Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Poder Absoluto

    Crítica | Poder Absoluto

    Poder Absoluto - Poster

    Nem é preciso falar muito quando se trata de Clint Eastwood, um dos poucos sujeitos de Hollywood que é extremamente competente em atuação e direção. Embora seu talento para atuar e dirigir seja notório, o que talvez as pessoas não percebam é que Clint sabe contar histórias. Ele conta ótimas histórias já criadas, lançadas em papel, bons romances, muitas vezes desconhecidos, mas que guardam ótimas histórias. E esse é o caso de Poder Absoluto.

    O livro Poder Absoluto foi escrito por David Baldacci e roteirizado por William Goldman, dono de duas estatuetas da Academia, além de outras 14 indicações e assim, ficou “fácil” para Clint dirigir o sucessor de As Pontes de Madison. Dona de uma premissa simples, porém chocante logo num primeiro momento, a fita se desenvolve num ótimo thriller policial e político de encher os olhos, com cenas inteligentes, diálogos precisos, sem esquecer, inclusive, de uma ou outra cena de ação. E claro que não podemos deixar de citar o “trio de ferro” dos atores principais aqui presentes. Além de Clint como protagonista (ou seria antagonista?), temos Gene Hackman e Ed Harris.

    Luther Whitney (Clint Eastowood) é um conhecido e veterano ladrão de joias, que passou ausente boa parte da criação de sua filha, Kate (Laura Linney), tendo, portanto, uma relação conturbada com a moça, uma das promotoras de justiça da cidade. Além de ser expert em adentrar em residências super protegidas, Luther é o melhor no que faz e, assim, decide fazer um último furto para garantir de vez sua aposentadoria. Adentrando uma mansão vazia, furta todas as joias pertencentes a um casal milionário que está viajando. Porém, acontece que só o marido parece viajar, uma vez que sua esposa adentra à residência com seu amante. Luther se esconde num closet e testemunha, através de um espelho de uma face, as preliminares de um casal bêbado, que resulta num crime bárbaro.

    O detetive Seth Frank (Ed Harris) tem a certeza que o crime foi cometido por Luther, por conta do modus operandi para invadir a casa e das joias furtadas e isso intervém ainda mais na relação do veterano ladrão com sua filha. Luther presenciou um crime ao qual não pode revelar assim de forma aberta, pois o amante da mulher assassinada é o homem mais poderoso dos Estados Unidos, o presidente Allen Richmond, vivido por Gene Hackman.

    Assim começa o tradicional mas competente jogo de gato e rato, uma vez que Frank quer Luther preso e o presidente, assim como o marido da mulher assassinada, o querem morto. O interessante é que tal jogo não se estende somente a Luther, Frank e o presidente e é justamente onde reside a graça da trama. Há algo muito maior por trás deste “simples” crime.

    O destaque do filme fica pra atuação de Clint Eastwood e Ed Harris, mais precisamente quando estes dois dividem a tela. E também é sempre interessante acompanhar Luther com sua filha, além de todas as situações em que se coloca para conseguir provar sua inocência. Mas como dito, tem momentos em que parece que o filme não trata somente da história de Luther, o que o torna obrigatório.

    Poder Absoluto pode não estar na lista dos melhores filmes do diretor, mas a trama e o elenco cativam desde o começo, sendo simultaneamente inteligente e conduzindo bem os clichês, não aquele clichê que decepciona, mas aquele em que o espectador, ao assistir, proferirá algum palavrão, cuja tradução estará próxima de um sonoro “uau!”.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Bird

    Crítica | Bird

    Bird - poster

    É difícil dizer algo sobre isso no momento. Enquanto escrevo isso me cerco ouvindo novamente toda a trilha do que acabei de assistir. O mais agradável em ver um amante desse gênero como realizador de um filme desses é a sobriedade na construção dramática e nas atuações. Você não se questiona em momento algum na imersão que ele propõe, só está lá e é apenas isso.

    Bird, dirigido por Clint Eastwood e lançado em 1988 narra em suas quase três horas de duração o desfecho final da vida de Charlie Parker. O sagrado Jazz, que estava ali antes das guitarras, que ressoa forte tal qual o rastro de uma chuva no dia seguinte e até hoje deixa o frio por onde passa, me parece ser o personagem principal, antes mesmo de Charlie.

    O filme se inicia esteticamente como um noir, mas como quem não te quer como espectador. Logo após um show, podemos ver Charlie sendo interrogado por sua esposa, Chan (Diane Verona) após um rápido monólogo. Claramente não somos convidados ali, e aparentemente nem ele. Estamos falando de uma biografia que não é certamente engessada, mas, caso não lhe traga interesse por ir atrás do assunto, certamente será uma ótima viagem dramática e musical. Volto novamente no ponto do noir, não só pelo figurino e pelo ano que se passa, mas diretamente pelos diálogos entre Whitaker e Verona. Existe uma relação forte entre as duas pessoas, mas ela é tratada da maneira mais humana possível, enriquecendo mais ainda algo que já seria sensacional simplesmente pelo que aborda.

    Ele traz um retrato de época, mas que também é registro musical de pelo menos três momentos distintos. É confuso pensar ao final de cada cena qual foi o tempo de gravação total do filme, pois encaramos diversos recortes temporais dentro de uma mesma elipse, que retorna de maneira bem didática de onde ela partiu, mas ao mesmo tempo dentro dela existem múltiplas passagens históricas e pontos de vista diferentes. E nesse acompanhamento não linear da história de Parker que pude capturar uma divisão do clima que o filme propõe logo após encerrar sua primeira hora de exibição. Você pode se perguntar o que ele tem a mostrar depois de tudo o isso e os arcos seguintes te levam a respirar uma nova jornada de maneira perfeitamente clara, adoçando o momento, principalmente depois desse momento com mais música. Fico a pensar que em primeiro momento ele de fato trazendo o pior momento da vida de um gênio para depois voltar ao filme. É uma maneira dura de contar a vida de alguém, mas ao final não consigo imaginar se poderia ser feito de outra maneira.

    Apesar de tudo isso o real protagonista é de fato Forrest Whitaker, que entrega uma interpretação cheia de camadas, tiques e maneirismos para encarnar o saxofonista. Todo o elenco de apoio é incrivelmente bem escolhido. Existe uma pequena cena durante um dos flashbacks que te mostra perfeitamente o que era a febre musical de New York nos anos 50 nas costas de um personagem. E não é apenas porque dentro desse estilo reside o ouro cultural do povo americano, o filme toma um cuidado particular em quando começar a tocar sua trilha sonora, e é nesse cuidado que a música vira a dualidade tão pesada de uma história trágica. Não é possível ditar ou prever coisas assim e a película faz bem em não julgar de fato o que houve ali: simplesmente mostra passagens do que foi, no final talvez tenha sido o medo que encerrou a vida de um dos gigantes da música, mas que sua sombra nunca sumiu. Apesar de tudo isso não foram feitos muitos filmes sobre Jazzistas, mas Clint conseguiu registrar em pouco drama, algo único.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Os festivais que nunca tivemos

    Os festivais que nunca tivemos

    presentacio

    A literatura não acontece só quando os olhos de alguém percorrem as páginas de um livro. Ela vai além das abarrotadas prateleiras e dos silenciosos gabinetes de leitura. A literatura também se materializa em ocasiões agitadas, onde as pessoas se encontram, se confraternizam e compartilham paixões iguais e interesses diferentes. Esses espaços privilegiados são as feiras e festivais que reúnem escritores, editores, capistas, tradutores, ilustradores, distribuidores, vendedores, mídia especializada e públicos. Alguns desses eventos assumem a condição celebrativa e adotam o nome de “festa”, como é o caso da Flip, que se firmou como um dos mais importantes momentos do ano literário no país.

    A questão é que esses festivais são peças necessárias para a engenharia de uma cena cultural. Diversas razões apontam pra isso. As feiras literárias permitem que leitores tenham contato com escritores, e que editoras exibam seus autores e catálogos, buscando fidelizar públicos. Esses eventos costumam despertar a atenção de outros públicos e ajudam a formar novas gerações de leitores. Além disso, geram mídia espontânea para o setor, alavancam vendas e ainda atraem realizadores de outras mídias, como a TV e o cinema, interessados em adaptações e produtos derivados. Ganham o mercado editorial, os criadores e os leitores. Se por um lado quem lê pode trocar ideias com grupos de interesses comuns, assistir a palestras e conhecer grandes autores, por outro as editoras têm a chance de conhecer seus públicos, divulgar coleções e pesquisar diretamente a opinião dos leitores sobre seus produtos. Quer dizer: eventos literários movimentam a economia, valorizam a escrita e a leitura, e expandem a presença da literatura na vida das pessoas.

    Para os fãs de romances policiais e de suspense, há várias feiras todos os anos. É uma pena que não no Brasil. Com exceção de participações isoladas de autores em festivais mais amplos, não se criou ainda um evento totalmente dedicado à literatura policial do porte dos que existem na França, Inglaterra e Estados Unidos, por exemplo. De olho nessa receptividade, os mercados locais não pensam duas vezes em investir para fomentar produção e vendas.

    Sangue na Europa

    Na Inglaterra, um dos mais interessantes festivais é o Harrogate Crime Festival, que acontece em julho e dura quatro dias. Com jogos investigativos, premiações e palestras, já reuniu nomes como Ian Rankin e Tess Gerrintsen. O público elege o melhor romance do ano, e o vencedor recebe 3 mil libras como incentivo. Uma curiosidade: é justamente em Harrogate que fica o Old Swan Hotel, lugar usado por Agatha Christie para desaparecer misteriosamente por 11 dias em 1926!

    Ainda na terra da rainha, em Bristol, acontece sempre no mês de maio a CrimeFest. Considerado um dos 50 melhores festivais literários do mundo pelo jornal The Guardian, teve a primeira edição em 2008, com jantares, mais de 40 mesas de discussão com autores e editores, workshops e apresentações variadas.

    Não poderia faltar um evento em homenagem à Rainha do Crime. O International Agatha Christie Festival acontece em setembro em Torquay, onde a escritora nasceu em 1890. A celebração dura em torno de uma semana, reunindo fãs de todo o mundo desde 2004. Um dos pontos mais visitados pelos participantes é Greenway, a famosa casa de verão onde Agatha escreveu muitos de seus sucessos.

    Na Escócia, há o Bloody Scotland (Escócia Sangrenta), que movimenta o mês de setembro na cidade medieval de Stirling. Durante uma semana, tradutores, leitores e escritores reúnem-se para discutir a diversidade do gênero e o festival apresenta os melhores romances policiais publicados no país de Arthur Conan Doyle.

    Os festivais criminais atravessam o Canal da Mancha e invadem a parte continental da Europa. Entre março e abril, Lyon, na França, sedia o Quai du Polar Crime Festival, um dos mais prestigiados do gênero. Por lá, já passaram Patricia Cornwell, Henning Mankell, P. D. James, Harlan Coben e Gillian Flynn, entre outros. Na última edição, mais de 65 mil aficcionados visitaram a cidade.

    Se os nórdicos são a nova moda criminal, não poderiam faltar nessa lista. A Islândia promove o Icelandnoir, e a Noruega, o Krimfestivalen. Na Suécia há o Crime Writing Festival, que acontece em agosto na ilha de Gotlândia. O slogan é “para quem ama suspense em livros e filmes”, e o evento apresenta trilhas investigativas, exibição de filmes, peças de teatro e cinquenta autores participando, com nomes da casa como Lars Kepler e Anne Holt.

    A Espanha também merece destaque, pois tem um mercado muito ativo no que se refere à literatura policial. Há dez anos, Barcelona promove entre janeiro e fevereiro a BCNegra, reunindo 60 autores em mais de 20 atividades. Charme adicional é o prêmio de melhor romance – Pepe Carvalho Award – homenagem ao detetive criado por Manuel Vasquez Montalban.

    No mesmo país, há a Semana Negra em Gijon. A edição deste ano teve 120 autores, 20 deles vindos América Latina. Foram 100 atividades culturais gratuitas para o público durante nove dias de festival. É no evento que são concedidos o Dashiel Hammett Prize!

    No resto do mundo

    Os alemães têm o seu Krimifestival e os nova-iorquinos, o ThrillerFest. Argentinos realizaram a quarta edição de sua Buenos Aires Negra (a BAN!), e os uruguaios dedicaram uma semana de seu mês de agosto para a Semana Negra de Montevidéo. Foram painéis literários, simpósios, dezenas de atividades e entrada gratuita para o público. Jornalistas, criminologistas, especialistas forenses, policiais, e – claro! – autores do gênero trocaram ideias e experiências sobre violência, corrupção e criminalidade na literatura.

    No Chile, desde 2011 acontece o Festival Iberoamericano de Novela Policial “Santiago Negro”. Com autores da Argentina, Chile, México, Venezuela e Espanha, um dos objetivos é incentivar o intercâmbio cultural entre os participantes, qualificando a produção e difundindo novas expressões do gênero.

    Como se não bastasse a Feria Internacional del Libro de Santiago (Filsa), marcada para outubro e novembro, vai homenagear a literatura nórdica com ou devido destaque para Sissel-Jo Gazan (Dinamarca), Kjartan Fløgstad (Noruega), Tove Alsterdal e Johan Theorin (ambos da Suécia).

    Esses são apenas alguns dos festivais mais reverenciados do noir no mundo. Com uma produção de qualidade cada vez mais crescente, um mercado leitor gigantesco e editoras que nada devem às estrangeiras, por que não temos um festival do tipo no Brasil? Falta coragem ou ousadia? O que impede que uma cena cultural dessas aconteça pra valer? Quando chegará a nossa vez? Com a palavra, editores, livreiros, escritores e agitadores culturais…

    Chris Lauxx

     Texto de autoria de Chris Lauxx, pseudônimo dos jornalistas Rogério  Christofoletti e Ana Paula Laux, autores da enciclopédia Os Maiores Detetives do Mundo e editores do site literaturapolicial.com

  • Crítica | A Troca

    Crítica | A Troca

    a troca

    A Troca (Changeling, EUA, 2008) acabou sendo um dos filmes mais diferenciados da carreira de Clint Eastwood como diretor por causa da temática progressista dentro de uma absurda história real de uma mãe que tem seu filho sequestrado e a polícia devolve outra criança no lugar.

    A telefonista e mãe solteira Christine Collins tem seu único filho levado por um estranho em 1928 e a polícia de Los Angeles devolve outra criança. Com a ajuda do reverendo Gustav Briegleb, ela entra em uma luta contra toda a polícia e acaba desbancando a corrupção dentro da corporação.

    O roteiro original de J. Michael Straczynski acerta ao seguir cronologicamente os fatos reais. Ao fazer sumir a criança logo no começo e ver que poucos policiais cooperam com o caso, já temos uma ideia do enorme drama que aquela mãe vai enfrentar. Ser apresentada à outra criança pela polícia com o intuito de posar para os jornais só piora a sua psiquê e estabelece o grande dilema ético do filme.

    A teoria de conspiração que começa a permear a sua cabeça faz com que ela seja presa por policiais corruptos e vá parar no sanatório. A não cooperação com o médico da instituição demonstra a qualidade inquebrável da protagonista e é aí onde reside a força do roteiro. A luta incansável da protagonista só revela outros temas relevantes ao filme: ela precisou do auxílio do reverendo Gustav Briegleb para tirá-la do sanatório e ajudar na batalha dentro do tribunal contra o departamento de polícia.

    A atuação de Angelina Jolie é contida em quase a totalidade do filme, conseguindo criar uma mãe arrasada e sem vida, já que está sem seu filho. Ela se sobressai principalmente nas cenas dentro do sanatório, as mais memoráveis e que mais dialogam com a premissa do filme. John Malkovich, por sua vez, dá vida ao reverendo revoltado com a corrupção imoral da polícia de Los Angeles, suas nuances e atuação não comprometem a obra.

    A direção de Clint Eastwood continua sublime na composição do quadro e no posicionamento da câmera. Porém, ele opta pelo tom melodramático na direção geral dos atores, o que faz cair um pouco a qualidade de A Troca.

    A fotografia de Tom Stern (que trabalha com Clint desde Dívida de Sangue) é característica de filme de época, mas não é realista; possui um tom um pouco onírico. A edição de Joel Cox (que começou a trabalhar com o diretor em Rota Suicida) em parceria de Gary Roach (edita seus filmes desde Cartas de Iwo Jima) é invisível na maior parte da narrativa, não há um plano memorável.

    A Troca é dos filmes mais diferenciados de Clint Eastwood por causa da temática, que junto de Invictus e Cartas de Iwo Jima talvez seja a trilogia mais progressista do cineasta ao longo da sua carreira como diretor.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | O Último dos Moicanos

    Crítica | O Último dos Moicanos

    O Último dos Moicanos (The Last of The Mohicans, EUA, 1992, Dir: Michael Mann) é daqueles filmes que poderiam surpreender como um dos melhores da década, mas não chega lá, mesmo com a direção de Michael Mann e tendo Daniel Day-Lewis e Madeleine Stowe como protagonistas. Durante a guerra franco-inglesa na América com a participação de diversas tribos indígenas, Nathaniel Hawkeye, um branco criado por índios moicanos, se apaixona pela filha de um coronel inglês e ajuda a protegê-la e a sua irmã da nação inimiga huron.

    O roteiro escrito pelo diretor junto de Christopher Crowe, baseado no livro de James Fenimore Cooper, segue a estrutura de filme de guerra na sua primeira metade. Quando as filhas do coronel inglês são atacadas pela traição dos hurons e mohawks, e depois salvas pelos moicanos e levadas ao forte, temos a premissa do filme: a frágil aliança entre homem branco e povos indígenas na América colonial.

    Ao termos como protagonista e herói um homem branco como filho do líder dos moicanos, o filme sintetiza toda a forma de colonização do continente americano e expõe os seus problemas. Um homem branco abandonou a civilização e foi viver entre os indígenas, desta forma, ele está recusando o seu passado? Ele se recusa a participar da guerra entre franceses e ingleses, ele é confiável para os homens brancos ou até mesmo entre os moicanos? Ao se apaixonar por uma mulher branca, Hawkeye vai voltar a ser Nathaniel Poe e negar a sua criação entre os moicanos?

    A divisão que a narrativa promove deixa a história mais interessante, abandonando a guerra franco-inglesa para a disputa entre moicanos e hurons. O tom de aventura passa a ditar a história e o embate entre Hawkeye e Magua se torna inevitável, mesmo que este aconteça entre o seu pai adotivo e chefe, Chingachgook (o verdadeiro último dos moicanos) e o antagonista.

    A atuação de Daniel Day-Lewis se mantém num nível acima dos demais, porém o roteiro poderia dar mais destaque à sua capacidade dramática ao invés de dilui-la em suas cenas de ação. Inclusive tem um vídeo no youtube só com as cenas onde ele só corre. Madeleine Stowe consegue imprimir o que as cenas pedem à ela. Outro destaque do elenco é Wes Studi como o antagonista Magua, da nação inimiga dos hurons.

    Daniel Day-Lewis correndo.

    A direção de Michael Mann difere de todos seus filmes, geralmente policiais e urbanos, para uma aventura histórica. Ele consegue tirar boa atuação do elenco, ainda que limitados pelas cenas de aventura do roteiro. Porém, a decupagem, posição da câmera e o enquadramento mantém a qualidade de Mann como um grande diretor, mesmo estando fora do seu porto seguro.

    A fotografia do italiano Dante Spinotti é naturalista dentro do possível do que o roteiro e a direção pedem. A edição de Dov Hoenig e Arthur Schmidt é linear e invisível, mas se destaca nas cenas de batalha, como quando eles são surpreendidos, e nas mortes finais, como a da Alice Munro e de Magua.

    O Último dos Moicanos ainda mantém uma qualidade, fazendo com que possa ser apreciado ao longo dos anos. Mesmo não sendo a obra prima que poderia ser, o filme chama a atenção pela forte história e todas as questões que levanta ao longo de quase duas horas.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Resenha | Aléxandros – Valerio Massimo Manfredi

    Resenha | Aléxandros – Valerio Massimo Manfredi

    alexandros

    Valerio Massimo Manfredi é um historiador e arqueólogo italiano, também jornalista e escritor. Nesta trilogia, conta a história do príncipe macedônio que, depois de adulto, passaria a ser conhecido como Alexandre Magno – ou Alexandre, o Grande. O primeiro volume aborda do nascimento à adolescência de Alexandre. No segundo volume, o rapaz, agora general Alexandre Magno, desafia e enfrenta o exército persa e parte para a conquista do Extremo Oriente. O terceiro volume fala de suas últimas aventuras, até sua morte precoce aos 33 anos.

    Mesmo com um tom mais de professor e menos de contador de histórias, o narrador consegue levar consigo o leitor. Não há como negar que os livros são muito mais agradáveis de ler do que a Wikipedia – ou uma enciclopédia (leitores com mais de 30 anos entenderão). Ter optado por uma linguagem um pouco menos acadêmica foi uma boa escolha, caso contrário a leitura se tornaria cansativa demais, apesar de o enredo ser bastante interessante. O macedônio tem uma personalidade forte e coleciona tantas aventuras que o tornam o sonho de consumo de qualquer biógrafo.

    Como toda trilogia, o segundo volume não é tão bom quanto os demais. Talvez o fato de os eventos serem um pouco repetitivos – Alexandre reúne um exército, trava algumas batalhas, expande seu império, que não é o bastante, então ele avança novamente; reúne um exército, trava batalhas, expande o império, e ainda não é o bastante; e por aí vai. Há ainda o agravante de que a descrição das guerras é um pouco imprecisa, não conseguindo criar tensão suficiente para que o leitor não pense em abandonar a leitura.

    Fica claro o cuidado do autor em contar a história de Alexandre com o máximo de detalhe possível, querendo imergir o leitor na narrativa. Contudo, na maior parte do texto, o tiro acaba saindo pela culatra. O narrador assume um tom professoral desnecessário, e o texto acaba soando didático demais. Tem-se a impressão de estar lendo a biografia dentro de um livro escolar. Talvez agrade a alguns leitores. Porém, pode-se afirmar com certeza que não agrada a muitos outros – principalmente leitores habituados a um estilo narrativo similar ao de Bernard Cornwell, especialista em novelizar eventos históricos.

    Para quem gosta de romances históricos – ou história romantizada – a trilogia é uma boa leitura, apesar de seus altos e baixos, desde que o leitor não se incomode com a descrição “morna” das batalhas. Também é uma ótima opção para apagar da memória aquele filme de 2004, Alexandre, dirigido por Oliver Stone, em que Colin Farrell interpreta o imperador.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | A Dama Dourada

    Crítica | A Dama Dourada

    A Dama Dourada - poster

    A Dama Dourada (Woman in Gold, EUA, 2015, Dir: Simon Curtis) é daqueles filmes com uma história tão impressionante que só faria sentido se ela fosse baseada em fatos reais, como é o caso. Quase 50 anos depois, Maria Altman, uma judia austríaca radicada nos EUA, tenta reaver do principal museu da Áustriao quadro A Dama Dourada do pintor Gustav Klimt, roubado pelos nazistas com a conivência do governo austríaco.

    O roteiro do desconhecido Alexie Kaye Campbell conseguiu compilar a batalha jurídica de Maria Altman e Randy Shoenberg em uma narrativa de fácil entendimento. Ele acerta ao mostrar de forma didática todas as etapas de um processo complexo e inédito além das implicações, gerando a premissa do filme: a justiça na reparação histórica como o seu principal questionamento, a quem pertence uma obra de arte? A quem o pagou ou ao público?

    Campbell também opta por contar em paralelo a história da fuga de Maria da Áustria para os EUA, além do roubo do quadro do Klimt pelos nazistas. Há um diálogo entre as situações e o roteiro acerta ao reforçar a grande discussão.

    O roteiro, no entanto, falha ao escolher a via melodramática ao criar vilões e situações que não necessitavam de tanta carga emocional, dessa forma o filme perde muita força. Outro problema narrativo é não dar informações suficientes sobre a situação financeira de Randy, como se manteve depois de pedir demissão.

    A direção de Simon Curtis já era conhecida pelo bom filme Sete Dias com Marilyn, e aqui ele mantém uma narrativa visual satisfatória. No entanto, o tom melodramático na escolha de um roteiro que escolheu ir por um caminho fácil diversas vezes, além da direção de atores, pode incomodar.

    O elenco é um dos grandes trunfos da obra. Helen Mirren compõe bem Maria Altman, e as participações especiais do ótimo Daniel Brühl e Katie Holmes, e ainda as pontas de Charles Dance e Jonathan Pryce só enriquecem o filme, isso sem esquecer Tatiana Maslany e Max Irons, que dão vida à jovem Maria e seu marido. A maior surpresa, no entanto, vem de uma atuação satisfatória de Ryan Reynolds, que conseguiu imprimir sentimentos críveis ao advogado Randy Shoenberg.

    A fotografia de Ross Emery alterna entre o presente do final dos anos 90 em Los Angeles e Viena onde é naturalista, e o passado dos anos 40 em Viena, em que escolhe tons de cinza e bege, além de uma saturação, para marcar a diferenciação entre as épocas. A edição de Peter Lambert segue o roteiro ao mostrar em paralelo os eventos passados sempre dialogando com o presente. Em especial a sequência da fuga de Maria e seu marido dos nazistas e as cenas nos tribunais são a grande contribuição da edição ao filme.

    A produção vale a pena para tentar entender a reparação histórica e as suas consequências em diversos níveis.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Adeus à Linguagem

    Crítica | Adeus à Linguagem

    Adeus a Linguagem 1
    O cultuado diretor francês Jean-Luc Godard resolve fazer um experimento visual e comunicativo. Seus últimos filmes, apesar de não terem a qualidade – seja pelo quesito datado da Novelle Vague ou por uma adaptação demorada aos novos complexos e globalização – que os clássicos Acossado e O Demônio das Onze Horas, ainda assim representam todos os questionamentos expostos de maneira ácida que só Godard poderia fazer.
    Em seu novo filme, Adeus à Linguagem, a história resolve focar um casal que parece não possuir pudor e nem se limitar aos costumes morais e éticos da atual sociedade. Demonstram estar à parte, descolados e que sua exclusão é proposital. No entanto, o longa-metragem resolve fitar o cão como o personagem principal, mas não o protagonista. O protagonismo é mutável e em muitos momentos, se torna a própria forma que Godard se comunica com quem assiste seu filme. Cada vez mais a comunicação, a linguagem e o uso de metáforas através de discussões e ponderações tomam corpo e saltam ao 3D, deixando o 2D seguir sua linearidade, mas não deixando um sem falar com o outro.
    O diretor se apropria do 3D de uma maneira curiosa e que atiça diversas sensações. Não somente como um elemento visual, o filme exibido em três dimensões quebra a contínua linha narrativa e revela uma outra linguagem que, mesmo que seja diferente, é o viés encontrado para não somente contar como há estes deslocamentos e desapropriações de ambiente e contexto, mas também para criar parâmetros, estabelecer pontes que permita ao espectador compreender a proposta do filme. De maneira até experimental, ele é disperso e confuso. Há cortes de cenas e áudios e algumas frases não foram traduzidas, a pedido do próprio Godard. Será que isso também foi um artifício para que você se sentisse incomodado por não compreender o que está sendo dito?
    A física do filme permite que mesmo disperso e aleatório em alguns momentos, tenha sua linha temporal peculiar, com encontros e momentos que cravam um tempo dentro dele. O nascimento do filho, as mudanças de valores e comportamentos que são influenciados pelo ambiente que os rodeiam. É um ensaio visual que não necessitou de um roteiro extenso e tampouco história para se desenvolver. O abuso do abstrato, da multi interpretação e da quebra de linearidade – reitero que isso não desconstrói a história simples do filme – são os elementos que Godard esbanja e retrata uma expressão artística peculiar, realista e temporal.

    Sobre o avanço da tecnologia, há o retrocesso da linguagem. Há a ausência cada vez maior de comunicação e fala; isso é o que transforma todas as relações entre as pessoas e destas com o redor difícil, precária. O cão, o que foge das questões de moral e ética do ser humano é o personagem mais vivo do filme, pois tudo que é interferido por ele sofre de sua solidão. Todas as cenas com ele, o acompanha sozinho em meio a enormes meios. Florestas, praias, cidades. Porque para ele a exploração é parte de seu processo natural, de vivência. A descoberta e a autonomia. Falta isto aos homens.

    Texto de autoria de  Adolfo Molina Neto.

  • Crítica | A Fotografia Oculta de Vivian Maier

    Crítica | A Fotografia Oculta de Vivian Maier

    3028443-slide-s-5-finding-vivian-maier-reveals-the-strange-life-of-a-reclusive-street-photographer

    A Fotografia Oculta de Vivian Maier (Finding Vivian Maier, EUA, 2013, Dir: John Maloof & Charlie Siskel) apresenta uma personagem peculiar e até então desconhecida do público: uma babá e empregada doméstica que está redefinindo todo o conceito de fotografia urbana do século XX.

    John Maloof acabou descobrindo o trabalho fotográfico de Vivian Maier por acaso em um leilão e passou a promover um resgate artístico, por meio de galerias e museus, e pessoal, através de depoimentos de uma amiga e dos adultos que eram as crianças que ela cuidou.

    A narrativa do filme escolheu apresentar o resgate do diretor pelas suas fotos: desde os negativos não revelados no leilão, disponibilizá-las na internet, contactar museus e galerias, até começar a vendê-las em mostras. Isso dá a chance ao espectador entender o impacto que o trabalho de Vivian Maier teve no final dos anos 2000. Porém, ao ser o narrador e apresentador do filme, e enfatizar a sua importância no processo, John Maloof cai no erro de tentar virar um personagem tão relevante quanto o seu objeto de pesquisa.

    Uma das partes mais interessantes é quando outros fotógrafos de renome começam a analisar as fotografias, e a partir daí que vemos a importância do trabalho de Vivian Maier como registro urbano do séc XX. A fotógrafa é praticamente uma jornalista de imagens, em especial das classes média e média baixa e principalmente dos mais pobres. É ali que vemos a moda, os costumes, o jeito de agir das pessoas durante as décadas que se passavam.

    Outro acerto do filme é quando o diretor passa a procurar pela pessoa. Quem é Vivian Maier? Como ela conseguiu tirar essas fotos? Como uma babá e empregada doméstica conseguia tirar fotos na sua Rolleiflex, a máquina fotográfica alemã que não precisava ficar na altura dos olhos. Com isso, Vivian teve a possibilidade de registrar as pessoas e situações urbanas sem que estas percebessem.

    No entanto, a maior falha do documentário é não informar ao espectador como as fotografias se tornaram um objeto complexo, e que esta questão está gerando um processo de direitos autorais dos mais complexos dentro dos Estados Unidos. O filme narra a ida do diretor até uma cidade francesa para encontrar o parente mais próximo de Maier, mas não é suficiente. Um advogado e fotógrafo amador de Chicago entrou com um processo contra o diretor justamente para impedi-lo de lucrar com os direitos autorais de outra pessoa e rebate a sua versão; ele acabou encontrando outro parente próximo de Vivian em outra cidade francesa.

    A Fotografia Oculta de Vivian Maier é um filme com alguns problemas em sua concepção, mas merece ser visto por quem se interessa pela fotografia não só como registro de época, mas também como obra de arte.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Um Mundo Perfeito

    Crítica | Um Mundo Perfeito

    perfectworld

    Um Mundo Perfeito é talvez um dos primeiros filmes que marcou uma mudança na carreira de Clint Eastwood como diretor, mostrando um lado pessoal, até então desconhecido, ao humanizar um protagonista falho. E o filme veio com expectativa depois de Os Imperdoáveis, lançado um ano antes, e que deu o Oscar de Melhor Filme e Melhor Diretor a Clint.

    Robert ‘Butch’ Haynes foge da prisão e começa a ser perseguido pelo policial federal Red Garnett. Durante a fuga, ele rapta Phillip ‘Buzz’ Perry, um garoto de sete anos, e acaba desenvolvendo uma forte relação com o menino.

    O roteiro original de John Lee Hancock acerta ao seguir a estrutura de ação paralela que remonta aos primórdios da narrativa clássica do cinema. Ao focar a relação entre os dois protagonistas logo no começo da história, e como o vínculo entre ambos vai se fortalecendo, a narrativa estabelece uma contraposição curiosa com a implacável perseguição federal.

    Ao apresentar um detento em fuga que rapta uma criança com pai ausente, a história passa a discutir o vínculo entre dois personagens que se completam: Butch não está só fugindo da cadeia, mas da própria vida de crime que ele mesmo escolheu; da mesma forma que Buzz aceita entrar em uma relação que faltava: a presença masculina. Como a história se passa em 1963, o roteiro também passa a discutir como aquela geração estava perdida, fugindo de si mesma, além de questionar seus próprios valores.

    Ao também mostrar a perseguição federal liderado por Garnett, cria-se um paralelo interessante entre as duas situações. Através das ações de Butch e Buzz no meio das dificuldades enquanto tentam fugir o tempo todo, o roteiro de Hancock inverte o eixo moral, e o espectador passa a ter mais empatia por Butch, um ladrão e assassino, do que pelo policial federal que pretende colocá-lo de volta na prisão e fazer com que o garoto retorne salvo e bem para a sua mãe.

    A força da direção de Clint Eastwood está em ter acertado na escolha de um bom roteiro, em dirigir os atores e em focar na narrativa visual do filme. Fora a sequencia da morte de Butch, não há um plano ou cena memorável que transpareça o seu trabalho como diretor do que no contexto geral.

    A atuação de Kevin Costner é o grande destaque do elenco. O ator vinha de uma carreira consolidada desde Os Intocáveis (1987) e Dança com Lobos (1990), mas até então nunca tinha interpretado um protagonista com grande falha de caráter como Butch. A atuação é bem contida quando deve ser e extravasada quando o roteiro pede. T.J. Lowter consegue transmitir bem quando necessário as emoções de uma criança que se encanta pelo raptor. Clint, por sua vez, dá o tom ao policial durão Red Garnett.

    A fotografia de Jack N. Green (diretor de fotografia de Imperdoáveis, Bird e outros filmes do Clint) é naturalista, porém ela se sobressai logo no começo do filme, assim como no final, quando Butch morre e a cena passa a ser poética. A edição de Joel Cox (também editor de Imperdoáveis e outros filmes do diretor) também só prevalesce neste ponto, ao longo do filme ela é linear, servindo como base para a narrativa.

    Um Mundo Perfeito é daqueles filmes que talvez não figuram entre os melhores do seu tempo, mas a bonita história narrada ali através dos nuances mostra que é uma obra das mais interessantes dos anos 90.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Casa Vazia

    Crítica | Casa Vazia

    Casa Vazia - Poster

    Casa Vazia chegou com expectativa ao circuito de festivais, depois de outro grande filme do diretor: Primavera, Outono, Verão, Inverno… E Primavera, lançado um ano antes.

    Na trama, o jovem Tae-Suk invade casas vazias de pessoas que estão em férias e vive alguns dias até conhecer a mulher, Sun-Hwa, que passa a acompanhá-lo. O roteiro do próprio Kim Ki-Duk mantém uma das principais qualidades autorais do diretor. Ao basear a sua narrativa em invasões de casas alheias, ele passa a discutir a busca do protagonista por uma identidade: quem ele é? O quer encontrar e onde? Tae-Suk não liga para o seu passado, sua família? Ao registrar a sua passagem nos lugares através de fotografias, o protagonista deseja fazer parte daquele universo particular?

    A segunda casa que ele invade está ocupada por Sun-Hwa, uma mulher submissa ao marido que acaba pedindo ajuda. Ele espanca o abusador e a resgata, fazendo com que ela agora faça parte da sua trajetória. As casas vazias que ambos ocupam agora são preenchidas com mais vida. Ser errático passa a fazer sentido.

    Ao se deparar com um cadáver em uma casa invadida, eles decidem dar um enterro digno ao falecido, demostrando que a sua jornada estava chegando ao fim. Não à toa eles são detidos pela polícia e se separam: Sun-Hwa volta para o seu marido abusador e Tae-Suk segue para a prisão.

    Há uma quebra na narrativa, porém o objetivo dos dois permanece: ela continua a negar o seu marido, mas não sai de casa. Ao invés disso, começa a invadir outras casas por conta própria; ele tenta se transformar em uma sombra na prisão, e quando retorna à sociedade volta a ocupar casas sem ser visto, como um fantasma.

    A direção de Kim Ki-Duk é sublime na posição de câmera ao fazer com que a composição do quadro demonstre o vazio das casas e principalmente dos protagonistas. A narrativa visual demonstra o domínio do diretor sobre a linguagem cinematográfica ao subverter o roteiro padrão de narrativa clássica por meio de poucos diálogos.

    A atuação de Lee Hyun-Kyoon consegue imprimir a personalidade necessária em Tae-Suk, um jovem sem perspectiva, fechado, perdido, porém que toma atitude quando necessário. Lee Seung-Yeon consegue fazer com que Sun-Hwa seja a esposa submissa e introspectiva que vai se libertando aos poucos das amarras da vida matrimonial e social.

    A boa fotografia de Jang Seong-Back no começo do filme é pouco saturada, sem cor, sem vida e ao longo da narrativa a saturação vai aumentando aos poucos, de acordo com as ações dos protagonistas. A edição do próprio diretor deixa a obra ainda mais autoral. O filme não perde o ritmo em nenhum momento, mas talvez outro profissional poderia dar mais personalidade à edição linear da obra, principalmente nas cenas da prisão.

    Casa Vazia vale a pena pela proposta diferente de narrativa que Kim Ki-Duk nos trouxe, figurando entre a boa direção, o roteiro e a fotografia, além das questões que o filme aborda deixando perguntas para o espectador refletir.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

    Nota: 4 estrelas.

  • Crítica | A Estrada 47

    Crítica | A Estrada 47

    055 - A Estrada 47

    Praticamente desconhecida no mundo, a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, com seus 25 mil pracinhas da FEB enviados por Getúlio Vargas em troca de apoio material dos EUA, começou a ganhar atenção no Brasil nos últimos anos, especialmente após a grande propaganda do livro 1942: O Brasil e sua Guerra Desconhecida, publicado por João Barone, membro dos Paralamas do Sucesso e filho de um dos soldados brasileiros da FEB.

    A campanha brasileira na Itália sempre foi motivo de sarro para muitas pessoas, que desdenhavam da falta da capacidade material e humano do país frente ao grande número de combatentes dos outros países envolvidos. Porém, se esquecem de que os soldados que enfrentaram o inverno italiano não tinham nada a ver com isso, e suportaram privações enormes em uma guerra que mal tinha a ver com o Brasil, até então. É este contexto que o filme de Vicente Ferraz tenta trazer ao espectador, o lado humano dos combatentes brasileiros no conflito.

    A história (fictícia) gira em torno de um destacamento de soldados brasileiros que fogem de uma missão, ocasionando algumas mortes. Os envergonhados sobreviventes Guima (Daniel de Oliveira), Piauí (Francisco Gaspar), Tenente Penha (Júlio Andrade) e Laurindo (Thogun Teixeira) junto com o jornalista Rui (Ivo Canelas), decidem então retirar as minas terrestres de uma estrada chamada 47, a qual os americanos precisavam passar com tanques para liberar uma cidade italiana.

    Após renderem o desertor do exército italiano Roberto (Sergio Rubini) e capturarem o também desertor alemão Jurgen Mayer (Richard Sammel), o filme acompanha a viagem a pé dos soldados até encontrarem a estrada, que só Mayer sabia onde ficava. Ao invés de se utilizar de maniqueísmos, a relação entre todos eles é estabelecida de acordo com as narrativas do que é sabido sobre os brasileiros na Itália: a cordialidade, afinal, ao entrar em uma guerra no final, não estavam contaminados com a atmosfera de ódio reinante no conflito. Porém, sem não esbarrar em cenas levemente incômodas, como o sargento negro Laurino se mostrar obviamente um sambista e cantar para Mayer.

    No entanto, o que se destaca em Estrada 47 é o aspecto técnico. Rodado no inverno italiano utilizando materiais e veículos originais, a produção confere um realismo pouco visto no cinema nacional, onde o intenso frio está estampado na cara dos atores, que passaram por treinamentos intensos parecidos com a dos soldados brasileiros. Todo o figurino ajuda a compor um visual belíssimo.

    Porém, o que não ajuda é o vício do cinema nacional de utilizar a narração. Utilizando a voz de Daniel de Oliveira como Guima, ao ler cartas que enviava a seu pai relatando sua covardia no início e depois a tentativa de retratação, a narração retira a atenção do que está acontecendo no filme em todo momento que entra em cena, tornando-se desnecessária, uma vez que justamente o forte do filme é seu visual.

    Todas essas características se juntam para formar um resumo do que foi a participação brasileira na guerra. Apesar de parecer insignificante, os brasileiros tiveram um papel importante na libertação da Itália, de acordo com a sua limitada capacidade técnica. O filme faz uso deste elemento utilizando como símbolo o empenho dos soldados em liberar a Estrada 47, que era pequena, mas essencial, um dever que demandou muito esforço.

    Se não é uma produção perfeita, ao menos é honesta no que se propõe, sem esbarrar em um nacionalismo barato, tampouco na nossa típica síndrome de vira-lata, erros muito comuns em produções do tipo. Estrada 47 presta uma homenagem singela aos combatentes enquanto fornece entretenimento de qualidade, apesar de suas limitações.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Quarteto Fantástico

    Crítica | Quarteto Fantástico

    quarteto fantastico - poster brasileiro

    Há um boom de filmes baseados em histórias em quadrinhos desde o renascimento da espécie como gênero, que se iniciou lá com X-Men. A ideia era excelente: tratar o filme de super-heróis como um gênero dentro do outro, e assim haveria abertura para que Bryan Singer fizesse uma bela Sci Fi com elementos de ação, necessária ao desenvolvimento da linguagem cinematográfica deste tipo de filme. Na mesma época, Homem-Aranha de Sam Raimi trouxe uma certa pureza aos super-heróis ao trabalhar temas típicos dos personagens de quadrinhos como responsabilidade, caráter, bondade e sacrifício — abordagem que se repetiu poucas vezes, como em Homem de Ferro, Vingadores e nas continuações de Homem-Aranha. Porém não era possível fazer isso com todo e qualquer material, e estabelecer gêneros maiores e então encaixar a mitologia do super-herói parecia uma decisão mais bem acertada. Christopher Nolan fez seu suspense policial numa Gotham City sem a aura mágica a qual normalmente se observa na cidade, e deu certo elevando o nível dos filmes de super-heróis para patamares mais ousados. Com os direitos de diversos personagens da editora Marvel nas mãos, a Fox buscou completar sua fatia do bolo com Demolidor – O Homem sem Medo e Quarteto Fantástico, ambos nada bem-sucedidos.

    Eis que aparentando novos rumos e visões depois do excelente X-Men: Primeira Classe, o estúdio enfim encontrou sentido para seus personagens. Precisando fazer algo para não perder os direitos sobre eles, resolveu que era hora de reiniciar o Quarteto Fantástico nos cinemas. Para a missão contratou o promissor Josh Trank (Poder Sem Limites) que, após este filme, estaria à frente de um dos filmes do universo Star Wars da Disney, e faria segundo suas palavras, um Sci Fi com referências de David Cronenberg, pitadas de horror e algo totalmente diferente do usual. Como parte de suas decisões artísticas o elenco seria formado por talentos inquestionáveis de uma nova geração que conta com Miles Teller (Whiplash – Em Busca da Perfeição), Michael B. Jordan (Fruitvale Station) nos papéis de Senhor Fantástico e Tocha Humana, e trataria de uma nova geração de também cientistas que estão agora no mundo com a missão de consertar as gerações passadas que destruíram ou renegaram. A genialidade de Reed Richards/Senhor Fantástico contrasta com sua inexperiência e cria um interessante personagem que nunca conseguiu se impor corretamente, mas que tem em si a sede por compreender o mundo à sua volta e que assim segue com a resiliência devida. Após ser descoberto pelo cientista Storm em uma feira de ciências, Richards tem a chance de fazer a diferença no mundo.

    Quando quase nada poderia dar errado, boatos sobre brigas no estúdio e a sorrateira substituição de Trank por Mathew Vaugh (X-Men: Primeira Classe) para “consertar” o filme surgiram por toda a internet, denunciando que ou o resultado teria ficado ruim, ou o estúdio queria na verdade uma outra coisa. O resultado das possíveis confusões se vê na tela em um filme sem foco, estrutura ou originalidade, e que de tão genérico é possível ter vislumbre de praticamente qualquer filme de super-herói recente, desde o recente Homem-Formiga, até O Homem de Aço. Não haveria muitos problemas caso esses vislumbres tivessem relação com os pontos fortes dos filmes citados, porém se percebe apenas a soma dos mais variados clichês recentes do cinema, como a ação artificial baseada em efeitos visuais fosforescentes. Está tudo lá como uma espécie de mapa mental das convenções de gênero que poderiam ser inseridas no filme, mas sem o filtro de qual combinação fazer.

    Embora o terceiro ato seja terrivelmente problemático, os dois primeiros têm dificuldades de conectar e trazer seus protagonistas para o centro da história e da ação, pois não consegue localizar a importância dos personagens à trama. Quem sofre particularmente com isso são os personagens Ben Grimm/Coisa (Jamie Bell) e Sue Storm (Kate Mara), que não podem contar nem mesmo com a grande qualidade de seus intérpretes, já que eles não têm espaço para atuar e são sufocados por exigências meramente performáticas e banais, além de inseridos na obra como pura convenção.  Para resolver este deslocamento, boa parte das soluções são apressadas e amadoras. A solução para dar alguma substância aos personagens é fazendo deles contrapontos das intenções do governo para o uso de suas habilidades, o que seria ótimo caso isso representasse alguma consequência para a trama, o que não foi possível, em muito pela metragem do filme – apenas 100 minutos. Aos demais personagens, resta como motivação para a maior parte de suas ações a necessidade de reconhecimento parental, porém este recurso perde-se em sua frivolidade por ser aplicada a praticamente todos os personagens, mesmo àqueles cujo desenvolvimento não ressoa.

    A falta de perigo, urgência ou gravidade é outro ponto fraco deste filme. Nem mesmo mortes recebem o impacto que merecem, como se o filme se apressasse para uma resolução numa tentativa de subir o ritmo rapidamente e assim criar o clímax. Ao perder-se sobre o que gostaria de mostrar, cria um segundo filme ao iniciar o terceiro ato e isso deixa óbvio que decisões foram tomadas no decorrer da produção e que essas decisões alteraram o material e ideia inicial, levando do Sci Fi com toques de terror prometido (e parcialmente entregue até então) a uma aventura boba de resolução fácil como nos filmes anteriores e alguns pares recentes do cinema de super-herói. Tal desconexão se vê inclusive na edição, que insere e retira personagens de lugares quase que teletransportando o elenco em cortes tão secos que chegam a perder o espectador por um segundo até que este se localize novamente, além de utilizar os recursos mais primários de passagem de tempo que poderiam existir.

    As boas interações do início do filme são desconsideradas com seu decorrer, dissolvendo os laços criados sem reconectá-los ao final, demonstrando uma certa falta de empatia com aqueles personagens. Neste ponto, é difícil de entender o porquê do espaço em tela para Victor Von Doom (Toby Kebbell), se sua participação efetiva como vilão seria apenas burocrática, desperdiçando um visual interessante e cenas de demonstração de poder corajosas. Ao fim, pela falta de sua presença, Doom não exerce o papel de vilão, ou seja, aquele que incita a situação para que o herói haja. Aqui, nenhum papel é bem definido com relação a uma estrutura usual de vilão e herói, adquirindo-a apenas ao final, quando o resultado destoa do desenvolvimento.

    Se o clima e personalidade são muito bons e as pequenas ousadias do roteiro têm capacidade de aliviar a tensão quando surgem, as dificuldades de relacionar suas qualidades ou de lidar com o número de personagens ressaltam sobre seus pontos positivos gerando uma obra no mínimo desconjuntada (que não chega a ser sempre terrível). Quando somada ao complicado terceiro ato, que além de curto e apressado representa uma outra estética e dinâmica de todo o resto, torna-se complicado olhar com mais afeto as licenças tomadas por personagens e trama.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Missão: Impossível 3

    Crítica | Missão: Impossível 3

    missão-impossível-iii

    Podemos dizer que, das franquias de filmes de espionagem em evidência, Missão: Impossível consegue ser mais distinta que suas rivais, quais sejam, a franquia de James Bond ou a de Jason Bourne. Enquanto os filmes do agente 007 e de Bourne seguem à risca um determinado padrão, o agente Ethan Hunt sempre se vê no meio de uma crise inesperada, não se preocupando tanto com as locações ou com as propagandas de produtos. Podemos dizer que é uma franquia que se arrisca mais e que, por tal motivo, o risco de fracasso é maior. Felizmente, o saldo da terceira obra tem sido positivo.

    Missão: Impossível 3 é bem diferente de seus antecessores por diversos motivos. Se o primeiro, de Brian de Palma, chega a ser um thriller psicológico inteligente com boas cenas de ação rodadas na Europa, o segundo de John Woo peca pelo excesso de cenas “impossíveis” que beiram o ridículo, dando muito mais atenção à ação do que à trama. A terceira aventura do agente Ethan Hunt (novamente vivido por Tom Cruise) é muito mais modesta que as anteriores. Porém, busca emular o primeiro filme e o resultado não é excelente, mas muito promissor, o que garantiu, pelo menos, mais dois filmes para a franquia: Missão Impossível: O Protocolo Fantasma e Missão Impossível: Nação Secreta.

    Por conta do “fracasso” do segundo filme (uma vez que parte do sucesso obtido foi por causa de uma MTV em evidência, do retorno triunfante do Metallica e da música Take A Look Around, do Limp Bizkit na trilha sonora), a franquia ficou estacionada por seis anos, tendo o seu retorno de forma tímida, e o melhor, humilde. Foi assim que o promissor diretor J. J. Abrams, que até então era conhecido apenas na televisão, entrou para o projeto e junto com seus parceiros Alex Kurtzman e Roberto Orci escreveu o roteiro do longa.

    Em que pese parte da história envolver a vida pessoal de Hunt, Abrams entregou um filme redondo, fazendo com que o agente, que estava aposentado, voltasse à ativa para resgatar uma de suas pupilas sequestrada por Owen Davian (Philip Seymour Hoffman), obrigando o agente a montar uma nova equipe. Assim, vemos o terceiro retorno do agente Luther (novamente vivido por Ving Rhames) e caras novas como, Declan (Jonathan Rhys Meyers), Zhen (Maggie Q) e o simpático Benji (Simon Pegg), carismático o bastante para conseguir sua presença nos dois filmes seguintes.

    O que incomoda, mas não atrapalha a experiência, é que a fita não é nem um pouco original. Como dito, o filme é humilde e se espelha (até demais) em outros conhecidos e bons filmes de espionagem. Podemos dizer que sua maior influência foi, sem dúvida, o ótimo Ronin, principalmente pelas reviravoltas na trama e o “famoso” Pé de Coelho, um artefato que é mencionado o tempo todo, mas em nenhum momento sabemos do que se trata, e nem o que é.

    Tom Cruise como sempre é um show à parte, e Philip Seymour Hoffman está ótimo no papel de antagonista. Seu Owen Davian é daqueles vilões extremamente inteligentes e frios, mas que chegam a perder o senso em momentos de ódio. E o time de coadjuvantes conquistou destaque. Rhames, Rhys Meyers, Q e Pegg trabalharam muito bem juntos. Um elenco com bastante química, sem dúvida.

    Missão: Impossível 3, pode não ser um filme perfeito, mas foi totalmente responsável por tirar a franquia da lama.

    Ah, e o que falar daquela sensacional cena de perseguição de helicópteros em meio aos (hoje tradicionais) flares de J.J. Abrams?

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Que Mal Eu Fiz a Deus?

    Crítica | Que Mal Eu Fiz a Deus?

    QbnKTMaZPy80QR1pDzhx4Iuc_

    Que Mal Fiz Eu a Deus? (Qu’est-ce Qu’on A Fait Au Bon Dieu?) vem causando controvérsia por onde passa devido ao tom politicamente incorreto da comédia.

    O casal de franceses brancos e católicos Marie e Claude Verneuil veem suas três filhas casarem com filhos de imigrantes: um muçulmano marroquino, um judeu israelense e um chinês. O que poderia ser “pior” aos seus olhos? Sua quarta filha casar com mais um imigrante, um negro da Costa do Marfim, porém católico.

    O roteiro escrito pelo próprio diretor, Philippe de Chauveron, em parceria com Guy de Laurent tem uma estrutura sólida e funciona bem, fazendo com que as ações de todos os personagens soem orgânicas dentro do gênero que é a comédia de absurdos. A história critica um dos maiores problemas na França hoje em dia: a falta de aceitação aos imigrantes e o racismo. Os estereótipos são todos bem criados e encaixam-se justamente nas situações ridículas que servem para expor todos os problemas que permeiam a discussão.

    Ao casar suas três filhas com filhos de imigrantes, os Verneuils acabam passando a impressão que justamente apoiam as minorias, que seriam de esquerda ou “comunistas” (como um personagem sugere), quando na verdade são justamente o contrário: dois velhos reacionários fãs de Charles de Gaulle, presidente patriota e conservador que inclusive lutou contra a independência das colônias.

    Ao utilizar situações de família com os três genros, o roteiro usa muito bem os estereótipos para construir toda a crítica social que pretende: como no almoço de família onde nada dá certo e todos os preconceitos vêm à tona (inclusive entre as três minorias); quando os genros e as filhas se unem contra o irmã caçula para sabotar seu noivado com o objetivo de preservar os pais que estão quase se divorciando; ou na preparação para o casamento final, negado pelos pais dos noivos devido aos seus próprios preconceitos e desavenças geopolíticas. Inclusive, uma das cenas mais emblemáticas do filme é quando os três genros cantam a Merselhesa em homenagem ao sogro em um jantar de natal.

    A direção de Phillippe de Chauveron não compromete a obra. Não há espaço para o diretor imprimir a sua visão, deixando a direção um pouco mais impessoal e todo o filme focado no roteiro.

    A atuação não compromete em nada na história. O rosto mais conhecido para os brasileiros é de Christian Clavier, o Asterix. De resto, nenhum ator se destaca, o que só faz bem, pois o filme trata sobre o conjunto de personagens, o que acaba prevalecendo.

    A fotografia e a edição auxiliam a narrativa, mas sem destaque. Não há um plano, cena ou sequência em que o trabalho do diretor de fotografia ou do editor transpareça ou seja memorável.

    Que Mal Eu Fiz a Deus? vale a pena pela qualidade da história e para discutir todos os temas relevantes, que rondam o preconceito contra os imigrantes, de uma forma não usual. Em tempos de politicamente correto, uma comédia como essa pode servir para dar uma outra visão sobre a discussão.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Friamente Calculado | 50 Tons de Marrom

    Friamente Calculado | 50 Tons de Marrom

    50-tons-de-cinza

    Depois de meses vivendo em isolamento absoluto para atingir a perfeição espiritual, eu resolvi descer a montanha e reencontrar a civilização, para dividir meus novos dons com os meus irmãos humanos. Então eu descubro que foi lançado um filme de 50 Tons de Cinza. Porra.

    Como um escritor de fanfics, 50 Tons de Cinza me ofende pessoalmente. Não por ser um fanfic piorado de Crepúsculo, por ter uma prosa que faria Paulo Coelho orgulhoso ou criar mais uma moda idiota para menininhas retardadas… Quer dizer, essas coisas também me ofendem, mas o pior é que 50 Tons de Cinza acha que é um livro sobre sexo.

    Neste “livro” acompanhamos a história de Anastasia Steele, uma garota de vinte poucos anos, sem personalidade e nenhum atrativo, que se envolve com Christian Grey, um cara rico e poderoso, que poderia estar comendo todo o catálogo da Victoria´s Secret, mas ao invés disso gosta de passar tempo com uma pessoa mais vazia que o vácuo do espaço. É a fantasia feminina perfeita… E com S&M de mentirinha para deixar as coisas picantes!

    Até onde sabemos, esse aborto literário foi escrito por E. L. James, uma mulher que está presa há décadas em um calabouço inglês, sem nenhum contato humano ou estímulo erótico, que escreveu seu famoso romance com suas próprias fezes nas paredes de sua cela, em acessos de fúria e frustração sexual.

    Como homenagem à essa pobre mulher desesperada, eu selecionei as 50 melhores frases desse “livro”, analisando seu nível de demência causado pela falta de lubrificação vaginal.

    E não, eu não li o “livro” para fazer essa coluna. Eu copiei frases de outros sites, porque eu não vou perder o meu tempo lendo essa abominação em forma de códex. Se eu quiser ler putaria água com açúcar feita para mulherzinha eu leio algum livro com o Fábio na capa.

    Fabio Standing on Hawaiian Beach RocksSELO FÁBIO DE QUALIDADE

    Pegue o seu cinto de castidade de plástico e seu chicote de papel machê e vamos começar.

    1 – “Sua voz é morna e rouca, como calda de caramelo derretido em chocolate escuro… ou algo assim. ”

    Seria muito libertador se nós, escritores, ao invés de terminar uma frase com uma comparação decente, pudéssemos simplesmente colocar ‘ou algo assim’ no final. Posso até imaginar: E o Conde se aproximou do corpo inerte da jovem, mostrando suas presas longas e afiadas, como um lobo… ou algo assim.

    2 – “E de uma parte minúscula, pouco usada do meu cérebro – provavelmente localizada na base da minha medula oblonga, onde habita o meu subconsciente – vem o pensamento: ele está aqui para vê-la. ”

    Parte pouco usada do cérebro? Ah, entendi. A autora está se referindo aos fãs. E seria uma coincidência ela citar a medula oblonga quando o texto me dá vontade de vomitar?

    3 – “Eu sinto a cor nas minhas bochechas subindo novamente. Eu devo estar da cor do Manifesto Comunista. ”

    Primeiro eu ri, depois eu suprimi um desejo homicida. Agora eu percebo que essa mistura de sinestesia e referências literárias tem possibilidades infinitas: “Os sons eram mais desconexos do que Finnegans Wake. ”; “A noite estava tão sombria quanto o Velho Testamento. ”; “Ele fedia como O Alquimista. ”

    4 – “Por uma fração de segundo, ele parece perdido de alguma maneira, e a Terra se desloca ligeiramente sobre seu eixo, as placas tectônicas escorregando para uma nova posição. ”

    Beleza? Inteligência? Sucesso? Personalidade? Isso não significa nada. Se você não consegue criar a impressão de que a sua presença consegue torcer o planeta Terra, você não tem chance com mulher alguma, cara.

    5 – “Puta merda! Ele está vestindo uma camisa branca, aberta no colarinho, e calças de flanela cinza que pendem dos seus quadris. Seu cabelo rebelde ainda está úmido do banho. Minha boca fica seca olhando para ele… Ele é tão gostoso. ”

    Sim, mulher! Agonize de paixão com minha CAMISA BRANCA! Espere para morrer de tesão quando eu lhe mostrar minha CUECA SAMBA-CANÇÃO!

    6 – “Eu quase posso ouvir seu sorriso de esfinge pelo telefone. ”

    Anastasia está a tanto tempo sem nenhum estímulo sexual que o cérebro dela já está lhe causando alucinações toda vez que ela tem contato com algum membro do gênero masculino. Se um microbiologista fizer uma análise da vagina da Srta. Steele ele vai encontrar fungos e bactérias capazes de resistir a temperaturas abaixo de zero e à desidratação absoluta.

    7 – “Seu tom é ditatorial, como sempre um maníaco por controle. Eu o imagino como um antigo diretor de cinema, usando calças de equitação, segurando um antigo megafone em uma mão e um chicote na outra. A imagem me faz rir alto. ”

    Todos nós rimos. Mas a verdade é que morremos um pouco por dentro depois de lermos isso.

    8 – “O suco de laranja está divino. Tira a minha sede e é refrescante. ”

    Que delícia, cara?

    9 – “Dois orgasmos… arrebentando nas costuras, como o ciclo de centrifugação de uma máquina de lavar, uau. ”

    É isso mesmo: dois orgasmos no mesmo dia. Você já atingiu a sua cota para as próximas duas décadas. E quem sabe na próxima vez você consegue um orgasmo tipo uma torradeira dentro de uma banheira e acabe morrendo eletrocutada.

    10 – “Hmm… Ele é macio e duro ao mesmo tempo, como aço recoberto de veludo, e surpreendentemente saboroso – salgado e suave. ”

    “O pênis ereto não é como o aço recoberto de veludo! ” – Filipe Pereira (PhD em rola).

    11 – “Porque eu sou cinquenta tons de fodido, Anastasia. ”

    Eu adoro que essa frase não pode ser traduzida perfeitamente para o português. Mas não estamos perdendo nada: é idiota em inglês também. Aliás, porque 50 tons, sua idiota? Porque não 100, 500 tons de qualquer coisa? Você só está jogando números aleatórios sem fazer sentido? Ok, então eu sou 1000 tons de enfia esse livro no seu cu.

    12 – “Agora, por favor, não se refira a você mesma como ‘uma mulher que eu fodo ocasionalmente’ porque, francamente, me enfurece, e você realmente não gostaria de me ver zangado. ”

    O que você vai fazer, Dr. Banner? Ficar verde e estuprar ela? Christian Grey é como um garoto de 14 anos que assistiu “Os Vingadores” muitas vezes e quer impressionar uma prostituta.

    13 – “Primeiramente, eu não faço amor. Eu fodo… com força. ”

    “(olhos ficando verdes) CHRISTIAN ENFIA TUDO! CHRISTIAN METE ATÉ O TALO! NINGUÉM FODE MAIS FORTE DO QUE O CHRISTIAN! ”

    14 – “Enquanto abre a porta do carro, ele levanta o olhar e me lança seu sorriso arrebatador. Meu sorriso de resposta é suave, completamente deslumbrada por ele, e eu me lembro mais uma vez de Ícaro subindo perto demais do Sol. ”

    Eu gosto de imaginar que isso é um prenúncio e que no final desse aborto literário os dois idiotas vão estar em um avião que vai cair depois de pegar fogo espontaneamente no ar. Pois é, eu sei: eu sou um otimista.

    15 – “E foi como se eu tivesse viajado no tempo de volta ao século dezesseis e à Inquisição Espanhola. Puta merda. ”

    E ninguém espera a Inquisição Espanhola. Mas, considerando o quão insano esse livro é… Talvez devêssemos. Aguardo ansiosamente pela cena de sexo envolvendo Spam.

    16 – “Ele chuta suas roupas para o chão. Santo Deus, ele é todo meu para brincar, e de repente é Natal. ”

    É claro, porque quando estamos lendo sobre sexo, o que precisamos mesmo é imaginar um homem velho e gordo, vestido de vermelho e entregando presentes em uma data religiosa. “Ho! Ho! Ho! Aqui tem um caralho para você! Que Deus lhe abençoe. ”.

    17 – “Oh, ele foi afetado com certeza – e minha pequena deusa interior oscila suavemente em um samba vitorioso. ”

    Samba da vitória é tão puritano. Porque não um pagode da sacanagem ou um funk da putaria? Pelo menos faz sentido tematicamente.

    18 – “Minha deusa interior olha fixamente para mim, batendo seu pequeno pé impacientemente. Ela está pronta para isso há anos…”

    Ela está aguardando esse momento desde que Anastasia tinha doze anos, quando seu papai entrou no quarto dela inadvertidamente e a pegou tentando se masturbar com o boneco do Ken, destruindo para sempre qualquer chance de um desenvolvimento sexual normal.

    19 – “Minha deusa interior está emocionada. Eu posso fazer isso. Eu posso foder ele com a minha boca. ”

    “Isso mesmo Anastasia, coloque o pau dele na sua boca. Agora chupe com força, sua puta. Isso… Isso minha querida… Obedeça sua deusa interior… Ahhh…”

    20 – “Minha deusa interior está dançando merengue com alguns movimentos de salsa. ”

    Meu deus interior está mostrando o dedo médio para você.

    21 – “Minha deusa interior parou de dançar e está olhando também, de boca aberta e babando levemente. Sua ereção domada, mas ainda substancial … Uau.”

    Agora eu entendi: a deusa interior é um reflexo da autora. Logo vamos descobrir que sua deusa interior também não faz sexo desde a queda do Muro de Berlim.

    22 – “Minha deusa interior está pulando para cima e para baixo, batendo as palmas como uma criança de cinco anos de idade. Por favor, vamos fazer isso… Caso contrário nós vamos terminar sozinhas com muitos gatos e seus romances clássicos para lhe fazer companhia. ”

    Agora eu me sinto mal pela autora desse lixo. Será que ninguém pode fazer a piedade de comer essa mulher horrível? Quem sabe nós começamos um Kickstarter para isso?

    23 – “Minha deusa interior pula para cima e para baixo com pompons de líder de torcida, gritando sim para mim. ”

    Me dá um P! Me dá um I! Me dá um C! Me dá um A!

    24 – “Minha deusa interior está fazendo saltos mortais em uma série digna de uma ginasta olímpica russa. ”

    Isso é o melhor que você pode fazer? Se é para ser completamente retardada, você poderia ter se esforçado mais. Como: “Minha deusa interior está terminando seu doutorado em literatura inglesa. Sua tese é sobre a correlação entre mulheres sem nenhuma lubrificação vaginal e sua qualidade duvidosa como escritoras de romances ruins. ”

    25 – “Minha deusa interior senta-se na posição de lótus parecendo serena, exceto olhar sereno, exceto pelo sorriso astuto e orgulhoso no seu rosto. ”

    Depois de ler essa frase, meu deus interior começou a sair de carro toda madrugada. Quando ele volta eu pergunto porque suas mãos estão sujas de sangue e suas botas de lama. Ele nunca responde.

    26 – “Minha deusa interior vai explodir. ”

    Oh, por Alá, que seja verdade.

    27 – “Minha deusa interior se parece com alguém que teve o sorvete roubado. ”

    … Então ela é como uma criança? Sua mulher nojenta. O que acontece quando você perde sua virgindade? Ela começa a chorar e você chama a polícia ou você finge que nunca aconteceu e diz que a culpa foi dela?

    28 – “…Minha deusa interior está encarando de boca aberta. Nem ela acredita nisso.”

    Nem a sua amiga imaginária acredita na estupidez desse livro? Porque você não poupa 20 anos de tratamento psiquiátrico e se interna definitivamente em um hospício, sua vadia maluca? Pelo menos lá você vai encontrar pessoas que achem você uma personagem interessante.

    29 – “Minha deusa interior está girando como uma bailarina mundialmente famosa, pirueta após pirueta. ”

    Meu deus interior está apontando uma arma para minha cabeça. Ele diz que se tivermos que ler mais um desses trechos sobre sua deusa retardada, ele vai me matar.

    30 – “Amy Studt está cantando no meu ouvido sobre desajustados. Essa música costumava significar tanto para mim porque eu sou uma desajustada. Eu nunca pertenci a lugar algum e agora… Eu tinha que considerar uma proposta indecente do próprio Rei dos Desajustados. ”

    Se você prestar atenção, consegue ouvir o som dos violinos tocando no fundo. Mas se você realmente prestar bastante atenção, consegue ouvir o som estrondoso de um longo e molhado peido.

    31 – “Que bom. Eu odeio camisinhas. ”

    Pelo menos ele admite. Não que importe: Anastasia Steele é tão idiota que, caso ela engravide, basta ele dizer que não estava nos seus dias férteis que está tudo resolvido.

    32 – “Não, eu vou comprar quando chegar em casa – pela Internet. ”

    Anastasia é tão moderna que ela conhece até mesmo a Internet, a famosa rede mundial de computadores. Nos próximos 5 anos ela pretende comprar seu primeiro Walkman.

    33 – “Venha, vamos para a cama, eu lhe devo um orgasmo. – Orgasmo! Outro! ”

    Isso é tão triste. O conceito de orgasmos é algo tão alienígena para essa autora que ela fica impressionada com ela mesma quando escreve sobre eles. Se ela descobrir sobre orgasmos múltiplos ela pode ter um surto.

    34 – “Mmm… Eu empurro ele na minha boca e posso senti-lo no fundo da minha garganta e logo nos lábios de novo. Minha língua rodopia pela ponta. Ele é o meu próprio picolé sabor Christian Grey. ”

    Espero que ela goste do bolo de chocolate sabor Christian Grey que vem depois disso.

    35 – “Respirando fundo e mentalmente segurando os meus quadris, eu me dirijo ao hotel. ”

    Esse é um poder mutante muito específico e imbecil. Você também faz pompoarismo telecinético?

    36 – “Eu gosto que você esteja dolorida. ” Os olhos dele ardem. “Isso a faz lembrar aonde eu estive, e somente eu. ”

    E lembre-se: ele não mija em você para marcar território, mas porque ele te ama.

    37 – “O sangue é drenado da minha cabeça. Oh, não. ”

    Eu fiquei decepcionado em descobrir que a personagem não estava sofrendo um aneurisma. O que aconteceu foi que todo o sangue da cabeça dela desceu para a vagina, resultado de décadas sem qualquer estímulo naquela região.

    38 – “Você está sangrando? ” Ele continua a me beijar. Puta merda. Nada passa desapercebido por ele? “Sim”, eu sussurro, envergonhada. “Você está com cólicas?”

    É por isso que esse livro vende! Esse diálogo é mais sexy do que cinco palhaços chorando. A coisa fica pesada mesmo quando eles começam a discutir qual absorvente é mais adequado para usar.

    39 – “Porra, isso é mais sexy do que a escova de dente. ”

    Anastasia é o tipo de mulher que, literalmente, fica excitada com qualquer coisa. Toda vez que Christian Grey tem diarreia explosiva ele tem de limpar tudo muito bem, por perigo de encontrar a Srta. Steele lambendo as bordas do vaso sanitário e se masturbando incontrolavelmente.

    40 – “Eu devo te foder desse jeito, ou desse jeito, ou desse jeito? É uma escolha interminável”, ele respira em meus lábios.

    “Eu posso te foder de cachorrinho, frango-assado ou papai-e-mamãe. São três escolhas… intermináveis. Seu minúsculo cérebro feminino consegue processar toda essa informação? Um mugido para sim, dois para não. ”

    41 – “Mas porque estamos olhando para uma sala de jogos? Estou perplexa. “Você quer jogar no seu Xbox? ”, eu pergunto. Ele ri, alto. ”

    “Não seja ridícula, Anastasia. Eu tenho um PS4. ”

    42 – “Os pés de Christian Grey … uau… qual o negócio com pés nus? “

    Depende… Esses pés estão chutando você até a morte? Isso me deixaria excitado.

    43 – “Porque ele não me devolveu minha calcinha? Eu entro furtivamente no banheiro, perplexa pela minha falta de roupa íntima. ”

    Depois de tirar a calcinha e sentir o cheiro pútrido que ela exalava, Christian Grey decidiu que ela merecia ser analisada. Foi descoberto que a calcinha, após décadas sem ser lavada, desenvolveu 34 novos tipos de forma de vida. Parabéns, Srta. Steele, sua calcinha acaba de criar um novo estágio na Guerra Biológica.

    44 – “Como ele pôde se tornar tão importante para mim em tão pouco tempo? Ele está sob minha pele… literalmente. ”

    Eu não sei se ela está se referindo ao pênis dele ou a uma nova doença venérea. Ou talvez ele tenha colocado o seu pênis dentro da pele dela? Não, isso seria sexy demais para esse livro.

    45 – “Christian Grey acabou de me mandar um 😉 … Minha nossa. ”

    É tão fácil impressionar Anastasia Steele. Se você peidar na frente dela ela imediatamente se ajoelha diante de você e pede para chupar o seu pau. Mas cuidado para não gozar na boca dela, ela pode considerar isso um pedido de casamento.

    46 – “Eu puxo o zíper para baixo, e agora sou confrontada com o problema de remover as suas calças… Hmm. ”

    Tem certeza que isso é um problema? Ou talvez você seja, um pouco… retardada?

    47 – “Ele tem um café com um lindo padrão de folha impresso no leite. Como eles fazem isso? Eu me pergunto, ociosa. ”

    Espere aí… Ela é mesmo retardada? Então Christian Grey tem tara por mulheres de 20 anos, virgens, com o QI equivalente de uma bola de basquete? …. Até que faz sentido.

    48 – “Meu nível de ansiedade alcançou vários níveis na escala Richter.”

    Isso não foi sua ansiedade, Anastasia. O que acaba de causar esses tremores sísmicos foi o Kraken que mora nas profundezas inexploradas e mortas da sua vagina e que foi acordado depois de milênios. Vamos rezar para que ele não esteja faminto.

    49 – “Me castigue. Eu quero saber o quão ruim pode ser. ”

    Um tapinha aqui, um puxão de cabelo ali, sexo oral de vez em quando… É praticamente a versão do que é sadomasoquismo feito por Steven Spielberg.

    50 – “Tudo que você faz me interessa, você é a mulher mais fascinante que eu conheço. ”

    Podemos perceber o quanto a autora está desesperada em tentar criar um motivo para Christian Grey enfiar seu pau em Anastasia, mas simplesmente não funciona. Anastasia Steele é o tipo de personagem que você torce para morrer em um drama sobre o Holocausto. E, mesmo assim, esse drama seria um livro mais erótico do que “50 Tons de Cinza”.

    Texto de autoria de “The Nindja”.

  • Review | The Flash – 1ª Temporada

    Review | The Flash – 1ª Temporada

    the-flash-primeira-temporada-poster

    A boa aceitação da primeira temporada de Arrow, produzida pelo canal estadunidense CW, permitiu que a DC Comics e a Warner alçassem voos maiores em suas produções sobre super-heróis que até então estavam desacreditadas por conta de Smalville – As Aventuras do Superboy. Aliado a isso, os estúdios precisavam correr atrás da Marvel Comics, considerada anos luz à frente no que diz respeito ao mais novo selo chamado de “universo cinemático”. Assim, antes de mesmo de existir o seriado do Flash, Barry Allen (Grant Gustin) foi testado em dois episódios da segunda temporada do arqueiro esmeralda e que culminou no acidente que o tornou no velocista escarlate, sendo sua aceitação muito positiva, fazendo com que o pequeno crossover já ganhasse sinal verde para a produção do seriado solo.

    Assim como nos começos dos episódios de Arrow, onde Oliver Queen conta sua história, o simpático Barry Allen diz a seus espectadores que é o homem mais rápido que existe e que, desde pequeno, sempre acreditou no impossível e que as circunstâncias o transformaram no impossível e isso contrasta (talvez de forma proposital) com Arrow, um seriado com maior influência na realidade. Em Flash, o impossível é levado muito a sério, sem medo de ser brega ou confuso, não só por conta de um dos mais legais super-heróis já criados, uma vez que, quase sempre, o Flash é o responsável por alterações temporais e transições entre os mais diversos universos existentes nas HQ’s da DC Comics, mas também por conta do ótimo elenco carismático que acabou por entregar uma ótima temporada de estreia, com mais altos do que baixos, dando indícios de que permanecerá nas telas por muito mais tempo do que sua primeira tentativa de vingar na televisão nos anos 90.

    Quando criança, Barry presencia o cruel assassinato de sua mãe por algo inexplicável, um homem de amarelo se movendo extremamente rápido. Seu pai, Henry (John Wesley Shipp, o Flash/Barry Allen dos anos 90), o maior suspeito de cometer o ato, é julgado e condenado a passar o resto de sua vida no presídio de Iron Heights. Desta forma, Barry tem como objetivo provar que algo de errado havia naquela noite para, enfim, fazer justiça e tirar seu pai da prisão. Assim, ele entra para a polícia de Central City e vira um perito forense, muito semelhante aos que encontramos em seriados como CSI, com o intuito de juntar o maior número de provas possível e comprovar que, de fato, o impossível existe. Com a morte de sua mãe e a prisão de seu pai, Barry foi criado pelo detetive Joe West (Jesse L. Martin), crescendo junto com Iris (Candice Patton), filha de Joe, por quem tem um amor platônico.

    Ao voltar de Starling City, Barry Allen, um fanático por ciência, é atingido por um raio vindo da explosão de um acelerador de partículas criado pelo Dr. Harrison Wells (Tom Cavanagh), fundador dos Laboratórios S.T.A.R. e após passar meses em coma, Barry acorda extremamente bem, porém, com a habilidade de se movimentar em velocidades difíceis para o olho humano acompanhar. Assim Barry passa a ser estudado por Wells e seus dois ajudantes, Cisco Ramon (Carlos Valdes) e Caitlin Snow (Danielle Panabaker), os dois únicos cientistas que ficaram ao lado do exilado Wells, tido pela população como o responsável pelo acidente que vitimou muitas pessoas. Mas a vontade de Wells em querer ajudar Barry, sendo seu mentor, ajudando-o ao lado de Cisco e Caitlin, é motivadora, o que demonstra de certa e errônea forma sua motivação de querer dar a volta por cima. Wells tem suas próprias motivações para querer ajudar Barry, e o final do episódio piloto já planta uma interrogação na cabeça do espectador.

    Muitas das pessoas dadas como mortas ou desaparecidas, assim como Barry, foram afetadas diretamente pelo acidente com o acelerador de partículas, o que nos remete diretamente a Smallville, onde alguns dos personagens foram afetados pela chuva de meteoros que trouxe Kal-El ao planeta. Essa decisão arriscada de usar o acelerador de partículas como “catalisador” transformando pessoas comuns em heróis e vilões em Central City deu muito certo, principalmente da maneira inteligente em que essas pessoas com super-poderes, os meta-humanos, como são chamados, foram integradas às subtramas. O desfile de vilões com super poderes foi alto, em torno de 17, sem contar o Capitão Bumerangue que estava agindo em Central City, mas fez parte do crossover com a terceira temporada de Arrow e o Rei Relógio, que apareceu pela primeira vez na segunda temporada do vigilante de Starling City. Assim, podemos dizer que muito da primeira temporada de Flash foi feito no já conhecido formato de “monstros da semana”, mas sem comprometer nem um pouco a trama principal que foi discutida praticamente em todos os 23 episódios. Com tantos vilões “descartáveis”, poucos se destacaram, porém com apresentações memoráveis, entre eles Prisma (Ladrão Arco-Íris), responsável por mexer com a cabeça do Flash, colocando-o diretamente em combate com o Arqueiro Verde; a dupla Capitão Frio e Onda Térmica, reeditando a parceria de Wentworth Miller (extremamente caricato e carismático) e Dominic Purcell, os astros de Prison Break; os dois Mago do Tempo, Trapaceiro (novamente e brilhantemente vivido por Mark Hamill), Gorila Grodd (assustador e em CGI) e, claro, o Flash Reverso.

    O Flash Reverso, Eobard Thawne, é o principal vilão da primeira temporada: guarda uma sinistra relação com o Dr. Wells e está sempre um passo a frente de Barry Allen. Vindo do futuro, mas enfrentando Flash há séculos, ficou preso no final do século XX no dia em que a mãe de Barry morreu, e procura desesperadamente voltar para seu tempo. Durante as suas aparições, fica muito claro que ele odeia o Flash com todas as suas forças, mas sem explicar o motivo, o que adiciona ainda mais mistério à trama.

    Como previsto, também houve pequenas participações dos personagens de Arrow durante o decorrer da primeira temporada. Felicity Smoak (Emily Bett Rickards) apareceu, algumas vezes, assim como Oliver Queen/Arqueiro (Stephen Amell), Ray Palmer/Átomo (Brandom Routh), Laurel Lance (Katie Cassidy) e Quentin Lance (Paul Blackthorne).

    Mas o seriado não teria sucesso sem o elenco principal, que é realmente competente. Além de Grant Gustin, Tom Cavanagh, Candice Patton, Jesse L. Martin, Carlos Valdes e Danielle Panabaker, ainda conta com Rick Cosnett interpretando Eddie Thawne, um personagem conhecido dos fãs dos quadrinhos, mas que aqui (ao menos por enquanto) é apenas o parceiro de Joe na polícia e noivo de Iris, além, de obviamente, ser um parente muito distante de Eobard Thawne, o Flash Reverso. Grant Gustin possui uma ótima química com todos os atores que estão com ele em tela, principalmente quando está sozinho com Tom Cavanagh, John Wesley Shipp e Jesse L. Martin, sempre responsáveis por cenas muito emotivas. Além do mais, a dupla Caitlin e Cisco são os alívios cômicos do seriado, cabendo a Cisco, principalmente, um nerd “nato”, ser o responsável por referências a filmes cult ou de ficção científica, além de fazer ótimas sacadas na hora de dar nome aos heróis e vilões da série. O lado mais fraco do elenco fica por conta de Candice Patton, que trouxe uma Iris completamente sem sal e sem um pingo de carisma, algo que chega a ser unânime entre os fãs.

    Fica registrado, portanto, que a primeira temporada de Flash foi uma ótima surpresa, com ótimos momentos e muito mistério em torno das motivações do Dr. Wells e Barry Allen. Nesse aspecto, o episódio mais memorável da primeira temporada, sem dúvida foi o “mítico” episódio 15, que teve uma ótima cara de season finale, culminando em Flash correndo tão rápido que conseguiu, sem querer, viajar algumas horas ao passado, exatamente no ponto em que o episódio se iniciou, o que alterou, pelo menos um pouco, a realidade, criando sua primeira linha paralela, mas não o suficiente para alterar o futuro. E o finale propriamente dito foi ótimo, porém aberto, que terá resolução somente no primeiro episódio da segunda temporada. Se pudermos fazer um paralelo com Lost, a escotilha foi aberta, e agora só em outubro saberemos o que tem lá dentro. Uma dica: o capacete de Jay Garrick já espirrou para dentro desta Terra.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • De que matéria são feitos os heróis?

    De que matéria são feitos os heróis?

    vortex_herois1Houve um tempo em que eles eram exemplos de virtude. Encarnavam os maiores valores, as melhores qualidades: coragem, bondade, honestidade, justiça. Eram fortes como Hércules, perspicazes como Teseu, astutos como Perseu. Mirávamos naqueles exemplos e seguíamos nossa jornada.

    Um pouco depois, não bastavam seus músculos e temperança. Foi preciso mais. E eles passaram a vestir trajes coloridos e a ostentar símbolos no peito. Era uma maneira de externalizar seus atributos, seus programas de ação. S não é apenas a inicial de seu nome, mas um sinal de esperança de onde ele veio, mundo tão distante e hoje só existente na memória. Um morcego serve para amedrontar os inimigos, mas colocado em pleno tórax, passa a ser também um alvo, moderno calcanhar de Aquiles. Homens e mulheres, eles ainda personificam a figura difusa do Bem, e sua presença na Terra (e no nosso imaginário) torna a vida mais segura. Aparentemente.

    Dias atrás, diante dos cartazes de cinema, nos perguntávamos por que tantos filmes com super-heróis. Respondemos antes mesmo de entrar na sala escura: o mundo anda tão sombrio que precisamos cada vez mais deles. Se antes nos contentávamos com o salvamento de Andrômeda, Ariadne e Lois Lane, passamos a esperar que protegessem Gotham, Nova York, o planeta, enfim. As ameaças vinham de alienígenas, cientistas malucos, conspiradores. Vinham também de mentes perturbadas, assassinos seriais e criminosos insuspeitos. Se o maior truque do demônio é fazer acreditar que ele não existe, o Mal também buscou formas de se travestir, seduzindo corações e mentes. O Bem também amoleceu seus contornos, e o caráter dos heróis ficou poroso, ambíguo e desconcertante.

    Mas o que faz alguém ser um herói hoje? O que ele veste? A função que ocupa na sociedade? O distintivo que exibe?

    Não dá pra negar. Nossos heróis estão a anos-luz dos modelos imaculados de conduta. Não carregam consigo apenas virtudes. Pelo contrário, são cheios de defeitos. Dexter mata sem remorso, Batman está transtornado, e Lisbeth Salander invade sistemas e busca vingança. Sherlock é um egocêntrico, Poirot, arrogante, e Montalbano é um boca-suja. Nero Wolfe é um glutão. O inspetor Clouseau, um atrapalhado, e Monk tem TOC. Ed Mort é um perdedor nato, Kay Scarpetta, esquisitona, e Pete Marino, um machista nojento. Mandrake é mulherengo, Wallander parece perdido e Mathew Scudder bebe demais. Como delegamos a eles a solução de nossas desesperanças?

    Parte desses nossos heróis trabalha na polícia e esta condição os posiciona do lado de cá do balcão: onde estão os que seguem a lei. Outra parte atua num sistema paralelo de justiça, como detetives particulares. Fardados ou não, ostentam as cores do que é certo e bom, e se distanciam da maldade condenável para a maioria de nós. Não nos esquecemos de seus desvios, manias e esquisitices. Eles borram suas figuras, como os santos com pés de barro, as estátuas trincadas…

    Exemplos mais atuais são os investigadores da série de TV True Detective. Na primeira temporada, tivemos o infiel Marty (vivido por Woody Harrelson) se debatendo com Rust, personagem de Matthew McConaughey, que – digamos – não batia bem da cabeça. Na segunda, Colin Farrell é o violento e instável Ray Velcoro, que contracena com a instável Ani Bezzerides (Rachel McAdams) e o desviante Paul Woodrugh (Taylor Kitsch). São apenas seus distintivos que os fazem nossos heróis? Claro que não. Eles são altamente problemáticos, abusam das drogas e da violência, e são desajustados sociais. Trazem em si ingredientes suficientes para colocá-los do lado de lá do balcão, onde ficam os algemados. Mas não! São nossos heróis! Negue se puder…

    Então, de que matéria são feitos nossos heróis de hoje? Personagens fronteiriços, são complexos e ambíguos como a realidade contraditória que vivemos. São fortes e destemidos, mas fraquejam diante das pequenas-grandes tragédias cotidianas. Sucumbem, perdem-se… Têm valores, mas às vezes, seu sentido particular de justiça colide frontalmente com o que acreditamos.

    True Detective é uma criação de Nic Pizzolatto, autor de Galveston, recém-lançado no Brasil. Livro de estreia, deu ao autor vários prêmios, entre os quais o Edgar Award, distinção para a literatura policial, de mistério e de crimes. Galveston não é um policial clássico, até porque é quase totalmente habitado por bandidos, capangas e escroques de em geral. Ali, todos já atravessaram os limites do razoável e da legalidade. Mesmo assim, acompanhamos Roy Cady em sua jornada, e torcemos por ele, apesar das barbaridades e dos erros que comete. Ele é nosso herói! Tem coragem de negar?

    Nas tramas clássicas de detetive, temos a predisposição de acreditar que a justiça será naturalmente feita: a história será explicada, o culpado, punido e a ordem, restabelecida. Personagens como Sherlock Holmes e Hercule Poirot são nossos guias nessa premissa, e por incrível que pareça, suas histórias continuam atraindo milhões de leitores no mundo. É incrível já que esses justiceiros pertencem a uma época que já se foi, teoricamente de valores diferentes dos nossos, de uma inocência até lúdica. No entanto, histórias como O Assassinato de Roger Ackroyd, de Agatha Christie, e O Cão dos Baskervilles, de Arthur Conan Doyle, continuam entre as favoritas dos fãs de um bom suspense. Justamente ao lado das tramas que embaçam as fronteiras morais do certo e errado, bom e mau. O que acontece? Será que ansiamos finais mais justos e felizes? Ou será que estamos nos acostumando a conviver com facínoras e infames tentando impor seu bizarro modelo de justiça? Para responder a isso, precisaríamos de visão de raio X, células cinzentas super desenvolvidas, sentidos aguçados e de uma obsessiva vontade de solucionar mistérios. Próprio de heróis.

    Chris Lauxx

    Texto de autoria de Chris Lauxx, pseudônimo dos jornalistas Rogério Christofoletti e Ana Paula Laux, autores da enciclopédia Os Maiores Detetives do Mundo e editores do site literaturapolicial.com

  • Crítica | Depois da Chuva

    Crítica | Depois da Chuva

    Em 2013, uma imensa quantidade de pessoas no Brasil saíram às ruas bradando pelos ideais democráticos, em um dos momentos políticos mais emblemáticos na recente história brasileira. Nesse contexto, Depois da Chuva, da dupla iniciante Cláudio Marques e Marília Hughes, vem abrir espaço para uma sutil conversa sobre democracia.

    Ambientada na Salvador de 1984, na transição dos momentos finais da ditadura militar para as eleições diretas, acompanhamos o dia a dia de Caio (interpretado pelo novato Pedro Maia), um jovem de ideologia anarquista que enfrenta no seu cotidiano as dúvidas e questões morais da adolescência, seu crescimento e os medos e anseios do futuro desconhecido.

    Caio se expressa pela revolução, participando de rádios piratas e bandas punk, ao passo que enfrenta os sentimentos decorrentes da ausência de seu pai e de sua desatenciosa mãe. As representações desses momentos, remetendo aos sentimentos circunscritos do próprio período histórico retratado, são expressas por meio de cenas fragmentadas e caóticas. Reflexos de Caio, de seus amigos e do espírito libertário.

    Posteriormente, a fuga se converge junto ao amor de sua amiga Fernanda (Sophia Corral), momento este em que o compasso do filme ganha uma nova dimensão, mais calma e mais reflexiva, contrapondo a anarquia defendida por Caio com as incertezas da democracia porvir.

    O grande trunfo de Depois da Chuva é a liberdade como Marques e Hughes conferiram a seus jovens atores ao expressar todas essas metáforas em sua atuação. Pedro Maia e Sophia Corral se destacam com uma atuação natural, marcada por sutilezas e familiaridade. Não são meros personagens recortados de um período passado, mas estão ali vivendo aquele turbilhão de sentimentos.

    O filme possui um compasso lento, e talvez esse seja o único problema da forma como a narrativa é contada. Enquanto Caio rouba a cena e tem sua personalidade esmiuçada, boa parte dos outros personagens que interagem com ele não são feitos da mesma forma, como sua própria mãe ou parte de seus amigos que compactuam com seus ideais políticos. De qualquer forma, nada disso é suficiente para retirar a emoção das demais sutilezas que o filme apresenta como um todo.

    Depois da Chuva é um filme que retrata uma época histórica marcada pelo extremismo e pela violência através de uma história sutil e reflexiva. Até hoje, a democracia é uma ambiguidade, assim como o amadurecimento e a nossa própria noção do existir. Depois da Chuva é reflexivo em sua ambiguidade, nas suas dúvidas e na busca que Caio tem em sua vida.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Mulher-Maravilha: Símbolo Feminino do Séc. XX? – Parte 2

    Mulher-Maravilha: Símbolo Feminino do Séc. XX? – Parte 2

    mulher maravilha - parte 2 - destaque

    Parte 2 – Origens da Mulher Maravilha

    A primeira super-heroína a se tornar um sucesso de público foi a Mulher Maravilha, criada pelo Dr. William Moulton Marston. Ela apareceu pela primeira vez em All Star Comics #8 (Dezembro, 1941) da All American publications, uma das três companhias que se tornariam a editora DC. Quando foi criada, o mundo dos quadrinhos era estritamente do domínio do homem. No início de 1940 a DC Comics era dominada pelos personagens masculinos com superpoderes tais como Lanterna Verde, Batman, e o principal deles, Superman. .Motivado pelo ponto de vista masculino de seus criadores, os heróis de quadrinhos relegaram às mulheres o papel de apoio de mãe, esposa e amiga. Como Lois Lane como o par romântico do Superman. As mulheres dos quadrinhos foram espectadoras impotentes nunca capazes de realizar incríveis façanhas dos homens que as dominavam. Lois Lane parecia existir somente para agradecer Superman para salvá-la a partir do último vilão, embora rejeitando as atenções de Clark Kent. Em uma entrevista 25 de outubro de 1940, realizada pela ex-aluna de Marston, Olive Byrne (sob o pseudônimo de “Richard Olive”) e publicado pela Family Circle, intitulado “Não ria dos Quadrinhos”, ela descrevia o que ele viu como um grande potencial para as histórias em quadrinhos:

    OLIVE: “Você sabe quantas são vendidas por mês”?
    MARSTON: “Há cerca de 108 revistas de quadrinhos nas bancas. Os números mostram que entre 10 milhões e 12 milhões revistas são vendidas a cada mês. Isso diz que 1.000.000 ou mais são gastos todos os meses pelos fãs de quadrinhos.

    Há, além disso, outras 3.000.000 ou 4.000.000 revistinhas vendidas trimestralmente. Pesquisas mostram que em média quatro filhos lêem cada revista vendida. Isso perfaz um total de algo entre 40 milhões e 50 milhões leitores juvenis por mês. E outras 12.000.000 para 16.000.000 leitores a cada três meses. As revistas vendem por 10 cents cada, que traz as vendas de varejo anuais entre 14 milhões e 15 milhões, e 85% dos parentes dessas crianças também pegam as revistas para lerem, que é o que ainda me impressiona. As tiras de quadrinhos nos jornais há muito tempo se tornaram a bíblia do dia de sábado de mais de 10.000 mil crianças. Mas agora as revistas de histórias em quadrinhos tornaram leitura semanal, e acreditem ou não, os jovens nunca estudaram seus livros didáticos como fazem esses novos quadrinhos!”

    OLIVE, Richard. Revista Family Circle, “Não ria dos Quadrinhos”, 1940 

    Este artigo chamou a atenção de Max Gaines, que empregou Marston como consultor educacional da National Periodicals of American  publications. Naquela época, Marston decidiu desenvolver um novo super-herói. Segundo a edição de outono 2001 da revista de ex-alunos da Universidade de Boston, foi idéia de sua esposa Elizabeth de criar uma super-heroína.

    Sensation Comics #1 - Mulher Maravilha

    Sensation Comics #1 de 1940

    Marston introduziu a ideia á Max Gaines, cofundador (juntamente com Jack Liebowitz) do All-American Publications. Dado o sinal verde, Marston desenvolveu a Mulher Maravilha com Elizabeth (a quem Marston acredita ser um modelo de mulher não convencional ao que se havia em sua época).

    “Nem mesmo as meninas querem ser meninas tanto tempo como o nosso arquétipo feminino que carece de força, dominação e poder. Não querendo adotar esse arquétipo, não querem ser submissas, amantes da paz como as boas mulheres são. As fortes qualidades da mulher tornaram-se desprezadas por causa de sua fraqueza. A solução óbvia era criar uma personagem feminina com toda a força do Superman, mais todo o fascínio de uma mulher boa e bonita.”

    Marston, William Moulton. The American Scholar, 1943

    “Em um mundo dilacerado pelo ódio e guerra dos homens, aparece uma mulher a quem os problemas e as façanhas dos homens são mera brincadeira de criança, uma mulher cuja identidade é conhecida a ninguém, mas cujas sensacionais feitos são destaque em um rápido movimento mundial! Com uma centena de vezes a agilidade e força dos nossos melhores atletas masculinos e os lutadores mais fortes, para mostrar o certo e errado! – Com a velocidade de Mercúrio e da força de Hércules -, ela é conhecida apenas como a Mulher-Maravilha, mas que ela é, e de onde ela veio ninguém sabe!”
    Trecho e imagem retirados de Sensation Comics #1 dez, 1941

    O que Marston tinha em mente só pode ser objeto de especulação, mas hoje as feministas têm um pouco mal interpretadas a situação, sugerindo que a Mulher Maravilha foi destinada exclusivamente como um modelo que encoraja a autoconfiança na garota. Certamente, esse aspecto foi importante para Marston, mas Mayer sentiu que Marston “estava escrevendo uma revista feminista, mas não para as mulheres. Ele estava lidando com uma audiência masculina”. É um segredo aberto, porém raramente reconhecido, que os leitores da Mulher Maravilha sempre foram predominantemente masculinos (estimativas atingem os 90%).  A revista (Sensation Comics) tornou-se um sucesso esmagador.

    A personagem ganhou sua revista própria no verão de 1942, revelando ao mesmo tempo o criador da personagem (Até então havia adotado o pseudônimo de Charles Moulton), que diferia muito o ar da personagem quanto ao seus dois companheiros de sucesso, Batman e Superman, criados por adolescentes que não tinham experiência em escrita, já no caso da Mulher Maravilha, um psicólogo de reconhecimento internacional que já havia publicado livros acadêmicos e romances anteriormente.

    Além disso, as mulheres eram encorajadas a fazer o trabalho de homens como uma questão de política governamental. Em um dos seus primeiros arcos de história, ela lutou contra o vilão Dr. Psycho que se disfarçou como uma aparição de George Washington, para exortar as mulheres da América que deixassem de trabalhar em fábricas de munições de guerra, porque elas eram muito fracas. Rapidamente ela despachou o Dr. Psycho e seus traidores. Ela nunca teve permissão para matar ninguém, nem estava autorizada a usar a violência, exceto em autodefesa ou em defesa de outros. O amor era – e ainda é – a chave para a força da mulher, e é esta qualidade positiva que a faz superior aos homens que ela encontra. Quando a Mulher Maravilha vence o inimigo, ela também torna possível que o vilão veja o erro o dele (ou dela) além de fornecer reabilitação, utilizando seu laço mágico e fazendo com que o delinquente ou os malfeitores possam reconhecer seus erros.

    Marston morreu em 1947 e, consequentemente, a Mulher-Maravilha começou a mudar de caráter. Ela tornou-se menos de uma feminista. Nos anos 50, ela passou mais tempo obcecada com o namorado que a lutar contra bandidos.

    “Sempre senti que os homens foram os que mais precisavam dessa mensagem. Realmente fez sucesso em alterar o status social, expondo milhões de garotos (que se tornariam os homens na década de 1960) com os ideais do feminismo. Afinal, não é muita surpresa que a mulher pode querer-se bem, mas uma questão completamente diferente é quando muitos dos opressores não deveriam concordar em ir junto com essa ideia”. DANIELS, Les. Wonder Woman, The complete history

    … Continua em Mulher-Maravilha: Símbolo Feminino do Séc. XX? – Parte 3

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Review | Sense8 – 1ª Temporada

    Review | Sense8 – 1ª Temporada

    sense8-poster

    A Netflix revolucionou a forma de consumo de entretenimento doméstico ao dar à luz um serviço de stream barato e com a garantia de certa qualidade em títulos e serviço. A televisão estava perdendo seu status de janela para o mundo desde o advento do Youtube, porém a Netflix, e sua apresentação de uma nova forma de consumir e produzir conteúdo, veio para jogar a última pá de cal na TV comum, que deverá reinventar-se caso queira reverter esta situação.

    Uma das grandes amostras deste poder da empresa e de suas produções originais foi a disputa pelos prêmios de TV no Globo de Ouro, desde suas primeiras indicações em 2013 até vitórias em 2015 com a pioneira House of Cards.

    Com o intuito de não ser uma TV no computador, a Netflix amplia o poder que o espectador tinha com o uso do controle remoto e garante em suas séries a experiência do formato antes informal de maratonas. Temporadas mais curtas, em geral com 12 ou 13 episódios, recursos humanos de altíssima qualidade — contando com nomes como David Fincher, Joel Schumacher, Kevin Spacey, entre outros —, assim estabeleceu-se que mais do que séries, o público estava diante de “um filme de 13 horas”, como ficaram conhecidas. Tal título é real ao menos em intenções, mas nem sempre em formato. Em diversas de suas séries originais não foi possível reconhecer este tipo de formato, pois a edição e direção não foram capazes de instigar a audiência a manter-se por horas em frente ao computador. Neste ponto, a nova série original da Netflix criada pelos Irmãos Wachowski (Matrix, O Destino de Júpiter) é, junto com a primeira temporada de House of Cards, o melhor representante deste novo formato.

    Com dificuldades de agradar a público e crítica desde seu segundo filme, Matrix, os Irmãos Andy e Lana Wachowski trazem consigo para esta série alguns dos temas mais recorrentes de seus argumentos para um montagem de conceitos de ficção científica e religiosidade, bem como uma crítica a corporações que já faz parte da filmografia do casal de irmãos.

    Na trama, oito pessoas estão mentalmente ligadas e têm a capacidade de acessar lembranças, sentidos e habilidades de seus companheiros de trajetória, orientados pelo personagem Jonas (Naveen Andrews) contra os chamados “Sussurros”, membros de uma organização secreta incumbida de caçar os sensitivos ao redor do mundo. Embora possua um plot bastante parecido com o terrível Cloud Atlas – A Viagem, a equipe aproveitou-se das 12 horas de exibição para produzir uma série baseada na celebração da diversidade e na quebra de fronteiras, dedicando boa parte de seus episódios ao simples desenvolvimento de personagens, mesmo que em detrimento do pano de fundo.

    A coisa não é nova e reflete ligeiramente Avatar e as ideias ficcionais sobre o planeta e uma consciência coletiva, mas aqui o que realmente conta é o nível apurado da narrativa a partir de técnicas simples como fade outs e montagem para confundir o espectador com relação a qual cenário está frequentando, bem como sobre a união destes cenários. Mas é com o acesso dos personagens aos seus companheiros, e assim a intersecção de todos os elementos narrativos e imagéticos que leva a diversos momentos de catarse, simples e extremamente emocionais.

    Com os três primeiros episódios dirigidos pelos criadores da série, estes soam um tanto quanto arrastados, pois dedicam-se de maneira nada sutil a estabelecer a mitologia da série, bem como seu posicionamento político. Para tanto, lançam mão de diálogos demasiadamente expositivos capazes de causar uma certa estranheza aos espectadores mais atentos. Porém, a partir do quarto episódio, o foco é no desenvolvimento dos personagens como seres de sensibilidade única, que apesar de suscetíveis às conspirações e agruras comuns da vida, tornavam-se mais fortes diante da ação coletiva. O intuito político disso é quebrar as fronteiras geográficas e humanas, e insinuar que mais importante do que o acidente geológico, ao qual chamamos de lar, é necessário olhar para o mundo com mais sensibilidade e empatia, e que esta empatia seria a chave para a resolução dos conflitos.

    E a empatia permeia toda a série, mas especialmente em seu quarto episódio, que se encerra com uma das mais belas cenas musicais da TV, não só pelo contexto bem elaborado, mas também por contar que a essa altura os personagens já eram queridos em todas suas nuances. Outra característica da série é não se prender a pudores, exibindo cenas de sexo tão ousadas quanto bonitas.

    Extremamente humanista e diverso, o coração de Capheus; a força de Sun; a liderança de Will; a inteligência de Nomi; a compaixão de Kala; as dúvidas de Lito; a explosão a partir da dor de Wolfgang e a fragilidade de Riley formam, como um todo, um grande ser humano a ser celebrado.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.