Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | A 5ª Onda

    Crítica | A 5ª Onda

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    Chegando no meio da “onda” de filmes com protagonistas adolescentes em futuros distópicos como Jogos Vorazes, a série Divergente e Maze Runner, A 5ª Onda estreou nos cinemas deixando a desejar.

    Após uma invasão alienígena, os poucos humanos que sobreviveram a quatro ondas distintas de ataques de extra-terrestres, que se revelam hospedeiros, passam a revidar os  invasores a partir da quinta onda.

    O que pode pensar em se salvar no roteiro de Susannah Grant, Akiva Golsman e Jeff Pinkner, baseado no livro de mesmo nome de Rick Yansey é o gênero de invasão alienígena capitaneado por adolescentes. Os jovens foram escolhidos para liderar a humanidade no ataque, a partir daí podemos discutir o envelhecimento cada vez mais rápido da nossa sociedade. Sempre que se ambienta a trama no futuro apocalíptico abre possibilidades diversas para discussões da sociedade atual, o que deixa de acontecer na narrativa, e o roteiro perde muito em qualidade.

    Apesar de clichê, a estrutura narrativa escolhida acabou sendo sólida. No entanto apresenta tantos problemas nos detalhes, deixando forçada a maioria das cenas importantes, que fazem a trama andar quando deveriam soar orgânicas e imperceptíveis. Quando Cassie está em recuperação, a cena que deveria ser uma das mais importantes é mal trabalhada, além de quase tudo o que acontece no exército. O que dizer então da cena em que Evan se revela para Cassie?

    Com exceção da protagonista, e ainda assim com ressalvas, o restante dos personagens são fracos e desinteressantes. O roteiro é tão visível que o espectador consegue enxergar sem dificuldade que o que eles fazem parte de uma engrenagem maior e só estão ali para servir à estrutura narrativa e nada mais.

    A direção de J. Blakeson compromete um roteiro que já era fraco, deixando o filme ainda mais ruim. A falta de tato com o elenco, além das cenas de ação mal executadas, deixa a direção cambaleante.

    A atuação está no controle automático. Nem os bons Chloë Grace Moretz e Liev Schreiber conseguiram deixar a preguiça de lado e apresentar o mínimo que se exige. O restante do elenco, fraco e inexpressivo, nem parece disposto a trabalhar.

    A fotografia de Enrique Chediak e a edição de Paul Rubell são os únicos departamentos técnicos que não erram no filme, junto à direção de arte, figurino e composição de locação e cenários de Julian Ashby, Frank Galline e Sharen Davis, respectivamente.

    A 5ª Onda só vale a pena se o tema futuro apocalíptico ou distópico for de seu interesse.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Zoom

    Crítica | Zoom

    Zoom - Poster

    Novo trabalho do jovem diretor Pedro Morelli, a coprodução (Brasil-Canadá) Zoom chega aos cinemas apresentando histórias interligadas que explicitam de maneira regular o recurso da metalinguagem e das multitelas.

    Como um ouroboro – a serpente que morde a própria cauda – o filme de Morelli nos apresenta a quadrinista Emma (Alison Pill), uma jovem que trabalha numa loja de bonecas sexuais e tem na arte um escape para a não aceitação do próprio corpo. Em meio a transas com seu colega de trabalho durante o expediente, Emma também se dedica à criação de uma história em quadrinhos que narra as aventuras de Eddie, um cineasta de filmes de ação interpretado por Gael Garcia Bernal. Eddie tenta provar para o mercado que é capaz de dirigir um filme mais artístico e, para tal, escala Michelle (Mariana Ximenes) como protagonista de seu longa-metragem. Por sua vez, Michelle quer mostrar para o mundo que é mais do que um corpo perfeito. A modelo/atriz decide então escrever um romance, que nos conta justamente a vida de Emma, a quadrinista.

    Temos assim um triângulo equilátero perfeito. Uma trama se desenrola (e interfere) na outra. É curiosa a escolha do diretor em trabalhar, inclusive, estilos diferentes em cada uma das narrativas que compõem o filme. Se a história de Emma tem ares de comédia nonsense de baixo orçamento, o arco de Michelle faz lembrar o cinema de ação dos anos 90, com suas plot twists e algumas explosões de gosto duvidoso.

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    O maior acerto aqui se dá justamente na trama interpretada por Bernal. Todo estilizado em quadrinhos, é esse segmento do todo que consegue de fato atingir o objetivo principal de um produto cinematográfico: entreter. Feito em rotoscopia, as cores, a fluidez do texto e timing cômico impressionam e falam muito sobre a personalidade da equipe por trás do projeto.

    As atuações são um ponto bastante positivo. Embora Mariana Ximenes tropece em algumas cenas, é possível perceber o esforço da atriz ao interpretar uma personagem que também é atriz, em outro idioma e em um universo (roteiro) pouco crível. Alison Pill resolve bem suas cenas, mas é a menos desafiada pelo papel. Já Gael interpreta debaixo de camadas de recursos gráficos que ajudam a construir o universo dos quadrinhos. Ainda assim, o talento do ator fica evidente. São dele também os melhores parceiros de cena, o que contribui muito para sua boa performance.

    Zoom está longe de ser um filme ruim. O problema aqui está na disparidade entre aquilo que o projeto promete e o que ele de fato entrega. Não é fácil para o espectador ‘cruzar a ponte’ entre territórios tão distintos e, por vezes, assistir às passagens de uma plot para outra torna-se um exercício cansativo e burocrático. No momento em que as três pontas do triângulo se cruzam, o longa ganha fôlego e possui seus bons momentos. Entretanto, as histórias individuais não se sustentam sozinhas. Sobra estilo, audácia, competência técnica e a assinatura de um diretor que não faz mais do mesmo. Mas falta a base para um bom filme: um bom roteiro.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • 10 Filmes para entender o Cinema Coreano

    10 Filmes para entender o Cinema Coreano

    Filmes CoreanosNão é novidade que o cinema coreano vem ganhando destaque ao longo dos últimos anos. Apresentando roteiros firmes, reviravoltas extremas e personagens tridimensionais, a Coreia do Sul chamou atenção da gigante Hollywood e do Ocidente como um todo, mostrando que seu país é muito mais do que nomes impronunciáveis e para validarmos isso, basta verificarmos as últimas produções americanas nas mãos de diretores e atores coreanos já consolidados, além de remakes de produções originalmente advindas do pequeno país asiático. Segredos de Sangue (Stoker, 2013), dirigido por Chan-Wook Park, Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2014), dirigido por Joon-ho Bong, O Último Desafio (2013), dirigido por Jee-woon Kim e o remake de Oldboy (2013), dirigido por Spike Lee em uma adaptação direta ao clássico de Chan-Wook Park são apenas alguns exemplos da atenção conquistada pelos coreanos no mundo ocidental.

    Como um grande fã do cinema coreano já há alguns anos, decidi fazer um top 10 dos melhores filmes sul coreanos que tive o prazer de ver. A intenção não é fazer uma análise minuciosa de cada um deles, mas sim abordar os elementos principais de cada trama e o que me chamou atenção em cada um deles.

    Veja que se trata de uma lista pessoal que intenta atiçar a curiosidade dos leitores (tanto quem desconhece ou quem já conhece, mas quer descobrir novos filmes para ver) e dar algumas excelentes referências para quem tem curiosidade em se aprofundar na mente cinematográfica da Coreia do Sul.

    Se você também gosta de produções coreanas e viu que alguma delas não está na lista, fique à vontade para comentar abaixo, buscando enriquecer uma boa lista de filmes must see para os cinéfilos de plantão.

    Não menos importantes do que a lista a seguir, mas apenas para não estragar um número tão redondo quanto “top 10”, seguem abaixo outras excelentes obras que eu sequer saberia dizer qual gostei mais. Apenas confiram, se divirtam e adentrem nesse mundo sombrio do cinema coreano: The Yellow Sea (2010), No Tears for the Dead (2014), Thirst (2009), Lady Vingança (2005).

    10. Os Invencíveis (2008, Jee-woon Kim)

    Os InvenciveisO diretor Kim Jee-woon nos transporta para uma aventura faroeste na década de 30, na Manchúria, quando japoneses, russos, chineses e coreanos estão em busca de fortuna. Dentre eles, os atores Kang Ho-song, Byung-hun Lee e Woo-sung Jung disputam a posse de um mapa capaz de levá-los a um grandioso tesouro.

    Particularmente, esta é uma das grandes surpresas de todos as produções que já assisti, pois por que diabos coreanos estariam ousando filmar um faroeste, a epítome do cinema americano? Seria ousadia ou má fé? Bom, respondo com tranquilidade que nenhum dos dois, visto que o filme faz uma clara homenagem a Sergio Leone, Clint Eastwood, Sam Peckinpah e os outros grandes nomes do faroeste.

    Não apenas uma homenagem, mas The Good, the Bad and the Weird não deixa a desejar em nada em suas cenas de ação, a empolgação e, principalmente, no bom humor que acompanha a trama desde o seu início. Um excelente filme de aventura e faroeste que com certeza deve ser assistido por quem procura uma diversão mais leve dentro do gênero asiático.

    9. O Homem de Lugar Nenhum (Lee Jung-beom, 2010)

    Homem de Lugar NenhumConta a história do recluso e misterioso Tae-Shik (Won Bin), dono de uma pequena loja de penhores, que sempre tem que lidar com a pequena Soo-mi (Kim Sae-ron), filha de sua vizinha que sempre se mete em confusões. Quando a mãe da menina rouba de traficantes, eles raptam mãe e filha para propósitos nefastos. Tae-Shik vai atrás dos sequestradores e, quando vê que as coisas não vão ser tão simples quanto imagina, resolve salvar a garota utilizando seus próprios métodos.

    Uma ótima opção para iniciar uma lista de produções asiáticas, pois creio que a maior parte dos espectadores ocidentais não vão se assustar tanto com os temas aqui retratados. Dirigido por Lee Jeong-beom, The Man From Nowhere é um filme de ação de tirar o fôlego. Com uma forte carga dramática, é possível compará-lo com os clássicos Busca Implacável (2008), O Profissional (1994) e o mais recente De Volta ao Jogo (2014).

    Não estamos falando apenas de ação sem nexo, mas uma envolvente história repleta de complexos personagens e motivações, tensão e uma boa dose de ação honesta. Inclusive, há de se ressaltar que este filme tem uma das melhores cenas de combate com facas que já vi. E não se deixe enganar, como todo bom filme coreano, no fim você vai estar se preocupando em desatar o nó de marinheiro em sua garganta.

    8. Novo Mundo (Park Hoon-jung, 2013)

    Novo MundoDirigido por Park Hoon-jung, New World conta a história de Ja-sung (Lee Jung-jae), policial infiltrado em uma organização criminosa e segundo no comando da mesma. Após a morte do líder da facção, começam-se as tensões para saber quem vai assumir o posto em questão. Reportando-se sempre ao seu chefe Kang (Choi Min-sik), Ja-sung se torna o pivô na operação policial New World, tendo sido prometido a ele a chance de sair da vida de infiltrado para poder viver uma vida calma com sua esposa grávida. Porém, conforme a operação avança, Ja-sung é colocado à prova para escolher um lado quando percebe que sua liberdade está mais distante do que imagina.

    É obrigatório para quem gosta do gênero de gângsteres. Uma verdadeira mistura entre os melhores momentos de Os Infiltrados (2006) e O Poderoso Chefão (1972), o filme possui uma forte carga dramática e reviravoltas intensas. A violência no mundo da máfia não é descartada e a direção ganha destaque inclusive em cenas de ação, fazendo alusões a cenas clássicas do coreano Oldboy (2003). Se gosta de boas histórias sobre o submundo dos gângsteres e lutas de clãs pelo poder, esse é o seu filme.

    7. Mother (Bong Joon-ho, 2009)

    MotherUma viúva cuida sozinha de seu filho único, Do-Joon (Won Bin). Este homem, de 28 anos, costumeiramente age de maneira infantil e inconsequente, dependendo sempre da atenção e dos cuidados de sua mãe. Após ser acusado pelo assassinato de uma adolescente, sua mãe (Kim Hye-Ja) parte em uma busca incessante para provar a inocência do seu filho.

    Ao contrário dos enredos policiais que estamos acostumados, somos colocados na pele de uma senhora idosa que, custe o que custar, quer provar a inocência de seu filho. Em uma ambientação escura e depressiva, a atriz Kim Hye-Ja lidera de forma brilhante um emocionante drama psicológico que nos faz questionar sobre o que faríamos no lugar da personagem.

    6. O Hospedeiro (Bong Joon-ho, 2006)

    O HospedeiroNa beira do rio Han moram Hie-bong (Byeon Hie-bong) e sua família, donos de uma barraca de comida no parque. Seu filho mais velho, Kang-du (Song Kang-ho), tem 40 anos, mas é um tanto imaturo. A filha do meio é arqueira do time olímpico coreano e o filho mais novo está desempregado. Todos cuidam da menina Hyun-seo (Ko Ah-sung), cuja mãe saiu de casa há muito tempo. Um dia surge um monstro no rio, causando terror nas margens e levando com ele a neta de Hie-bong. É quando, em busca da menina, os membros da família decidem superar seus medos e problemas para enfrentar o monstro e salvar a criança.

    Mais uma vez somos surpreendidos. Começamos a assistir achando que estaremos vendo algum derivado genérico de Godzilla, porém somos surpreendidos com uma comovente história de uma família que precisa superar suas diferenças e problemas pessoais para salvar um parente. A narrativa explora com maestria os limites de cada personagem e os esforços de cada um para conquistarem seus objetivos.

    O Hospedeiro é uma quebra de expectativa e de rótulos. Terror, comédia e drama, tudo em um pacote só. Uma tempestade de sentimentos e sensações em uma obra prima que, ao mesmo tempo, perturba e encanta com as qualidades narrativas e estéticas do cinema coreano que, por sua vez, é tão implacável e inesperado quanto o monstro do filme.

    5. The Chaser (Na Hong-jin, 2008)

    The ChaserJung-ho (Kim Yoon-suk) é um ex-policial que agora agencia prostitutas, que estão gradualmente desaparecendo. Achando que suas garotas estavam sendo vendidas por algum de seus clientes, Jung-ho decide investigar e ir atrás do responsável, porém o que descobre é que seu cliente na realidade está matando as garotas. Porém, mesmo pego pela polícia, Jung-ho, paralelamente a ela, corre contra o tempo para descobrir onde estão as evidências, antes que o criminoso seja solto por falta de provas.

    “Tensão” é o sentimento que melhor descreve The Chaser, do começo ao fim. Não há mistério sobre quem é o assassino, pois isso já é revelado desde o início. Porém, o desespero de Jung-ho, correndo por todos os lados de uma Seul noturna, sombria e mórbida, se transpõe ao espectador.

    A obra nos faz prender os olhos na tela sem piscar por toda sua extensão. Como sempre, a trilha sonora compõe o cenário sombrio e caótico do começo ao fim. Mantenha suas unhas a postos, pois ela não sobreviverá a esta produção.

    4. Eu Vi o Diabo (Kim Jee-woon, 2010)

    Eu Vi o DiaboSe até esse momento não ficou claro que a Coreia do Sul domina os cenários de violência em seus filmes, explorando minuciosamente as consequências e sentimentos envolvidos na violência em si, I Saw the Devil está aqui para bater o martelo.

    O diretor Kim Jee-woon conta a história de Kyung-chul, um cruel e perigoso psicopata e estuprador. Certa noite, Kyung estupra e mata a bela Juyeon, filha de um chefe de polícia aposentado e esposa grávida de um oficial de elite da polícia, Soo-hyun. Obcecado pela vingança, Soo-hyun está determinado em achar o assassino e fazê-lo sofrer. Aqui começa um violento jogo de gato e rato onde a linha entre o “bom” e o “mau” é tênue.

    A violência é extrema; se achávamos que ela era marca predominante de Chan Wook-park, é aqui que nos enganamos. Aqui discutimos a futilidade do sentimento de vingança extremo através de muita violência gráfica e gore.

    Novamente, temos uma produção com personagens fortíssimos, excelentes atuações e discussões virtuosas. A violência é perturbadora, mas ao mesmo tempo fascinante e provoca uma montanha russa de emoções no espectador.

    3. Oldboy (Chan-Wook Park, 2003)

    OldboyProvavelmente de toda a lista até agora, Oldboy seja o único que a maioria das pessoas já tenha assistido. Seja do próprio filme original dirigido por Chan-Wook Park, quanto do remake de 2013, o qual infelizmente não fez jus à qualidade do primeiro.

    Adaptado de um mangá japonês, e o segundo filme da Trilogia da Vingança de Chan-Wook Park, “Oldboy” conta o drama de Oh Daesu (Min-Sik Choi), um homem comum que se vê no meio de uma estranha situação: ele é sequestrado e jogado numa cela que parece um pequeno quarto de hotel adaptado, seu único contato com o mundo exterior é uma televisão. A situação se agrava quando Daesu vê pelo noticiário que sua esposa foi assassinada. Sem saber quem fez isso com ele e porquê, sem conseguir fugir nem se suicidar, Daesu começa a perder a sanidade e a única maneira de sobreviver é alimentar seu desejo de vingança. Quinze anos se passam e ele acorda um dia fora da cela. A partir desse ponto, Daesu parte em uma busca incessante por vingança para descobrir quem destruiu sua vida e suas motivações.

    Palavras não bastam para descrever Oldboy. Não apenas ressalto a genialidade do diretor em seus inúmeros planos sequenciais, os quais servem de referência para o cinema no mundo todo (inclusive são repetidos incessantemente em diversas obras, como no seriado “Demolidor”), como também a imersão extraordinária dos atores em seus respectivos papéis e o roteiro sólido e preciso na exploração dos sentimentos mais sombrios do ser humano. Revelações crescentes e reviravoltas tenebrosas recheiam a extensão da trama.

    Um clássico que precisa ser assistido dezenas de vezes, mas posso afirmar que você nunca mais será o mesmo após assistir pela primeira vez.

    2. Mr. Vingança (Chan-Wook Park, 2002)

    Mr VingançaO segundo lugar dessa lista é conquistado pelo primeiro filme da Trilogia da Vingança de Chan-Wook Park. Vale lembrar que a referida trilogia não necessariamente signifique que deva ser assistida na ordem, apenas que ela possui como tema principal a “vingança”.

    Ryu (Shin Ha-Kyun) é surdo e sua irmã precisa com urgência de um transplante de rim. Na ausência de doadores compatíveis, Ryu recorre ao mercado negro, mas é trapaceado e perde todas suas economias, bem como o próprio rim. Ryu então é convencido por sua namorada a sequestrar a filha de 4 anos do empresário Dong-Jin (Song Kang-Ho) para custear a cirurgia de transplante, mas o sequestro não funciona como esperado e a partir daí Dong e Ryu partem em uma incansável busca por vingança.

    A vingança não apenas é um prato que se come frio. Além de frio, é um prato que se come lentamente e com gosto de sangue. Mr. Vigança não é só um filme sobre a vingança, mas sobre a profundidade dos seres humanos, o niilismo e a impossibilidade da satisfação do ser.

    Uma tragédia após a outra leva o ser humano ao seu estado mais violento e cru, levado a agir por instinto. Mais uma vez Chan-Wook Park nos faz navegar na linha tênue da moralidade humana e nos coloca em cheque em como nos sentimos em relação às ações dos personagens. Tudo isso para sermos dilacerados com todas as consequências causadas pelos atos dos personagens.

    A sofisticação técnica e narrativa dos temas de Chan-Wook Park são trabalhados com bastante fervor e é indiscutível que é um dos grandes diretores da sétima arte e um marco no cinema sul coreano.

    1. Memórias de um Assassino (Joon-ho Bong, 2003)

    Memorias de um assassinoFinalmente chegamos ao primeiro lugar. Se você leu tudo até aqui, deve estar se perguntando: “é possível um filme coreano ser ainda mais extremo do que todos os outros que foram mencionados aqui?”.

    A resposta é sim.

    Memórias de um Assassino é inspirado em um caso real. Entre 1986 e 1991, quando a Coreia do Sul permanecia sob ditadura militar e a população vivia em lei marcial, com toques de sirenes que obrigavam os habitantes das cidades a se recolherem às suas casas, uma pequena cidade rural enfrentou a ameaça de um assassino serial de mulheres. “Memórias de um Assassino” dramatiza os acontecimentos da época, enfocando os esforços da polícia local para tentar capturar o maníaco.

    Ao contrário de outros filmes apontados nessa lista, a produção trabalha com um ritmo narrativo um pouco mais tradicional. No primeiro ato, somos apresentados aos personagens principais e nos aprofundamos em suas motivações. Enquanto Park (Kang-Ho Song) é um detetive truculento que só quer achar um culpado o mais rápido possível, Seo (Sang-Kyung Kim) é inteligente e esforçado, além de comprometido com a verdade. O aprofundamento dos personagens ocorre concomitantemente ao desenvolvimento do cenário em que desenrola a história, a precariedade de recursos na cidade e da polícia e do próprio desequilíbrio da sociedade.

    Os atos subsequentes, por sua vez, trabalham com a construção da tensão, conforme a investigação dos dois policiais avança e o assassino parece estar cada vez mais perto de ser pego. Enquanto isso, os personagens se transformam, evoluem e a busca implacável os leva aos seus próprios limites.

    Novamente temos uma obra completa, recheada de referências que podem agradar aos fãs de thrillers (inclusive ao clássico Se7en – Os Sete Crimes Capitais de David Fincher), com excelentes atores, uma ótima trilha sonora e atores exímios. Joon-ho Bong é o ganhador dessa lista por compor com perfeição uma interessante e inesquecível história de serial killer. O gosto amargo na boca deixado ao final jamais vai sair, porém é uma alegria tremenda ver obras primas como essa.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Resenha | O Vilarejo – Raphael Montes

    Resenha | O Vilarejo – Raphael Montes

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    Depois de seus dois thrillers, Suicidas – bom, mesmo com as falhas naturais de um autor iniciante – e de Dias perfeitos – cujo final boa parte dos leitores achou detestável – Raphael Montes apresenta ao leitor uma coletânea de contos de terror numa estrutura fix-up. A denominação é gringa mas quer dizer simplesmente que os contos são independentes entre si, mas interligados por um ou mais elementos, podendo ser lidos na ordem que o leitor preferir. Realmente, podem ser lidos em qualquer ordem, mas em O Vilarejo o mais indicado é deixar o último por último mesmo.

    São sete histórias curtas, cada uma delas enfocando um dos moradores do vilarejo e tratando de um dos sete pecados capitais. Montes faz uso de um recurso narrativo já conhecido, mas sempre interessante, afirmando que traduziu manuscritos em que constava referência a um teólogo alemão – Peter Binsfeld – que realmente existiu e escreveu sobre a classificação dos pecados, relacionando-os a demônios.

    “De acordo com seu trabalho, cada um dos demônios, os Sete Reis do Inferno, era responsável por invocar um pecado capital nos seres humanos: Asmodeus (luxúria), Belzebu (gula), Mammon (ganância), Belphegor (preguiça), Satan (ira), Leviathan (inveja) e Lúcifer (soberba).”
    (pag.8)

    Obviamente é uma honra ter seu nome citado junto ao de Stephen King na mesma frase (na capa), porém, sem querer desmerecer o autor, exceto pelo fato de partilharem do mesmo gênero, o terror, a comparação com King é um tanto quanto exagerada. Seja pela produção de Montes, parca em relação a de King, seja pelo estilo. Enquanto King é bastante descritivo, quase prolixo, Fontes é bem mais econômico nas palavras, tem um texto mais seco e, portanto, mais dinâmico, sem delongas.

    Os demônios nomeiam os capítulos, que tratam do pecado a eles relacionado. É interessante perceber como as histórias se entrelaçam, como o caminho dos personagens se entrecorta. Sob esse ponto de vista, as narrativas estão bem estruturadas. Contudo, em relação à construção de cada conto há algumas lacunas que poderiam ter sido melhor “preenchidas”, isto é, trabalhadas. Em três deles, o desfecho pode ser apreendido bem antes de revelado pelo autor – algo que, num texto tão curto, chega a ser brochante. Mas no geral, os textos se completam bem e algumas passagens são bastante chocantes, para não dizer indigestas.

    Vale destacar o projeto gráfico. As gravuras de Marcelo Damm que ilustram cada conto são impressionantes e complementam o clima sombrio das histórias. É um livro que possivelmente agrada mesmo aos leitores não habituados ao gênero.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Pegando Fogo

    Crítica | Pegando Fogo

    Pegando Fogo - poster

    No final da década de 90, o mundo foi infestado de reality shows de tudo quanto é espécie, mas foi ao final da primeira década dos anos 2000 e posteriormente em seus anos seguintes que um determinado tipo de reality ganhou bastante notoriedade: os de culinária. Pode-se dizer, com certeza, que programas como Hell’s Kitchen, Kitchen Nightmares (ambos estrelados pelo difícil Chef escocês Gordon Ramsey) e ultimamente Masterchef (com edições em centenas de países), foram, sem dúvida, inspirações para Pegando Fogo, que, com o perdão do trocadilho, é um prato cheio para quem gosta desse tipo de programa. Embora não haja informações a respeito, nota-se claramente a influência desses programas por toda a concepção da fita, e é justamente esse o maior demérito de Pegando Fogo. Tudo que você já viu, pelo menos uma vez, está lá, e pior, como se fosse um compêndio dos realities, porém com uma história de fundo, porque, vamos lá, se trata de um filme, certo?

    Bradley Cooper vive o renomado, mas esquecido, Chef Adam Jones. Jones fez muito sucesso sendo chef em Paris, o que lhe rendeu duas estrelas Michelin, o ponto mais alto da carreira de um chef. Acontece que as drogas, a bebida e uma vida desregrada acabaram por jogar Jones na sarjeta, fazendo com que ele retornasse à América com o intuito de começar de novo. Para tanto, aplicou uma penitência em si mesmo: trabalhar num restaurante onde ele pudesse abrir um milhão de ostras, para, depois, retornar à Europa, buscando sua terceira estrela.

    O primeiro ato é marcado por cenas interessantes e que rendem bons momentos, já que chegando à Europa, Jones percebe que angariou muitos desafetos e até as pessoas mais próximas o odeia, o que lhe força a fazer um tour por ambientes gastronômicos nem um pouco renomados e sem nenhuma pompa em busca de pessoas talentosas com a finalidade de montar uma equipe que lhe ajude a voltar a ser o que era. Mas primeiro, o protagonista precisa convencer o filho de seu antigo mentor, Tony, (Daniel Brühl) a lhe dar um restaurante. E mais, provar a todo custo que está livre da bebida e das drogas. A partir daqui, o filme se perde muito em sua qualidade e enredo.

    Pegando Fogo retrata de forma precisa situações vividas em reality shows de culinária. Desde o chef procurando falhas nos pratos de outros restaurantes, assim como em Kitchen Nightmares, passando pela maneira grosseira de tratar seus subordinados, as incontáveis explosões de raiva de Hell’s Kitchen, até a maneira didática de Masterchef. E isso cansa, uma vez que o público já está acostumado com esse tipo de coisa. Até as tomadas de câmera são idênticas, exceto por um único momento, onde a cozinha trabalha em um belo, mas rápido, plano sequência.

    O diretor do longa, John Wells, é produtor por ofício e trabalhou em diversas séries conhecidas do público, como E.R., West Wing e, mais recentemente, Shameless, mas na cadeira da direção atuou somente em alguns episódios das duas primeiras. Sua pouca experiência dirigindo programas voltados para a televisão não foi suficiente para se aventurar no cinema, e justo em um filme que aborda o tema mais comum e famoso no meio televisivo, o que é extremamente irônico. Ainda que a direção tente criar um ambiente confortável ao espectador, o roteiro de Steven Knight traz uma reviravolta no início do terceiro ato que ajuda a superar em parte tudo que o filme teve de ruim até então, uma vez que passa a prender a atenção do espectador. Porém, infelizmente, tal recurso apresenta um anticlímax e apenas tem o intuito de amenizar toda a situação ali vivida por Jones e trazer um final feliz para a história, o que é uma pena.

    E não podemos esquecer as atuações de Bradley Cooper, sempre competente, ainda que em filmes fracos, e de Daniel Brühl, que, infelizmente teve seu talento desperdiçado. E o filme ainda conta com Sienna Miller e com participações especiais de Alicia Vikander e Uma Thurman.

    De qualquer forma, Pegando Fogo claramente é um filme que não busca inovar um assunto tão bem retratado na televisão. É como se fosse aquela banda que sempre toca as músicas que os fãs querem ouvir. Olhando sob esse prisma, você não irá se revoltar. Vai até apreciar. Mas para o cinema, é apenas mais um filme. E só.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | A Paixão de Cristo

    Crítica | A Paixão de Cristo

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    A coroa de espinhos e o rastro de sangue que ilustram o pôster do filme já adiantam ao espectador o que ele pode esperar do terceiro filme de Mel Gibson como diretor. Lançado em 2004, após uma pré-produção desacreditada, A Paixão de Cristo foi recorde de bilheteria ultrapassando os US$ 600 milhões de dólares, mas dividindo a crítica, que ora o recebeu como um diferente olhar catártico da crucificação, definindo o parâmetro escolhido por Gibson ao narrar a história, ora o interpretou como um retrato violento em demasia desse episódio da vida do Filho de Deus.

    A história mostra desde a oração reunindo Jesus (Jim Caviezel) e os apóstolos no Jardim de Getsêmani após a Santa Ceia, seguido da traição de Judas Iscariotes (Luca Lionello), até a captura de Cristo pelos sacerdotes, seu julgamento, condenação e penitência, crucificação, e, por fim, a ressurreição. Portanto, toda a história do filme compreende o período das 12 horas finais da vida do Messias. Através de flashbacks, são mostrados outros momentos de sua vida, como o Sermão da Montanha, e outros em que aparece ainda criança e depois adulto com sua mãe, Maria (Maia Morgenstern). No entanto, o foco é apresentar o sofrimento de Jesus após ser capturado, julgado e condenado, momento que traz o choque devido à abordagem crua do flagelo de alguém além da projeção santificada, mas acima de tudo, humana.

    Desde o início da obra, a violência se faz presente. No Jardim de Getsêmani, Cristo pressente a figura de Lúcifer e expulsa o mal matando uma cobra, símbolo negativo no Cristianismo e em outras culturas, visto que é um animal traiçoeiro e venenoso. Mas é na prisão que a tortura de Jesus garante o seu ápice. A injustiça que cometem contra a sua vida ultrapassa os limites físicos. Jesus é maltratado de tal forma que, apesar de o castigo ser filmado de maneira cruel e mundana, sua figura nos passa a crença de que o homem açoitado tem uma força excepcional que vai além do domínio terreno. Hiperbolizando a violência, como em uma narrativa sobre um momento de fato violento, o resultado são cenas que se aproximam de uma situação vivida por qualquer um de nós, como se fôssemos testemunhas daquela violência e quase nos achássemos pedindo para Cristo ser poupado, da mesma forma que Simão de Cirene (Jarreth J. Merz) grita aos torturadores.

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    O título do filme pode confundir, visto que a palavra “paixão” em geral carrega uma carga positiva. Paixão, do latim passio, refere-se a “sofrimento”, “sofrer”. Só muitos séculos depois, “paixão” passou também a designar desejo, apreço e adoração. No sentido original da palavra, o filme captou a essência. São duas horas e sete minutos de martírio, não só ao Cristo, mas também a seus espectadores. Filmada todo em latim e aramaico, o que rendeu elogios de especialistas nas línguas faladas entre os judeus e romanos da época, a obra impressiona pelo retrato das escrituras bíblicas. A representação de Cristo é bastante extraordinária: alguém que foi trazido para a o mundo para levar uma mensagem e, como parte de um desígnio, deixado ao Cálice – ou sofrimento – que no Jardim anteriormente previra.

    Apesar de utilizar menos o reforço da direção de arte, em comparação com seus filmes anteriores, o foco na expressão de Caviezel a todo o momento indica um recurso cinematográfico usado pra representar a decepção de Cristo com a humanidade, como se, vendo-o através dele, o espectador se redimisse pelos seus pecados e os dos agressores.

    A Paixão de Cristo também lidou com críticas envolvendo antissemitismo. À época, houve quem dissesse que Gibson responsabilizou os judeus pela morte de Jesus em razão da maquiavelização dos sacerdotes do Sinédrio e as pessoas presentes no julgamento em contraposição à humanização de Pôncio Pilatos (Hristo Shopov), que lavou as suas mãos no julgamento. No entanto, diante da controvérsia, é clara a atuação do roteiro em explorar a crueldade dos soldados romanos na tortura, assim como é fato que Maria, Madalena (Monica Bellucci incrivelmente apagada), Simão, Santa Veronica (quem, na Via Dolorosa, ajuda Jesus com um lenço para limpar-se), e o apóstolo João, são todos hebreus que se compadecem em algum momento da crucificação. Assim, não há uma classe apontada no filme como a culpada por tal injustiça. Todos têm sua parcela de culpa, desde o braço amigo que o traiu até o governante que pune um inocente e liberta um assassino para manter a paz em suas terras.

    Polêmicas à parte, o filme consegue com eficiência cumprir o prometido por Gibson em sua ideia original: retratar os últimos momentos de Cristo como detalham as histórias bíblicas e outros relatos de época, com a violência da filmografia do diretor aliada à estética da purificação, através de um filme honesto, belo no horror e sem amarras.

    Compre: A Paixão de Cristo (Blu-Ray)

    Texto de autoria de Karina Audi.

  • Crítica | A Acusada

    Crítica | A Acusada

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    – Eles deixaram você no escuro?

    Pergunta dirigida a Lucie de Berk por um dos guardas que amigavelmente entra na sala do interrogatório e liga as luzes. Ela, por sua vez, não responde; talvez porque saiba a resposta, assim como o público, que foi devidamente introduzido ao filme com a personagem sendo levada ao tribunal. Encolhida no fundo de uma van, cercada por repórteres e, por trás deles, a concepção de uma sociedade que sim, deixou-a no escuro.

    A Acusada foi o filme escolhido pela Holanda para representar o país no Oscar. Dirigido por Paula van der Oest (Zus & Zo, previamente indicado à Academia) e roteirizado por Tijs van Marle e Moniek Kramer, que apresentam uma carreira com base e crescimento nos roteiros de televisão. A película trata da história real do julgamento de Lucie de B., acusada de matar crianças e idosos ao trabalhar como enfermeira. Sua prisão não se baseou em provas concretas ou testemunhos embasados, mas sim em suposições fundamentadas em preconceitos, que ergueram então um circo para a mídia e, consequentemente, gerou e propagou desaprovação popular. Esse evento é um dentre tantos que exemplificam o quão danificado é o sistema legal.

    É especialmente danoso para os inaptos socialmente, como é o caso de Lucie (Ariane Schluter). Suas colegas de trabalho a olham torto devido às suas roupas, suas ações; seu profissionalismo e introspecção que são confundidos com arrogância. Soma-se a isso um passado duvidoso para elas, que é de muitos traumas para Lucie. A personagem principal deu a Der Oest material suficiente para desenvolvê-la como a mais rica da obra, focando, principalmente, nos pontos de sua humanidade que foram tão escondidos pelos meios de comunicação quando o caso ocorreu entre 2001 e 2008.

    Sete anos de sofrimento judicial. A história sozinha já é poderosa, mas isso não quer dizer que simplesmente transcrever para uma página de roteiro renderá um filme digno a ela. O drama investigativo segue moldes americanos, simples. Talvez pela experiência televisiva das roteiristas. O que para muitos pode ser uma qualidade, acaba se transparecendo em preguiça, pois não há aparente esforço em tela; lembra exatamente a plasticidade de tantos filmes hollywoodianos. Além disso, ser uma história real que se estende por muitos anos também não ajuda. Há uma divisão clara entre períodos que é prejudicial ao ritmo da obra, ainda mais ao não demonstrar uma evolução orgânica em personagens além de Lucie.

    Judith Jansen (Sallie Harmsen) é uma dessas personagens planas. Uma recém contratada da polícia holandesa; sedenta por um caso para se provar como profissional, além de algo mais do que uma escritora acadêmica. Pode-se afirmar que é a personificação da Justiça, especialmente no modo como lida com Lucie no decorrer da trama. Além dela existem outras figuras, especialmente policiais, tão planas quanto. Tal pobreza dos personagens diminui a carga do filme e simplifica o tema que deseja abordar.

    A fotografia de tons frios e sombras intensas ressoa com a personagem principal, e com a sua própria situação emocional e social. Aproxima-se para tornar claustrofóbico e afasta-se para delatar a solidão, sempre com uma vinheta escura nas bordas. Em poucos momentos há cores mais vibrantes em tela, geralmente flashbacks de acontecimentos anteriores ao trauma e à vida adulta de Lucie. Não é uma fotografia que pretende chamar atenção para si. Igualmente a trilha sonora surge em cortes de uma cena para outra, em uma tentativa de melhorar o ritmo da narrativa. Apresenta o mesmo estilo de tantas outras fitas policiais americanas, com aparentes barulhos de grades perseguindo seus personagens.

    A sociedade é a mão que afaga e apedreja. A demonização dos marginalizados pela mídia se faz com a mesma alienação que sua santificação posterior, e A Acusada pode falhar em diversos pontos devido à falta de esforço para ir além, mas a mensagem que quer passar é clara. Lucie de B. passou mais de sete anos sofrendo graças a falsos julgamentos e ao orgulho de integrantes de um sistema falho. E ela pode ter sido exonerada, ter saído do escuro, mas ainda existem outros a habitá-lo.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2)

    Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2)

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    “The Red Capes are Comming”. A frase de Lex Luthor (Jesse Eisenberg) que se fez famosa no trailer de Batman vs Superman: A Origem da Justiça remete ao herói da independência dos EUA, Paul Revere — que também virou música na voz de Johnny Cash — atuando como mensageiro nas batalhas de Lexington e Concord. Ele chegou a Boston em seu cavalo gritando esta frase em referência aos soldados ingleses que usavam capas vermelhas.

    E é com a reação da humanidade à vinda de um força maior coberta por capa vermelha que a trama se move por boa parte do primeiro ato. O surgimento de uma espécie alienígena representa duas grandes questões da modernidade: a retirada do ser humano do pedestal de ser mais poderoso do universo, e a materialização de sua relação ambígua entre amor e temor que boa parte das religiões têm com relação às divindades. Se na Antiguidade a existência de uma força maior era um fato, hoje a fé é desmotivada e se mostra enfraquecida, como relatou Nietzsche, indicando que a fé tornou-se secundária na vida moderna, dando origem ao que ele chamou de Super-Homem (Ubermensch – Além do Homem) capaz de controlar o mundo à sua volta e não mais um joguete das fatalidades.

    Ainda assim, porém, existe a ideia de que nossos erros são a raiz da raiva de forças as quais não alcançamos total controle, tal é com as forças da natureza. Essa ideia preenche a relação de crime e castigo, amor através do temor e fidelidade forçada, conceitos essenciais para entender por que a invasão de uma divindade causa reações tão paradoxais à população do filme, temendo um deus que perde a calma caso alguém não se ajoelhe para pedir perdão.

    O medo, a febre que cresce nos corações são o motor de uma guerra, seja ela forjada em palavras ou com fogo, e é desta característica que Lex Luthor se aproveita para trabalhar sua megalomania caótica de quem não apenas desacredita e confronta, mas pretende ser o deus de seu tempo. Sua amargura é descrita numa citação breve do argumento da contradição dos fatos do filósofo David Hume para a inexistência de um deus. Porém sua maquinação não é racional como aquela da filosofia, mas sim solitária e apaixonada a ponto de impedi-lo de se contentar em matar apenas o deus metafórico e tornar-se senhor de si. O surgimento de um verdadeiro deus não se traduz para ele como uma afronta ou temor, mas na oportunidade de vingança que vai além das ruminações de quem espera respostas filosóficas. Tudo isso relaciona-se com sua performance física e verbal ao trazer um pouco de outras encarnações deste que é um dos maiores vilões dos quadrinhos, mostrando-se leve, sagaz e manipulador ao retratar o yuppie moderno da era da informação em toda sua vaidade.

    Nenhum pecado será perdoado. E é com este mantra enraizado em seus traumas que a orfandade trouxe que Batman/Bruce Wayne (Ben Affleck) e Superman/Clark Kent (Henry Cavill) interagem para criar os dois lados de uma mesma moeda. A vontade e a necessidade de fazer algo frente ao que se entende como errado são uma arma poderosa, porém polissêmica, e por isso capazes de produzir não só grandes feitos como também grandes tragédias, tal qual religiões, em que um mesmo conceito é capaz de tanto fazer alguém dar a vida em prol de um ideal quanto é capaz de dar as armas para dizimá-la. Para ligar estes dois personagens, o truque foi usar uma coincidência dos quadrinhos para representar os amores mais profundos dos meninos (apesar de a Mulher-Maravilha representar muito bem o gilrpower e mostrar-se superior e mais saiba que qualquer outra pessoa da trama, este é um filme que fala essencialmente aos meninos) e ligá-los emocionalmente.

    As duas grandes surpresas do filme ficam na performance e representação que Affleck trouxe ao Homem-Morcego, e Gal Gadot como Mulher-Maravilha, todavia o casting é irrepreensível. Como seus alteregos, a coisa funciona igualmente bem. O Batman se mostra brutal, poderoso e amedrontador em sua performance física exacerbando violência e em sua postura e fala que jamais recuam, deixando claro que sua principal gadget é o medo que provoca. Uma personificação exemplar que relaciona o figurino e o forte apelo à fantasia mostrando um Batman capaz de feitos improváveis, mas não necessariamente impossíveis.

    A Mulher-Maravilha é especialmente bem tratada, tanto por sua música-tema, que é mais impactante e carismática que a de seus companheiros de cena, quanto pela cinematografia (não por acaso é colocada no centro da Trindade), tratando de mostrar uma heroína inabalável e divina na essência do termo. Ela demonstra em suas linhas de diálogos já ter passado pelos sofrimentos que hoje os demais heróis passam. Mesmas dúvidas, mesmas tristezas, mesmas perdas, mas com a sabedoria de que não há recompensas em viver acima das nuvens, ciente de que a corrupção do poder sempre chega.

    O roteiro é coeso, mesmo com a abertura para as loucuras temporais que a DC trabalha nos quadrinhos, e possui todas as pontas costuradas pelos sempre talentosos Chris Terrio (Argo) e David Goyer, que se utilizaram de ao menos duas grandes histórias clássicas dos heróis-título. Apesar desta competência, faltam pausas para assimilar e deixar respirar certas ideias do filme e assim algumas conclusões podem soar falsas ou apressadas. Falta a mesma contemplação para justificar a ação, que, apesar de ser intensa e poderosa, conta mais com a pose do que com movimentos ao capturar muito da estética e linguagem narrativa dos quadrinhos. O recurso que nas mãos de outro diretor poderia traduzir-se em cenários enfadonhos, é bem aproveitado por Zack Snyder, o qual entende que o que há de especial na linguagem visual dos quadrinhos é justamente o preenchimento entre um quadro e o outro exigido do público, e por isso produz cenas que, independente da apreciação do todo, funcionam por si só.

    Ainda assim, o ritmo traz algumas perdas para a narrativa e à estrutura dos atos, que iniciam e terminam a ação em períodos incomuns nos demais filmes de super-heróis (tanto da Marvel quanto da Trilogia Nolan), o que afeta a noção de tempo do filme, desregulando as emoções sobre os acontecimentos e prejudicando a entrega. Ao decidir emocionar pela fantasia de se observar a trindade dos quadrinhos agora em carne e osso e pelo jogo esquemático e inteligente do roteiro, a direção acaba optando também por evitar emoções mais profundas, formando um filme rebuscado e apaixonado, mas carente de amor.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Resenha | Fúria Vermelha (Trilogia Red Rising) – Pierce Brown

    Resenha | Fúria Vermelha (Trilogia Red Rising) – Pierce Brown

    Furia Vermelha - capa - Globo Livros

    Tenho um caso sério de amor com as distopias clássicas e, na esperança de encontrar um material que faça jus a elas, tenho me aventurado em muitas das distopias adolescentes que tem feito sucesso. Fúria Vermelha tem muito em comum com elas, porém é muito mais complexa ao se aprofundar sem medo nas reflexões sociais que propõe.

    Pierce Brown, em seu livro de estréia, constrói um cenário crível, detalhando uma sociedade organizada em castas e que coloca a conquista espacial como objetivo maior. O livro que inaugura a trilogia Red Rising, começa nos apresentando os Vermelhos, casta responsável pelo duro trabalho de tornar Marte habitável. Eles são a base da pirâmide social vivendo provações em que as crianças amadurecem cedo.

    Darrow, o protagonista, tem apenas 16 anos, mas já é um homem casado e ocupa posição de destaque na sociedade por ser um “mergulhador do inferno”, elite entre os mineradores, já que sua posição exige destreza e coragem. Seu recorte da sociedade é dividido em tribos, sendo a sua chamada Lykos. A ambição maior da tribo de Lykos é conquistar a láurea, prêmio delegado à tribo que mais extrair minério, e que concede comida extra e alguns parcos luxos a seus ganhadores. Há muito Lykos não a conquista, perdendo sempre para os Gama.

    Ao contrário de Darrow, que só vê se foca no objetivo imediato de ganhar a láurea para melhorar a vida de sua família, Eo, sua esposa, questiona toda a organização social em que estão inseridos. Ela quer que seus filhos ainda não nascidos sejam capazes de escolher o tipo de vida que almejam, e tenham ambições maiores do que se tornar um “mergulhador do inferno” ou conquistar a láurea.

    Além dos vermelhos, que são responsáveis pela mineração, limpeza das cidades e outras atividades consideradas indignas, o livro nos apresenta algumas outras castas:

    • Os ouros: elite da raça humana, e soberana que governa e comanda a expansão do império espacial.
    • Os pratas: responsável pela polícia e cargos menores no exército (chamados carinhosamente pelo protagonista de latões).
    • Os bronzes: burocratas.
    • Obsidianos: raça criada especialmente para a guerra, soldados com físico impressionante, porém meros peões.
    • Azuis: responsáveis pela tecnologia, descritos como criados em uma seita que ensina a lógica que torna-os mais computadores que homens.
    • Verdes: médicos.
    • Violetas: artistas e entalhadores (manipuladores genéticos e cirurgiões plásticos), o que também é considerado uma forma de arte.
    • Rosas: humanos treinados e perfeitamente adaptados para a prostituição.
    • Marrons: responsáveis pelos serviços domésticos em geral.

    Dentro de cada casta há diversas graduações, e suas próprias tensões sociais.  Você pode ascender dentro de sua própria casta, porém não há mobilidade social fora delas. Essa característica acaba fazendo com que as pessoas estejam mais interessadas em lutar contra seu vizinho do que questionar seus governadores.

    Em seu livro de estreia, Pierce Brown, formado em Economia e Ciências Políticas, não poupa esforços pra incluir em sua narrativa reflexões sociais profundas. Sua obra é um tanto descritiva, nos entregando de graça informações que poderiam ser mais bem apresentadas se ele apenas nos mostrasse através do desenvolvimento da trama. Apesar de isso causar incômodo, sua escrita é leve e de fácil absorção. Incomoda o modo como o autor faz uso da narração em primeira pessoa, visto que o narrador é o protagonista, mas conta sua história de forma tão distanciada e com tantas informações sobre o que não está em seu entorno imediato que me questiono: por que não fazer uso da terceira pessoa?

    Normalmente não me atenho muito a esses detalhes, mas outro demérito foi a diagramação escolhida para o livro. A fonte pequena e de contornos tênues foi um desafio para meu astigmatismo e várias vezes me fez deixar o livro muito antes do que gostaria.

    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real. 

    Compre: Fúria Vermelha (Trilogia Red Rising) – Pierce Brown

    Pierce Brown

  • Crítica | Olhos da Justiça

    Crítica | Olhos da Justiça

    Olhos da Justiça - poster

    O Segredo Dos Seus Olhos levou ao cinema a intrigante história escrita por Eduardo Sacheri. O filme, repleto de simbolismos sobre a psique e condição humana, ganhou uma versão hollywoodiana estrelada pela tríade Julia Roberts, Nicole Kidman e Chiwetel Ejiofor.

    Olhos da Justiça se passa nos EUA pós-11 de setembro, em que o agente do FBI Ray Kasten (Ejiofor) é designado para trabalhar numa divisão com a finalidade de desmantelar possíveis células terroristas infiltradas no país. Sua relação de parceria com a investigadora Jessica Cobb (Roberts) permite que ambos exerçam suas funções em sintonia; a amizade entre eles, por sua vez, concede espaço para que Jess possa, inclusive, incentivar Ray a aproximar-se da procuradora recém-chegada Claire Sloane (Kidman).

    No decorrer das investigações do departamento, os agentes descobrem um homicídio ocorrido próximo a uma mesquita, e julgando ter ligação com algum terrorista, eles partem para o local e constatam que a vítima era a filha de Jessica, Carolyn. Na sequência da descoberta do corpo, as atuações de Roberts e Ejiofor evidenciam que os profissionais dessa área, que necessitam da frieza e isenção dos sentimentos para cumprir seu dever, podem perecer diante de tamanho choque; o desespero de Ray e a dor profunda de Jess são sentidos pelo espectador, e a dupla de atores divide a tela em uma das cenas mais impactantes da trama. Tal acontecimento irá separar os amigos por pouco mais de uma década, durante a qual nenhum dos dois esqueceu o fato ou deixou de investigá-lo.

    No período entre 2002 e 2015 em que a narrativa transcorre, somos guiados por flashbacks que vão inserindo dados importantes sobre a investigação paralela de Ray, que acaba abandonando sua carreira na divisão antiterrorista e consequentemente se afasta de Claire, por quem sempre foi interessado mas nunca teve coragem de se declarar, por conta do noivado dela. As observações do agente em relação ao sentimento, aparentemente mútuo, não têm espaço numa narrativa marcada pela ação (comum no cinema norte americano); Ray é movido pela esperança de encontrar o assassino, fazendo com que abstrações sejam postas de lado. Nesse ponto, tanto o personagem de Ejiofor quanto o de Roberts perdem a oportunidade de levarem seus questionamentos um degrau acima, além de frases que remetem às falas presentes no filme de Campanella. A intenção de levar tais questões ao público existe, mas carece da força e das inserções simbólicas muito bem trabalhadas na película argentina.

    A dor de uma mãe, representada pelas feições envelhecidas de Jess, e a sede de justiça por parte de Ray guiam ambos pelo tortuoso caminho em busca do criminoso. No entanto, as pistas recolhidas pelo agente os levam a um ‘beco sem saída’ e o procurado permanece nas sombras, intacto e livre da punição. A caçada termina e Ray tenta lidar com isso, inclusive imaginando como Jess pôde suportar durante esses anos a perda de Carolyn. Em um momento de reflexão Ray relembra de conversas que havia tido com a parceira, e seu instinto investigativo o conduz a uma perturbadora revelação.

    Nas sequências finais descobrimos que o homicídio cometido e o tempo decorrido não fizeram apenas Ray e Jess de prisioneiros; a dura pena cumprida em vida seria mais justa do que uma sentença de morte estipulada pela lei. Ao menos, era isso que Jessica Cobb pensava. Os velhos amigos trocam poucas palavras e gestos decisivos nos últimos minutos da trama, até que Ray finalmente enterra o doloroso passado, dando a chance para que ambos possam seguir suas vidas.

    Compre: Olhos da Justiça

    Texto de autoria de Carolina Esperança.

  • Crítica | O Esgrimista

    Crítica | O Esgrimista

    Baseado em uma história real, O Esgrimista tem feito sucesso por onde passa, se tornando o filme estoniano (co-produzido pela Finlândia e Alemanha) de maior sucesso.

    Fugindo do serviço secreto soviético de Leningrado, o esgrimista estoniano Endel Nelis volta ao país e se esconde em uma escola de ensino básico, onde começa a dar aula de educação física. Ao ensinar esgrima para os jovens, ele começa a lhes dar alguma esperança.

    O roteiro da finlandesa Anna Heinämaa preferiu usar uma narrativa épica, além de copiar a estrutura de filmes comerciais onde o embate entre um revolucionário (o professor) enfrenta o conservador (o coordenador da escola). O roteiro só não fica pobre em originalidade por causa dos personagens infantis (e do contraste entre idade com o professor), além do universo do treinamento e competição da esgrima, um esporte que poucos conhecem.

    Retratada como um esporte de pouco interesse para o regime, a esgrima, além de não ser considerada educativa para crianças, era perigosa. Além disso, ela também era vista como um esporte medieval, fazendo uma alusão ao passado comunista e soviético da Estônia.

    Para reforçar esta visão obtusa, a ambientação em uma cidade distante e quase abandonada, onde seus habitantes são regidos por um excesso de burocracia dentro de uma ditadura, foi pontual. O roteiro mostra claramente que havia mais divisão do que igualdade naquele microcosmo da sociedade soviética.

    No entanto, a grande força do roteiro reside no protagonista. Endel é um personagem denso não somente pelo passado obscuro que ele reluta em nos revelar, mas também pela dúvida que carrega entre fugir do passado ou criar uma nova vida ajudando as crianças daquela escola. E a virada mais interessante do roteiro está no fato de que é justamente a vida nova, as crianças, que o ajuda a enfrentar o passado de que ele tanto foge em Leningrado. É a mensagem do roteiro de que, para se poder viver plenamente o presente e se programar para o futuro, é preciso se estabelecer com o passado.

    A direção do também finlandês Klaus Härö consegue melhorar o roteiro dentro da sua proposta melodramática. O seu domínio de narrativa consegue ambientar bem o espectador desde o início e se sobressai nas cenas de intimidade entre o protagonista e a professora, em especial nas cenas em que ele ensina a ela a esgrima, também durante as aulas com as crianças, e na sequência final que, apesar de clichê, manteve a proposta épica. A direção de atores mantém as caricaturas, deixando o filme uniforme.

    A atuação não teve nenhum grande destaque fora o protagonista, interpretado por Märt Avandi. Ele fez o que lhe pediram, porém poderia ter dado maior expressão facial nas cenas com maior peso dramáticio, ter passado a angústia que o seu personagem sentia dentro da narrativa.

    A fotografia de época de Tuomo Hutri teve pouca saturação nos tons de marrom e amarelo. Ela se torna interessante na estação de trem: o excesso de fumaça vira a metáfora para o místico, o desconhecido, o medo que gera as mudanças nas nossas vidas. A luz branca na sequência final das lutas representa o sonho que foi para as crianças chegarem até ali.

    O filme tem um bom ritmo, a edição de Ueli Christen e Tambet Tasuja é invisível. A construção épica na sequência final da luta trouxe clichês à tona, foi aqui onde a edição mais trabalhou.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | É o Amor

    Crítica | É o Amor

    É o Amor - Poster

    A vida imita a arte, e arte é um reflexo da vida olhada através de vidros curvados e obturadores, pincéis e acordes. É muito fácil encontrar em peças de arte tão abrangentes quanto o cinema um tanto de nossa vida. Mas talvez o diretor já experiente Paul Vecchiali desconfiasse deste poder e buscasse falar a todos os amores ao mesmo tempo, sempre de uma forma severamente cínica e desconfiada da instituição do Amor, e lançando luz sobre a ideia de que, embora seja um símbolo ao qual todos queiram se apegar, este símbolo mostra-se como uma espécie de espectro debochado ou como uma barata, que foge cada vez que acendemos a luz, e quando foge deixa o sentimento de constrangimento.

    O amor é aqui uma desculpa para derramar sangue, trair expectativas e atuar como raiz e fruto da descompensação sentimental. Pessoas que não amam o que fazem, jovens héteros que não compreendem o amor, velhos gays que se amaram demais de forma platônica e hoje não sabem como lidar um com o outro.

    A palavra-chave para o verborrágico filme É o Amor é dissonância. Logo na primeira cena vemos um monólogo patriarcal sobre o comportamento da sociedade em torno do que fazemos entre quatro paredes. Em seguida uma discussão banal entre um casal de uma pequena cidade no interior francês, inicialmente com o enquadramento no marido que chegou tarde e tenta dissuadir a esposa em sua chateação de estar sentindo-se sozinha. Ela argumenta que ele que a convenceu para sair do emprego que gostava e onde tinha amigas. Sua argumentação tem pouco efeito no marido, e por consequência pouco efeito em nós. Os efeitos sonoros diegéticos de pratos e garfos tilintando sem que os vemos nos faz pensar nos movimentos da esposa. A imagem que vem, ainda sem sabermos como é seu rosto, é de uma típica megera. Em seguida, o mesmo diálogo, mas com o enquadramento ancorado na esposa. Vemos então que sua fala não é amarga, é solitária e triste, e que quando ri o faz como estratagema para aceitação de uma condição de deslocamento. O tilintar dos pratos e garfos em uma casa minúscula mostra uma pessoa que se esforça para fazer muito com pouco e fazer o dia ancorado naquela casa algo um pouco menos monótono. Ela quer trair o marido. Ele acha absurdo. Ela acha mentira. Ele diz que a ama. Ela quer que ele sinta mais do que diz.

    O mesmo recurso é usado posteriormente e demonstra a tese defendida de que, quando não se enxerga o outro, a palavra e os afagos se dissolvem no ar. Com um dos personagens centrais sendo um ator insatisfeito com sua carreira e monólogos bastante expositivos, a impressão é que se está vendo uma peça teatral, inclusive pela forma propositalmente desleixada que a trilha sonora é inserida misturando aquilo que os personagens ouvem com o que não deveriam ouvir. É o Amor defende que a tristeza do amor é que ele é, justamente, como no teatro e cinema, apenas uma farsa ensaiada.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Friamente Calculado | O Abismo de Domingo

    Friamente Calculado | O Abismo de Domingo

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    Ao final de todo domingo, não é incomum para a grande maioria da população brasileira ser tomada por uma melancolia opressiva e vinda, aparentemente, de lugar nenhum. Todo mundo já teve essa sensação. Para alguns é a triste comprovação de que mais uma semana se passou e nada em suas vidas foi realizado, para outros é o pavor de mais uma segunda-feira que preconiza uma semana terrível. Invariavelmente a tarde de domingo nos leva a esse estado brutal de existência.

    Mas a culpa não é da semana que passou, da nossa vida pessoal ou uma eventual doença mental que finalmente se manifestou. A culpa é toda de uma entidade maligna que domina as tardes de domingo e se alimenta da felicidade e do bom humor das pessoas: Faustão.

    FAUSTAOFaustão (representação artística).

    E eu vou provar isso hoje. Eu vou realizar algo que ninguém jamais ousou na história da televisão brasileira: eu vou assistir ao Domingão do Faustão inteiro, sem trocar de canal. Se eu perder minha sanidade ou morrer durante o processo, digam a Pedro Lobato para parar de mandar nudes. E para o Pablo Grilo…. Mandem ele se foder.

    18:57

    Aqui estou, esperando a coisa começar. Essas propagandas das Olimpíadas estão me deixando enojado.

    19:01

    Vejo jogadores pulando com uma taça na mão. Ainda estamos no futebol? Não vamos ter Domingão do Faustão hoje? Eu estou com sorte?

    19:04

    MERDA!

    19:05

    Nossa, que bom…. Hoje temos Marcos & Belutti no programa. O que é isso? E a história dos cachorros que dormem no ártico, ou algo assim. As pessoas da plateia parecem mortas. Não ficaria surpreso se de fato estivessem.

    Meu deus, ele nunca vai parar de falar?

    19:07

    “Quem sabe faz ao vivo! ” – Faustão.

    Vá à merda.

    Ah, aqui estão Marco e Belutti. É isso? As mulheres na plateia gritam como gatas no cio.

    19:10

    Faustão, a Besta, tenta dialogar com os dois. O Marcos (ou o Belutti, eu não sei) imita o Pato Donald e o Bob Esponja durante a entrevista. Se isso não fosse o Domingão do Faustão eu acharia isso estranho.

    O melhor é o sorriso sem-graça (e sem humanidade) do Fausto. É evidente que ele se importa tanto com esse programa quanto eu. O que nos faz indagar: ele faz isso pelo dinheiro ou pelo prazer de torturar a audiência? Ou ambos?

    19:13

    Quem se importa com Marcos & Belutti? Quem? Quem são essas pessoas? Porque você está entrevistando eles? Qual o problema com essa porra de programa?!

    19:16

    Eles vão “cantar” de novo? Porra!

    19:18

    Eles ainda estão tocando… Acaba de me ocorrer: como alguém vira dançarina do Faustão? Que tipo de sonho de carreira demente é esse?

    19:22

    O Faustão não é humano. Já notaram que as calças jeans dele não parecem se encaixar no corpo? É como um bujão de gás apoiado por duas pernas-de-pau. Talvez isso seja um recipiente falso para uma forma mais horrenda, uma espécie de roupa falsa que ele usa para parecer humano.

    19:25

    Vinte minutos se passaram e é a mesma coisa: eles continuam cantando e a plateia adora. Detalhe para Faustão se intrometendo na música, dizendo com sua voz nojenta: “Cantando na televisão! ”

    19:27

    Peraí…. Existem dançarinos homens no Faustão agora?

    É, estamos ficando velhos, Magneto.

    19:28

    “Toda glória é para deus”, segundo um dos cantores. Então eu estava certo: eles não merecem glória alguma, já que receberam tudo de graça de deus. Esses trapaceiros filhos-da-puta!

    19:30

    Primeiro intervalo. Eu realmente espero que dure bastante.

    19:31

    Sim, propaganda do PMB! Dure 5 minutos, por favor! Não, não vá embora! Não!

    19:35

    Oh, voltamos. …Ele está fazendo propaganda de turismo? Costa do Dendê. OK.

    19:37

    Domingão aventura…. Os cachorros da Groenlândia.

    É quase interessante ver o Faustão fazendo perguntas e respondendo ele mesmo. O Jô faz isso também. Deve ser mania de gordo.

    19:40

    “Mulher baixinha é mulher brava.” – Faustão.

    O que isso implica? Que mulheres altas são dóceis ou que você é um gordo imbecil?

    19:41

    “Ela pegou o martelo… o que que ela vai fazer com o cachorro? ” – Faustão

    Ora, Fausto… é óbvio que ela vai sodomizar um deles com o martelo.

    19:43

    “Tem ar condicionado aí? ” – Faustão.

    Há. Há. Há. Ah, Fausto…. Porque você não morre?

    19:45

    Eu tenho pena do cara responsável por isso. Quer dizer, você viaja o mundo, se aventurando, conhecendo novos lugares e culturas… para mostrar ao público com a “ajuda” de Fausto Silva. É muito triste.

    “Eh, garoto! ” – Faustão.

    19:47

    Ei, é aquela ruiva gostosa. Segunda ela, parece que Ipanema é um lugar legal. Quem diria?

    Ipaneme-se??? O que é essa merda?!

    19:49

    “É, ou não é?!” – Faustão.

    Fausto está abusando da sua posição de dono do programa para humilhar a equipe de produção. Um grande homem.

    19:50

    Mais um intervalo. Aleluia.

    19:52

    PMB novamente. Será que homem pode se afiliar? Não seria estranho?

    19:56

    E voltamos, infelizmente. Faustão cita várias cidades e a plateia grita desesperada. Qual o orgulho de ter a sua cidade citada nesse programa horrível? Essas pessoas também aplaudem o médico que as informa de um câncer incurável?

    19:57

    É hora do quadro “Tem Gente Atrás”. Espero que o MDM esteja ganhando royalties.

    É basicamente um show do milhão, mas ao invés do carisma e bom humor de Silvio Santos, nós temos o avatar lovecraftiano da depressão fazendo as perguntas.

    20:01

    Por alguma razão, que está além da compreensão humana, durante o quadro “Tem Gente Atrás”, existem dois imitadores péssimos de Ronaldo Fenômeno e Casa Grande, fazendo comentários sem nexo.

    O Ronaldo se torna o Galvão Bueno por alguns momentos. Por quê? A pergunta correta é: quem se importa? Está claro que a produção não dá a mínima.

    20:05

    Por uma fração de segundo, na plateia, eu vi um homem com obesidade mórbida e uma expressão assustada no rosto. Esse foi o melhor momento do programa até agora.

    20:07

    Temos um imitador, no chuveiro, imitando o GRANDIOSO SELTON MELLO. Agora ele está cantando.

    O que é esse programa quer dizer para mim? Que Selton Mello ainda é relevante? Bem, vai se foder!

    20:11

    E de repente, surge Tony Tornado. Não, isso não é um fanfic. Ele realmente surgiu de repente no programa.

    Que fim de carreira maldito, hein?

    20:15

    Eu consigo sentir as ondas de depressão emanando da televisão. Se eu não mantiver o foco eu posso cometer suicídio a qualquer momento. Esse programa é tão ruim que eu poderia me matar com as almofadas do sofá.

    20:16

    Trouxeram um maluco que parece um cosplay do Homem-de-Ferro feito com 10 reais para tocar “Ai se eu te pego”. O mundo é um lugar horrível.

    20:18

    Agora vai! Um dos candidatos é um travesti autointitulado “Beyonce do Amapá”! E o nome dele é Cleyton.

    20:21

    Um fotógrafo dando dicas…. Ah, que se foda, eu desisto. Eu sinto como se estivesse com ressaca e eu nem bebi nada hoje. Esse programa é a forma televisiva da diarreia.

    20:24

    Mais um intervalo. Acho que vou aproveitar para contar um evento que ocorreu comigo hoje.

    Exatamente ás 17:41, uma dupla vestida com roupas sociais tocou a campainha de minha residência. Abri a porta e logo os identifiquei como missionários mórmons. Um deles era magro e alto, de cabelos loiros, o outro era menor e moreno. O único que falou comigo e produziu sons foi o maior, enquanto o menor observava nossa conversa em silêncio (seria ele uma espécie de lacaio do maior?).

    O português do ianque era muito bom, sendo que seu sotaque só era percebido com bastante atenção. Ele me perguntou, educadamente, se eu era de alguma religião. Eu disse a ele que não praticava nenhuma religião e não tinha nenhum interesse no assunto, me despedindo logo em seguida. Foi estranho: por um momento eu pensei em sacanear ele, fazendo perguntas sobre a cosmologia etnocêntrica de John Smith ou as práticas poligâmicas de sua família. Mas não o fiz. Uma pequena voz no fundo da minha consciência constantemente me dizia: “é fácil demais. ”.

    Essa foi a primeira vez que fui incomodado por missionários mórmons em minha própria casa. Hoje, de todos os dias…. Será que Elohim, no planeta Kolob, sabia o que eu estaria prestes a fazer hoje? Será que ele tentou me oferecer a salvação através dos seus fiéis antes que eu me aventurasse nas profundezas horrendas do Domingão do Faustão?

    Oh não… O que foi que eu fiz?!

    20:29

    E voltamos… E ainda estamos no mesmo quadro! Caralho! Eu pensei que essa porra já tinha terminado.

    20:31

    Eu pagaria qualquer quantia em dinheiro para socar a cara desse gordo. Ele simplesmente não é natural.

    Porque elas estão dançando agora? Está todo mundo chapado nessa porra?

    20:32

    Agora vem as videocassetadas. E ele começa um monólogo. Puta merda.

    Quem ainda assiste as videocassetadas? Eu posso, em 5 segundos, procurar acidentes no Youtube e encontrar mais de 100 horas seguidas desse conteúdo. E a melhor parte: não tem um gordo idiota comentando cada queda!

    20:36

    “Isso é um cachorro ou um jumento? …. É um cajumento. Agora ele virou um tatu. ” – Faustão.

    Eu não estou inventando isso.

    20:37

    Caralho, algumas dessas gravações tem mais de 30 anos. É possível que a maioria dessas pessoas estejam mortas ou sejam idosas atualmente. O que faz desse quadro um segmento extremamente mórbido e transforma o Faustão em um monstro muito maior do que eu imaginava.

    20:39

    “O marido manda aquele torpedo. A cada mulher que eu olho eu vejo você. ” – Faustão.

    Isso foi uma tentativa de piada? Nossa, estamos entrando em novos terrenos da comédia aqui! Logo vamos ter piadas sobre crianças morrendo de câncer.

    20:43

    “O quadrúpede e o…. e o…. a família toda. ” – Faustão.

    Oh, o que seria da televisão brasileira sem os comentários divertidos desse cara? Quando o Faustão se aposentar eles vão ter que substituí-lo por um serial-killer gago com delírios em que é constantemente molestado pelo Papai Noel.

    20:44

    Propaganda do MiniChicken perdigão. Parece que é uma delícia. E o Faustão humilha mais uma vez um membro da equipe.

    “Só a perdigão pra oferecer pra galera… MiniChicken! ” – Faustão.

    20:46

    “Vem aí o filme: o assassinato do farofeiro! ” – Faustão sobre um homem caindo de paraquedas.

    Eu não entendi a “piada”. Mas é aí que está a genialidade desse homem: ele também não entendeu.

    20:47

    “Uma nova pizza… Pizza de borracha. ” – Faustão sobre uma pizza normal.

    Se Faustão fosse um palhaço, ao invés de ir ao picadeiro apresentar comédia física ele cortaria os pulsos e jogaria sangue na plateia enquanto grita desesperado: “Eu tenho AIDS! Eu tenho AIDS! ”.

    20:49

    “Coitado do Robin… olha o cachorro Batman. ” – Faustão comentando sobre um menino e um cachorro comuns.

    A mente do Faustão não funciona como a mente de uma pessoa normal. Quando ele assiste um filme de guerra ele fica perguntando quando o chimpanzé vai ganhar o campeonato de voleibol e depois ele elogia a maquiagem do cowboy espacial. É uma mente única.

    20:51

    “Eu vou morrer…. Aaaaaaaaggghhhhh! Aaaaaahhhhhh! Aahhhhhh!” – Faustão sobre um cara que se machucou fazendo supino.

    Por um momento eu fechei meus olhos e imaginei que o Fausto estava morrendo de verdade. Foi ótimo.

    20:52

    “Olha o cara, o cara parece uma tartaruga ninja. ” – Faustão sobre uma pessoa de quadriciclo que não se parece em nada com uma tartaruga ninja.

    … O Michael Bay assiste esse programa?

    20:53

    “Sai da chuva panetone!” – Faustão.

    Nós não possuímos recursos na Civilização Ocidental para desvendar o que essa frase significa. Nossos cientistas vão levar no mínimo 3000 anos só para entender o contexto dessa aberração, depois eles vão arrancar os próprios olhos quando descobrirem que é tudo uma piada ruim sobre pênis.

    20:56

    “Agora vem aí! O pai-naca! ” – Faustão.

    Um trocadilho contado por uma pessoa comum é somente uma piada ruim. Um trocadilho contado por Faustão é uma arma, a qual ele não tem medo de usar.

    20:57

    Acho que meu cérebro está anestesiado. Eu já nem consigo entender o que essa abominação está falando. Não consigo nem entender as imagens.

    20:59

    Ele agradece e me deseja “boa viagem”. Para onde eu vou Fausto, para o inferno? Já não estamos nele?

    21:00

    Os créditos sobem e começa o Fantástico. Nesse momento, eu juro que eu escutei um enorme barulho de peido vindo dos céus. Não pude confirmar se foi um sinal divino ou a minha mente achou apropriado terminar essa merda com um peido.

    *****

    Eu não tenho palavras para descrever o Domingão do Faustão. Nem Fausto Silva tem palavras para fazer descrever isso. Se alguém perguntar para um membro da produção o que exatamente eles estão fazendo, eu aposto que todos vão começar a chorar em posição fetal.

    Não existe diversão aqui. Não existe alegria, nem interesse…. Nada. Somente o Faustão. Ele e o abismo de domingo.

    Texto de autoria de “The Nindja”.

  • Crítica | Little Boy: Além do Impossível

    Crítica | Little Boy: Além do Impossível

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    Era uma vez um garotinho chamado Pepper (Jakob Salvati), que morava com sua família – pai, mãe, irmão mais velho – na costa oeste dos EUA, na época da Segunda Guerra Mundial. Pepper sofria bullying na escola, por ser menor que as demais crianças de sua idade e seu apelido era obviamente Little Boy. Seu único amigo era seu pai, James (Michael Rapaport), com quem vivia grandes aventuras. London (David Henrie), o irmão mais velho, não conseguiu se alistar e, por causa disso, é James quem vai para a guerra no Pacífico. A partir daí, Pepper se esforça para fazer o possível – e o impossível – para que seu pai retorne logo.

    É nesse tom fantasioso, misturando realidade e a visão infantil de Pepper, que o diretor/roteirista, Alejandro Monteverde, conta sua história. As soluções narrativas utilizadas por ele – tanto a narração em off, pelo protagonista já mais velho, quanto um momento histórico relevante visto pelos olhos de uma criança – remetem a várias outras obras e, infelizmente, não consegue aplicar essas técnicas tão bem quanto as demais – Peixe Grande, A Vida é Bela, Esperança e Glória.

    Tomando como ponto de partida o dito que “a fé move montanhas”, o diretor tenta construir uma parábola que aborda superficialmente a questão da fé em si e da fé como instrumento de manipulação, da intolerância e do preconceito, do bullying. Não só o mote que norteia a história e que é repetido à exaustão, como também o uso de outras histórias bíblicas como exemplo (ou muleta) para alguns eventos, dão ao filme um viés religioso que talvez incomode alguns espectadores. O roteiro até flerta em alguns momentos com uma certa crítica à mitologia cristã, mas é tão en passant que mal pode ser considerada.

    Um problema recorrente são os trechos que acontecem fora do universo de Pepper – as cenas da guerra e do combate dos samurais. Elas parecem tão caricatas quanto as cenas dos filmes de Ben Eagle (Ben Chaplin), o personagem das histórias em quadrinhos que o pai de Pepper costumava ler com ele. São pouco realistas, limpas demais, teatrais demais e, por conta disso, tiram o espectador da imersão na história que, por si só, já não é muito envolvente. A fotografia é boa, mas não se pode dizer o mesmo da montagem, que insiste em intercalar “os dois mundos” sempre que Pepper enfrenta uma situação difícil. Fica nítido o esforço do roteiro para direcionar e manipular os sentimentos do espectador. E a trilha sonora contribui com essa percepção, tendo vários elementos banais, lugares-comuns postos ali “apenasmente” para emocionar o público.

    O elenco está bem, com destaque para a mãe de Pepper, Emma (Emily Watson) e para o próprio Pepper, que consegue conquistar a simpatia do espectador, sem exagerar na atuação. O roteiro dá muitas soluções simplistas e, por isso, previsíveis. Pode-se notar isso principalmente no desfecho da história. Teria sido corajoso demais se o roteirista tivesse optado por um happy-end menos clichê. Enfim, é um filme feito para comover a plateia.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Minha Irmã

    Crítica | Minha Irmã

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    Dirigido por Ursula Meier, a produção Minha Irmã optou por um caminho não convencional para narrar uma história única. Na trama, Simon, de 12 anos, passa o dia numa estação de ski na Suiçam roubando bens de turistas e usando o dinheiro para poder levar comida para a casa da irmã mais velha onde vive.

    Escrito pela diretora em parceria com três colaboradores, o roteiro enfrenta um problema grave de unidade durante a narrativa, a história incomum precisaria trabalhar melhor o protagonista. Faltam cenas que complementem as ações da subtração dos pertences que Simon nunca irá ter, fazendo alusão a sua infância perdida e ao seu caráter em formação. Focar somente nas cenas em que ele rouba por roubar não contribui muito a obra. Ele e sua irmã são grandes personagens que acabaram sendo desperdiçados por uma narrativa boba.

    Apesar de se manter fiel a esta proposta uma boa parte do filme, nas vezes onde escorrega, a história perde a força que poderia ter. Por mais que opte por menos dramaticidade, as ações pontuais não fazem muito sentido depois da repetição extrema e a falta de ligação entre elas. O roteiro só se salva depois da reviravolta do meio pro final da história, onde a qualidade aumenta bastante e deixa-o muito mais interessante, pena que somente na parte final.

    A direção de Ursula Meier conseguiu se manter coesa dentro da narrativa, porém o filme perde a força que poderia ter tido. Não faz sentido a utilização em excesso dos tempos mortos, eles soam jogados, sem um propósito maior eles não enriquecem, pelo contrário, dá uma noção de que a sua direção tenta emular um realismo que não coube para a história, para tentar uma originalidade que ela não possui. A direção ganha força nas partes do filme onde o protagonista interage com a irmã.

    Kacey Mottet Klein não comprometeu o filme, porém o jovem só contribuiu com alguma qualidade nas cenas com outros atores. Nas poucas vezes em que aparece, Léa Seydoux mantém a boa atuação. Destaque ainda para a curta participação especial de Gillian Anderson.

    A edição é de longe a pior coisa do filme. Nelly Quettier deixou uma narrativa lenta, sem ritmo, enfadonha que pode deixar o espectador sem interesse. Ela só se destaca nas cenas entre Simon e a irmã. A fotografia de Agnés Godard contribui pouco. Mesmo estando em um local paradisíaco como uma estação de ski durante o inverno, os enquadramentos não são bonitos, por mais que tentem metaforizar a vida pobre do protagonista, eles seriam muito mais interessantes se mostrassem o contraste de uma estadia feliz em um local bonito com a sua vida vazia e marginal.

    Minha Irmã só vale a pena para quem quiser assistir um filme diferente que se passa em uma ambiente não usual. No mais, é esquecível.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Um Homem Entre Gigantes

    Crítica | Um Homem Entre Gigantes

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    Um Homem Entre GigantesConcussion em inglês, em uma das raras vezes onde a inventiva tradução do título no Brasil acerta — conta a história do genial neuropatologista forense nigeriano Dr. Bennet Ifeakandu Omalu e o dia em que se deparou com uma morte misteriosa e sem muitas explicações, e viu se imbuído do espírito científico da ética na busca pela verdade e compreensão. Trata-se da morte de um famoso jogador de futebol americano pelo Pittsburgh Steelers Mike Webster, morto em 2002 devido a um ataque cardíaco e sofrendo sintomas de depressão, esquizofrenia e Alzheimer, apesar de tomografias não apresentarem nenhum indícios de tais transtornos, e rejeitado pela família, incapaz de lidar com a dificuldade de ter um homem de quase 2 metros e mais de 100 kg sem controle de si.

    Morta no plantão de Dr. Omalu, as características da vítima lhe chamaram atenção, e desta forma decidiu bancar do próprio bolso exames do cérebro do astro, chegando a conclusão, a partir de insights sobre casos de doenças semelhantes no boxe, de que as repetidas pancadas na cabeça chacoalhando o cérebro geram traumas internos que liberam proteínas tóxicas no cérebro capazes de deteriorarem-no de dentro para fora, fazendo com que a mente da pessoa definhe. Apesar das represálias e falta de entendimento do corpo médico da cidade, Dr Omalu submeteu os resultados a revistas científicas e batizou sua descoberta de ETC, ou Encefalopatia Traumática Crônica, transtorno que levou à morte de outros grandes astros do esporte, muitos deles por suicídio devido a confusão mental. Estima-se que um jogador de futebol americano da defesa leve cerca de 70 mil pancadas na cabeça ao longo dos anos com uma intensidade duas vezes maior do que o suficiente para que uma pessoa sofra uma concussão. É um trauma físico análogo a ser submetido a 25 mil batidas de carro ao longo da vida, de acordo com resultados publicados pela Universidade de Oklahoma.

    Dr. Omalu formou-se em medicina na Nigéria, epidemiologia na Universidade de Washington, uma série de mestrados em saúde e MBA’s e hoje é professor na Universidade da Califórnia. Mas Dr Omalu é um homem excêntrico. Extremamente sério, comedido e educado, falava com seus pacientes por tratá-los com o respeito devido e por sua formação católica.

    Uma preocupação central no filme era com a acurácia científica e histórica do caso, apelando para ferramentas narrativas fictícias em casos bem específicos, como o colega de trabalho Dr. Omalu, inserido na trama para representar as vozes da cidade que se opuseram à autópsia do astro Mike Webster. Devido a essas vozes e a falta de orçamento, Dr. Omalu teve de pagar os exames, que geraram os resultados da autópsia de seu paciente zero, valor que chegou alcançar os U$ 100 mil. A NFL tentou descriminá-lo e descredenciar sua formação e resultados em razão do impacto que isso poderia provocar no esporte.

    Will Smith entrega-se ao papel com grande propriedade — já tirando o elefante da sala, sim, ele merecia sua indicação no Oscar de 2016—, inserindo um olhar gentil, mas levemente oprimido pelo gigantismo do que o cerca, trazendo um sotaque bem ensaiado e que demonstra a óbvia convivência com o verdadeiro Dr. Omalu, embora todo o poder de sua interpretação não entre em ressonância com seu porte físico. Sua interpretação vai crescendo conforme se opõe à ignorância e se estabelece como alguém que merece o devido respeito por tudo que é, sem se abalar com a insistência das pessoas de não o reconhecerem como médico. O papel também foi aparentemente o responsável por conectar Will Smith com suas raízes africanas e ver a dificuldade que as pessoas de sua etnia enfrentam no dia a dia para conseguir demonstrar-se capazes, apesar de sua origem. Sua tristeza vem da incompreensão da inversão de importância das coisas e sentimento de engano quanto ao sonho americano.

    Não é filme sobre o futebol, embora faça um meio-campo evitando colocar o amado esporte como vilão, mas é basicamente um filme sobre força. Ao iniciar o filme com um belo discurso de Mike Webster, o diretor Peter Landesman demonstra reconhecer o domínio transformador e motivador do esporte, bem como sua beleza. Mas através da narrativa trata de demonstrar um outro poder que contrasta com o apresentado em campo e que não vem da luta corporal. O poder em questão é da busca do entendimento da realidade e a verdade. Dissolver os problemas, dirimir as dificuldades, compreender os processos e apresentar ao mundo por que este é o dever de quem pode fazê-lo e o direito de quem não sofre por não saber. O poder da ciência contra a ignorância dos negócios é sempre exaltado de forma apaixonada, principalmente em comparações entre os desmandes da NFL (Liga Nacional de Futebol Americano) com as atitudes da indústria do cigarro durante épocas anteriores.

    As grandes dificuldades do filme, no entanto, surgem na direção, fotografia e edição. A primeira não foi capaz de livrar-se de diálogos excessivamente expositivos para descrever o que os grandes atores em cena poderiam realizar muito bem, e nem sente vergonha de repeti-los, imaginando, talvez, que o assunto seja muito complexo. Em conjunto com a edição, não há esmero em dar algum tom ou ritmo em cenas mais intimistas, forçando cortes desnecessários e close-ups que só servem para oprimir e não aproximar. Nas transições de cena, principalmente naquelas que visam mostrar eventos simultâneos, não é claro que são acontecimentos ligados de alguma forma e deixam as cenas mais truncadas do que deveria. E se há um outro pecado é o fato de a cinematografia ser óbvia, e não se esmerar em criar quadros interessantes para a narrativa ou até mesmo bonitos. Por fim, Um Homem Entre Gigantes traz certa estranheza aos mais conhecedores do mundo do cinema ao trazer atores conhecidos em papéis que mal têm uma fala completa, deixando um suspense improdutivo sobre os atos daqueles personagens, sendo que na verdade estão apenas fazendo uma figuração de luxo mesmo.

    É com certeza um filme necessário, tanto pela sua história quanto como mensagem de empoderamento do povo negro e do racionalismo no combate do poder irracional e pragmático das máquinas financeiras, algo necessário em tempos onde mineradoras e indústrias petrolíferas têm voz na negação de seus impactos. Todo esse conteúdo é capaz de fazer relevar com facilidade as duas horas de filme e revigorar a fé na verdade.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Deadpool e o Fim da Moda dos Super-Heróis

    Deadpool e o Fim da Moda dos Super-Heróis

    Deadpool

    As caracterizações do gênero

    Normalmente se nomeia um gênero pelas características:

    – Narrativa
    – Caracterização dos personagens
    – Temas básicos
    – Ambiente
    – Iconografia
    – Técnicas
    – Estilos

    E a princípio, temos quatro grandes gêneros definidos por Aristóteles, que são: Comédia, Ação, e Tragédia/Drama e Thriller. Disso temos subgêneros, como o sci-fi, que normalmente se estabelece como drama por contar com embates existenciais, o papel do ser humano, seu destino e sobrevivência. Eventualmente há intercepção entre estes gêneros e subgêneros, como no caso da Soap Opera (Ex: Star Wars).

    Elementos em comum não são o bastante para a categorização. Normalmente identificam-se certos elementos bem específicos para perceber um gênero. Mas esta é a forma como identificamos a criação de um gênero, que é sempre a posteriori”, já que, em cinema, gênero sempre teve uma definição flutuante, pois um grupo de signos apenas se torna gênero de acordo com a percepção da crítica e do público. Você não cria um gênero, mas sim elege um gênero.

    Agora os filmes com super-heróis: não formam um gênero

    Tudo indica que o filme de super-herói não é um gênero em si, mas sim um gênero tautológico, ou seja, não existe realmente como gênero ou subgênero, mas apenas como formato.

    O termo Tautologia vem da lógica proposicional, em que uma sentença é tautológica se for verdadeira para valores diferentes de suas variáveis. Em português isso ganha status de redundância, mas neste contexto é quando um gênero passa a depender de certos signos independente do seu tema ou de sua dinâmica. Por exemplo, cinema surrealista é um “gênero tautológico”, pois independente de ser comédia, ação ou suspense, tem signos redundantes em comparação com outros filmes surrealistas e que o identifiquem como “surrealista”, mesmo que isso não diga nada sobre o conteúdo, mas apenas sobre o formato. Algo parecido acontece com as “escolas cinematográficas”, que apesar de possuírem signos em comum não representam um gênero.

    Tanto é assim que a saída dos estúdios para carregar o formato é atribuir gêneros com clichês mais bem definidos, mas usando como pano de fundo o mundo super-heroico. Você teve o filme de ação/assalto de Homem-Formiga, a aventura clássica de Capitão América: O Primeiro Vingador, o thriler político de Capitão América: Soldado Invernal e diversos outros expedientes para protelar essa deterioração do formato.

    A moda e seu ciclo

    deadpool

    Certa vez, um amigo disse ter lido que Hollywood tira leite de uma vaca até secar e, quando o leite acaba, sacrifica a vaca com a paródia. Em meados dos anos 30, após um período de intensa popularidade, os Monstros da Universal só sobreviveram na forma de filmes que parodiavam esses monstros.

    E é mais ou menos assim que funciona, pois podemos delimitar as seguintes etapas do ciclo:

    – Enunciação
    – Solidificação
    – Apogeu ou Era de Ouro (Etapa onde geralmente surgem os clássicos)
    – Fórmula (Era dos tais “filmes eficientes”. Acontece quando o cinema já entendeu o que funciona)
    – Dissolução / desconstrução / crítica (Autorreferência, incômodo com o status quo)
    – Retomada / hibridização / sátira (O cinema ri de si mesmo e mostra o ridículo de seus clichês)

    A aplicação disso é não linear. Claro que surgem filmes antecipando essas etapas, mas a historiografia do cinema dá base a esse ciclo, como o cinema noir, que começou como uma espécie de paródia.

    Deadpool estreou com valores e recordes para o mês, para uma obra de classificação Rated-R, próximo de completar U$ 55 milhões em sua segunda semana de exibição, totalizando U$ 235 milhões, ultrapassando o até então vencedor da Fox entre os super-heróis X-Men 3: O Confronto com seus U$ 234 milhões. Mundialmente é o segundo da franquia, atrás apenas de X-Men: Dias de um Futuro Esquecido. O filme também quebrou todos os recordes para o mês de fevereiro, considerado um mês ruim para o cinema.

    Isso resume o filme num grande sucesso para seu orçamento abaixo dos U$ 60 milhões, com uma campanha de marketing genial por ser concisa e utilizar-se das redes sociais e do carisma de Ryan Reynolds como poucas campanhas conseguiram. A que mais se aproximou deste sucesso em rede foi a de Batman: Cavaleiro das Trevas, no já longínquo 2008, utilizando uma complexa campanha viral que incluiu corridas de caça a uma maleta do Coringa pelas principais cidades do mundo.

    Mas talvez o sucesso de Deadpool reflita uma questão bastante comum em Hollywood que se assemelha ao ciclo da moda nas passarelas. Assim como os estilistas, estúdios visam antecipar tendências e, quando possível, criá-las. Não à toa, é comum em um mesmo ano haver diversos filmes de uma mesma espécime ou até mesmo personagem (dois filmes do Mogli esse ano e um muito semelhante chamado Meu Amigo Dragão, bem como alguns filmes sobre o personagem Tarzan). E assim como a moda volta, se estabelece em ciclos que relativamente se repetem a cada determinado período de tempo, fazendo voltar inclusive as terríveis calças saruel, o cinema, a música, games e demais formas de cultura.

    O melhor exemplo deste tipo de ciclo, ou a forma mais simples de identificar a questão, talvez seja a música. Como uma variação e releitura do blues, o rock n’roll surgiu como uma resposta à música conservadora dos anos 50. Mas pelo dinamismo cultural e novas influências ele sofreu uma nova variação, mais pessimista e menos festiva (punk, entre outros), que foi se estilizando mais até ficar uma autorreferência, e então virar uma paródia de si em larga escala e mais popular (emo), sendo este o final do ciclo. Nesse ponto, o mercado esgotou-se, e aí o gênero precisa se reinventar.

    A paródia dos filmes de super-heróis

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    A paródia nos filmes de super-heróis como apontamento do fim do ciclo modal se deu bem antes, com Shane Black em Homem de Ferro 3 fazendo Tony Stark invadir covis usando armas feitas com brinquedos, e a gag do vilão étnico super poderoso, que no fundo não é tão super poderoso ou ameaçador assim. Ao antecipar-se ao momento de fim de ciclo, e pela falta clara de homogeneidade e estrutura narrativa, o filme levou duras críticas, mas principalmente pelos motivos errados. O vilão de brincadeira/ ator falido era apenas uma autorreferência de o que é um filme de super-herói.

    Em 1989 surgiu Batman, dirigido por Tim Burton, com uma proposta bem específica e concebida. Com o passar dos anos e tentativas fracassadas de estabelecer filmes semelhantes, os filmes do Batman foram ganhando contornos cada vez mais suaves, recebendo finalmente a sua paródia em 1998 com o filme Batman & Robin, por Joel Schumacher. Em 2000 surgiu X-Men com um argumento muito mais sério e baseado no subgênero sci-fi, o que ajudou a dar o tom das próximas adaptações em conjunto com Homem-Aranha, de 2002.

    Após Homem de Ferro 3 como representante da desconstrução do formato, pode-se olhar para Kick-Ass, Guardiões da Galáxia, Homem-Formiga, e até mesmo Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), bem como Super, filme de James Gunn anterior a seu estrelato, como exemplos do mesmo momento. Estes filmes todos estariam então representando a dissolução do cinema de super-herói, e Deadpool é um passo além de todos esses ao estabelecer um teor autocrítico extremamente contundente. Para desespero ou não, sátira, ou autocrítica, é a etapa que surge antes da paródia dos irmãos Wayans.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | À Sombra de Duas Mulheres

    Crítica | À Sombra de Duas Mulheres

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    Assim como em seu filme anterior, O Ciúme (La Jalou­sie), o diretor Philippe Garrel optou por filmar em P&B e película – o que dá um ar mais cru ao filme ao mesmo tempo que demonstra um ar nostálgico de filmes antigos. Além disso, a ausência de cor enfatiza a diferença entre a inexpressividade de Pierre (Stanis­las Merhar) e o fascínio causado por Manon (Clotilde Courau).

    Pierre e Manon são casados. São pobres. Fazem documentários que são seu ganha-pão e se viram como podem para sobreviver. Ele conhece uma estagiária, Elisabeth (Lena Paugam), que se torna sua amante. Ainda ama a esposa e não tem a menor intenção de se separar dela. Para ele, é natural “ficar” com ambas. Em certo momento, o narrador eventual verbaliza a argumentação machista que, por ser homem, ele tem o direito de ser infiel, afinal é da sua natureza. Por outro lado, Manon também tem um amante, apenas para se sentir amada, já que Pierre parece já não ter mais os mesmos sentimentos por ela. Ao descobrir isso, Pierre passa a olhar Manon com outros olhos – não exatamente num viés romântico, mas sim controlador. Mesmo depois de Manon terminar o relacionamento com o amante, Pierre a segue, querendo certificar-se de que diz a verdade. Clássico exemplo de “dois pesos e duas medidas”, já que ele sequer cogita terminar com Elisabeth.

    Vale notar o contraponto feito entre a traição de Pierre e de Manon. Enquanto Pierre e Elisabeth ficam reclusos, praticamente confinados ao minúsculo apartamento dela, Manon desfruta dos espaços públicos do café em que encontra o amante. Tem-se a impressão de que, enquanto o adultério masculino é introspectivo, o feminino é de certa forma libertário.

    O roteiro é bastante eficiente ao trabalhar a densidade e a tensão do tema ao mesmo tempo que inclui algumas cenas mais leves, não só como alívio cômico, mas de forma a dar verossimilhança à história. Afinal, nem tudo é tragédia. Por mais dramática que seja a situação, há sempre aquele momento de distração, de mal-entendido, de atos falhos que causam risos inevitáveis.

    O filme é um escrutínio da vida amorosa do casal, com seus altos e baixos, suas idas e vindas, mas no final é apenas mais uma variante sobre o tema infidelidade. Interessante, bem filmada, mas apenas mais uma.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Casamento Silencioso

    Crítica | Casamento Silencioso

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    Um dos filmes romenos que mais se destacaram no final dos anos 2000, Casamento Silencioso tenta encontrar sentido ao contar uma história real inusitada. Em uma vila romena dos anos 50 que vivia sob o domínio soviético, um casamento é interrompido após notícias da morte de Stalin. Como os oficiais decretaram luto de uma semana, eles comemoram o evento de forma silenciosa para evitar chamar atenção das autoridades.

    Para deixar mais palatável ao espectador a crueldade do ocorrido, o roteiro escrito pelo diretor Horatiu Malaele e Adrian Lustig recorreu ao burlesco para construir uma narrativa com leve tom de fábula. Os personagens são um dos pontos altos do filme, pois são tão únicos que acabam funcionando dentro daquele universo esquisito, que precisa ser daquele jeito para contrastar com a triste realidade que ocorre no final.

    A atuação da maioria dos atores é caricata e canastra. Nenhuma atuação se sobressaiu, mantendo a coesão de apresentar todo o vilarejo como um grande personagem. Em relação à direção de Horatiu Malaele, é eficaz dentro do que se propôs. O estranhamento daquele universo é menos sentido devido ao tom de comédia. A direção melhora quando o casamento passa a acontecer sem som algum, homenageando o cinema mudo. É memorável a sequência do telefone sem fio.

    Devido à crueldade que ocorre no final da narrativa, o espectador entende o tom do absurdo que o diretor optou. Malaele, como nós, usou a sátira para tentar compreender o que aconteceu: a reação desproporcional dos oficiais soviéticos com os habitantes de uma vila. A edição de Cristian Nicolescu e a fotografia de Vivi Dragan Vasili cumprem bem o seu papel, mas sem se destacarem.

    Casamento Silencioso vale a pena pois é um filme diferente que discute o delicado tema do papel da Romênia sob domínio soviético.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Cartel Land

    Crítica | Cartel Land

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    Escrito, dirigido e produzido por Matthew Heineman, com produção executiva de Kate Bigelow (Guerra ao Terror) e no páreo para o Oscar deste ano de 2015, o documentário Cartel Land analisa duas realidades na guerra ao tráfico na fronteira E.U.A. e México, a de José Manuel Mireles Valverde, médico cirurgião do hospital da cidade de Michoacán e líder das Autodefesas, uma milícia de origem popular nascida para combater inicialmente o cartel Los Templários próximo a fronteira com os EUA. Do outro lado da linha vemos Tim “Nailer” Foley, um ex-operário da construção civil com uma vida conturbada que se estabeleceu como um defensor do país contra os cartéis de drogas e imigrantes ilegais vindos do México. Os cartéis são evidenciados como grupos de extrema violência, decapitando pessoas e saqueando cidades inteiras, aproveitando-se da falta de policiamento local e do alto índice de corrupção na polícia mexicana. Ao verem-se desprotegidos, os moradores dessas regiões vêem na luta armada uma forma de resistência civil.

    A narrativa se inicia com a visão de Nailer sobre aquilo que faz, e sua insatisfação com o uso do termo “Milícia” pela mídia e associações de seu ofício com grupos fanáticos nacionalistas. Apesar de Nailer demonstrar algumas boas intenções, o viés higienizador torna-se marcante em falas que demonstram o rancor pela perda de empregos para imigrantes legais ou ilegais. Embora Neiler mostre-se moderado, em seu heterogêneo grupo é possível encontrar pessoas com sede de sangue, e mesmo nos discursos mais apaziguadores a xenofobia e o medo de um eventual colapso americano marcam boa parte das falas e ações do grupo. Apesar disso, tanto politicamente quanto em termos de ação, a milícia de Neiler é retratada de forma mais ingênua e confusa que as milícias mexicanas, sem flutuar muito em relação à forma com que é mostrada para a tela. Já a milícia mexicana percorre um arco de glória e queda, mostrando ser apenas mais uma peça do sistema para substituir outras igualmente defasadas.

    Inicialmente “Autodefesas” são mostradas como um poder emanado do povo de maneira legítima e com respeito ao povo, intensificado pela persona de aparência digna de El Doctor Mireles. Apesar de entregar muito mais tempo de tela ao núcleo mexicano, a direção sempre busca ecos no núcleo americano demonstrando que este é um sistema acoplado que não vê fronteiras. Após algum tempo sob o julgo do cartel mexicano, a população se arma e luta contra o cartel a partir de operações de busca a apreensão nas casas de bandidos conhecidos ao longo de diversas cidades, armando e treinando a população local para que assim as Autodefesas não ajam como poder paralelo e centralizado. Os rumos da malícia mexicana no entanto sofrem um revés quando El Doctor é atingido por um atentado e vê sua vida em risco. A perda do comando ideológico aparenta deixar um vácuo para que se estabeleçam vetores menos democráticos dentro da milícia, mas mesmo Mireles começa a demonstrar suas faces menos éticas, bem como os desvios de conduta e caráter dos recrutados pela milícia, muitos deles ex-integrantes de cartéis já extintos que alegam ter se recuperado. Logo ela se torna um poder paralelo agindo como cartel tal qual aqueles que se iniciaram no combate, atingindo níveis constrangedores de violência mesmo contra a vontade da população. O poder do povo e para o povo sumiu.

    Com a pressão social e internacional, o presidente mexicano pede o apreço pelo Estado de direito e eis que os ânimos se mostram cada vez mais acirrados e a corrupção na região se mostra endêmica, atingindo diversas escalas de poder.

    O diretor visa desde o começo construir uma narrativa para sua história, com arcos bem definidos e uma história para contar. Esta história é contada com uma cinematografia belíssima em tomadas aéreas do deserto e cenas de profunda intimidade, como a que, após um confronto entre o povo e o exército mexicano, a população dispersa-se e sobra em meio a rua apenas um senhor obviamente cansado e debilitado. Ele se mostra parado ali e a câmera o centraliza em toda sua fragilidade, demonstrando que independente do discurso que se propaga o povo será sempre o elo mais fraco desta corrente. A narrativa também é competente em fazer a desconstrução do El Doctor, mostrando que ele é, apesar de seus ideias, um homem em estado de falência ética ao despir seu charme político do início.

    O que marca em Cartel Land é a aproximação do conceito de ideologia com o de fascismo. Se é fácil identificar uma postura fascista em caricaturas de ditadores ao redor do mundo, mais difícil é identificar o fascista com boas intenções. Este fascista adquire contornos mais sutis ao adquirir outras alcunhas como “cidadão de bem”, mas a semente fascista muitas vezes se esconde atrás de justificativas passionais extremamente plausíveis do ponto de vista prático e não raramente busca fazer o bem aos seus, pois nenhum fascista prega a morte, mas sim a liberdade e força de seu povo. A partir daí ninguém saberá quem vigiará os vigilantes.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Coração Valente

    Crítica | Coração Valente

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    Mel Gibson despontou em Hollywood como nova promessa cinematográfica no filme Mad Max, de 1979, como um herói de ação de um futuro distópico ambientado em um arenoso cenário apocalíptico. Com o sucesso do filme, tornou-se um dos astros de ação mais bem pagos pela indústria, protagonizando as duas continuações da história, e posteriormente a franquia Máquina Mortífera ao lado de Danny Glover, além de outros grandes filmes memoráveis, como O Preço de um Resgate, O Troco e Sinais. Ingressando na carreira de diretor, pôde ultrapassar a barreira de idade produtiva imposta a atores e desenvolver sua criatividade artística atrás das câmeras.

    Segunda película dirigida por Gibson, Coração Valente viveu uma pré-produção conturbada com orçamento alcançando a ordem de 73 milhões de dólares. Através da Icon Productions, companhia do diretor, conversou com diversas empresas e conseguiu tirar o projeto do papel com a condição de estrelar o filme, mesmo que já se achasse velho demais para viver William Wallace, o guerreiro que liderou a revolta escocesa contra a tirania da dominação inglesa no século 13. Baseado na lenda conhecida através do antigo poema Ações e Feitos do Ilustre e Valente Campeão Sir. William Wallace (em tradução livre), o filme populariza a história do soldado, praticamente desconhecida fora dos países anglo-saxões.

    Órfão de pai e irmão, mortos em uma batalha sangrenta após a invasão promovida pelo monarca inglês Edward I a Escócia, o pequeno William é levado por seu tio Uncle Argyle (Brian Cox) para viver na Europa. Anos mais tarde, em um salto temporal, não reconhece que seu país foi esmagado pela tirania britânica e se recusa a entrar em conflito. Instruído em várias línguas, no latim, e versado em técnicas de estratégia, argumenta que a paz não é conquistada através do derramamento de sangue de inocentes, se mantendo neutro. Com ideias simples de felicidade, Wallace incluía em seus desejos pessoais viver em paz, constituir uma família e da terra tirar seu sustento, ainda que sob vigência da Prima Nocte, lei que autorizava os senhores feudais a se deitarem com as mulheres recém-casadas em seus territórios. A fim de impôr o sangue dos nobres na descendência da Escócia desejada pela monarquia inglesa, a Prima Nocte tornou-se tão insustentável que ensejou a fagulha na luta de Wallace ao lado de seus iguais.

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    Coração Valente é um filme sobre liberdade e sobre como ela precisa ser defendida. Em um tempo em que a espada era a única maneira de buscá-la, uma população oprimida dentro de sua própria terra avistava no uso da violência uma via única sem volta. Enquanto a nobreza governava com a pena, a lâmina a respondia. Por isso não foi difícil Wallace logo amedrontar os nobres no país ao lado e encorajar soldados que não acreditavam no poder que detinham. Conquistando o status icônico por tornar unido o povo escocês, o líder evidencia o conceito de liberdade por Aristóteles, sinalizando que livre é aquele com o princípio de agir ou não agir, o sujeito como detentor do poder pleno e incondicional de escolha voluntária. Wallace escolheu agir em favor de um lado que, embora cessasse milhares de vidas, produziria no país a sensação de dignidade. Gibson faz uma leitura apaixonada de Spartacus, de Stanley Kubrick, em outro país, em outro contexto, mas com o mesmo conflito simbólico do ser humano buscando se livrar dos próprios grilhões.

    Apesar do filme não possuir muitos elementos históricos sólidos e abusar das licenças poéticas, é uma história inspiradora, e como recurso visual aliado à trama, uma obra-prima. Gibson transforma cenas simples, como a da jovem Murron (Mhairi Calvey) entregando uma flor ao pequeno Wallace, em verdadeiras pinturas. O silêncio, como mecanismo sensível de trazer ao espectador a emoção da cena através da simples expressão facial e objetos em destaque, é muito bem utilizado em seu cinema e repetido em toda a sua filmografia. Além disso, as cenas de batalhas, como a de Stirling Bridge (que infelizmente não tem exatamente uma ponte) são filmadas em detalhe, sem cortes exagerados e focados na violência crua de uma batalha real. Criticado pela crueza em seu filme seguinte, A Paixão de Cristo, Gibson utiliza a ferocidade do ser humano como um elemento real e presente em todos nós.

    Vencedor de cinco categorias no Oscar de 1996, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor, Coração Valente também poderia ter premiado Gibson como melhor ator, visto que ele capta o espírito da personagem mesmo estando em idade mais avançada do que o retrato real. Resgatando parte da história deste povo, a narrativa universaliza a busca da liberdade e leva à popularidade um filme com todos os elementos para se tornar um dos maiores épicos já produzidos.

    Compre: Coração Valente (Dvd | Blu Ray | Edição Especial)

    Texto de autoria de Karina Audi.