Autor: Vortex Cultural

  • Review | Master of None – 1ª Temporada

    Review | Master of None – 1ª Temporada

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    Netflix estreia com uma nova série entre suas tantas, porém traz aqui um dos mais relevantes materiais que já se propôs a produzir. A série Master of None é estrelada por Aziz Ansari (Parks and Recreation), além do roteiro e produção em conjunto com Alan Yang, também de Parks and Recreation. Apesar de não ter a aura glamourosa de um House of Cards, Master of None tem a missão ambiciosa de servir de espelho para a “geração millenal”, conhecida como a geração dos sonhos, das paixões, e também aquela que muito idealiza, mas pouco realiza.

    A estrutura do seriado segue-se ao longo dos 10 episódios mostrando um tema diferente em casa um deles, versando sobre carreira, relacionamentos, racismo, machismo. Não há nada de filosoficamente novo aqui, e seus temas percorrem a mente de muitas pessoas. Mas a ideia é justamente falar de coisas das quais sabemos, mas fingimos não entender. É uma série sobre aquilo que 1984 (Michael Radford) chama de Doublethink, ou “Duplipensar” em tradução livre. O conceito alcunhado por George Orwell fala sobre a capacidade de manter duas crenças contraditórias na mente ao mesmo tempo, e acreditar em ambas. Dev, personagem de Aziz, é um cara legal que se preocupa com amigos e em compreender o mundo, mas esta empatia toda não o impede de agir em desacordo com aquilo que ele e todos sabem que se deve fazer. Resta então a desconstrução desta duplicidade, sob o risco de arcar com o ônus de enfim tomar uma decisão sobre sua vida.

    Quebrar com essa apatia coletiva, porém, é um esforço solitário de desconstrução e reconstrução. Não há como seguir uma paixão se não compreende o que te move, não compreende seus propósitos e decisões. Aziz faz toda essa explanação sem que em nenhum momento soe pessimista. Justo ao contrário: sua visão é de que não encontrará todas as respostas, mas sem que haja desconforto nisso, e da maneira mais otimista possível Dev busca aos poucos dar significado aos seus gestos.

    Para lidar com tantos temas, cada episódio dedica-se a um por vez, e o roteiro utiliza-se de pequenas alegorias para demonstrar de forma íntima e cotidiana como o mundo se transforma ao nosso redor, como quando Dev demonstra extrema dedicação e empenho em buscar o melhor burrito da Nova York, mas não é capaz de dedicar-se proporcionalmente a tomar demais decisões. No episódio intitulado Ladies and Gentlemen, o roteiro demonstra com ironia e seriedade a forma como meninos envolvem-se em seus pequenos problemas e explanam tristemente sobre estes, ao mesmo tempo em que as meninas enfrentam a misoginia cotidiana sem serem adequadamente ouvidas.

    Em um texto e atmosfera que remete a séries como Louie (Com Louie C.K) e a textos de Woody Allen, Master of None busca ser o mais próximo possível de seu público ao referenciar elementos de cultura quase irrelevantes para alcançar a memória afetiva do telespectador para que audiência e personagens formem uma espécie de consciência coletiva. Exemplo disto está na fixação pelo filme Infidelidade ao participar de um triângulo amoroso, ou a declaração de participação na paixão universal por Bededict Cumberbach.

    Seus demais personagens mostram-se igualmente bem escritos, como Arnold (Eric Wareheim), um amoroso gigante que traz os laços de ternura que Dev muitas vezes evita; ou seu interesse amoroso Rachel (Noël Wells), numa versão de Zooey Deschanel, dado seu carisma. Mesmo os personagens coadjuvantes têm seu destaque, como os pais de Dev (Pais de Aziz, que não são atores) no episódio que trata da forma como se deu a transformação de uma geração sofrida e imigrante para idosos calados e carentes de afeto, enquanto seus filhos demonstram-se pessoas desapegadas e distraídas. E também como o privilégio de poder afastar as decisões para depois faz com que as pessoas percam o controle sobre suas decisões, agindo apenas quando diante do prazo final em um mar Mestres do Nada.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • 10 Sequências de Best-Sellers

    10 Sequências de Best-Sellers

    É possível ressuscitar o detetive Hercule Poirot com toda a sua astúcia? O que dizer de reviver Drácula sem a pena sinistra de Bram Stoker? Criar um personagem de sucesso nos livros é um feito para poucos. Há alguns tão atraentes que nos sentimos miseráveis quando o último livro de uma série acaba, no caso de o autor original já não estar mais entre nós. Mas você sabia que há vários casos de livros famosos que ganharam sequências criadas por autores alternativos?

    Por mais estranho que pareça, a história está recheada de continuações para livros inesquecíveis, seja porque a obra caiu em domínio público ou os herdeiros dos direitos autorizaram uma retomada. Em alguns casos, as continuações são bem aceitas pela crítica e continuam a conquistar gerações de leitores. Em outros, são jogadas na sarjeta do esquecimento.

    A seguir, selecionamos 10 sequências que nasceram de um sucesso, mas escritas pelas mãos de segundos autores. Confira aí e diga qual você achou mais estranha.

    A Casa de seda - Anthony Horowitz

    1- A Casa de Seda – Anthony Horowitz

    O britânico Anthony Horowitz é um apaixonado confesso por Sherlock Holmes. Tem várias inserções na literatura policial e juvenil, além de onze episódios da série de TV Agatha Christie’s Poirot e também um romance para a franquia James Bond. Em A Casa da Seda (Zahar, 2012), Horowitz faz as vezes de Arthur Conan Doyle numa trama que se passa em Londres, em novembro de 1890. O livro foi o primeiro a ser oficialmente reconhecido pelo Conan Doyle Estate, que administra o legado do autor. Horowitz disse que levou longos três segundos para aceitar o convite da organização! Assim, “A casa da seda” foi lançado em homenagem aos 81 anos da morte de Conan Doyle.

    Morte em Pemberley - P. D. James

    2 – Morte em Pemberley – P. D. James

    Imagine uma das principais escritoras policiais sequenciando uma das maiores autoras clássicas inglesas. Pensou em P. D. James e Jane Austen? Acertou. A baronesa do crime retoma a atmosfera de Orgulho e Preconceito, avança um pouco no tempo, e nos oferece um enredo daqueles! Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy se casaram, tiveram dois filhos e têm tudo para viverem felizes para sempre em sua propriedade rural. Até que assassinam o cunhado de Elizabeth… Morte em Pemberley (Cia das Letras, 2013) traz a aristocracia, seu glamour e suas intrigas. Nossos amáveis personagens não estão apenas envolvidos em gravatas e echarpes, mas cobertos também por um manto de mistério.

    Scarlett - Alexandra Ripley

    3 – Scarlett – Rhett Butler

    “Francamente querida, eu não dou a mínima”. Será que Rhett Butler repetiria a clássica frase de E o Vento Levou… para Alexandra Ripley? Afinal, a romancista norte-americana escreveu a primeira sequência oficial do relato épico da Guerra de Secessão, originalmente criada em 1936 por Margaret Mitchell. O livro é a continuação da saga, mostrando como a vida seguiu para a temperamental Scarlett O’hara, Rhett Butler e Ashley Wilkes. Apesar de ter agradado o público – o livro vendeu 6 milhões de cópias -, a história foi rejeitada pela crítica. Scarlett saiu em 1991 pela Editora Record.

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    4 – A Garota na Teia de Aranha – David Lagercrantz

    Fenômeno editorial da última década, a série Millennium vendeu cerca de 100 milhões de exemplares no mundo desde o primeiro volume, Os Homens que Não Amavam as Mulheres. O sueco Stieg Larsson, jornalista e ativista pelos direitos humanos, utilizava o tempo livre para criar as histórias com a alucinante Lisbeth Salander, expondo violências sofridas pelas mulheres e uma heroína disposta a lutar por elas. Larsson morreu antes da publicação do primeiro livro e sem imaginar o tamanho do sucesso que conquistaria. Em 2015, seus herdeiros autorizaram uma continuação para a até então trilogia, liberando o volume 4 com A Garota Na Teia de Aranha (Cia das Letras, 2015). A sequência foi escrita pelo também jornalista sueco David Lagercrantz, e causou polêmica principalmente por não ter tido o aval da viúva Eva Gabrielsson. Um dos lançamentos mais populares do ano – foram vendidos duzentos mil exemplares só na primeira semana nos Estados Unidos -, o livro deve ser adaptado para o cinema pela Sony Pictures.

    Dracula - Morto Vivo - Drace Stoker

    5 – Drácula – O morto-vivo – Drace Stoker e Ian Holt

    Veja o sobrenome! Sim, Dacre Stoker é sobrinho-bisneto de Bram Stoker, o irlandês que publicou Drácula em 1897. Para dar sequência ao clássico gótico, Dacre pesquisou documentos e anotações não aproveitadas pelo bisavó, encontradas no Museu Rosenbach (Filadélfia). Também usou o título que Bram originalmente pensou para o clássico. Ambientada em 1912, a trama tem até uma aparição do “pai” do vampiro. Publicado em 2010 pela Ediouro, o livro vem com ilustrações de Ian Holt.

    James Bond Books

    6 – James Bond, a série

    O espião James Bond é uma criação do escritor e jornalista britânico Ian Fleming. O agente secreto mais famoso do mundo ganhou vida em 1953, com Cassino Royale, e todo ano Fleming escrevia uma nova história do personagem. Foi assim até 1966, quando o autor morreu de ataque cardíaco. Desde então, vários autores escreveram sequências para a franquia, como Kingsley Amis, John Edmund Gardner, Raymond Benson, Sebastian Falks, Jeffery Deaver e William Boyd. O cinema foi o terreno onde Bond mais brilhou e, após todas as tramas originais serem adaptadas, a série passou a produzir filmes com roteiristas que procuraram manter o estilo de Fleming. Parece que deu certo.

    Os Crimes da Monogamia - Sophie Hannah

    7 – Os Crimes do Monograma – Sophie Hannah

    Recolocar o detetive Hercule Poirot em cena e agradar aos milhões de fãs de Agatha Christie são tarefas que deveriam compor os doze trabalhos de Hércules! A inglesa Sophie Hannah aceitou o desafio em Os Crimes do Monograma, lançado em 2014 pela Nova Fronteira. Ao contrário do que se possa imaginar, o detetive não reaparece em tempos modernos mas sim em 1929, investigando crimes misteriosos no coração de Londres. Ao seu lado está o policial Edward Catchpool, o equivalente ao Capitão Hastings, o parceiro original. A sequência foi autorizada pelos herdeiros de Agatha mas dividiu opiniões entre os fãs, que não viam uma nova história com o detetive desde a morte da escritora, em 1976.

    A Volta do Poderoso Chefão -  Mark Winegardner

    8 – A Volta do Poderoso Chefão –  Mark Winegardner

    Quem não conhece os Corleone, essa família simpática, repleta de gente que não aceita quando as coisas contrariam seus interesses? Mario Puzo fez história ao trazer à tona mafiosos que não apenas matam e se livram dos corpos de seus desafetos. Eles se casam, têm filhos, são religiosos! É difícil não se apaixonar por personagens tão sanguíneos e sanguinários, que nos foram apresentados  nos anos setenta e chegaram às telonas nas décadas seguintes. Muitos fãs esperavam que Puzo retomasse a história, mas ele não mostrou interesse. Antes de morrer em 1999, ele autorizou Mark Winegardner a fazer a sequência, que saiu em 2005 pela Editora Record.

    60 anos depois - do outro lado do campo de centeio - Fredrik Colting

    9 – 60 Anos Depois – Do Outro Lado do Campo de Centeio – Fredrik Colting

    Em qualquer lista de livros obrigatórios do século 20, encontraremos O Apanhador no Campo de Centeio, um clássico de J.D.Salinger que ajudou a inventar a adolescência norte-americana. Criou fama pelo protagonista, o personalíssimo Holden Caulfield, e por levar o escritor ao seu completo isolamento. Salinger virou um bicho do mato, e isso alimentou uma série de lendas em torno dele. O fato é que, nesta sequência, Fredrik Colting junta criador e criatura num mesmo enredo. Imagine o sempre jovial e rebelde Holden na pele de um velhinho que simplesmente deixa pra trás o lar de idosos e parte atrás de mais uma aventura.

    A Loura de Olhos Negros - Benjamim Black

    10 – A Loura de Olhos Negros – Benjamim Black 

    Quem gosta de romances policiais certamente conhece o detetive Philip Marlowe, o mais durão da literatura (mais que Dirty Harry!). Marlowe é uma criação de Raymond Chandler, e no cinema foi vivido por Humphrey Bogart. Fato é que Chandler morreu em 1959, mas seu detetive continua vivíssimo. Benjamin Black é o nome, ou melhor, o pseudônimo do responsável pela volta de Marlowe. Em A Loura dos Olhos Negros (Rocco, 2014), o escritor irlandês recria a Los Angeles dos anos 1950, narrando a investigação de um misterioso desaparecimento. Tem clima noir, hipocrisia e femme fatale, combinação ao estilo de Marlowe & Chandler. Em tempo: Benjamin Black é, na verdade, John Banville, vencedor do prêmio Príncipe das Astúrias em 2014. Tem gabarito ou não para fazer um revival de Marlowe?

    Chris Lauxx

     Texto de autoria de Chris Lauxx, pseudônimo dos jornalistas Rogério  Christofoletti e Ana Paula Laux, autores da enciclopédia Os Maiores Detetives do Mundo e editores do site literaturapolicial.com

  • Crítica | A Assassina

    Crítica | A Assassina

    The Assassin 1

    Toda a mitologia chinesa, e seu estilo épico e místico, regressa neste bonito e imponente longa-metragem. Dirigido por Hsiao-Hsien Hou, a Antiga China cresce em espetáculo visual, como se tudo em cena dançasse e provocasse o espectador, seja ele ocidental ou oriental, a indagar as motivações dos personagens gradualmente.

    O filme conta a história de Nie Yinniang (Qi Shu), uma assassina que quando criança foi levada de sua terra de origem para longe, sob a tutela de uma freira-mestra que a desenvolve com ensinamentos referentes a artes marciais e furtividade. Ao falhar em uma missão, ela é ordenada a regressar à província na qual nasceu para assassinar um líder político que prometeu casamento um longo tempo atrás.

    E é através deste conflito da protagonista que observamos o filme ser contado. O evidencialismo de seus sentimentos reprimidos, suas tradições e sua atmosfera ao lidar com o ambiente do qual está completamente avulsa, consequentemente o faz insegura. A duração de apenas uma hora e meia de longa-metragem aparenta lentidão e empecilhos de roteiro por demorar a trazer todo o twist. Realmente, demora para toda a estrutura do roteiro fazer efeito e você amarrar os pontos. Talvez, este ponto ficou aquém, se fosse analisar outros métodos técnicos.

    A fotografia é incrível. Toda a beleza está nos grandes planos que registram de maneira fiel o ambiente feudal chinês, a composição de quadros em cenários internos, o movimento de câmeras transpassado pelas cortinas, simbolizando uma interpretação interessante em que há a possibilidade de se analisar o desenvolvimento e a evolução da história dos personagens que são descritos na captação, dentro destes exatos planos.

    As cenas de luta só confirmam a pureza, a leveza e a dança que uma vez me foi transmitida por Herói e O Tigre e o Dragão. Juntamente à insinuante troca de movimentos conduzidos por um toque suave, há ferocidade e ausência de excessos. Tanto no tempo quanto na exposição da força de um ou outro determinado personagem.

    A passagem dos atos soa natural, mas sem tanto brilho técnico. Mesmo a direção se valendo da simples representação visual de quem está em cena, da caracterização da época (provavelmente entre os séculos VII e IX) pelas vestimentas e composição de adereços, o filme se conduz bem, sem apresentar grandes problemas. Possui seu tempo e não se importa em demorar a relevar as reais intenções. Posso ter sido chato ao notar que não houve tanto tempo destinado à personagem principal, mas suas cenas sempre são as melhores, mesmo em silêncio. A cena parece falar por ela e por si, simultaneamente.

    The Assassin funciona como um interessante épico em sua proposta de defesa de personagens principais femininas sem estereótipos e militâncias exageradas, e também trabalha muito bem ao pontuar a linha histórica cinematográfica em relação a um filme chinês de extrema leveza, condução técnica aprimorada e contextual. Junta-se aos leões na floresta e se senta como forte representante do país.

    Texto de autoria de Adolfo Molina.

  • Crítica | Aliança do Crime

    Crítica | Aliança do Crime

    Aliança do Crime 1

    Em 1975, o gângster James “Whitey” Bulger controla quase todo o crime organizado no sul de Boston, liderando o chamado Winter Hill Gang. A trama, que adapta o livro de Dick Lehr e Gerard O’Neil, acompanha Bulger ao longo de três décadas, indo de criminoso comum a líder de um dos maiores grupos da máfia de Boston. Em paralelo, vemos sua colaboração com o amigo de infância e agente do FBI John Connoly (Joel Edgerton) e sua transformação em um informante superprotegido.

    Existe uma tendência nos filmes de máfia em se transformarem em uma sequência metafísica de dissertações morais construídas em cima dos conflitos ideológicos dos protagonistas em suas ações, mas o diretor Scott Cooper (Coração Louco, Tudo Por Justiça) consegue fugir da habitual relação entre protagonista e audiência, nos apresentando uma personificação do estereótipo cruel e maléfico de mafioso que, surpreendentemente, se apresenta de forma completamente fresca.

    Por essa razão, Bulger foge da caricata figura que Johnny Depp construiu para si mesmo com o passar dos anos. Controlado, seguro e maduro, o ator se apresenta de forma nunca antes vista. E é nesse registro que ganha notabilidade, sempre sendo uma ameaça, um psicopata que não se importa com os meios, apenas com os fins.

    A verídica história de como um gângster qualquer foi “promovido” a rei do crime de Boston pelo FBI é intrigante ao extremo, mas a falta de um melhor posicionamento narrativo é prejudicial. O filme parece, em todo o tempo, se deslumbrar mais com a figura de Bulger do que com as inúmeras críticas e comparações cabíveis dentro da história em relação à eterna política de intervenção dos EUA.

    Mesmo com elenco bem afinado – embora mal aproveitado pelo foco no personagem de Bulger -, não fosse Depp mostrando que ainda tem muito a oferecer, Aliança do Crime seria apenas mais um filme genérico sobre a máfia, ignorado pela maior parte do público e rumando para o esquecimento, o que é incabível considerando o peso da história.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Resenha | A Garota Na Teia de Aranha – David Lagercrantz

    Resenha | A Garota Na Teia de Aranha – David Lagercrantz

    images.livrariasaraiva.com.br

    É importante ressaltar que este livro não veio do manuscrito inacabado que a esposa de Stieg Larsson possui, mas uma história nova licenciada pelos herdeiros: o pai e o irmão do falecido autor.

    A Garota Na Teia de Aranha é talvez um dos maiores lançamentos literários de 2015. Quase 10 anos depois do lançamento da trilogia Millennium original, o livro vem cheio de expectativas, não só por causa das novas aventuras policiais de Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist, mas para saber se o novo autor, David Lagercrantz, estaria à altura do criador da série, o falecido Larsson.

    Após o assassinato de um cientista e a tentativa de rapto de uma criança autista superdotada, os dois protagonistas se veem no meio de uma guerra cibernética entre hackers ativistas, a NSA e uma rede criminosa russa que conta com assassinos profissionais.

    É satisfatório poder ler mais uma história com Lisbeth e Mikael. Os personagens carismáticos criados por Larsson ainda mantêm o charme dos livros originais, embora uma leve diferença nos diálogos e ações possa ser sentida quanto ao novo autor, mas nada que desabone a história ou cause desconforto nos fãs.

    Mikael continua um repórter investigativo obstinado e um homem teimoso, além de ter caráter incorruptível. Lisbeth, apesar de sumida na maior parte do livro, continua a manter todas as qualidades que a fizeram ser enigmática e roubar a cena sempre que aparece: fala pouco, se esconde, não deseja se abrir com ninguém, quanto menos ter uma relação. São dela as ações que fazem a história iniciar e ter a grande reviravolta do meio para o final.

    A narrativa é bem construída, mas pode causar estranhamento no leitor ao inverter os dois temas principais dentro do universo criado por Larsson: este livro prefere focar no ambiente tecnológico dos hackers e da computação e um pouco menos nos casos de abusos de direitos humanos. No entanto, o autor deste novo romance fornece alicerces fortes para que a história faça sentido e as principais ações estejam onde devem estar. Em suma: é uma história redonda e não há muitos erros perceptíveis para o grosso do público.

    O maior problema da narrativa se encontra na estrutura. A introdução prolonga-se mais do que deveria ocupando um terço do livro, o que acaba comprometendo um pouco o desenvolvimento da trama. Sempre que a história parece que vai engrenar, o clima morno volta como se fosse o início do livro. Os variados pontos de vista aliados às minibiografias de personagens secundários e sem importância acabam trazendo excesso de informação, ajudando a travar o andamento da narrativa.

    A escrita de Lagercrantz não compromete. Habituado a escrever livros policiais, o escritor não falha na tentativa de contar uma boa narrativa policial. O autor também tenta emular a escrita de Larsson, o que ajuda a manter uma certa linearidade na agora quadrilogia Millennium. Porém, dois fatores que merecem crítica é o fato do autor manter um pouco da verborragia do escritor da trilogia original (quem aguentava as descrições de todas as vezes que os protagonistas foram a cafeterias ou ao mercado fazer compras?) e a confusão gerada pelo excesso de informação pela quantidade de personagens e suas inúteis minibiografias.

    A edição do livro poderia ser sido mais eficiente. A leitura, que já é fluida, tornaria o livro melhor nas partes verborrágicas. As 464 páginas poderiam virar 400 facilmente e a história ficaria melhor.

    A Garota Na Teia de Aranha é um livro que deve agradar aos fãs da trilogia original, e que pode ser interessante aos fãs de romances policiais ou a quem não gosta de histórias fantásticas.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Evereste

    Crítica | Evereste

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    Em 1996, dois grupos de alpinistas, um liderado por Rob Hall (Jason Clarke) e outro por Scott Fisher (Jake Gyllenhaal), de agências de alpinismo concorrentes, tentam escalar o Everest, mas uma nevasca coloca a vida de todos em risco. A tragédia, que surpreendeu a todos, acabou por vitimar 19 pessoas, entre alpinistas e sherpas.

    Por mais estranho que pareça, o documentário de 1998 – baseado no mesmo livro de Jon Krakauer, No Ar Rarefeito – consegue atrair e manter a atenção do espectador com muito mais eficiência do que este filme dirigido por Baltasar Kormákur. O que a história tem de incrível, o filme tem de enfadonho.

    Há que se concordar que filmes-catástrofe não prezam por desenvolver personagens bem construídos. Em geral, são bem estereotipados – o valentão, o covarde, o líder, o do-contra, o nerd, o com habilidades físicas e por aí vai. Os integrantes das expedições de Hall e Fisher são “gente como a gente”, ou seja, nenhum deles tem apenas uma característica marcante, mas o roteiro os deixa parecidos demais, rasos demais, desinteressantes demais. As exceções são, obviamente, os líderes das expedições. O roteiro faz questão de ressaltar personalidades quase opostas, enfatizando o responsável Rob Hall em contraponto ao boa-vida Scott Fisher. Apesar das personalidades contrastantes, ao menos o roteiro não caiu na armadilha de tentar colocá-los como oponentes diretos, apesar de suas empresas concorrerem pelo mesmo público-alvo – alpinistas desejosos de alcançar o pico mais alto da Terra. Percebe-se a cumplicidade entre os dois, mesmo quando estão aparentemente se provocando.

    O maior desperdício está na porção feminina do elenco – Robin Wright (como Peach Weathers), Keira Knightley (como Jan Hall), Emily Watson (como Helen Wilton), Elizabeth Debicki (como Dr. Caroline Mackenzie), Naoko Mori (como Yasuko Namba) – ficaram relegadas a coadjuvantes de luxo. Mesmo sabendo o papel importante que tiveram, principalmente Wilton (durante a nevasca) e Weathers (com auxílio à distância), mesmo Yasuko (que pereceu durante a tempestade) mal teve direito a algumas falas. E depois dizem que Hollywood não é sexista.

    Marcantes mesmo são as cenas externas – ou aparentemente externas – já que possivelmente poucas delas foram efetivamente filmadas em locação. São as cenas de tempestade que salvam o filme, dando tensão o bastante para o público continuar assistindo. Infelizmente, na última parte do filme – quando efetivamente deveria ocorrer o clímax da história – o espectador é obrigado a acompanhar um sem fim de telefonemas e conversas via rádio. Embora a história já seja conhecida, principalmente para os que leram o livro de Krakauer, um bom roteiro conseguiria criar momentos tensos e instigantes o suficiente para deixar a narrativa minimamente interessante.

    Para curtir o visual e o elenco estelar. E só.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | A Visita

    Crítica | A Visita

    A Visita - Poster

    Dezesseis anos após sua ascensão no cenário internacional com O Sexto Sentido, o diretor indiano M. Night Shyamalan volta a se provar como diretor, trazendo nova ideias autorais e uma nova disposição, um renovado Shyamalan. A Visita pode não ser seu retorno triunfante, mas mostra que o diretor ainda tem muito a oferecer.

    No thriller, os irmãos Becca (Olivia DeJonge) e Tyler (Ed Oxenbould) vivem apenas com a mãe, depois que o pai os abandonou. Eles vão passar uma semana na casa dos avós, que nunca conheceram. Becca é uma aspirante a cineasta, e decide documentar a visita, que vai tomando traços cada vez mais estranhos conforme seus avós começam a agir de forma completamente sem sentido.

    Surpreendentemente, A Visita não é o filme de terror que todos esperavam que fosse. Ao invés de se afundar nos estereótipos e nos clichês do gênero, o diretor nos brinda com um tipo de comédia de terror, brincando sem medo com seu próprio filme, desde os sustos fáceis até a bizarrice dos movimentos corporais, usando até mesmo a estrutura em que a história nos é apresentada, como fosse o produto final do documentário de Becca.

    Ainda assim, se fazem presentes algumas das marcas do diretor. A tensão psicológica se faz presente, tornando qualquer comportamento do filme inesperado, além dos planos mais “complexos”, que elevam o espectador ao estado de observador das situações, além de seus clássicos plot twists.

    Se apresentando sem uma gota de pretensão, A Visita nos traz um renovado Shyamalan, com um apurado sentido (e senso) de humor autoconsciente, mostrando que aprendeu com os erros passados, e que o diretor já não tenta provar nada para ninguém, apenas deixando explícita sua originalidade, mesmo que ela nunca tenha saído de lá.

    Lentamente, Shyamalan aparece reconstruindo sua carreira.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Resenha | Universo Desconstruído – Aline Valek e Lady Sybylla (org.)

    Resenha | Universo Desconstruído – Aline Valek e Lady Sybylla (org.)

    Universo Desconstruído – Organização Aline Valek e Lady Sybylla

    Não tenho o costume de ler contos. O formato breve poucas vezes é capaz de nos envolver quando tem personagens e narrativas medianas, e quando é tão bom pra nos conquistar já nas primeiras linhas deixa uma sensação de frustração por tê-los por tão pouco tempo. Apesar dessa minha resistência, fui atraída por Universo Desconstruído, que traz logo na capa sua intenção, denominando-se ficção científica feminista.

    A ficção científica sempre teve essa vocação para discutir o social, e, quando a temática se propõe a isso abertamente, que se apresentam as obras mais relevantes. Com seus universos paralelos, tecnologia diferenciada e sociedades estranhas a nós, a boa ficção científica nos faz refletir sobre o nosso mundo e nossa sociedade. O impacto das conquistas científicas e suas implicações sociais fascinam porque é uma constante da existência humana.

    No entanto esse gênero tão fascinante tem deixado a desejar quanto a representação feminina.  Muitas mulheres na ficção científica são meramente utilizadas para desenvolver os protagonistas masculinos, inclusive na obra de autores aclamados. Nesse contexto, a iniciativa de Universo Desconstruído é um deleite, não só apresentando mulheres muito bem construídas e com protagonismo em suas histórias, mas também discutindo questões sociais relativas à identidade feminina. Outro mérito da coletânea é conseguir fazer isso sem parecer demasiado “panfletário”: nenhuma discussão proposta parece estranha ao contexto, nenhum discurso forçosamente doutrinário.

    Enfim, Universo Desconstruído não só me fez fazer as pazes com os contos e a ficção científica como me apresentou uma série de escritores brasileiros que eu não conhecia, e em quem passarei a prestar mais atenção de agora em diante. Oferece uma leitura consistente com sua proposta e capaz de agradar até mesmo a quem não tem envolvimento com o feminismo.

    O livro está disponível no site oficial do livro, em versões para Kindle, Kobo e em PDF de forma gratuita.

     –

    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.

  • Crítica | Tristeza e Alegria

    Crítica | Tristeza e Alegria

    Tristeza e Alegria (sorg-og-glde)

    O cinema dinamarquês vem crescendo cada dia mais, e se mostra mais eficiente, se tornando um dos lugares mais rentáveis em talento narrativo e beleza estética da Europa, de onde vieram nomes como Lars Von Trier e Gabriel Axel, mas um dos mais talentosos, Nils Malmros (A Árvore do Conhecimento, Arthus By Night), se manteve desconhecido fora da Dinamarca.

    O mundo e a cabeça das crianças e dos adolescentes e os trabalhos de um cineasta são dois dos principais motores do cinema de Malmros, que segue a linha de outros nórdicos e não poupa o público das tragédias que encena. Seu estilo, preciso e elegante, se faz presente em Tristeza e Alegria, filme autobiográfico que recria a relação do diretor com sua mulher, uma professora maníaco-depressiva cuja saúde mental vai se agravando com o passar do tempo.

    Trazendo Jakob Cedergren como alter ego de Malmros, o filme nos apresenta o diretor Johanes, que teve sua filha assassinada pela esposa Signe (Helle Fagralid) em um surto psicótico agudo. Os sentimentos do cineasta não são externados em um acesso de fúria e revolta ou em um surto depressivo. Fugindo do imaginário, ele se vê motivado a defender a esposa, e todos os que são próximos a ela se dispõem a ajudá-la em seu processo de recuperação.

    Nesse ponto, o filme é dividido em duas linhas narrativas: enquanto voltamos ao início do relacionamento dos dois, vendo como se conheceram, o namoro, o casamento, os transtornos psicológicos cada vez mais intensos de Signe, as obsessões de Johaness e a tensão sexual criada entre ele e Else (Ida Dwinger), protagonista de seu último filme, vemos as sessões de terapia do diretor com seu psicanalista (Nicolas Bro).

    A imediata busca por suspeitos e culpados dos acontecimentos que se desenrolam, monta uma armadilha para o espectador. Como o próprio Malmros diz, o filme não é uma condenação, e sim uma declaração. É tão sincero quanto pode, deixando todas as fraquezas e os erros e as doenças de seus personagens à mostra, e que mantém sua imparcialidade, sem isentar ou culpar ninguém em específico. “Nós somos os culpados por não ter cuidado de você”, diz Johaness.

    Mesmo sendo um relato tão pessoal, o filme toma os traços de uma metáfora sobre a vida, auxiliado pelo elenco bem afinado e encaminhado na construção de um drama “sério”, uma trilha antológica, clássica e pontual, e uma fotografia propositalmente afetada pelas estações, cujo o clima nos passa as sensações dos personagens.

    O núcleo que o filme carrega sobre si é o que faz da obra tão poderosa e que se entrega a inúmeras discussões, como o suposto impacto negativo de Johaness na vida de Signe, sendo culpado indireto pela morte da filha; a reintegração de Signe à sociedade, através de pessoas próximas; e o que Johaness sentia pela esposa antes da tragédia acontecer.

    Afirmando ser Tristeza e Alegria seu último longa, Malmros exorciza seus últimos demônios e fecha seu ciclo, deixando um testamento que, mesmo com seus problemas, possui uma força impossível de ser ignorada.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Resenha | A Garota no Trem – Paula Hawkins

    Resenha | A Garota no Trem – Paula Hawkins

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    A chamada na capa é um chamariz e tanto. Afinal, Garota Exemplar, de Gillian Flynn, é um dos melhores thrillers que li nos últimos meses. E A Garota no Trem não decepciona. É parecido, mas é diferente, e esta é uma grande vantagem, pois o inesperado da trama chega ao leitor de outra forma. E como se não bastasse a referência a Garota Exemplar, George R.R. Martin (sim, ele mesmo – aquele senhor que está nos devendo os volumes finais de Game of Thrones) indicou a leitura.

    Todas as manhãs, Rachel toma o trem das 8:04 de Ashbury a Londres. Conhece o trajeto de cor, sabe os pontos em que o trem diminui a velocidade, e anseia pela parada num dos sinais, em que observa determinada casa e seus habitantes, um casal desconhecido a quem ela batiza de Jess e Jason. Numa das manhãs, presencia uma coisa que a faz mudar de opinião sobre a vida perfeita que ela creditou ao casal. E quando Jess é dada como desaparecida, o que Rachel viu pode se tornar relevante para entender o que aconteceu com ela.

    Usando um recurso que virou modinha desde George R.R. Martin, o livro tem três linhas narrativas, três vozes femininas que contam a história: Rachel Watson, Jess (cujo nome verdadeiro é Megan Hipwell) e Anna Watson, atual esposa do ex-marido de Rachel. Interessante como, aparentemente, os homens – Tom Watson e Jason (na verdade, Scott Hipwell) são meros coadjuvantes na narrativa de cada uma delas.

    A narração é toda em primeira pessoa, o que de imediato dá a dica de que o que é “contado” ao leitor pode não ser necessariamente o que aconteceu, mas sim a visão de cada personagem. E, levando em conta que Rachel é a que passa mais tempo narrando, é por seus olhos que acompanhamos a maioria dos fatos. Mas temos aí um problema, ou melhor, um recurso narrativo que oblitera a percepção do leitor propositalmente: o uso de um narrador não confiável. Se, em algumas obras, descobrimos apenas próximo do final que não deveríamos ter confiado no narrador, nesta, logo no início, somos levados a questionar o quanto são verídicos e fidedignos os fatos que Rachel conta. Afinal, Rachel é alcoólatra e descobre-se que vem mentindo à sua amiga sobre estar desempregada há 3 meses – não é spoiler, já que está no começo da história e consta em várias sinopses. Como confiar no relato de alguém com amnésia alcoólica, se até mesmo a própria personagem duvida da veracidade de suas lembranças? Esse ingrediente a mais é o que deixa o leitor “com a pulga atrás da orelha”, sem saber direito em que se basear para montar a sequência dos fatos em sua cabeça à medida que a leitura avança.

    “De vazio, eu entendo. Começo a achar que não há nada a se fazer para preenchê-lo. Foi o que percebi com as sessões de terapia: os buracos na sua vida são permanentes. É preciso crescer ao redor deles, como raízes de árvore ao redor do concreto; você se molda a partir das lacunas.”
    (pag.144)

    E não é apenas a situação atual de Rachel que a torna uma narradora pouco confiável. O ponto de vista de Anna reforça essa ideia, mesmo que – não se esqueçam – o que se lê é o que ela nos conta, da forma como ela vivenciou os fatos. Para Anna, Rachel é uma stalker que insiste em rondar e invadir sua nova vida com Tom e o bebê recém-nascido. Alguém que não consegue admitir que seu relacionamento com o ex terminou e que é incapaz de seguir em frente e deixá-los, efetivamente, em paz. E o leitor, ao se deparar com duas versões para o mesmo evento, tende a dar mais credibilidade a uma mãe de família do que a uma desempregada, mentirosa, que vive sob efeito do álcool. Dessa forma, mesmo quando Rachel começa a se recordar do que houve na noite em que Megan desapareceu, o quanto disso pode ser levado em consideração?

    Por fim, há a narrativa de Megan que, aos poucos, vai revelando ao leitor detalhes importantes sobre os eventos. Detalhes que tanto complementam o que Rachel presenciou de longe, da janela do trem, como revelam fatos desconhecidos tanto de Anna quanto de Rachel. Fatos que conduzem o leitor a conclusões totalmente diversas das que ele tira inicialmente sobre o que pode ter ocorrido a Megan.

    É interessante notar que, a princípio, as vozes narrativas parecem muito semelhantes – algo que me incomodou um pouco, afinal as personagens são bem diferentes entre si. Mas, aos poucos, o estilo vai se modificando, se moldando à personalidade delas, de forma que em dado momento é possível saber quem é quem mesmo sem ter lido a identificação no início do capítulo.

    Apesar de o texto de Hawkins não ser tão envolvente quanto o de Flynn, ela cria a necessidade de continuar lendo entrelaçando os fatos com engenhosidade. Conduzindo o leitor habilmente e induzindo-o a querer encaixar a próxima peça do quebra-cabeça o mais rápido possível. Apesar de as reviravoltas no enredo não serem tão intensas ou surpreendentes quanto em Garota Exemplar – algumas são, mas a maioria a gente quase “vê chegando” mesmo que não conscientemente – a autora consegue manter o ritmo da narrativa mesmo em trechos mais amenos que, aparentemente, não agregam muito à trama. Digo aparentemente, pois Hawkins faz um bom uso do recurso de “pista/recompensa” – aquele detalhe que nos parece insignificante e às vezes até desnecessário, mas que capítulos adiante adquire todo um novo significado ao ser inserido em outro contexto.

    Enfim, quem resolver ler por ter gostado de Garota Exemplar não vai se arrepender. E tomara que a transposição do livro para a tela também seja tão eficiente quanto foi com o livro de Gillian Flynn.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Top 10 – Especial Dia das Crianças

    Top 10 – Especial Dia das Crianças

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    O escritor tcheco Milan Kundera afirmou, em um de seus ensaios, que o passado é equilibrado por duas forças: o esquecimento, responsável por apagar os acontecimentos; e a força da memória que os transforma. Não à toa, o passado nostálgico representa esta modificação da memória. Na infância e juventude, período de vida compartilhado por todos, o passado é visto com um olhar transformador, muitas vezes melhorado pelas memórias que o deixam mais brilhante do que o tempo vivido.

    Em homenagem ao Dia das Crianças, nossa equipe se reuniu para uma lista que retorna à nossa infância e à nostalgia, relembrando filmes que marcaram nossa infância. Sem dúvida, filmes que marcam implicitamente nossa idade e a época oitentista na qual crescemos. A lista explora vertentes diferentes dos filmes oitentistas, um registro cinematográfico diferente do atual. Considerando produções juvenis ou voltadas para a família, é perceptível uma visão simultânea entre a juventude e o mundo adulto que nem sempre se molda a favor das crianças, com bandidos, tiros, problemas, vícios e outros recursos que o cinema atual evita pela polêmica. Estranhamente transformando o universo juvenil dos filmes em um universo fictício e estéril sem nenhum conflito extremo.

    Seja pelo resgate da memória ou pelo registro de um cinema diferente do atual, nossa lista ressalta obras que estiveram em nosso imaginário precoce e, de alguma maneira, se transformaram em nós. Os leitores que quiserem colaborar com esta lista nostálgica, podem acrescentar seus filmes memorialísticos nos comentários.

    Boa leitura.

    Um Tira no Jardim Da Infância (Ivan Reitman, 1990) – Por David Matheus Nunes

    Um Tira No Jardim da Infância

    Um Tira No Jardim de Infância é mais um dos filmes bizarros do diretor eslovaco Ivan Reitman. Responsável por pérolas como Os Caça-Fantasmas (as duas produções) e Irmãos Gêmeos, Reitman, de forma competente, coloca o brutamonte e astro Arnold Schwarzenegger – que até ali já tinha sido Conan, T-800, Dutch e Douglas Quaid – para dividir a tela com as mais variadas crianças, quando seu personagem, John Kimble, no encalço de um traficante de drogas, se infiltra como professor substituto numa escola de ensino infantil. Acontece que Kimble não tem nenhuma prática com crianças, mas se vê obrigado a deixar de ser o durão que sempre foi em prol do bem estar dos pequenos. O destaque fica para as várias situações constrangedoras que Kimble precisa passar junto das crianças, o que rende boas risadas. Apenas a título de curiosidade, a maioria das pessoas conhece o filme porque o viram pela televisão. A versão original legendada chega a ser bastante diferente no que diz respeito ao tom do filme (mais sério do que aparenta), além de ter algumas cenas de violência que foram cortadas na versão para a TV.

    Tuff Turf – O Rebelde (Fritz Kiersch, 1985) – Por Halan Everson

    Tuff Turf

    Com a pior trilha sonora que um filme dos 80s pode ter, Tuff Turf – O Rebelde mostra que pra ser valente contra os arruaceiros do seu bairro você apenas precisa de uma bike veloz, Robert Downey Jr no elenco, muita garra e ser o futuro astro de uma das produções para TV mais interessantes do ano. Estrelado por James Spader, essa bela obra do cinema acompanha um garoto novo no bairro e , assim como em qualquer bom faroeste, não é só questão de chegar, mas sim marcar território e mostrar que é o cara que vai mudar a parada para os fracos e oprimidos. Sem querer estragar para os interessados, ele usa muito bem a fórmula do “estrangeiro na cidade que vai conseguindo criar muitos problemas pra si”, algo que era mais comum em westerns, transpondo para um imaginário adolescente. Em parte, podemos pensar que pelo menos os protagonistas fazem jus a assistir à obra pela qualidade de seus trabalhos. Não são atuações geniais, mas nota-se que todos estão confortáveis com roupas berrantes, e muita trilha sonora sintetizada com teclado.
    Nota do autor: falei mal da trilha e a música-tema não desgruda mais da cabeça enquanto escrevo.

    Conta Comigo (Rob Reiner, 1986) – Por Flávio Vieira

    Conta Comigo - Stand By Me
    Baseado em um conto de Stephen King quase autobiográfico, Conta Comigo não trata apenas da amizade entre essas quatro crianças, mas a importância do meio onde elas estão inseridas, cada um em seus próprios anseios, incompreensões e rejeições, sejam elas familiares ou da própria sociedade. Rob Reiner, diretor do longa, não poupa seus espectadores, Conta Comigo, diferente de outros exemplares da época, não é leve ou abusa do sentimentalismo e da psicologia pop “breakfast club”, muito pelo contrário, o filme toca em temas delicados, e ao longo da trama amadurecemos com essas personagens, tudo isso no meio de desabafo, medo e, claro, muito companheirismo. “Nunca mais tive amigos como aqueles que tive aos 12 anos. Meu deus, quem é que tem?”

    Os Goonies (Richard Donner, 1985) – Por Karina Audi

    os goonies

    Dirigido por Richard Donner, Os Goonies é uma das grandes obras da infância que até hoje se mantém na memória de grande parte do público. O filme, que completou 30 anos em 2015, narra a história de uma turma de amigos (Mikey e seu irmão Brand; Gordo; Bocão; Dado; Andy e Stef), que, muito unidos, temem a separação do grupo com a mudança da casa dos irmãos devido a uma dívida. Ao encontrar um mapa que remete a um tesouro escondido há séculos, vão em busca das riquezas perdidas para evitar o fatídico despejo. Com roteiro de Chris Columbus, inspirado em uma história de Steven Spielberg, Os Goonies tornou-se um clássico cult devido a linguagem universal, aos elementos emblemáticos que agradam a qualquer criança (piratas, navios, caça ao tesouro, a luta entre mocinho e bandido) e ao carisma de seus intérpretes. A obra fala de descobertas, amizade, família e amor de uma forma tão cativante que é impossível relembrar a infância sem se esquecer dela.

    Retroceder Nunca, Render-se Jamais (Corey Yuen, 1986) – Por Thiago Augusto Corrêa

    Retrocer Nunca, Rende-se Jamais

    Explorando de maneira familiar um dos desejos presentes do imaginário infantil, de se tornar um grande lutador, Retroceder Nunca, Render-se Jamais é um tradicional filme juvenil com uma mensagem simples como fio condutor. Fã de Bruce Lee, o jovem Jason Stillwell treina arte marciais e deseja uma revanche contra um grupo que agrediu seu pai. Com a ajuda do espírito de Lee, o jovem treina e anseia por uma vingança contra Ivan Krushensky, o temido Russo. Antes de ser alcunhado como Mestre, Jean-Claude Van Damme estreou nos cinemas como este vilão caricato sem muita expressão mas com forte habilidade de luta. O tradicional maniqueísmo oitentista com vilões temíveis e heróis sempre carismáticos provocam um dualismo divertido nesta produção. Além do uso do conceito fantástico para fazer de Bruce Lee um mentor espiritual, pontuando esta história no imaginário de todo jovem que admirava o lutador e sonhava em se tornar um ninja no estilo filme americano. E, claro, imperdível por ser a estreia do grande Mestre nas telas com seu famoso espacate.

    Os Mestres do Universo (Gary Goddard, 1987) – Por David Matheus Nunes

    Mestres do Universo

    Aproveitando o sucesso do desenho do He-Man na metade dos anos 80, o único filme do diretor Gary Goddard foi um prato cheio para as crianças da época, que puderam ver uma das primeiras adaptações para o cinema de uma animação de sucesso. E coube a Dolph Lundgren o fardo de viver o príncipe de Eternia. Fardo porque, analisando e comparando-o com a animação, podemos perceber que apenas alguns personagens foram aproveitados e só. Pouco da mitologia do He-Man foi usado. O protagonista está lá apenas como He-Man. Em nenhum momento vemos o príncipe Adam, muito menos o Pacato/Gato Guerreiro. O simpático Gorpo foi substituído por um irritante goblin e o que sobrou, é justamente o destaque. Lundgren está bem caracterizado como He-Man e o momento em que profere a clássica frase “eu tenho a força”, empunhando sua espada, ainda é emocionante. O sábio Mentor e a Teela estão lá, mas quem rouba a cena é o time de vilões, composto pelos horríveis Homem-Fera, Saurod (uma versão do Lagartauro), Blade, Karg, a bela Maligna e, claro, o Esqueleto, cuja caracterização é sensacional; além de imponente, o cajado é representado pela cabeça de um bode. A versão dublada do filme é recomendada, uma vez que todos os dubladores do desenho estão lá.

    Gotcha! Uma Arma do Barulho (Jeff Kanew, 1985) – Por Halan Everson

    gotcha

    Com um elenco de desconhecidos, pelo que me recorre à mente, Gotcha! Uma Arma do Barulho acompanha a vida de um jovem azarado com as mulheres vivido por Jonathan, interpretado por Anthony Edwards (A Vingança dos Nerds) que resolve visitar Paris com seu melhor amigo para recuperar os ânimos – por que não? O que pode dar errado?. O que acontece é uma trama de espionagem internacional, com níveis de perigo à la James Bond. Fugas, perseguições, cenas de tiroteio e romance, tudo isso acontecendo com um adolescente que só queria se dar bem com as mulheres, passando a impressão que é para ser engraçado. Algumas cenas e uso de trilha sonora passam esse clima divertido e descontraído, mas não é muito difícil parar de levar a sério, principalmente no dubladão. Assim como em Tuff Turf nesse filme também temos uma péssima trilha sonora sintetizada com teclados e uma música tema que consegue ser menos grudenta que a de Tuff Turf. Um detalhe muito curioso é que Jonathan em uma determinada parte do filme sempre fala o “Gotcha” na versão dublada, e sempre pensei que era uma gafe da dublagem, mas não é… É ruim assim mesmo.

    Deu a Louca nos Monstros (Fred Dekker, 1987) – Por Flávio Vieira

    Deu a Louca Nos Monstros

    Fred Dekker, mais conhecido até então pelo seu trabalho de direção à frente do competente A Noite dos Arrepios, se reuniu com o então estreante Shane Black (Beijos e Tiros, Homem de Ferro 3) para escrever Deu A Louca nos Monstros, de 1987. O filme é um belo exemplar dos anos 80, com toda a temática aventuresca juvenil típica dos filmes dessa década. Além disso o longa-metragem é uma grande homenagem aos filmes de monstros clássicos da Universal. Repleto de efeitos práticos e um roteiro no mínimo curioso que usava uma desculpa qualquer para realizar um crossover de diversos monstros clássicos (Drácula, Frankenstein, Monstro do Pântano, Lobisomem e uma Múmia), Deu a Louca nos Monstros ainda passa longe do politicamente correto dos dias de hoje, já que é bastante comum acompanharmos crianças fumando, discutindo sobre virgindade, praticando magia negra ou mesmo utilizando armas. Uma bela homenagem ao universo de horror clássico e que ainda arruma tempo para aplicar pequenas camadas ao que em tese seria apenas um filme infantil despretensioso.

    Esqueceram de Mim (Chris Columbus, 1990) – Por Karina Audi

    Esqueceram de Mim - Home Alone

    Segundo filme de Chris Columbus, hoje praticamente ignorado pela crítica, Esqueceram de Mim foi um grande sucesso no início da década de 1990 que alavancou o sucesso de Macaulay Culkin, o qual interpreta Kevin, o garoto esquecido em casa pela família quando em viagem para a Europa no Natal. O filme foi escolhido para integrar esta lista não pelas qualidades técnicas, que fogem, por exemplo, da criatividade do diretor Columbus vista em outras produções anteriores como roteirista (Gremlins, O Enigma da Pirâmide e Os Goonies); mas sim porque é uma produção popular que simpatizou os espectadores e traduziu uma época do cinema familiar oitentista. O filme trabalha bem com o imaginário infantil de uma criança que se vê sozinha e precisa agir com maturidade sem os pais, algo que Kevin só descobre no final, quando acredita que o seu desejo, de nunca mais ver seus parentes, era apenas uma vontade infantil. Ao longo de sua jornada, Kevin luta com bandidos, supera o preconceito contra seu vizinho Marley e percebe-se um menino bom, seguindo a proposta de finais felizes dos filmes familiares natalinos. Sob uma trilha sonora do sempre genial John Williams, Esqueceram de Mim marcou época de muitos jovens, que hoje já não se veem sozinhos em casa tomando sorvete escondidos e preparando armadilhas para possíveis malfeitores.

    E.T. – O Extraterrestre (Steven Spielberg, 1982) – Por Thiago Augusto Corrêa

    Et - Extraterrestre

    Após a primeira aventura de Indiana Jones, Steven Spielberg dirigiu esta produção direcionada para o âmago familiar. Dando voz às crianças como personagens principais com direito a filmá-las em ângulos proporcionais, mais baixos do que os tradicionais, destacando-as nas cenas, E. T. – O Extraterrestre explora outra vertente juvenil focada na amizade e no mistério de seres de outros planetas. A fantasia é equilibrada tanto no encantamento da relação entre Elliott e o extraterrestre como no choque de realidade adulta quando o visitante é aprisionado pelo governo e tratado como experiência. Transitando nestes temas, a obra é sensível e evoca sentimento primordiais como a construção da amizade e da lealdade, a compreensão das diferenças e, ao mesmo tempo, demonstra a selvageria do mundo adulto em paralelo com a pureza infantil, um tema sempre presente nas obras do diretor.

  • 10 livros de suspense para detetives mirins

    10 livros de suspense para detetives mirins

    detetives mirins - destaque

    Quem pensa que histórias de crime e mistério só interessam a adultos não sabe de nada, inocente. Gerações de leitores são formadas com livros que unem transgressão à lei, personagens cativantes, enredos envolventes, adrenalina e até mesmo pitadas de sobrenatural. Boa parte dos títulos de literatura infanto-juvenil aproveita a fase de curiosidade intensa e desejo por aventuras para “iniciar” seus jovens leitores nas artes da resolução de crimes!

    Aproveitando o mês das crianças, listamos dez livros essenciais de suspense para investigadores mirins. Ah, você já passou da idade? Não importa! Certamente, você já enfrentou alguns dos títulos abaixo. Afinal, todo o mundo já foi criança um dia…

    O Caso da Estranha Fotografia - Stella Carr1. O caso da Estranha Fotografia – Stella Carr (Editora Moderna)
    O que acontece quando sua máquina fotográfica sumiu e o filme que você revelou traz fotos de um homem cavando um buraco com ossos ao lado? O que você faria se estivesse com seus dois irmãos de férias numa praia e se deparasse com esse mistério? Iria investigar, claro! Pois é o que fazem Marco, Isabel e Eloís nesse autêntico suspense de uma das autoras mais conhecidas do gênero: Stella Carr. Adicione à equação do mistério um antigo cemitério indígena e uma mina de diamantes. Resultado: um livro difícil de largar.

    O Clube do Mistério - Edson Antoni2. O clube do Mistério – Edson Antoni (Editora Edelbra)
    Quatro amigos se juntam em torno de uma árvore para criar enigmas, desafios e aventuras. Chamam a confraria de O Clube do Mistério e passam a descobrir mais sobre o lugar onde vivem e as muitas transformações ocorridas na cidade. Investigação, casos do passado histórico e relações de amizade são os ingredientes certeiros desse livro que antecede tendências que persistem até hoje, como a solução de charadas de forma colaborativa.

     

    9788508164257b

    3. Histórias de Detetive – vários autores (Editora Ática)
    Imagine um livro que junta alguns dos maiores nomes da literatura policial em histórias bem contadas para esse público esperto e dinâmico. É o que temos aqui! Arthur Conan Doyle, Edgar Allan Poe, Marcos Rey, Edgar Wallace, entre outros desfilam para olhos curiosos e inquietos. A seleção é de José Paulo Paes que mescla personagens esquisitões, casos aparentemente indecifráveis e vilões perversos. Quem enfrenta essas páginas, sai transformado… em leitor de policiais!

     

    O Mistério dos 5 Estrelas - Marcos Rey4. O mistério do 5 Estrelas – Marcos Rey (Editora Ática)

    Se tem uma série de livros que mexeu com os leitores jovens brasileiros nos anos 70 e 80 é a Coleção Vagalume, conjunto de títulos que simplesmente era devorado pela garotada antenada. Um dos maiores sucessos da coleção é O Mistério do 5 Estrelas, onde somos desafiados a resolver o caso de um assassinato no Emperor Park Hotel. Descubra o que aconteceu e entenda também por que o autor, Marcos Rey, foi um dos grandes craques da literatura infanto-juvenil brasileira de todos os tempos.

    Jimmy Fiasco - Stephan Pastis5. Timmy Fiasco: Errar é humano – Stephan Pastis (Editora Rocco)
    Esta lista não tem apenas nostalgia! Tem detetive novo nas paradas, como o Timmy Fiasco. O garoto se acha o melhor investigador da cidade e, no melhor estilo Sherlock, conta com um inseparável companheiro: Total, um urso polar! Astuto e meio atrapalhado, Timmy também é empreendedor e cria com seu sócio a Fiasco Total, agência de investigação particular cuja sede é o closet de sua mãe…

    Enigma na Televisão - Marcos Rey6. Enigma na televisão –  Marcos Rey (Editora Global)
    Mais Marcos Rey e mais Coleção Vagalume. Desta vez, um simples beijo de telenovela parece criar uma epidemia de mortes e não há pistas de quem esteja por trás daqueles corpos. Junte ao enredo atores decadentes, atrizes subindo na carreira e a Liga das Sentinelas, sociedade preocupada com a moral e os bons costumes. Ingredientes para muita faísca e risco de explosão.

     

     

     

    O Genio do Crime - Joao Carlos Marinho7. O gênio do Crime – João Carlos Marinho (Editora Global)

    Um grupo de garotos se mete em encrencas pelas ruas da cidade. Conhecidos como a Turma do Gordo, acabam encontrando uma fábrica clandestina comandada por ninguém menos que um gênio do crime. Já viu isso antes? Sim, o livro repete elementos que já encontramos em filmes, livros, quadrinhos e games. Tanto que esse título é considerado por alguns como o “Goonies brasileiro”.

    O Fio da Meada - Giselda Laporta Nicolelis8. O fio da meada – Giselda Laporta Nicolells (Editora Pioneira)

    No ônibus, um estranho se aproxima e deixa nas suas mãos uma misteriosa caixa. Depois, desaparece. Luciana controla o medo e a curiosidade e decide abrir aquele mistério apenas em casa. Aí… Intrigante? Então, conheça esse livro que chacoalhou as jovens mentes brilhantes dos anos 80, e que foi escrito por uma das escritoras mais produtivas do seu tempo. Um detalhe: a autora é mãe de um dos maiores cientistas da atualidade, Miguel Nicolelis. Imagina se ele não se contagiou em casa…

    O Mistério da Casa Verde - Moacyr Scliar9. O mistério da casa verde – Moacyr Scliar (Editora Ática)

    Arturzinho lidera um grupo de amigos para transformar um casarão abandonado na cidade de Itaguaí num clube onde possam ouvir música alta à vontade. Entretanto, se deparam com um mistério e, para resolvê-lo, buscam o conto O Alienista, de Machado de Assis. A história também trata de uma tal Casa Verde, que teria sido um estranho hospício… histórias do século 19, coincidências e aventura fazem parte do cardápio oferecido por Moacyr Scliar.

    O Escaravelho do Diabo - Lucia Machado de Almeida10. O escaravelho do diabo – Lúcia Machado de Almeida (Editora Ática)

    Numa pequena cidade do interior paulista, o garoto Hugo recebe um estranho pacote contendo um escaravelho. Pensando se tratar de uma pegadinha dos colegas, ele nem se preocupa com quem teria mandado o tal presente. Acontece que, no dia seguinte, Hugo é encontrado morto com uma espada no peito. Seu irmão decide ir atrás do assassino e a essa hora já fomos fisgados pela curiosidade e pelo suspense. Um dos maiores sucessos da Coleção Vagalume, o livro vai virar filme e em breve estará em cartaz nos principais cinemas brasileiros.

    Lembrou de mais algum livro policial para jovens mentes brilhantes? Desafiamos você a sugerir a sua lista e a compartilhá-la conosco. Se não fizer isso, já sabe. Cuide-se! Você viu o que aconteceu com o Hugo de O Escaravelho do Diabo.

    Chris Lauxx

     Texto de autoria de Chris Lauxx, pseudônimo dos jornalistas Rogério  Christofoletti e Ana Paula Laux, autores da enciclopédia Os Maiores Detetives do Mundo e editores do site literaturapolicial.com

  • Review | How To Get Away With Murder – 1ª Temporada

    Review | How To Get Away With Murder – 1ª Temporada

    How To Get Away With Murder - 1a temporada - poster

    Foram os elogios a Viola Davis, premiada com o Emmy de melhor atriz em drama, que fizeram com que eu procurasse How to Get Away With Murder, nova série de Shonda Rhimes. A atriz, que é inegavelmente o melhor aspecto dessa temporada, é de uma competência inegável. Competência que fica ainda mais clara pelo contraste entre sua interpretação sutil e as “caras e bocas” dos jovens atores com quem contracena.

    A série conta a história de cinco estudantes de direito em seu primeiro ano e, que apesar de suas personalidades muito distintas, tem o mesmo objetivo: impressionar a carismática professora Annelise (Davis), rigorosa e responsável por enorme fascínio nos estudantes. Assim que conquistam o tão sonhado estágio no escritório de Annelise Keatting, os jovens são envolvidos no caso de uma estudante desaparecida encontrada na caixa de água de uma fraternidade. Os estudantes são implicados no assassinato da jovem Lila Stangard (Megan West), ao lado de seu namorado Griffin O’Reilly e Rebeca (Katie Findlay), vizinha de Wes (Alfie Enoch), que parece ser o pupilo preferido de Annelise. Se de início o trabalho em comum não parece capaz de unir esses jovens, sua implicação em uma atividade criminosa assim o fará.

    Desde o início, os competitivos jovens enxergam o pupilo como ameaça, pois Annelise parece ter criado uma quinta vaga na equipe especialmente para ele. Seus colegas tendem também a não se identificar com o rapaz que tem origem humilde e estudou em uma universidade comunitária. Wes parece isolado grande parte do tempo, dono de um temperamento mais introspectivo, dificilmente demonstrando sentimentos, porém sua empatia faz com que tenha uma visão diferenciada, o que o ajuda na construção de argumentos para os casos.

    Contrastando com Wes, Michaela (Aja Naomi King) é uma jovem ambiciosa, prestes a se casar com um herdeiro e grande promessa do cenário político em Nova York. Extremamente metódica Michaela tende a perder o controle quando as coisas não saem como o planejado. Nada sabemos sobre a sua família, o que me faz desconfiar que sua história pregressa tenda a se parecer um pouco com a de sua tutora, que também se reinventou para ser bem sucedida.

    Outro personagem interessante é Connor (Jack Falahee), dono de inegável beleza, utiliza a sedução como principal arma para conseguir vantagens que o ajudem a se destacar. Porém, se de início parece um predador sexual sem coração, o desenvolvimento da história promete surpresas. Antagoniza bastante com Michaela, provocando-a ao insinuar que seus planos de um futuro perfeito, são menos do que perfeitos se observados mais de perto.

    A última implicada no crime é Laurel (Karla Souza), que se diferencia de seus colegas por não se mostrar ambiciosa. Com preocupações sociais e éticas não compartilhadas por seus pares, Laurel muitas vezes parece perdida em meio a tanta competição. Não poucas vezes se questiona se aquele é seu lugar, apesar de ser tão competente quanto qualquer um de seus colegas.

    Chama a atenção o fato de Asher não estar envolvido no crime que todos agora compartilham, seja por participação direta ou como cúmplices. O filho de um juiz implicado em atividades questionáveis é constantemente desprezado por seus colegas. Imaturo e ingênuo, o rapaz já mostrou em diversas oportunidades que lhe falta a malícia que sobra a seus colegas, e é constantemente usado sem se dar conta disso. Matt McGorry que interpreta Asher, ficou conhecido pelo Guarda Bennet , em Orange In The New Black da Netflix, um grande destaque entre o elenco mais jovem.

    A série produzida pela ABC se não inova em seu formato, contando a história de forma não-linear, mesclando flashbacks no meio da narrativa, pelo menos utiliza-o de forma competente. Mantém o interesse do expectador, que se esforça para se adiantar a narração e desvelar o mistério que move a temporada. Porém, conforme chegamos perto de descobrir quem foi o assassino de Lila, o interesse diminui. O tom um tanto adolescente e a falta de aprofundamento nos casos da semana, explorando o ambiente dos tribunais, pode desagradar a um telespectador mais maduro. Apesar disso, o magnetismo de Viola Davis confere pontos extras a produção, que sem ela soaria insossa.

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    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.

  • Crítica | O Homem Que Elas Amavam Demais

    Crítica | O Homem Que Elas Amavam Demais

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    A adaptação de uma história verídica para o cinema nunca é simples, e tudo fica complexo ainda mais quando não há uma conclusão absoluta para tal história. Porém, nada impediu o diretor André Téchiné na produção de O Homem Que Elas Amavam Demais, drama francês baseado no caso real da família Le Roux, imperatriz dos jogos de azar no sul da França.

    A trama parte da cidade de Nice, em 1976, quando Agnes Le Roux (Adele Haenel), após o fim de seu casamento, decide retomar sua vida como herdeira ao lado de sua mãe, Renée (Catherine Deneuve), mas também visando a herança deixada por seu pai. Porém, devido a má administração de seu principal cassino, a matriarca se vê sem meios de suprir a filha. Completa o trio principal o advogado Maurice Agnalet (Guillaume Canet), um dos únicos aliados de Renée em meio a oposição de seus sócios e empregados.

    Quando Agnalet tem seus planos de ascensão frustrados por Renée, ele volta suas atenções para a filha de sua cliente. Mesmo casado e já com uma amante, eles iniciam uma relação amorosa que encontra seu ápice em 1977, quando a jovem desapareceu. O corpo nunca foi encontrado. Agnes havia tentado o suicídio pouco antes de sumir, e se sentia culpada por trair a mãe, após uma transação com Maurice envolvendo a máfia, para afastá-la dos negócios, tudo documentado nas gravações telefônicas do advogado e nas cartas trocadas entre ele e a garota, que nada provaram. O caso foi arrastado por mais de 30 anos (que infectam parte do filme), e ficou conhecido como Affaire Le Roux.

    Quem conhece o cinema de André Téchiné sabe que sua preocupação é maior com a construção de seus personagens do que com o desenvolvimento da história em si, e isso se repete aqui, mas não de forma satisfatória. Apesar da atuação empolada de Catherine Deneuve, quase como uma coadjuvante de luxo, Canet, apesar de esforçado, não se aprofunda no caráter duvidoso de Agnalet, e Hanel se mostra incapaz de trabalhar as nuances de sua personagem, dando um tom artificial e pasteurizado às suas transições de estado, indo do enérgico ao frágil sem degrau algum.

    A narrativa, dividida em camadas, em nada lembra o diretor seguro, mágico e consistente dos anteriores Rosas Selvagens e Tempos que Mudam. Toda a verborragia derramada no início do filme, com uma sequência – ou uma série delas – mal costurada para a introdução da história, dá lugar a um dramalhão que beira o clichê fácil da trama tribunal.

    No fim, O Homem Que Elas Amavam Demais parece ter elementos demais e, mesmo que alguns estejam bem acertados (como a belíssima fotografia), falta uma concatenação que os dê algum sentido maior. Possui uma série de méritos isolados, mas que em conjunto fica devendo, seja como registro histórico ou como cinema quanto suas intenções autorais.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Review | Hannibal – 3ª Temporada

    Review | Hannibal – 3ª Temporada

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    Em junho deste ano, os fãs de Hannibal foram pegos de surpresa com o cancelamento repentino do programa, três semanas após a estreia da terceira temporada. Mesmo com uma extensa campanha virtual dos fãs para salvá-la, através da hashtag #SaveHannibal, a NBC não voltou atrás, e seu criador, Bryan Fuller, não conseguiu outros canais que pudessem abrigá-la. O gosto amargo da descontinuação desta vez seria o principal tempero na cozinha macabra do canibal.

    Após o massacre que marcou o final da segunda temporada da série, baseada na obra de Thomas Harris, Hannibal (Madds Mikkelsen) é desmascarado e enfim torna-se um fugitivo da polícia, escondendo-se em Florença, na Itália, ao lado de sua cúmplice Bedelia Du Maurier (Gillian Anderson). Como Dr. Fell, seu disfarce em terras carcamanas, Lecter conquista admiração de todos do Studiolo como curador e tradutor da obra de Dante Allighieri. Ao realizar a arguição necessária para atuar na instituição, o ex-psiquiatra, em um belo recurso de fotografia, surge em um púlpito explicando sua tese enquanto uma ilustração do próprio demônio é projetada sobre sua figura, transformando-os em um só. Como estudo, nada mais irônico que tenha sido escolhida a primeira parte da Divina Comédia de Dante, Inferno, como perícia teológica e o propósito de sua estadia no país de origem do poeta.

    HANNIBAL -- "Dolce" Episode 306 -- Pictured: (l-r) Mads Mikkelsen as Hannibal Lecter, Gillian Anderson as Bedelia Du Maurier -- (Photo by: Ian Watson/NBC)

    A terceira temporada destaca-se das anteriores por não só mostrar um período tão aguardado pelos espectadores, a captura do protagonista, dando andamento à cronologia original, como também por ser o extrato mais fiel dos romances de Harris. À exceção de O Silêncio dos Inocentes, todos os restantes tiveram parte de seu universo explorado: Dragão Vermelho, Hannibal e Hannibal – A Origem do Mal. Fomos apresentados à origem de Lecter na Lituânia; a sua fuga para a Itália; à busca de Mason Verger (Joe Anderson, precedido por Michael Pitt) por seu maior inimigo; à estrutura familiar de Will Graham (Hugh Dancy); ao casamento de Margot Verger (Katharine Isabelle), como sempre desconstruído pela produção, e muitos outros. Cada momento específico é rearranjado pela produção em diferentes espaços temporais, desconstruindo a narrativa original de forma não-linear e dando pistas sobre o real e o imaginário. Uma estrutura enfatizada pelo Palácio das Memórias conceituado por Hannibal para armazenar as lembranças mais vívidas que se tornam indistinguíveis.

    Dividido em três atos, como em uma tragédia clássica, o terceiro ano comprova por que são necessários tempo e equilíbrio para a construção de um argumento. O primeiro ato, que mantém a tradição de cada episódio intitulado com um prato da gastronomia – italiana, já que se passa neste país – mostra-se extremamente demorado, com sete episódios para alcançar um desfecho: a prisão de Lecter. Já o segundo, após um salto cronológico de três anos, é apressado e turbulento, embora com doses cavalares de expectativa, já que estamos falando de um novo momento na série, a composição do primeiro denso antagonista: Francis Dolarhyde, ou o Grande Dragão Vermelho.

    HANNIBAL -- "The Wrath of the Lamb" Episode 313 -- Pictured: Mads Mikkelsen as Hannibal Lecter -- (Photo by: Brooke Palmer/NBC)

    Richard Armitage, cujo maior papel até então fora Thorin na franquia O Hobbit, captou excelentemente o espírito do Dragão e produziu o melhor personagem de toda a franquia. É assustador como o Fada do Dente, como também foi conhecido pela operação de sua captura, se vê como indivíduo para alcançar sua provação. O processo de tornar-se o Dragão Vermelho é o mesmo modus operandi de Lecter como canibal: ambos veem na carne uma transmutação e matam para tornar-se alguém. Tal é a identificação do primeiro pelo segundo que o serial killer procura seu mentor, intentando reconhecimento. Como João Batista batizando o Messias e identificando seu mestre com base em uma paixão mútua: o gosto pela modificação através da morte.

    A proximidade, no entanto, não se expande, mas é definitiva para causar estragos. A cena da invasão à residência de Will, afetado pelo caso e pelo retorno ao convívio da amizade destrutiva de Hannibal, possui a mesma carga dramática envolvendo familiares inocentes que a da adaptação anterior, Dragão Vermelho. A aparência de Dolarhyde também impressiona: o lábio leporino, a dentadura e a grande tatuagem da pintura O Grande Dragão Vermelho e a Mulher Vestida no Sol, de William Blake destacam-se na caracterização do personagem e formam sua base destrutiva, como um figurino que veste para conquistar a força do Dragão – o design ideal, como diria Graham. Pontuada não só pela aversão à sua própria aparência, mas também pela intimidação devido ao trauma da figura feminina, a esquizofrenia arcaica do vilão, como tipificação e estudo complexo da psicologia da personagem, demonstra por que Thomas Harris é um romancista de grandes virtudes.

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    Já o terceiro ato encerra o ciclo entre Will e Hannibal, que enfim retomam os laços negados pelo detetive em um abraço, símbolo maior de cumplicidade, afetuosidade e – por que não? – de amor. Amamos nossos inimigos com a mesma potência que amamos nossas pessoas queridas. O reconhecimento no outro além das nossas diferenças é um ato de amor. Se analisarmos a obra como uma desconstrução do universo apresentado nos livros, o final pretendido produz sentido.

    Com tantos núcleos, tramas e subtramas, é uma tarefa difícil avaliar a temporada como um todo, com altos e baixos disputando espaço em 13 episódios que deveriam ser enxutos. Hannibal encerrou-se de forma abrupta para quem esperava, até com um resquício de esperança, uma nova adaptação com Clarice Starling, que ao lado de Hannibal tornou-se icônica. Logo após o cancelamento, houve a vontade explícita de Fuller em produzir um filme com um final para o seriado, mesmo que a ideia contrarie o desfecho e o de seus personagens. Uma pena, já que o final, melodramático e lacrimoso, põe fim a qualquer motivo de espera por novos pratos da alta gastronomia que por ventura pudessem saciar a fome de seus espectadores.

    Texto de autoria de Karina Audi.

  • Crítica | O Escritor Fantasma

    Crítica | O Escritor Fantasma

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    Dúvida e culpa têm seus lugares reservados em qualquer situação sensível a erros. Você pode ser julgado de maneira brutal por qualquer minúsculo defeito assim que o mesmo estiver exposto. É esse sentimento que Roman Polanski nos passa na perspectiva do escritor fantasma (Ewan McGregor) ao acompanhar por alguns dias a vida de Adam Lang (Pierce Brosnan).

    Na trama de O Escritor Fantasma, McGregor, do qual eu não me recordo perfeitamente, mas acredito que não tem seu nome citado em momento algum no filme, consegue ser contratado para algo que não tem interesse algum e do qual não entende: Terminar de escrever as memórias de um político que foi muito popular durante seu mandato e que agora vive recluso em um único local, com sua equipe e esposa devido a trágica morte de seu antecessor.

    Em momento algum inicialmente as poucas migalhas de algo que possa ser um mistério soam gritantes ao espectador. É tudo cirurgicamente suave, mas elegante e ao mesmo tempo incômodo. Parece que tem algo a acontecer, que sempre está perto de acontecer. É essa dúvida do início desse texto que percorre a cabeça do personagem. Fazer parte integral da vida de alguém sem nem ao menos ter participado parece o pior trabalho do mundo. Uma pesquisa intimista que terá valor para todos, menos você.

    Durante um momento essa dúvida é tão berrante que começa a fazer parte de uma ideia perigosa, mas que ao mesmo tempo soa estranha, e é daí que surge todo o suspense do filme. O ponto mais interessante ao terminar de assisti-lo é pensar que estamos acompanhando apenas quatro dias da vida do protagonista, que transparecem pelo sutil peso das pistas se encaixando e criando uma teia de ligações suspeitas, mas que nunca passam disso.

    Cores sóbrias tomam conta das cenas. Você passa a não perceber detalhes junto do protagonista exatamente porque eles não são feitos para serem percebidos. A vontade de guiar o espectador em alguma direção se mantém imponente até o último momento dessa película. A trilha, assim como a fotografia, é sutil e aparece pontualmente para dar ritmo a poucas cenas onde existe a necessidade.

    É curiosa a forma como a sensação de que poderia ser você ali no meio de um mal entendido, ou alguém que você conhece, fica presa quando você para para pensar nas peças se encaixando. Paranoico, até.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Escalado para Morrer

    Crítica | Escalado para Morrer

    Você é um astro. Você é o diretor. E você gosta de alpinismo e nunca pode fazer um filme do James Bond porque não é Inglês!?  É daí que surge a grande trama baseada no livro de Trevanian, Escalado para morrer (The Eiger Sanction), esta bela película que completa 50 anos em 2015.

    Filmes de espionagem não são novidade em hollywood há muito tempo, por isso mesmo é interessante ver como um grande diretor trabalha a mesma fórmula tentando dar a ela um pouco da sua própria identidade. A tomada inicial muito bem temperada com a trilha de John Williams já nos mostra ao que o filme veio, com uma paisagem sóbria de clima misterioso, acompanhamos a trajetória de um homem até sua inesperada morte num apartamento, e daí se desenrola toda a trama dessa aventura de Clint.

    Na trama, Jonathan Hemlock (Clint Eastwood) é um elegante professor de artes que não dá mole pra suas alunas. Ele é durão, dá porrada, e não tem medo mandar o garoto de recados catar coquinho se necessário. Mas temos um problema, Hemlock possuí um passado como funcionário de uma organização secreta, e seus serviços da época lhe renderam obras de arte valiosas no porão de sua casa. Então seu ex chefe o ameaça com um último serviço, para acabar com suas dívidas de uma vez por todas!

    É difícil ainda mais com a perspectiva de hoje ver um filme se dar tempo para desenvolver um pequeno problema que é parte fundamental para o desfecho que a história irá seguir. O filme tem duas horas de duração mas desenvolve todos os seus detalhes na trama de maneira bem simples. Hemlock passa quase que a primeira metade do filme desenferrujando suas habilidades fazendo caminhadas e corridas com belas tomadas panorâmicas e aéreas de paisagens e montanhas ao lado de sua instrutora índia-fatal.

    Outro grande trunfo do filme é ser muito divertido pelos comentários sarcásticos e atitudes pávio-curto do nosso protagonista junto aos diálogos dele com George Kennedy que possuí tiradas engraçadíssimas também. É óbvio que aquela história toda não se leva a sério e essa é sem dúvida a melhor parte dela, principalmente pelo clima aventureiro que a trilha de Williams proporciona durante toda a duração, com arranjos de violão muito interessantes em alguns momentos, e o tema principal que é uma variação ambivalente de jazz e música sintética nessa trama meio espião/ filme de aventura. Não se compara em peso com muitos dos grandes trunfos de direção de Clint, mas nos faz lembrar que esse mesmo senhor tem um ótimo senso de humor e gosta de entreter o espectador além de evocar emoções.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Cobain: Montage of Heck

    Crítica | Cobain: Montage of Heck

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    Durante os últimos anos, fomos bombardeados com diversos documentários sobre Kurt Cobain; a maioria, tentativas frustradas de “desvendar” o suicídio do lendário vocalista do Nirvana. Não é o caso de Cobain – Montage of Heck, documentário dirigido por Brett Morgen, que deixa Kurt falar, nos levando a uma viagem por sua mente e sua alma.

    Cento e trinta e dois minutos se passam antes de vermos em tela: “No dia 5 de julho de 1994, Kurt Cobain pôs fim a sua vida”. A sensação de estar na pele do vocalista nas últimas horas é tanta que a pequena frase volta a ter os mesmos efeitos que teve em seu tempo.

    Os filmes, as fotos e os vídeos presentes no longa deixam claras as intenções de Morgen ao produzir o documentário da forma mais completa e sincera possível. Temos um retrato biográfico completo de Kurt, começando em seus primeiros passos, passando pelo “boom” do Nirvana, até chegar aos seus últimos dias. A atmosfera criada, cheia de relatos, fotos e até sequências de animação, demonstra que o intuito principal aqui é deixar Kurt falar por si, contar suas histórias e, talvez, explicar seu estilo de vida.

    Trechos de entrevista, capas de revista e notícias em jornais, são elementos utilizados na formação de um “quadro” muito maior, ao lado de todos os poemas incompletos, das listas bizarras e dos traços perturbadores de seus desenhos, visando um olhar mais aprofundado e inquietante da vida pelos olhos de Kurt.

    Ao passo em que nos aproximamos do fim, somos aprofundados na relação Cobain-Love, com uma atmosfera densa, melancólica e pesada. É desconcertante ver Kurt Cobain aos beijos com Courtney Love. Ambos parecem ter tido toda a vitalidade consumida, seja pela fama ou até pela união. Aliás, ter um vislumbre da relação, independentemente do momento, já é desconcertante por si só. É como se o chocante fosse comum para eles, a ponto de vermos Courtney Love injetando heroína durante sua gravidez.

    Porém, o maior choque existente em Cobain: Montage of Heck é a entrada brusca na vida de Kurt, feita de forma repentina, singular, até mesmo crua. Antes da figura lendária, o símbolo da rebeldia que pouco se importava com as críticas e opiniões, vemos um homem. Um homem frágil que não suportava humilhação e abominava invasão particular.

    E quanto a isso, ao fim, resta apenas uma dúvida: o que Cobain pensaria se visse sua vida exposta de maneira tão crua e intensa, como realmente foi?

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    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Mulher-Maravilha: Símbolo Feminino do Séc. XX? – Parte 3

    Mulher-Maravilha: Símbolo Feminino do Séc. XX? – Parte 3

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    Capítulo 1 – Contexto Histórico

    Capítulo 2 – Origens da Mulher Maravilha

    Capítulo 3 – Queda e Ascensão

    Em 1954, o Dr. Frederic Wertham escreveu o seu livro Sedução dos Inocentes que expôs suas ideias sobre os quadrinhos e como eles afetam a marginalidade e a sexualidade da juventude. É visto por muitos historiadores de quadrinhos como a morte da Era de Ouro, e do início do Code Authority. A indústria de quadrinhos foi voluntariamente censurada e alguns temas foram estritamente removidos. Na era do Código, a Mulher Maravilha foi totalmente neutralizada. Ela não falava mais como uma feminista e foi deixado para os braços Steve Trevor, e com o tempo desgastou na Era de Prata. HG Peter, o artista original morreu ao completar a edição # 97. Sua origem logo foi reformulada.

    Seus poderes foram retirados e se tornou uma mulher comum, basicamente o que era esperado das mulheres no período pós-guerra, que retornassem ao trabalho doméstico, e sempre submissas ao sexo masculino. Nos anos 60, ela foi despida de seus superpoderes para se tornar uma mulher mortal. Estava preocupada puramente com o “feminino”, usava roupas da moda. Suas botas foram substituídas por sapatos de salto alto com tiras no tornozelo, e seu penteado era totalmente estilizado em um olhar Jackie Kennedy. Ela já não tinha seu avião invisível ou sua cura e poderes especiais telepáticos. Era mais vulnerável agora, mais facilmente enganada e seduzida pelo sexo masculino. Ela parecia ter ficado mais jovem ao invés de mais velha. Tornou-se menos poderosa, quase um espelho do papel da mulher no período pós-guerra. Esperava-se que as mulheres voltassem para casa das fábricas – e da independência para cozinhar, limpar e ter filhos.

    wonder woman for presidentNos anos 70, ela começou uma butique de roupas!

    Mas esta mudança radical, apesar de alardeada e bastante incentivada pela DC não duraria muito tempo. Pode ter surpreendido até a Mulher Maravilha ter sido escolhida como um símbolo do crescente movimento de Libertação da Mulher no início dos anos 1970.

    Em 1973, a personagem estava de volta ás suas origens, em grande parte graças à Gloria Steinem, famosa jornalista americana que, revoltada por ver a personagem com a qual cresceu lendo descaracterizada, colocou a heroína com seu uniforme original na capa da revista feminista Ms., uma revista de grande circulação nacional. Na verdade, não era exatamente o uniforme original, pois possuía algumas sutis diferenças, mas a essência do uniforme estava ali. Diana Prince voltou então a ser a Mulher Maravilha que os fãs conheciam.

    “William Moulton Marston tinha visto direto no meu coração e compreendi os meus medos mais secretos.”

    STEINEM, Gloria. Revista Ms. 1972

    “Quando eu era jovem, a Mulher Maravilha me encorajou a acreditar que não só eu posso fazer o que um garoto poderia fazer, mas eu também poderia superá-lo. Como Mulher-Maravilha diria a seus inimigos do sexo masculino: “Eu ainda vou rir por último”! Qualquer coisa que você pode fazer, eu posso fazer melhor! “Agora, como adulta, ela continua a inspirar-me a ser um modelo positivo para as meninas”. Algum dia, eu vou ser uma super-heróina também”.

    STEINEM, Gloria. Revista Ms. 1972

    “Aqui era uma pessoa heroica que poderia conquistar com força. Mas só uma força que foi temperada com amor e justiça.” De alguma forma ela conseguiu fazer o impossível: ela é um exemplo brilhante de militantes feministas. Eles entenderam que, juntamente com a igualdade de remuneração e de cultura e o direito de possuir crédito em seu próprio nome, as mulheres jovens precisam ser capazes de ver-se em um forte modelo de cultura pop e de formar-se nas versões da vida real.”

    STEINEM, Gloria. Revista Wonder Phyllis Chesler’s Woman, 1972

    Em 1973, a DC Comics restaurou a Mulher Maravilha a sua antiga glória, devolvendo o antigo uniforme. Dois anos depois, a série de televisão estrelada por Lynda Carter (cuja beleza mais do que corresponde à imagem dos desenhos animados). Na TV, Batman já havia se tornado um sucesso com seu seriado estrelado por Burt Ward e Adam West e o Superman interpretado por George Reeves. A Mulher Maravilha apareceu originalmente em um episódio piloto na década de 60, estrelado por Ellie Wood Walker e Hope Summers, que foi criado pelos produtores do seriado Batman; Exagerado, estúpido, e um insulto para o caráter, o piloto felizmente nunca chegou à tela da televisão. Após o fiasco da primeira tentativa , a Mulher Maravilha apareceu pela primeira vez na televisão durante um episódio de 1972 do desenho Kids Brady intitulado ” Isso é tudo Grego”.

    Em 1973, a Mulher Maravilha apareceu na manhã de sábado da ABC como uma das integrantes do desenho Super Amigos (Hanna Barbera produções, assim como Scooby-Doo, Jetsons e Super Gêmeos). Embora fosse maçante e sempre tinha uma desajeitada lição de moral no final de cada episódio, essa versão animada de Mulher Maravilha com o penteado Marilyn Quayle é uma das imagens mais duradouras.Em 1974, a Mulher-Maravilha nasceu como um medíocre filme pela ex-tenista Cathy Lee Crosby (mais lembrada por sua participação no reality Show That’s Incredible!) Como uma versão bizarra loira da Princesa Amazona, que em nada parecia com sua contraparte dos quadrinhos a não ser pelo titulo do filme “Mulher Maravilha”.

    Sem super poderes, um traje modificado que foi um cruzamento entre uma aeromoça e ginasta, e um roteiro sem sentido, o projeto foi por água abaixo. Stanley Ralph Ross, escritor responsável por episódios da Mulher-Gato no seriado do Batman, surgiu com uma versão da Mulher Maravilha que restaurou conceitos criador William Moulton Marston, incluindo a definição da II Guerra Mundial e a origem da história. O roteiro de Ross, apropriadamente intitulado The New Original Wonder Woman, tornou-se um filme de TV em 1975. O produtor executivo Douglas S.Cramer insistiu que Lynda Carter conseguisse o papel principal, apesar dos escrúpulos sobre sua inexperiência.

    O piloto foi um sucesso suficiente para gerar mais dois filmes de TV. Finalmente, em dezembro de 1976, a ABC lançou uma série de episódios semanais de uma hora. Fiel a temas de Marston, o episódio mostrou a abertura princesa amazona reabilitar seu inimigo, uma nazista do sexo feminino. Os quadrinhos foram reconhecidos nos créditos de abertura de animação, e por um dispositivo de cena em que as legendas escritas à mão aparecem no canto da tela. O filme piloto, exibido em 7 de novembro de 1975, foi um sucesso de audiência, e a ABC rapidamente autorizou a produção de dois especiais de uma hora que foi ao ar em abril de 1976.

    Estes dois episódios adicionais foram autorizados pela ABC para ir ao ar a qualquer hora que quisesse e foram usados para preencher lacunas na programação. Estas três produções viriam a ser consideradas parte da primeira temporada da série. Todos os 3 marcaram avaliações fortes e Mulher-Maravilha tinha mostrado potencial comparável ao “The Mary Tyler Moore Show” (Sitcom avaliado pela revista TIME como um dos 17 shows que mudaram a TV), utilizando como propaganda para o seriado a venda de uma boneca da Mulher Maravilha com o rosto de Lynda Carter na caixa do produto. A ABC ordenou mais 11 episódios para a temporada 1976-1977 de televisão. Na TV, começou a ser exibido os episódios no início de outubro (Inicio das novas temporadas de TV nos EUA) de 1976 até meados de fevereiro de 1977. Depois de meados de Dezembro de 1976, o programa foi ao ar semanalmente. Sua habilidade de bloquear balas, os closes em câmera lenta nas cenas de ação e a explosão durante o rodopio de transformação da personagem tornavam os episódios imperdíveis para o público.

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    Figura 3 – Lynda Carter como Mulher Maravilha

    Chegou-se a um consenso quanto a sua origem, que de forma controversa funcionou para a época em que foi criada; a personagem era unilateral, representava um ideal de força, autoconfiança e inspiração para as mulheres apesar do seu apelo sexual masculino. Todos os personagens de quadrinhos da época foram reciclados, sendo sua concepção feita durante a Segunda Guerra. Toda a geração que leu a concepção original da personagem cresceu coma ideia de que existia a chance de mudar as coisas na sociedade, o bom autor de ficção vai exatamente criticar ou discutir algo que permeia seu tempo. A pesquisa mostrou como de fato para a cultura americana os quadrinhos são pertinentes, pois são o primeiro contato de leitura na maioria das crianças, junto com os livros ilustrados, e é mostrado isso pela variedade de produtos que existiram e são comercializados até hoje com a mesma personagem.

    A Mulher Maravilha representou o que seu autor pensou ser o correto para a nova geração, que seriam os adultos dos anos 60 e aplicou essa ideia no meio de comunicação que mais chamava a atenção de leitores de todas as idades, sendo eles homens, mulheres, garotos ou garotas. Nós temos esse conceito inserido no roteiro de pequenas histórias, mostrando a partir de um ideal de beleza, um ideal americano e um ideal feminino. Com a morte do autor temos seu conceito totalmente invertido para refletir o que foi a mulher no período pós-guerra, de fato o que afetou a imagem da personagem por mais de 10 anos, tempo esses em que a contracultura; revoluções sexuais aconteciam em território americano em pró de um ideal de paz e amor, surgido pela pressão que havia se instaurado na sociedade e pela guerra do Vietnã. Seu conceito se repagina de forma positiva a partir da década de 70, com o seriado e com os quadrinhos.

    Alguns aspectos mesmo sendo reformulada tantas vezes se mantêm intactos na formação da personagem como sua fisionomia, beleza, altura, força e habilidades especiais. Se ela servia como um padrão, esse padrão fisicamente é inalcançável de diferentes formas, desde o fato de ser uma princesa para aproximar do imaginário da menina quanto a capacidade de fazer o que queria no momento em que queria. Esse modelo de inspiração assim como o de todos os outros super.

    Heróis estão fisicamente num padrão de apreciação, porém o que de fato torna essa personagem ou qualquer outro tão perdurável ao tempo é sua essência, a capacidade de inspirar a uma nova geração com feitos diferentes em contextos diferentes; A Mulher Maravilha da década de 85 é a mais vulnerável psicologicamente o possível, que apesar de inspirar apresenta erros que qualquer ser humano pode cometer. Ela pode ser reutilizada em diferentes contextos para trazer uma inspiração, uma ideia que pode alcançar de forma relevante muito mais que uma pessoa só, não necessariamente como símbolo feminino como já foi, mas como uma representação do que o autor quiser refletir.

    Texto de autoria de Halan Everson.

    FONTES CONSULTADAS
    1. ROBBINS, Trina,“The Great Women Superheroes wrote”, 1940
    2. OLIVE, Richard. Revista Family Circle, “Não ria dos Quadrinhos”, 1940
    3. HANK’S, Fletcher, Fantomah #14, Jungle Comics, 1941
    4. MARSTON, William Moulton. The American Scholar, 1943
    5. CHARLES, MOULTON. PETER, H.G Sensation Comics #1 Dez, 1941 DC Comics
    6. STEINEM, Gloria. Revista Wonder Phyllis Chesler’s Woman, 1972
    7. STEINEM, Gloria. Revista Ms. 1972
    8. DAVIDSON, Bill. From the pages of comic books, T.V Guide, jan.27 1977
    9. EVANIER, MARK. Her Name is Lynda Carter, The amazing World of DC comics, Ago.15 1977
    10. LEAPS and BOUNDS. Wonder Woman on TV, DC Comics – Sixty Years of the World’s Favorite Comic Book Heroes, 1980
    11. DANIEL, LES. Wonder Woman: The Complete History. DC Comics, 2004 pg. 28–30. 130-190
    12. GREENBERGER, Bob. PÉREZ, George. Wonder Woman, Amazon. Hero. Icon, Ed. Universe, Abr.6 2010

  • Crítica | Nocaute

    Crítica | Nocaute

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    A consequente trajetória do inconsequente e metido lutador poderia render um enredo e uma construção de personagem interessante, que fugiria aos estereótipos já vistos em Rocky e Jake LaMotta. O ponto triste é que eu não gosto de usar esta probabilidade, mas poderia.

    Nocaute narra a história de Billy Hope (Jake Gylenhaal), um exímio e feroz lutador de boxe já consolidado no circuito mundial, mas que demonstra irresponsabilidade e displicência, tanto no ringue quanto fora dele. Ele é casado com Maureen (Rachel McAdams), que poderia ter maior tempo no filme, já que seu papel é morto justamente para trazer o aditivo emocional e o ponto principal para a contextualização de Billy. Ambos possuem uma filha, Leila (Oona Laurence), que aos poucos no filme vai entendendo a questão do pai ser violento e irresponsável consigo mesmo. A partir da morte de Maureen, é iniciada a derrocada de Billy em sua vida pessoal e profissionalmente.

    Neste instante, o roteiro e o enredo começam a ficar pautados por clichês de filmes do clássico lutador que busca motivações, redenção e se recolocar no papel de pai, irmão, filho, seja lá qual for o grau parentesco/familiar que é apresentado. A direção do Antoine Fuqua é muito boa. Um diretor que tem uma boa estética noturna e urbana, sabe usar controle de câmeras, o que além de intensificar a emoção e o sentimento da cena em si traz uma movimentação bem presente, que te coloca numa posição boa nos momentos de clímax e nas lutas. A atuação de Gylenhaal é, mais uma vez, espetacular. Mesmo seu personagem não trazendo características novas ou algum drama peculiar que talvez lhe escapasse da identificação casual, ele sustenta bem e se entrega não só fisicamente, mas também com cargas dramáticas bem impostas.

    Sua relação com a filha é impressionante, talvez o ponto principal do filme. A atuação da Oona é brilhante, destaca um talento bem natural. As cenas de diálogo e principalmente de revolta com o pai fluem muito bem, são orgânicas e tensas. Há uma cena entre eles, que marca a transgressão do 3º ao 4º quarto, que visceralmente choca por ela não ser boba e ter uma construção e capacidade de percepção que surpreende até mesmo Billy. A participação de Forest Whitaker, como treinador Tick Wills, potencializa o filme, no entanto a história fica mais uma vez presa em arquétipos já analisados e vistos em outros filmes que possuem essa fórmula na semântica da motivação e redenção.

    Fuqua é um diretor bem cotado em filmes de ação mais independentes. Lágrimas do Sol e até o interessante O Protetor dá a credibilidade de alguém que surpreendeu a academia por trazer uma comunicação mais urbana e concentrada em ideologias e universos periféricos em Dia de Treinamento. Ele perdeu acentualmente ao calcar os personagens em cima do já caricato lutador renegado em busca de redenção, mas compensou ao humanizar mais esse universo que é perceptivelmente frio, assim como é a atuação do rapper 50 Cent.

    Texto de autoria de Adolfo Molina Neto.

  • Crítica | A Escolha Perfeita

    Crítica | A Escolha Perfeita

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    É sintoma claro de velhice o uso do passado como referencial único e inquestionável para avaliação cultural. Tal engajamento com o passado leva a crer que hoje em dia não há obras equivalentes àquelas que definiram e representaram gerações passadas, tal como o cultuado Clube dos Cinco. Em novos tempos, novos interesses e anseios, não cabe mais aos novos representantes da juventude a rebeldia ingênua de outrora, ao menos não nos mesmos moldes. Desde temas tristemente sérios como em As Vantagens de Ser Invisível e Juno, a celebração ingênua da felicidade de Pequenas Miss Sunshine e Super Bad, filmes marcam e desenham o mapa desta geração, e com A Escolha Perfeita não é diferente.

    Na história, Beca (Anna Kendrick) é uma garota indisposta com relação à tudo que se refere à ter seu futuro desenhado por outras pessoas. A aspirante à DJ frequenta a universidade por pressão de seu pai. No outro lado do campus, a equipe feminina de acapella tenta quebrar a hegemonia da equipe masculina na competição. Após um fracasso escatológico durante a final da última competição associado não à incompetência, mas sim devido à pressão em serem bonitas talentosas e multifuncionais, a equipe se desfaz e junto com ela o sonho das Bellas de Barden de mostrar que são capazes. Tal pressão faz com que a equipe frequentemente evite se expor ou ousar em suas apresentações, de modo à ser aquilo que esperam delas. Qualquer semelhança com as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em seus dia-a-dia não é mera coincidência.

    Na tentativa de revitalizar a equipe, os moldes desta se alteram. Das meninas de corpos perfeitos e voz de princesa da Disney, dá-se lugar à personagens desajustadas, como a própria Beca e àquela que rouba a cena em cada um de seus segundos em tela: Amy Gorda( Rebel Wilson). Assim ela se anuncia, de forma assertiva ao demonstrar que tem consciência daquilo que dizem dela pelas costas, mas que nem por isso iria esconder-se dentro de si, usando a intenção jocosa daqueles que olham torta para sua aparência como uma ferramenta de autoafirmação. Ela é gorda, não se importa e sabe disso. Sabe também que é muito mais do que seu “design” aponta. Aliado à isso, Rabel Wilson tem a capacidade de transmitir uma agressividade ingênua em seu olhar e fala, fazendo de suas piadas que poderiam facilmente serem consideradas como de gosto duvidoso uma forma de exaltar-se, mas sem necessariamente rebaixar alguém.

    Produzido por Elizabeth Banks, que atua como uma das comentaristas do disputado torneio universitário de Acapella, dando o contraste ideal para os comentários misóginos de seu parceiro John (John Michael Higgins) e assim relevando o tom de crítica das piadas que surgem ao longo do filme, deixando claro ser uma obra que tem como objetivo discutir o papel feminino no mundo de forma séria, mas sem deixar de fazer ser uma comédia.

    Se de um lado o humor age como uma forma de debochar do outro sob o verniz de que “É apenas uma piada”, o uso deste deboche para ressaltar a contradição ética que é ser machista é um dos grandes acertos de A Escolha Perfeita.

    O feminismo protagonizado aqui releva uma abordagem realmente interessante ao evitar o máximo possível ser maniqueísta, e abandona os desejos de competição Masculino vs Feminino em prol de um discurso de abertura de oportunidades e respeito nas relações. Muito diferente dos filmes das décadas de 1990 e 2000, onde a menina feia era incapaz de se mostrar como quem era, usando óculos gigantes e cabelos amarrados apenas à espera de um rei do baile que pudesse mostrar para ela a sua verdadeira beleza mesmo que sua motivação seja apenas vencer a aposta de levar a desajeitada da escola para o baile. Esse template foi reproduzido em diversas ditas comédias românticas sem se dar conta de sua atmosfera machista, onde a mulher só poderia revelar-se ao mundo sob o papel de fêmea, limitando-se à ser uma costela do homem e vencer por sua beleza e fragilidade. Inclusive, tal coisa surge como piada entre Beca e seu interesse amoroso, Jesse (Skylar Astin) relevando a consciência do filme de que o romance não precisa ser evitado e nem mesmo ser um objetivo, só precisando fazer sentido e ser saudável.

    A Escolha Perfeita surge em 2012 como representante feminino dos filmes que relatavam as relações de extrema amizade dos meninos, conhecido como “bromance”, enquanto as meninas eram representadas como seres insensíveis às necessidades dos meninos. E assim, com suas músicas pop e o uso de brincadeiras pretensamente destinadas às meninas, como a brincadeira do copo, —Que originou uma das grandes demonstrações da representatividade que este filme alcançou com o clipe Cups— A Escolha Perfeita trata de um momento histórico de extrema importância na cultura pop onde a mulher é a verdadeira protagonista.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.