wong (Benedict Wong), quando a imagem corta para o Visão (Paul Bettany), em sua forma humana, num momento de carinho com Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen), ao mesmo tempo em que Thor (Chris Hemsworth) aparece a bordo da Millano.

    As imagens a seguir já mostram Stark junto de Banner e Dr. Estranho dentro do Sanctum Sanctorum, enquanto Peter Parker (Tom Holland), dentro de um ônibus, tem seus pelos do braço completamente arrepiados para, logo após, observar uma enorme máquina circular pairando no céu de Nova Iorque. Embora as imagens sejam rápidas, é possível perceber que Stark tem um novo reator em seu peito e é muito provável que esse reator não seja somente um reator, mas também a fonte de onde sairá a sua armadura, o que remete, de certa forma, à armadura Extremis dos quadrinhos, muito embora, seu design seja bastante inspirado na Bleeding Edge, também dos quadrinhos.

    Temos também imagens de Thanos (Josh Brolin) chegando provavelmente na Terra através de um portal, enquanto o Homem-Aranha, vestindo a sua armadura mais tecnológica apresentada ao final de De Volta ao Lar, procura um jeito de desativar a máquina circular, enquanto T’challa (Chadwick Boseman) ordena que a cidade seja evacuada, que todas as defesas sejam acionadas e que peguem um escudo para o homem que sai das sombras. O homem é nada mais nada menos que Steve Rogers (Chris Evans), que inclusive, aparece em cena segurando uma lança atirada pela vilã Próxima Meia Noite. Vale destacar que esse escudo do qual T’Challa menciona, não deverá ser o tradicional escudo do Capitão América, mas sim um escudo usado em Wakanda, onde o guerreiro possui duas placas retráteis de vibranium nos braços.

    O trailer tem um caráter muito urgente e passa a impressão de que é mais tenso do que o primeiro trailer de Vingadores: Era de Ultron. Nas imagens, ainda podemos ver a Hulkbuster chegando em Wakanda, que inclusive receberá uma enorme batalha, onde Capitão América, Falcão (Anthony Mackie), Viúva Negra (Scarlett Johansson), Soldado Invernal (Sebastian Stan), junto do Pantera Negra, Máquina de Combate (Don Cheadle), Hulk e a líder das Dora Milaje, Okoye (Danai Gurira), liderarão o exército de Wakanda contra o exército do Titã Louco, formado pelos Batedores ou pelos Vrexllnexians que já apareceram na série Agents of S.H.I.E.L.D., o que, de certa forma, causa surpresa, uma vez que a decisão mais óbvia seria usar novamente o exército Chitauri do primeiro filme. O trailer termina com Thor perguntando quem são as pessoas para quem ele está olhando e a imagem aponta para os Guardiões da Galáxia, aqui formados por Senhor das Estrelas (Chris Pratt), ostentando um bigodão setentista, Groot (voz de Vin Diesel), em sua forma adolescente, Gamora (Zoe Saldana), Mantis (Pom Klementieff), Rocket Racoon (voz de Bradley Cooper) e Drax (Dave Bautista).

    No que diz respeito ao enredo propriamente dito, é muito provável que o filme já comece com Thor sendo atropelado junto com outros destroços pelos Guardiões da Galáxia e que, ao ser resgatado pela equipe, começa a contar o que houve com ele, onde a nave contendo a Nova Asgard foi interceptada e destruída pela nave de Thanos. Existe a possibilidade dos Guardiões já estarem numa investigação com o intuito de saberem o que aconteceu com o Colecionador (Benicio Del Toro) e com a Tropa Nova, uma vez que nas imagens do trailer, o vilão possui duas Joias do Infinito e uma delas é justamente o Orbe, que estava sob a posse da tropa, sendo que a outra é o Tesseract, que deve ter sido entregue por Loki (Tom Hiddleston) durante o ataque à nave. E é durante esse ataque que existe a possibilidade de Heimdall (Idris Elba), sob às ordens do Deus do Trovão, enviar Bruce Banner para pedir socorro a Stephen Strange, o que justificaria sua queda exatamente dentro do Sanctum Sanctorum. Banner contacta Tony Stark e eles, provavelmente, serão os primeiros a receberem a investidas de Thanos e sua Ordem Negra. Uma imagem chocante é aquela em que vilão, após colocar a segunda joia em sua manopla, dá um duro golpe que nocauteia o Homem de Ferro de forma muito violenta.

    Vale destacar que o filme deve possuir alguns núcleos separados e somente em certo momento que o Capitão América, Falcão e Viúva Negra irão para Wakanda requerer auxílio ao Pantera Negra e ao Soldado Invernal. Antes disso, o grupo deve estar junto de Visão e Feiticeira Escarlate que sofrem um ataque da Proxima Meia Noite e de Corvus Glaive e é nesse momento que deve acontecer a primeira baixa da equipe, quando o sintetizoide possivelmente terá a jóia que carrega em sua cabeça extraída por Glaive.

    E deve ser Bruce Banner e o Coronel Rhodes que farão o elo de ligação entre os dois fronts de batalha, o de Nova Iorque com o de Wakanda. Por isso, acredita-se que é Banner quem pilota a Hulkbuster, que fará o transporte do cientista até o país africano. Curiosamente, a gigante armadura também aparece na batalha. Se for realmente Banner dentro dela, a teoria é que o herói esteja inseguro em se transformar em Hulk novamente, temendo que o Gigante Esmeralda tome por completo sua consciência, o que faz sentido, contudo, não vale de nada, uma vez que o monstro também aparece nas imagens.

    Obviamente, tudo isso se trata de suposições, afinal, alguns personagens e heróis ainda não apareceram, como o Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), Homem-Formiga (Paul Rudd) e a Nebulosa (Karen Gillan), além do fato dos trailers serem montados de maneira aleatória. De qualquer forma, as primeiras imagens de Vingadores: Guerra Infinita fizeram tanto sucesso que bateram recorde de visualizações em menos de 24 horas de seu lançamento.

    O filme estreia dia 26 de abril aqui no Brasil.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Resenha | Como Falar com Garotas em Festas

    Resenha | Como Falar com Garotas em Festas

    Sandman encontra Machado de Assis

    Como Falar com Garotas em Festas (Quadrinhos na Cia.), escrito por Neil Gaiman e ilustrado pelos irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá, é o tipo de história que só poderia ter saído mesmo do pai de Sandman. A trama roteirizada por Gaiman é construída do usual ao coletivo mitológico, sempre destacando, ou relembrando, a máxima de que nada é o que parece.

    Começa com um lugar-comum: um jovem desengonçado é convidado junto com o amigo popular para uma festa em uma república feminina. O jovem desengonçado não consegue falar com as mulheres e o amigo popular tenta animar o companheiro para a aventura com as mulheres desconhecidas. Entram, um muito confiante, o outro com baixa autoestima.

    Cada rapaz segue um caminho diferente: enquanto o popular logo parte para cima da dona da festa, o desengonçado tenta conversar o melhor possível com alguma mulher sozinha. O nervosismo o atrapalha, por isso escolhe ouvir mais do que falar. Logo percebe que a maioria das mulheres dali são intercambistas. Contudo, não fica animado como o amigo popular ao saber disso, mas desconfiado com a coincidência de todas não serem dali.

    Quando o desengonçado passa a perguntar sobre a origem delas é que Gaiman desata toda sua criatividade mitológica. Aquelas adolescentes não são apenas corpos humanos, mas seres diversos que escolheram, naquele momento, habitar um invólucro de carne para aprender sobre a vida na terra. Daí ao final, o leitor surpreende-se com as origens de cada uma. Este o grande trunfo da história: a diversidade de seres que podem se esconder em carne e osso.

    Do ponto de vista gráfico, a preferência por cores quentes, sombras em degradê e formas assimétricas, transforma a atmosfera do quadrinho em algo retirado de um sonho. Os desenhos são esguios, contornos bem definidos e um trabalho magnífico de quadros construídos em aquarela. As cenas obedecem a um rigoroso controle de roteiro e imagem, de forma que, harmonicamente, são construídos momentos de tensão, suspense e desfecho.

    HQ simples, eficaz e excelente. Mas não se engane, a simplicidade é sempre conseguida com muito esforço e experiência. Não por acaso trata-se de uma parceria entre Gaiman, pai daquela que é considerada uma rara unanimidade entre as HQ’s, Sandman, e os irmãos que ganharam um Prêmio Jabuti (o maior prêmio literário nacional), pela adaptação de “O alienista”, de Machado de Assis, em quadrinhos.

    No final da história ainda encontramos esboços dos trabalhos de Fábio Moon e Gabriel Bá. HQ mais do que recomendada.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: Como Falar com Garotas em Festas.

  • Resenha | Maria Chorou Aos Pés de Jesus

    Resenha | Maria Chorou Aos Pés de Jesus

    A Bíblia 2.0, por Chester Brown.

    Resultado de novas interpretações de passagens bíblicas, Maria Chorou Aos Pés de Jesus: Prostituição e Obediência Religiosa na Bíblia, de Chester Brown (Pagando Por Sexo), publicação da editora WMF Martins Fontes e tradução de Érico Assis, adapta ao quadrinho oito histórias, a saber: “Caim e Abel”, “Tamar”, “Raabe”, “Rute”, “Betsebá”, “Os talentos”, ”Mateus”, e “O filho pródigo”. Em comum, as histórias femininas lidam como a prostituição e as outras sugerem uma nova visão sobre as designações que o Senhor dá aos seus filhos. Ao final dos quadrinhos, um Posfácio de quase cem páginas onde o autor explica o embasamento teológico por trás do desenvolvimento das histórias recontadas.

    Em “Caim e Abel”, “Os talentos” e “O filho pródigo”, Brown sugere, teologicamente, que “Deus admira e valoriza aqueles que desafiam o édito da história, e que ousam fazer o melhor para si de maneira que conflitem com a ordem que lhes foi criada”. A justificativa acima, Brown retira de A Filosofia das Escrituras Hebraicas, de Yoram Hazony. Segundo o autor, isso justifica Deus, em “Caim e Abel”, ter preferido a oferenda de carne oferecida por Abel, que o trigo oferecido por Caim. Caim fica insatisfeito com a predileção do irmão visto que Adão ensinou aos dois que, após expulsos do Paraíso, Deus mandou eles apenas se alimentarem de frutos da terra. Abel ultrapassa esse mandamento e é preferido por Deus, o que, segundo o autor, fez nascer a ira e posteriormente o assassinato cometido por Caim.

    Em “Os talentos” e “O filho pródigo”, as histórias coincidem com personagens que herdam fortunas e escolhem gastar com mulheres e entretenimento. Contudo, não são repreendidos pelos seus senhores/familiares, mas premiados. Segundo Brown, esse contrassenso é justificado teologicamente porque “Deus não vê suas leis como absolutas”. Ousar, portanto, mesmo ultrapassando as leis, pode fazer parte dos desígnios divinos.

    Em “Tamar”, “Raabe”, “Rute” e “Betsebá”, Brown trata de prostituição como uma atividade que garantia sobrevivência às mulheres. Como o patriarcado por vezes relegava à mulher posições menos privilegiadas na sociedade daquela época (e atual também), a prostituição era (ou é) utilizada como uma alternativa que por vezes garantia a sobrevivência delas, seja por ganharem dinheiro com isso, seja por utilizarem como forma de driblar o sistema das casamentos ruins/fracassadas.

    Em “Mateus” o tema também é prostituição. A história contada por Brown sugere que Maria era prostituta e que Mateus buscava colocar essa informação no evangelho que estava escrevendo, mas, sabendo que seria censurado nas traduções posteriores, buscava uma alternativa para passar a informação adiante. A solução foi elencar a genealogia feminina de Jesus, ou seja, ao invés de informar sobre o pai e os pais de Jesus, o que seria o correto para a época, Mateus escolheu começar o evangelho pela ascendência das mães dele, assim, segundo Brown, ele poderia dar a informação que Maria era prostituta ao elencar outras meretrizes historicamente famosas.

    Em termos gráficos, os desenhos são tecnicamente simples. Quatro quadrinhos por páginas com variações de preto e valorização dos espaços em branco. Poucos closes e em nenhum momento a boca dos personagens está aberta nos diálogos. O posfácio de Brown responde todas as dúvidas sobre as escolhas narrativas feitas e as referências utilizadas pelo autor. Vale a leitura.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: Maria Chorou aos Pés de Jesus.

  • Crítica | Despedida em Grande Estilo

    Crítica | Despedida em Grande Estilo

    Willie (Morgan Freeman), Joe (Michael Caine) e Albert (Alan Arkin) são amigos há décadas. Levam uma vida sossegada de aposentados, o que inclui partidas de bocha. Até que inexplicavelmente param de receber sua aposentadoria. Numa ida ao banco para discutir a hipoteca de sua casa, Joe testemunha um assalto bem sucedido. E, querendo dar um fim a seus problemas financeiros, começa a pensar que cometer seu próprio assalto é uma boa saída. E chama Willie e Albert para a empreitada.

    Remake do filme homônimo, de Martin Brest e estrelado por George Burns, Art Carney e Lee Strasberg em 1979, o filme – dirigido por Zach Braff com roteiro de Theodore Melfi – lembra algumas outras obras recentes que seguem a mesma linha: amigos de longa data, chegando ou já na terceira idade, que se reúnem para “viver altas aventuras” – por exemplo, Última Viagem a Vegas (de que Freeman também participa), Amigos Inseparáveis e Motoqueiros Selvagens.

    Apesar de a motivação dos três amigos ser algo bastante sério, não há como não rir ao pensar nesses três senhores executando um assalto a banco. A essência do humor é justamente essa inversão de expectativa em eventos que contrariam a lógica. Parece simples. Contudo não é fácil conduzir um filme todo assim. Obviamente, o roteiro é uma sucessão de pequenas e (quase sempre) bem boladas gags. Mas amarradas num ritmo que não cansa o espectador e consegue manter a trama coesa. Infelizmente, no terceiro terço do filme, esse ritmo se perde um pouco e a narrativa fica um tanto arrastada. Ainda mais ao se contrapor à segunda parte, em que o longo se torna um “filme de assalto”, com o planejamento e a preparação para o roubo. Não chega a comprometer, mas deixa a impressão de que o humor se esgotou a essa altura.

    A premissa é simples. A história, bastante previsível. E há algumas coincidências um tanto forçadas para garantir o desenrolar da trama. Mas fica claro que é essa a proposta do filme. Não há planos rebuscados, nem enquadramentos mirabolantes. A meta não é ser original e revolucionário, mas sim entregar algo fluido e agradável de assistir. E, logicamente, o elenco é garantia de que isso ocorra. “The three caballeros”, além do talento inquestionável, têm uma sinergia que transcende a tela, ao se comportarem como um casal antigo – discutindo por qualquer coisa, mas completando as frases (ou ideias) uns dos outros. Sem contar a ótima participação de Christopher Lloyd como Milton, responsável pelas piadas mais pastelão da história. A exemplo de Os Mercenários, é visível o quanto estão se divertindo fazendo o filme. E isso, sem dúvida, conquista o espectador.

    No melhor estilo “sessão da tarde”, é um filme que funciona bem. Com mais altos que baixos, cumpre seu objetivo que é entreter descompromissadamente, mesmo levantando alguns questionamentos bastante atuais e relevantes. Não é o filme do ano, nem sequer a comédia do ano. Mas certamente não é esquecível como muitas outras.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Os Cinco Porquinhos – Agatha Christie

    Resenha | Os Cinco Porquinhos – Agatha Christie

    Poirot contra a névoa assassina do passado

    Publicado em 1942, Os Cinco Porquinhos, da dama do crime Agatha Christie, é mais um caso rocambolesco que cai no colo do excêntrico detetive Hercule Poirot. Dessa vez, Poirot é contratado para inocentar a condenada de um assassinado que ocorreu dezesseis anos antes. A reconstrução do passado é o obstáculo para o detetive. Isso o inflama a tal ponto de aceitar o caso.

    O livro começa com a jovem Carla Lemarchant procurando Poirot. Ela conta que seu pai, Amyas Crale, um famoso pintor, foi envenenado e, à época, a mãe dela, Caroline, fora julgada e condenada com prisão perpétua pelo crime. Contudo, pressentindo a morte, a mãe deixa uma carta à filha (com apenas 5 anos na época), onde alega inocência. Poirot se recorda superficialmente do crime, mas é fisgado pelo desafio.

    O principal desafio do detetive é remontar os acontecimentos que culminaram no crime. Para isso, ele delimita os suspeitos as cinco pessoas que estavam no momento da morte do pintor, a saber: a amante dele (a amante morava com o casal), a governanta, a esposa do pintor, e um casal vizinhos que frequentava a casa. A amante fazia-se de modelo, e vice-versa, na casa de Amyas. Ele pintava um grandioso quadro e, às escuras, fazia juras de largar a esposa e fugir com a modelo/amante. A esposa passou a perceber a situação, e, segundo o julgamento do caso, foi isso que motivou a esposa a cometer o assassinato envenenando a cerveja dele entre uma pincelada e outra no jardim.

    Poirot está com sorte: todos os suspeitos e ainda alguns magistrados que participaram do julgamento ainda estão vivos. Com esse benefício, o desenvolvimento da história flui com entrevistas do detetive com os suspeitos daquela época. A surpresa é que cada suspeito e advogado têm opiniões diferentes sobre a esposa do pintor, dificultando que Poirot determine a personalidade da condenada. Para driblar isso, Poirot se concentra no exame minucioso de fatos paralelos, chegando até a pedir que cada entrevistado escreva os acontecimentos que culminaram na morte do pintor. O detetive recebe essas descrições e a partir do exame de peculiaridades ao longo daquele dia, consegue dar um parecer diferente do proferido dezesseis anos antes.

    O estilo de Christie, ou pelo menos o que ela imprime enquanto é a títere por trás de Poirot, é essencialmente minucioso e dialogista. Ela trabalha com diferentes personagens e consegue imprimir personalidades distintas em cada um deles. Um trabalho notável que desenlaça alguns perfis que faziam parte da sociedade do início do século XX. Em Os Cinco Porquinhos temos o artista obstinado e cheio de vícios, a esposa fiel e resiliente, a jovem paixão que confunde-se com poder financeiro, novos burgueses, ciúmes entre casais, a governanta severa que preza pela solidez das instituições básicas, etc.

    O que talvez torne enfadonha a leitura é a vagarosidade pela qual os detalhes importantes são apresentados. Diferentemente de outros trabalhos, nesse, Poirot não é tão veloz quanto antes, ele dá tempo ao entrevistado/suspeito e os interrogatórios por vezes se desenrolam em minúcias aparentemente sem importância, mas que para a mente tétrica do investigador, carregam a solução do caso. Por fim, é um belo livro, os desenlaces finais são fiéis a lógica interna da narrativa e conferem um ótimo desfecho – uma característica de todos os livros de Agatha Christie.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: Os Cinco Porquinhos.

  • Crítica | Grave

    Crítica | Grave

    Destoante de catarses que o gênero do horror, e suas linhas menores, apresenta em seu universo, as camadas subjetivas de um filme apoiado nesse estilo visual e narrativo ganham contornos maiores e possuem uma relevância mais significativa. Em Grave (Raw), filme franco-belga dirigido por Julia Ducournau­, há uma conexão entre diversos subtextos que ao passar por um processo de transmissão de metáforas, permitem que o filme se evolua não somente dentro do molde de gênero.

    A obra utiliza a perspectiva da personagem principal, a recém-estudante de medicina e vegetariana Justine (Garance Marillier), que ingressou em uma renomada faculdade, onde sua família – irmã mais velha, pai e mãe – também estudaram medicina. Esse ponto narrativo é muito importante para entender todos os desdobramentos que sucederão a Justine após o trote, em que ingeriu carne pela primeira vez.

    Não somente um thriller compassado a pequenos manifestos sobre autoconhecimento juvenil e vegetarianismo – mesmo esse sendo mera especulação interpretativa -, Grave é um gráfico e explícito estudo sobre a aquisição de um vício. O canibalismo está ligado a diversos fatores, cultural; social e no caso do filme, sugestiona-se até uma hipótese hereditária, mas nada que realmente seja comprovado. O que é interessante para a narrativa do filme não se prender a este núcleo, justamente dando evidências para analisar e passar uma base questionável em relação às causas e consequências da situação nas relações entre as personagens.

    A principal delas é entre Justine e a irmã Alexia (Ella Rumpf), que também se relacionam como caloura e veterana, por ambas fazerem o mesmo curso. Enquanto a mais nova é mais introvertida, a mais velha é propensa a situações explícitas sobre sua personalidade, mais explosiva e arrogante, mas sem deixar de manifestar uma certa proteção para com a mais nova, mesmo que isso seja baseado em uma convenção social estipulada pela universidade.

    Como explicado anteriormente, o filme discorre sobre diversas situações de cunho mais social: a descoberta da sexualidade e orientação sexual, um olhar às vezes cínico e moral para com essa juventude, como se estivessem à par de um cenário mais externo e conflitante e de certa forma exigindo uma compreensão mais madura e neutra por parte de quem está à margem. E dentro desses filtros, ele manifesta uma coesão desses tópicos mesmo que há uma certa falha em caracterizar exacerbadamente suas personagens em algumas situações, contudo, sua linha narrativa segue naturalmente, sem buscar uma dissipação ou um exagero alegórico dentro.

    Grave é um filme com aspecto e cerne juvenil, inserido dentro de um gênero bastante proveitoso a esse campo de narrativa que sucede no objetivo de ser bastante intimista dentro de uma análise mais individual, porém quando se retrai a uma visão mais subjetiva e externa às vezes perde um pouco o equilibro, faltou uma dosagem melhor do argumento mais claro. Ainda assim, seu choque visual é importante e instigador, o que dá ao público a possibilidade de sentir inquietude e aflição, sentimentos característicos e inerentes ao gênero do qual o filme se mescla.

    Texto de autoria de Adolfo Molina Neto.

    https://www.youtube.com/watch?v=KExM6S-AxMY

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | A Cura

    Crítica | A Cura

    Em A Cura (A Cure for Wellness), Gore Verbinski volta ao terror depois de marcar o gênero com O Chamado, mas dessa vez tendo um resultado sem grandes méritos. Dane DeHaan protagoniza o filme como Lockhart, um jovem empresário que precisa urgentemente buscar seu CEO em um centro de cura, mas no local descobre que essa espécie de tratamento não é o que parece e tenta desvendar os segredos que parecem estar impregnados nas pessoas e nas paredes do hospital.

    A Cura logo em seus primeiros minutos passa uma impressão visual quase “Kubrickiana”, com planos metricamente construídos e uma iluminação e direção de arte bastante opacos, isso é um deleite para os olhos até o fim da segunda parte do longa, é de fato um trabalho estético inspirado e que claramente bebeu de várias fontes, mas já dizia minha professora de fotografia: plano bonito não é nada sem uma boa história, é só um plano bonito.

    O roteiro do longa, trabalho de Justin Haythe, é construído de forma paciente, mas não parece ter consciência do caminho que todas as pistas presentes nos diálogos e situações irão levar, pois enquanto o primeiro e o segundo ato apostam em simbolismos e construção de mistério, o último desanda em superexposições, explicações verbalizadas de maneira que beira o ridículo e situações desnecessárias. Isso, consequentemente, reflete no filme sem grande esforço aparente de Verbinski para um maior cuidado com a narrativa, já que o filme fecha com duas horas e meia de muita enrolação, falta de ritmo e subestimando a inteligência do seu público.

    O arco do personagem de Dehaan é instável e diversas vezes é esnobado pelo próprio filme, que está mais preocupado, como eu disse, no visual. É uma crescente de cenas sem significado que mexem com todos os clichês do gênero, depois de uma cena envolvendo insetos, você vai para uma cena envolvendo corredores escuros e assim por diante, sem propósito. O diretor parece estar num vício pelo gráfico em A Cura, o desejo constante de criar cenas esteticamente impecáveis, mas assim como seu filme esquece que está contando uma história, e ser traído pela própria imagem, no cinema, soa como um problema grave.

    O filme é diversas vezes tedioso e órfão de personagens relacionáveis, está longe de assustar, chocar ou divertir e tem um enredo que deseja ser maior do que realmente é, resultando num final deveras vergonhoso e apressado. Verbinski vem em uma sucessão de erros e precisa relembrar que ás vezes o menos é mais, ele sabe como fazer, O Chamado tá aí pra provar.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Resenha | O Soldador Subaquático

    Resenha | O Soldador Subaquático

    No longínquo ano de 1999, quando comecei minha graduação em História, me deparei com um conceito que usaria durante muito tempo: indústria cultural. Nele, entre outras coisas, é discutida a obra de arte em uma época de fácil reprodução técnica e de modelo de produção em larga escala. Em outras palavras, a crítica é que se perdia o sentido da arte em prol de um sentido de mercado, mais padronizado e artificial. O Soldador Subaquático, de Jeff Lemire, ainda que se trate de uma produção visando o mercado, tem pouco ou quase nada de um padrão imposto ou encaixotada dentro de modelos mercadológicos claros, como podemos ver em gibis de heróis. Trata-se aqui de uma história calcada em relações sociais cotidianas e a forma como as pessoas lidam com as pressões e sentimentos que pertencem a todos.

    A história deveria ser apresentada para todos aqueles que ainda insistem em dizer que gibi é coisa apenas para criança, com um enredo de proposta aparentemente simples, mas com uma profundidade temática absurda e capaz de explorar muitos e variados sentimentos muito comuns para quase todos nós. O enredo é bem claro: Jack, um soldador subaquático, prestes a ter um filho tem que enfrentar a insegurança e temores de se tornar pai ao mesmo tempo que revive e tem de resolver os problemas deixados da sua própria relação com o seu pai. A partir daí, o autor dá uma verdadeira aula de como abordar esses temas de forma bastante criativa e fugindo das maneiras convencionais de elaborar uma história em quadrinhos.

    Toda a história gira em torno da forma como Jack, o protagonista se relaciona com a figura do pai, que representa uma memória de ausência e de um certo vazio, com a de seu vindouro filho, que faz com que ele se coloque no papel de pai e nas responsabilidades que isso implica.

    Em uma narrativa que faz uso de flashbacks e até mesmo da criação de uma breve distopia em forma de delírio, Lemire nos conta a relação do protagonista com o pai e como adoração por parte do filho e a ausência em momentos cruciais pelo pai geraram uma estranha noção de amor mas com algo que faltava, uma incompletude. E, esse sentimento, que estava adormecido, surge no momento em Jack se tornará pai e ele terá que resolver o seu passado para compreender melhor o presente. Presente e passado se intercalam em vários momentos da trama, demonstrando a importância destas noções para qualquer tipo de relação.

    A arte de Lemire, ainda que não agrade a todos, combina perfeitamente com as ideias e propostas apresentadas durante a trama, fazendo com que se tenha uma união muito interessante e viva, seja no tempo presente, como também durante o passado do personagem.

    Outro importante fator a ser destacado é que Lemire produziu esse trabalho justamente quando estava para ser pai, ou seja, se trata um pouco das próprias angústias e anseios do autor, que nos são apresentados de forma bem transparentes. Enfim, ler O Soldador Subaquático é adentrar um pouco na mente do autor é conhecer um pouco mais sobre a pessoa e não apenas da obra.

    Compre: O Soldador Subaquático.

    Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Resenha | Amoridades – André Salviano

    Resenha | Amoridades – André Salviano

    Novos amores sob o sol

    Não há nada novo sob o sol, desde o Eclesiastes somos advertidos sobre isso. E na Literatura, como não podia ser diferente, o que por vezes divide os bons dos maus escritores é a forma como abordam temas visitados por outros. E qual dos assuntos não seria o mais revisitado de todos os tempos que o amor?

    André Salviano estreia na Literatura com Amoridades (Editora Rubra), livro de contos que, desde o título, agrega facetas caleidoscópicas sobre o amor e os relacionamentos que por ele nascem ou se sustentam. Uma empreitada ousada por si só, pois o risco de atacar um tema dos mais reutilizados é cair na mesmice, nos lugares comuns ou na própria insuficiência literária. Felizmente aos leitores, “Amoridades” é autossustentável.

    O livro utiliza uma parcimoniosa metalinguagem para referenciar o tema (muitas vezes em deleitosa prosa poética), e em seguida investe em poderosas singularidades cotidianas que exemplificam o amor realista, aquele ainda idealizado, fonte de felicidade plena, mas que é alvo de intervenções do séc. XXI. Dessa forma, podemos compreender que a grande discussão que o autor propõe a seus leitores ao longo dos seus trinta e três contos é sobre o amor frente ao quimérico tempo atual.

    Os contos são divididos em cinco varais. Cada um deles é uma espécie de pensamento que funciona como um mote para os contos a seguir. Dentro de cada varal, o amor está disperso em ausências, silêncios, tesão, sexo, companheirismo, anseios, ilusões (o leitor decide se boas ou más), romantismo e esperança. Há, portanto, um entendimento sobre o caráter múltiplo do sentimento pleno e os desdobramentos bons e ruins que isso acarreta. Em contos distintos, destaque para o uso da prosa poética pelo autor; algumas frases nos capturam pelo novo, pela poeticidade escondida ou pelos referenciais literários (como as conjugações criadas a partir de autores, “drummondeando” e “clariceando”, por exemplo).

    As referências ao Rio de Janeiro compõem o ambiente literário de André Salviano, mas isso não quer dizer que este seja um livro bairrista. O sábio conselho de Tóstoi diz que para ser universal, primeiro o autor deve falar de sua aldeia. “Amoridades” é isso: deita-se sobre o universal a partir da cena carioca (esta tão bem conhecida e frequentada pelo autor). Por fim, destaco o trabalho feito pela editora Rubra, a edição está muito bonita, bem organizada, sem erros e dialoga muito bem com os contos do autor. Livro mais do que recomendado.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: Amoridades – André Salviano.

  • Star Wars: Episódio VIII | Comentamos o novo trailer de Os Últimos Jedi

    Star Wars: Episódio VIII | Comentamos o novo trailer de Os Últimos Jedi

    Rian Johnson bem que tentou avisar, mas aposto que ninguém deu ouvidos e muita gente se arrependeu. Quando perguntado no Twitter sobre o novo trailer, o diretor de Star Wars: Episódio VIII – Os Últimos Jedi foi categórico: “estou legitimamente dividido. Se você quiser vir limpo, absolutamente o evite. Mas está booooooooom…”. Ou seja, o fã deveria evitar assistir ao trailer se quisesse ter uma experiência emocional completa. Não adiantou e o trailer, em pouco mais de dois minutos e meio rachou o planeta nas mais variadas sensações. Só nos resta saber se a prévia entregou demais a trama ou, se no fundo, a Lucasfilm estava apenas jogando com as palavras e com as imagens. Nossa aposta é a segunda opção, mas ainda assim, a sensação de cansaço pós trailer existe e perdura.

    Logo de início vemos um plano mostrando Kylo Ren (Adam Driver), de costas, observando as instalações da Primeira Ordem. Nota-se uma estranha semelhança com Anakin Skywalker. Além deste plano, demais imagens, como a primeira aparição dos andadores, que são uma evolução dos AT-AT de O Império Contra-Ataca se preparando pra batalha. Enquanto isso, a voz em off do Supremo Líder Snoke (Andy Serkis) dizendo para alguém que quando encontrou aquela pessoa, viu nela um poder bruto e incontrolável e que além disso, algo verdadeiramente especial. A imagem corta para Rey (Daisy Ridley) acionando o sabre de luz e as imagens a partir daí mostram ela entregado o sabre a Luke Skywalker (Mark Hamill), onde também uma voz em off da personagem ecoa entre as imagens, dizendo que algo esteve sempre dentro dela e que agora essa coisa despertou e ela precisa de ajuda. Enquanto essas palavras são proferidas, vemos imagens de Rey praticando com o sabre e visitando uma árvore, que, aparentemente é uma árvore da Força, algo que já foi discutido em Rebels. Mas o que mais assusta é quando a jovem aprendiz, durante uma meditação, consegue rachar o local de pedra em que Luke e se encontram, deixando o mestre Jedi apavorado.

    Não dá pra saber ao certo em que momento do filme isso acontece e é muito provável que essas cenas não se comunicam entre si, mas Luke, com um olhar preocupante, aparece dizendo que já viu esse poder bruto uma vez, enquanto imagens de flashback do ataque de Kylo Ren ao templo Jedi de Luke aparecem na tela. Skywalker completa dizendo que aquele poder não o assustou na época, mas que agora o assusta. As imagens se voltam para Kylo Ren, onde o jovem, num momento shakesperiano, olha para sua máscara para, imediatamente, destruí-la na parede com todo ódio possível. Enquanto isso, sua voz, também em off, fala sobre deixar o passado morrer, matá-lo se for preciso, sendo o único jeito de cumprir o seu destino. Outro momento assustador é que enquanto Ren profere as palavras, ele aparece pilotando de forma habilidosa seu caça Tie numa incursão contra a Resistência, outro momento que deve ser um dos 3 grandes do filme.

    Kylo percebe que Leia (Carrie Fisher) está na nave e ela o confronta com a Força. Podemos perceber claramente que o filho da general fica abatido, mas ainda assim, não o suficiente para travar a arma na nave e colocar o dedo sobre o botão de disparo, o que deixa Kylo e Leia agoniados. Vemos em seguida Chewbacca à bordo da Millennium Falcon, fugindo de caças Tie dentro de uma caverna bem apertada (algo já bem estabelecido na franquia) para em seguida vermos imagens de Poe Dameron (Oscar Isaac) provavelmente estando junto da mesma frota em que Leia se encontra, onde o ótimo piloto diz em off que eles são a faísca que acenderá a chama que destruirá a Primeira Ordem e o que vemos a seguir é uma linda imagem onde Finn (John Boyega) e Capitã Phasma (Gwendoline Christie) partem para cima um do outro. A fotografia desse trecho é algo fora do comum.

    O trailer continua com imagens bem mais rápidas da batalha que se dá no espaço, de Rey numa caverna, dentro do refúgio de Luke, além de trechos da batalha no deserto do planeta Crait, onde os AT-AT se preparavam. Podemos ouvir Luke dizendo (provavelmente para Rey) que as coisas não vão acontecer do jeito que ela imagina, para em seguida Snoke aparecer pela primeira vez em carne e osso, enquanto tortura Rey com o uso da Força, dizendo para ela completar seu destino. E aí acontece o que pode ser a maior pegadinha do trailer. Rey diz que precisa de alguém que mostre o lugar dela nisso tudo para Kylo Ren estender a mão para ela.

    De fato, o primeiro trailer completo de Os Últimos Jedi é bastante obscuro e enche a cabeça do fã de dúvidas, anseios e interrogações. Mas, analisando friamente as imagens, a única conclusão é que Rey e Kylo são os dois de suas gerações e ponto. A Força é extremamente poderosa neles e Snoke, por algum motivo, sentiu isso ao descobrir Kylo Ren, remetendo à Rey como algo especial, ou vice-versa, uma vez que Snoke pode ter chegado em Kylo com o único objetivo de chegar, na verdade, em Rey.

    Outro ponto que se deve ter bastante atenção é que Luke parece sim estar assustado com o tamanho do poder de Rey, remetendo, portanto, ao sentimento que teve quando seu templo Jedi foi destruído. É bastante provável que ele estivesse falando de Kylo (naquela altura, Ben, seu sobrinho) e que dali para frente, ao conhecer o poder de Rey, se negar a dar continuidade ao treinamento da aprendiz por ter falhado uma vez. A julgar pelo que Snoke fala sobre o poder bruto e incontrolável que veio com uma agradável surpresa e pelo fato de Luke ter visto tamanho poder duas vezes, se tem a conclusão que Rey e Kylo possuem uma forte conexão um com o outro, o que pode indicar algum possível parentesco.

    No que diz respeito ao emotivo momento entre Leia e Kylo, acredita-se que o jovem cavaleiro, ao hesitar em atirar na nave de sua mãe (sendo que já matou o próprio pai), não tomará ação alguma e isso, de certa forma, poderá permitir que Kylo tenha uma possível salvação para o lado da luz em contrapartida à Rey, que poderá ceder ao lado negro da Força após ser capturada. Mas, ainda assim, com relação ao final do trailer, é muito provável que a jovem estivesse falando com Luke sobre precisar de alguém que mostre o lugar dela nisso tudo, pois podemos perceber que tanto a luz, quanto o cenário em que Kylo Ren aparece estendendo sua mão são levemente diferentes em relação a onde Rey se encontra.

    Como a Lucasfilm tem seguido um padrão com a franquia, acredita-se que um segundo trailer poderá ir ao ar um tempo antes da estreia do filme.

    Star Wars: Episódio VIII – Os Últimos Jedi chega no Brasil dia 14 de dezembro de 2017.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Estados Unidos Pelo Amor

    Crítica | Estados Unidos Pelo Amor

    Se uma parede cai e não há ninguém para ouvir, ela faz barulho? Na iminência da penetrabilidade dos muros que se levantam entre ideologias e indivíduos, quem perde e quem vence? Presumidamente o lado mais forte, maior; aquele que engolirá o derrotado tal como se espera que intenciona. Entretanto, não é assim que ocorre. O vencedor fará pior e se permitirá ser engolido para dominar o derrotado por dentro, expandir em seu interior até o estouro e após isso há nada mais se não os restos do que tanto se conservou por anos em uma intenção cara, assim como fazem as crises emocionais de qualquer pessoa levada ao seu limite, quando não será capaz de resistir até o final da contagem de 3, 2, 1, Hollywood.

    Estados Unidos Pelo Amor é um filme escrito e dirigido por Tomasz Wasilewski (Arranha-Céus Flutuantes) que se passa na Polônia após um ano da queda do muro de Berlin. O país se vê em conflitos de identidade nacional pós-queda de seu modelo econômico enquanto se vê invadido pela hegemonia cultural ocidental, leia-se estadunidense, desde seus produtos até Whitney Houston. E é nessa situação de conflitos em escala nacional que quatros mulheres se veem lidando com suas próprias crises internas, com suas próprias invasões de sentimentos revertidos; amores que se antes lhe pareciam felizes agora as racham e revelam a assimetria entre a maneira que agem e aquilo que sentem.

    As personagens são Agata (Julia Kijowska), que se vê infeliz em sua vida familiar com seu marido e atraída por um padre; Iza (Magdalena Cielecka), diretora da escola da cidade e amante do pai de uma aluna; Renata (Dorota Kolak), uma aposentada atraída por Marzena (Marta Nieradkiewicz), uma jovem professora de dança/modelo que se vê perdida em relação ao seu futuro. Todas as atrizes carregam uma certa melancolia, repressão, mas é especialmente nos núcleos de Renata e Marzena que as dinâmicas as elevam. Dorota e Marta brilham com personagens complexas advindas de uma construção narrativa cautelosa, mas que não pôde fazer o mesmo com Magdalena e Julia.

    O roteiro, premiado no festival de Berlin, é extremamente coeso. O filme se divide em três partes focando em Agata, Iza e Renata, enquanto Marzena apresenta pontas em cada uma delas. A divisão se faz natural, com o encerramento de cada arco retornando o público ao passado através da repetição de uma cena a partir de outra perspectiva, uma reafirmação da pluralidade de experiências do contexto em que se inserem. Porém, não há exatamente o encerrar da história de suas personagens, e isso por si só não é um problema. Não escutamos o muro cair, mas vemos o rachar e a queda até pouco antes de se despedaçar no chão; os resultados desses eventos não interessam a Tomasz, entretanto esse fator falha em atingir qualquer resultado que transcende para além do já atestado sofrimento dessas vidas, o que pode fazer o filme ser visto tomando somente uma posição sádica. É uma abordagem anticlimática justa, que foge do convencional, mas não só por isso quer dizer que é bom. Ainda assim, a sucessão de eventos como foi executada pela montagem de Beata Walentowska traz um fluxo bastante agradável às páginas de Tomasz e tornam a experiência fluida.

    O mais interessante da narrativa está nos significados daquilo que constrói despretensiosamente. Não é por acaso, por exemplo, que Agata se vê apaixonada por um padre, representante da religião católica, que teve forte relação com o movimento de liberação da Polônia em 1989; Iza tem que lidar com seu amante ter uma filha a quem escolhe dar mais atenção, ao mesmo tempo que Renata, uma idosa vivendo em ócio, apaixonada e fascinada por Marzena, uma jovem mulher que não tem noção de seu futuro e já se apropria da cultura americana, até mesmo contando em inglês 3, 2, 1, Hollywood em suas aulas de dança. Os homens, por sua vez, se veem ausentes do holofote, ainda que responsáveis, intencionalmente ou não, pelas calamidades sofridas pelo quarteto principal; existem alheios, as vezes como comentadores das novidades que chegam até a nação, ou clientes de um mercado de contrabando de fitas pornô. A partir do que já foi escrito, é possível perceber que, de certa forma, a juventude é tema recorrente no filme, pois é no novo que se encontram os herdeiros do caminho incerto que se revela, dos restos de um passado de costumes e tradições. Os conflitos dessas 4 mulheres resumem o espirito de uma nação lidando com o novo a partir do que se concebe como mais potente emoção, o amor, e esse sentimento em um estado de defasagem, tal como a cidade.

    A arquitetura antiga em conjunto com a direção de arte (dos mesmos responsáveis por Ida) nos levam até uma terra que se vê em período de transição. Cores apagadas no branco dominante, exceto por algumas leves tonalidades de azul e verde que se demonstram mais presentes. As novas tecnologias e roupas se aproximam e se instalam, especialmente nos personagens mais jovens; as fitas VHS, os pôsteres de Whitney Houston estão por todos os lugares. Esse cenário é bem utilizado pelo diretor de fotografia Oleg Mutu (4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias), que aposta em uma imagem visualmente agradável e intensamente estilizada, com uma artificialidade de intensos brancos. Quando não seguindo as personagens próximo de suas nucas em uma tentativa de nos colocar no lugar delas, mas que de tanto utilizada logo perde seu efeito e se vê somente como algo funcional, as cenas geralmente se realizam com estáticos planos longos e um posicionamento de atores que ressoa os relacionamentos de suas personagens tanto em relação umas com as outras como a si mesmas, como a cena de sexo entre Agata e seu marido, em que ambos transam fora do quadro, quebrando as regras de composição de imagem e transformando o que deveria ser algo apaixonante em ausência. Quando se veem sozinhas, a posição de atores no ambiente é suficiente para significar em conjunto com a atuação corporal o potente sentimento de isolamento e apatia. Entretanto, essa abordagem fria as vezes se mostra redundante e forçada, ainda que ressoe com o estado de repressão das personagens e se mantenha coerente na sua proposta.

    É o amor do Leste o mesmo do Oeste? É o de antes como o de agora? Há de se aceitar a fadada impotência do amor tal como se aceita as baixas temperaturas de uma pequena cidade polonesa nos anos 90. Os Estados são aqueles que não aguentam até terem suas paredes destruídas, sejam os políticos ou os pessoais, mas os muros caíram muito antes da queda dos tijolos, caíram no momento do primeiro grito de uma rebelião, de uma insatisfação que foi crescendo da base até o topo e se fez pronto para a quebra. Da mesma forma que uma mulher insatisfeita com o presente que a reprime e com o futuro que lhe parece ser o agora, tão perto quanto o fim de 3, 2, 1, Hollywood.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Resenha | Percy Jackson e os Deuses Gregos – Rick Riordan

    Resenha | Percy Jackson e os Deuses Gregos – Rick Riordan

    Livro-Percy-Jackson-e-os-Deuses-Gregos-Edicao-de-Luxo-Rick-Riordan

    Para todos que acompanharam o adolescente Percy Jackson enquanto ele se descobria um semideus, enfrentava monstros e entrava em contato com todo tipo de divindades e seres mitológicos, chegou a hora de conhecer com detalhes as histórias dos doze principais deuses gregos, contadas por ninguém menos que o próprio Percy.

    O título dá a entender que esta é mais uma história da enorme coleção de aventuras de Percy Jackson. Mas basta iniciar a leitura para perceber que não é bem isso. O livro é uma enciclopédia sobre a mitologia dos deuses gregos. Ou melhor, é a versão de Percy Jackson dessa mitologia. Assim, tem-se a história dos deuses contada através do olhar desse semideus adolescente.

    Narrado em primeira pessoa, conta fatos e relacionamentos de cada um dos deuses de forma bastante despojada, cheia de humor e ironia. E é essa toda a graça do livro. Lógico que conhecer a mitologia não deixa de ser interessante. Mas o modo como Percy conta os causos, e seus comentários sarcásticos entremeados às histórias, deixam a leitura muito mais envolvente.

    “(…) o Oráculo de Delfos tinha dito a ele para seguir uma determinada vaca, e quando essa vaca caísse de exaustão, eles saberiam que ali era o melhor lugar para construir a sua cidade.
    Sei lá. Vocês seguiriam um sujeito que está seguindo uma vaca?”

    Retirando a aura tradicional e prestigiosa dos deuses, Percy deixa-os mais próximos e palpáveis ao leitor. Não é de se estranhar, afinal, o narrador está falando de sua própria família. A edição é bem caprichada, em capa dura e recheada de ilustrações. Coisa de colecionador. Item obrigatório para os fãs da série.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Annabelle 2: A Criação do Mal

    Crítica | Annabelle 2: A Criação do Mal

    James Wan, a nova cara do terror hollywoodiano, tem inúmeros méritos e na bagagem carrega duas franquias de sucesso, Sobrenatural e Invocação do Mal, essa segunda fazendo tanto dinheiro e apelo que querendo ou não deu luz para um novo ícone para o hall de grandes monstros do cinema, Annabelle. Assim como no primeiro filme, Wan é apenas produtor dessa sequência da boneca possuída por conta dos outros projetos do diretor, assim deixando a tarefa com o cara que o próprio James parece ter apadrinhado: David F. Sandberg, famoso por conta de seus curtas de terror de baixo orçamento feitos apenas com a esposa, e em que um deles rendeu uma adaptação para Hollywood e foi a primeira direção de longa-metragem de David, o bem-sucedido mas de qualidade duvidosa Quando as Luzes se Apagam.

    Annabelle 2: A Criação do Mal é parecido com o primeiro filme do diretor, tem um péssimo roteiro, mas aspira grandes momentos e soluções, ou seja, Sandberg conhece muito bem todas as regras e convenções do gênero, e nelas inspirado o cineasta consegue ultrapassá-las e entregar pelo menos boas cenas de suspense e terror. Mas, não só de bons momentos pingados se vive um bom filme, e Annabelle 2 tem dificuldade para encontrar outras virtudes durante sua uma hora e cinquenta minutos.

    Diferente do primeiro filme, Wan parece ter colocado um pouco mais de suas ideias durante o processo e essa sequência levemente parece fazer parte dessa espécie de “universo compartilhado” iniciado em Invocação do Mal, e como já dito, Sandberg faz o possível e o impossível para tirar suco da laranja estragada que é o roteiro escrito por Gary Dauberman, construindo planos inventivos, brincando com o desfoque e sabendo dosar bem cenas gráficas e não gráficas, o visível e o invisível e principalmente o claro e o escuro. Porém, isso não salva todos os clichês que empurram a trama, desde a porta trancada que guarda o grande mal até personagens fazendo ações que beiram a burrice apenas porque o filme precisa ir pra frente.

    A trama acompanha um grupo de meninas órfãs que se mudam para uma casa após o orfanato delas fechar, o novo lar é propriedade de um casal que perdeu a filha num grave acidente; essa nova história é um prelúdio de Annabelle que por sua vez é um prelúdio do primeiro Invocação do Mal, e fica bem claro que aqui junto com o esgotamento de ideias, houve também um descuido com a própria origem da boneca, sendo confuso e criando subtramas que até o fim do filme não são bem aproveitadas nem resolvidas, servindo apenas como um falho pano de fundo para a trama principal, essa sim emocionalmente eficaz e relacionável, mérito da jovem atriz Talitha Eliana Baterman e da já familiarizada com histórias de terror, Lulu Wilson. As duas carregam boa parte do filme nas costas, mas suas personagens sofrem com algumas escolhas do roteiro no terceiro ato, amargando um pouco o gosto que fica na boca.

    Superior ao seu antecessor, mas considerando isso como uma tarefa nada difícil, Annabelle 2 prova que o caminho adotado pelo estúdio para tratar da boneca é equivocado e precisa de roteiros mais complexos assim como o seu material de origem. Mas, o filme já é um grande sucesso de bilheteria e talvez isso não convença Wan e o estúdio a mudarem a fórmula desses spin-offs de Invocação do Mal, nos resta torcer para que o terceiro filme da franquia do casal Warren mantenha qualidade e que, sinceramente, Annabelle não volte a ser visitada até que se tenha uma boa história ao nível de seu potencial.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.