Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Pixels

    Crítica | Pixels

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    A nostalgia é uma grande ferramenta para o entretenimento, pois faz com que o espectador já entre na sala do cinema com um sentimento prévio em relação aos personagens que ainda nem viu, e quando usada da forma correta consegue satisfazer mesmo apresentando um material simples. Em Pixels, uma sonda é enviada ao espaço com informações sobre a Terra, como um vídeo da Madonna e informações sobre o Campeonato Mundial de Fliperama de 1982, porém uma raça alienígena interpreta o ato como um desafio e envia videogames para provocar os terráqueos em um Campeonato Intergalático.

    Apoiando-se no amor universal de todos aqueles que passaram pelos anos 1980 e vivenciaram o advento dos jogos eletrônicos, possuindo o Atari como babá eletrônica e o fliperama e casas Arcades como parque de diversões, a obra conta a história de três meninos que tiveram o ponto alto de suas vidas no campeonato mundial de fliperama. Já quando adultos e frustrados com seus destinos, encontram-se no centro deste ataque.

    Assim como os chamados Arcades, a estrutura de Pixels, novo filme da universal que já vinha tentando sair do papel há muito tempo, baseia-se na repetição de padrões. Não por acaso a dupla Kevin James (Segurança de Shopping) e Adam Sandler (Trocando os Pés) integram o cast de modo a repetir o sucesso conquistado em outros projetos.

    Para dar sustância à premissa, um elenco de peso é usado para garantir qualidade das piadas e a empatia e simpatia do público que Sandler há um bom tempo parece não assegurar mais em seus filmes. As principais aquisições são o prodígio Josh Gad (Jobs, Frozen) e o sempre competente Peter Dinklage (Game of Thrones, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido). Ambos os atores roubam a cena em cada uma de suas aparições, o que favorece o filme como um todo, já que na ausência de uma roteiro mais interessante a película precisa sustentar-se sobre o talento individual.

    Se a simplicidade é algo que pode contar a favor de Pixels, ele também se mostra refém das fórmulas criadas nas comédias tipicamente masculinas, como o romance improvável entre o fracassado e a linda garota, algo sempre montado de forma apressada, inverossímil e nunca em favor da trama. Aqui não é diferente, em todos os momentos românticos entre o personagem de Sandler e Michelle Monaghan. É difícil de saber o quão consciente são os clichês apresentados, já que o diretor Chris Columbus tem em seu currículo desde clássicos como Uma Babá Quase Perfeita até filmes totalmente esquecíveis ou ruins como Percy Jackson e o Ladrão de Raios. Essa irregularidade dificulta na hora de decidir se, por exemplo, a piada com relação ao personagem Smurf é apenas uma bobagem sem intuito narrativo algum, ou se é uma alfinetada ao tradicional papel de “Smurfete” que as meninas ganham nesse tipo de comédia (Assim como nos Smurfs, a personagem feminina se mostra um adorno da relação masculina, aquela que “realmente importa”).

    Se o filme se mostra arrastado a todo momento, que se descola da simplicidade proposta, quando os esperados personagens dos videogames se mostram e a comédia se torna a prioridade tudo parece dar certo e Pixels se mostra uma diversão despretensiosa onde a relação entre gráficos e ação tem destaque. E tão melhor seria Pixels quão maior fosse sua busca em trazer diversão através da dinâmica entre personagens, que apesar de se perder em alguma fórmulas que não funcionam, garante uma diversão saudável com momentos pontuais, principalmente vindos de Josh Gad e Dinkale e Q*bert, excelentes.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Homem-Formiga

    Crítica | Homem-Formiga

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    Em uma temporada repleta de filmes de grandes franquias e personagens, como Vingadores – A Era de UltronMad Max – Estrada da Fúria e Jurassic World, o “pequeno” Homem-Formiga (do diretor Peyton Reed) veio para buscar seu lugar ao sol junto dos grandes nomes e, mais uma vez, a Marvel conseguiu.

    O grande trunfo da Marvel Studios não é ter um imenso catálogo de personagens para fazer centenas de filmes e angariar milhões de dólares de pessoas do mundo todo. O grande trunfo da empresa é ter acesso a esse imenso catálogo e não apenas escolher com atenção os seus personagens, mas dar um tratamento carinhoso na inserção deles em um universo cinematográfico que vai muito além dos olhos dos leitores de quadrinhos, mas de um público muito mais amplo.

    Assim foi feito com Guardiões da Galáxia, uma equipe não muito convencional de heróis e pouco conhecida que mostrou ter muito mais potencial que os personagens mais mainstream como o Homem de Ferro ou Thor (ainda mais levando em consideração a qualidade duvidosa de Homem de Ferro 3 e Thor: O Mundo Sombrio). Muito mais do que mostrar potencial, conseguiu ser um dos melhores filmes – talvez o melhor – da Marvel Studios.

    Dessa vez acompanhamos Scott Lang (Paul Rudd), um engenheiro elétrico que acaba de sair da cadeia após cumprir pena por ter cometido um crime contra uma grande corporação. Tendo dificuldades para achar um novo emprego e de se aproximar de sua filha, Scott resolve roubar a casa de um milionário aposentado, Hank Pym (Michael Douglas). Porém, depois que o roubo foi um fracasso, Scott descobre que tudo fazia parte de um plano do Dr. Pym para que ele se tornasse o Homem-Formiga. A intenção do Dr. Pym era que Scott, utilizando-se dos poderes de Homem-Formiga (poder se reduzir a um tamanho muito pequeno, porém tendo força de um humano normal) pudesse invadir o laboratório de Darren Cross (Corey Stoll) com intuito de evitar que uma poderosa arma caia em mãos erradas.

    A primeira coisa a se dizer é que Paul Rudd foi uma escolha certeira. O ator se mostrou muito à vontade com o papel de Scott Lang passando o mesmo sentimento para o espectador. A sensação é a de que Paul Rudd já fosse o Homem-Formiga há muito tempo e todos já estivéssemos acostumados com isso. Sentimento semelhante quando vemos Robert Downey Jr. e o associamos diretamente ao Tony Stark.

    Evangeline Lilly e Michael Douglas também se destacam, não de uma forma tão expressiva quanto Rudd, porém são marcos positivos no filme. Corey Stoll, por outro lado, não impressiona como vilão, não demonstrando muito carisma ou inovação em sua atuação.

    O filme é recheado de diversos momentos de bom humor, marca já registrada nos filmes da Marvel, mas sem forçar ao pastelão. Inclusive, o humor é frequente, principalmente quando o personagem diminui de tamanho em suas primeiras vezes e ainda está acostumando com os poderes que a roupa lhe confere. Diga-se de passagem, as cenas de ação envolvendo a diminuição e aumento de tamanho são dinâmicas e bem trabalhadas, dando uma nova dimensão ao uso do 3D no enquadramento e profundidade dos planos nas cenas de ação.

    O roteiro do filme é bastante agradável e mantém um bom ritmo. O grande trunfo aqui é o clima de “filme de roubo” empregado pela narrativa, como na versão de 2001 de Onze Homens e um Segredo, por exemplo, porém envolvendo heróis Marvel. Considerando o tom de bom humor da obra, isso ajuda em muitas cenas que envolvem o roubo propriamente dito, como a que Scott tem que invadir a base dos Vingadores, para pegar um dispositivo, e acaba enfrentando o Falcão.

    As referências ao passado, presente e futuro do universo Marvel são incontáveis durante o filme, além das duas cenas extras pós-créditos que ele apresenta. Temos referências aos Vingadores, ao seriado Agent Carter e, o que mais chama atenção, ao Homem-Aranha. Prato cheio para aqueles que gostam de procurar pelas pequenas nuances nesse gênero de filme.

    Apesar de extremamente divertido, o filme possui defeitos na condução da narrativa, que acaba se tornando bem lenta no primeiro ato, engrenando apenas posteriormente. Isso sem falar nas dificuldades de apresentação de alguns personagens, como o passado de Scott ou do próprio vilão Cross, de modo a não conferir tanta profundidade nos personagens, tornando vazias suas motivações.

    Apesar de pequenas falhas, o filme continua sendo divertido, ganhando um posto de destaque como um bom filme de super-herói. Além disso, Homem-Formiga consegue abrir um sorriso sincero em fãs de quadrinhos, no público geral e em toda pessoa que pensa nas centenas de milhares de possibilidades nesse universo tão rico que a Marvel Studios criou nos cinemas. Agora basta acreditar em mais do que há por vir. Bem-vindo ao hall dos “grandões”, Scott.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Review | Game Of Thrones – 5ª Temporada

    Review | Game Of Thrones – 5ª Temporada

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    Quando Ned Stark proferiu uma das mais célebres frases de Game Of Thrones, “preparem-se, o inverno está chegando”, ele não estava brincando. Stark se referia ao período sombrio e rigoroso que aquele mundo criado por George R. R. Martin passaria a enfrentar dentro de algum tempo. Pois bem, o inverno chegou, e se traçarmos um paralelo com a novela de Westeros, podemos dizer que o inverno também chegou, não só para os criadores e principais roteiristas da série, David Benioff e D. B. Weiss, mas também para os fãs da série e dos livros. Com a demora (justa) de Martin para entregar o sexto (e possível penúltimo) livro, pré intitulado Winds Of Winter, percebeu-se que essa quinta temporada conseguiu não só alcançar os livros das Crônicas de Gelo e Fogo, como também já apresentou momentos e passagens que, até então, eram desconhecidas para seus leitores.

    Pela primeira vez, com exceção da Casa Bolton, já estabilizada como a casa que domina o Norte, a quinta temporada mostrou uma certa homogeneidade entre os núcleos, uma vez que era normal um núcleo ser mais vitorioso ou bem-sucedido em relação ao outro. Ainda que do outro lado do continente, em Meereen, onde o deserto e o clima quente prevalecem, o inverno também chegou para Daenerys Targaryen (Emilia Clarke), ainda que de forma figurada. Por conta de seu governo que, por um lado libertou os escravos, mas por outro acabou trazendo fome e miséria para a população, despertou a ira de um grupo conhecido como Filhos da Hárpia e passou aos poucos a dizimar a população, os aliados e alguns imaculados que servem Daenerys. E é justamente no núcleo de Daenerys que temos um dos primeiros acontecimentos que até então não havia registro nos livros. Após fugir de King’s Landing, junto com Varys (Conleth Hill), Tyrion Lannister (Peter Dincklage) é sequestrado por Sir Jorah Mormont (Iain Glenn), que tem como objetivo entregá-lo a Daenerys como prova de que agora está ao seu lado.

    Aliás, vale destacar o quanto a Casa Lannister enfraqueceu com a morte de seu patriarca, Lorde Tywin. O rei Tommen (Dean-Cherles Chapman) é muito jovem e seu tio, Jaime Lannister (Nikolaj Coster-Waldau) está numa missão em Dorne para resgatar a jovem Myrcella (Nell Tiger Free), irmã de Tommen. Desta forma, Cersei Lannister (Lena Headay) ficou sozinha na capital e consequentemente, desprotegida. E, assim como os Filhos da Hárpia, um grupo religioso extremamente conservador, liderado pelo Alto Septão, começou a fazer justiça com os pecadores da cidade, o que gerou uma das mais memoráveis cenas desta quinta temporada.

    Pela primeira vez conhecemos Dorne, a terra da Casa Martell, do Príncipe Oberyn, um dos personagens mais queridos da quarta temporada. Infelizmente, o que vemos em Dorne foi mal trabalhado. Mostrou-se tudo, mas não vimos nada. Conhecemos as filhas de Oberyn, e vimos pouquíssimo suas habilidades como guerreiras, sendo o destaque, apenas, um ótimo diálogo entre Obara Sand (Keisha Castle-Hughes) e o sempre sensacional Bronn (Jerome Flynn). O mesmo podemos falar da viagem de Brienne de Tarth (Gwendoline Christie) e seu escudeiro, Podrick (Daniel Portman), que esbarraram com Sansa Stark (Sophie Turner) no caminho para, depois, acabarem com o sofrimento de Stannis Baratheon (Stephen Dillane) em Winterfell. Aliás, o orgulhoso Stannis só colecionou derrotas e desgosto em sua jornada ao trono de Westeros. O único herdeiro ao trono por direito se aliou à feiticeira Melisandre (Carice Van Houten) que só trouxe desgraça para a sua família. Talvez, as coisas tivessem sido diferentes se Stannis ouvisse Sir Davos Seaworth (Liam Cunningham), que novamente, dividiu ótimas cenas com seus colegas, principalmente com a jovem Shireen (Kerry Ingram), que foi responsável pelo que talvez seja a cena mais chocante de toda a temporada.

    A vida de Arya (Maisie Williams) também foi dura. Mesmo chegando sã e salva a Braavos, e após encontrar seu “velho amigo”, Jaqen (Tom Wlaschiha), começou seu treinamento para se tornar uma Sem Face, mas o treinamento é mais difícil do que aparenta ser, o que deixa a menina completamente desmotivada. Pela primeira vez na história do seriado, o arco de Arya foi desinteressante e o mesmo seguiu com sua irmã, Sansa, que foi deixada em Winterfell pelo “mindinho”, Lorde Petyr Baelish (Aiden Gillen) para se casar com o cruel Ramsey Snow (Iwan Rheon), que agora detém o sobrenome Bolton. Aliás, o jovem ator Iwan Rheon merece ser elogiado por suas ótimas atuações que não vêm desta temporada. Ramsey já é mais odiado que o falecido Geoffrey por toda crueldade (merecida, diga-se) cometida a Theon Greyjoy (Alfie Allen), que foi transformado praticamente num cão doméstico, além de cometer outros atos cruéis e sádicos de gostos duvidosos que causaram muita ira e controvérsia aos fãs, como o estupro de Sansa, assistido por um arrependido Theon, que cresceu junto a Sansa como se irmão fosse.

    Um pouco mais ao norte de Winterfell está A Muralha defendida pela Guarda da Noite, e que agora tem um novo lorde comandante, qual seja Jon Snow (Kit Harington), que liderou e saiu vitorioso na batalha contra parte dos selvagens liderados por Mance Rayder (Ciaràn Hinds). Jon, que contou com o apoio de Stannis Baratheon para aprisionar Mance, se viu numa situação difícil, tendo que recusar, inclusive, o sobrenome de Stark oferecido por Stannis caso a Guarda da Noite o ajudasse em sua investida contra os Bolton em Winterfell. Porém, presenciou um dos momentos mais sensacionais da temporada, quando liderou uma expedição à terra dos selvagens para oferecê-los ajuda e abrigo no Castelo Negro. A investida não deu muito certo e Jon e a Guarda da Noite tiveram a certeza de que o inverno tinha chegado por conta da horda de White Walkers que atacou a vila dos selvagens. Não sei se foi intencional, mas, aqui, os efeitos especiais lembraram muito (claro, com a tecnologia dos dias atuais) os do primeiro Fúria de Titãs, além de remeter e muito ao jogo Diablo. Aliás, seria muito bom se todas as casas de Westeros parassem de guerrear umas com as outras e se unissem contra os White Walkers. Realmente, o que vai acontecer daqui pra frente é uma incógnita. O que nos resta é acreditar que, de fato, esses seres são coisa séria.

    De qualquer forma, ainda que essa quinta temporada tenha sido morna, o maior seriado da história do canal HBO e o mais pirateado do mundo continua com sua qualidade inegável. Infelizmente, os arcos não emplacaram, muito menos empolgaram, exceto por uma vez ou outra. Porém, não se sabe o que aconteceu, uma vez que o time de roteiristas continuou o mesmo. O que mudou muito em relação às outras temporadas foi o time de diretores, sendo que muitos deles dirigiram a série pela primeira vez. Não tivemos grandes nomes como Alan Taylor (que dificilmente retornará, por ter feito filmes como Thor: O Mundo Sombrio e O Exterminador do Futuro: Gênesis), David Nutter, Michelle McLaren e Neil Marshall. Mas, ainda assim, fica aqui a curiosidade sobre qual será o desfecho dos personagens nas próximas temporadas, uma vez que deixou claro que muitos deles já fizeram as suas últimas curvas para o final da história, que deverá ser em mais duas ou três temporadas.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Estilos e Estilistas: construindo pontes entre a sétima arte e a vida

    Estilos e Estilistas: construindo pontes entre a sétima arte e a vida

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    O Cinema sempre foi e sempre será um agente instigador de suas plateias, despertando reflexões, criando tendências e inspirando comportamentos!

    Você diria que o cinema dita a moda?

    Eu penso que os personagens expõem padrões de comportamento com os quais nos identificamos, porque realmente temos semelhanças, ou porque eles refletem nosso alter-ego, aquilo que gostaríamos de ser e passar para os outros através de uma imagem, a qual se constrói, entre outras coisas, na forma como nos vestimos.

    Não se trata de julgar pelas aparências… aliás, trata-se de partir da aparência para identificar signos que se constituem em linguagem visual, porque temos cinco sentidos e nossas referências se formam através do que estes captam. Então, nossos primeiros códigos são transmitidos e decifrados pelo primeiro sentido a entrar em ação, o da visão. Não analisamos exatamente a roupa, mas o que ela diz sobre quem a veste!

    Portanto, não vou falar de moda, mas de estilo! Como disse Yves Saint Laurent: “A moda passa, o estilo é eterno”!

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    A narrativa no cinema é construída por vários elementos, entre eles o figurino, pelo qual se expõem duas dimensões, do espaço (geográfico) e do tempo (época), e se estabelecem sugestões sobre a personalidade ou o estado emocional do personagem. O figurino cinematográfico pode ter um papel objetivo, na verossimilhança histórica, cênico, dando foco à harmonia de cenários e fotografia, ou simbólico, quando atua em parceria com a linguagem dramática.

    Quando penso em estilo masculino, as imagens se misturam, porque há uma profusão de homens elegantes, na telona, retratando várias épocas e comportamentos. Mas aquele que se sobrepõe, talvez porque ao longo de décadas mantém a mesma linha de postura, (ainda que seus trajes sofram variações de peças em destaque, modelagem e paleta de cores), é o famoso protagonista da série 007.

    Imediatamente penso em Tom Ford, o estilista que assina os ternos de James Bond (Daniel Graig), desde 2008 em Quantum of Solace. Em 007 – Operação Skyfall (2012), Bond exibe nada mais nada menos que um relógio Omega Seamaster Planet Oean, e sapatos Crockett & Jones Alex, além de abotoaduras e óculos escuros do estilista já citado. A paleta de cores resume-se ao preto, azul, cinza e branco, em composições totalmente clean.

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    Mas nem sempre esta modelagem mais ajustada ao corpo representou o estilo clássico e sedutor do agente, numa linha fashion. Na verdade, esse fashionismo começa a se desenvolver a partir de 007 – A Serviço Secreto de Sua Majestade (1969), com George Lazenby substituindo Sean Connery.

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    Com uma cromática mais diversificada e peças esportivas alternando-se aos ternos, o figurino começava a abandonar o terno acinturado e com dois botões que costumavam vestir Connery, desde sua primeira interpretação em 007 Contra o Satânico Dr. No (1962), num visual de padrão britânico.

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    Já quando representado por Roger Moore, entre 1973 e 1985, 007 usava menos o terno, dando preferência a blazers e jaquetas, e em seu look seguia uma paleta com predominância dos tons verdes e castanhos.

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    Após a aparência mais discreta com Timothy Dalton, voltando aos ternos (e blazers) mas dispensando frequentemente a gravata, para adotar o desabotoar dos dois primeiros botões a camisa, a figurinista Lindy Hemming adota para Pierce Brosnan, em 007 – Contra Golden Eye, o clássico corte italiano de Brioni.

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    E já que falamos em Tom Ford vestindo o agente dos mais recentes episódios da série, como não lembrar do figurino da década de 1960, sob a responsabilidade de Arianne Phillips (indicação ao BAFTA, nesta categoria), em Direito de Amar (2009), dirigido pelo próprio?

    Embora nos créditos apareça o nome de Phillips, e não haja como negar seu trabalho incrível, é impossível não reconhecer o “traço” de Ford nos impecáveis ternos do introspectivo personagem George (Colin Firth), de modelagem ajustada, com suas gravatas slim.

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    Ainda na onda de grifes famosas e seus estilistas, Giorgio Armani fez de George Clonney sua ferramenta de propaganda, com o personagem Danny Ocean, no filme Treze Homens e Um Segredo (2007), com Louise Frogley assinando os figurinos, o que repetiu com competência em Quantum of Solance, e Homem de Ferro 3 (2013) seguindo a mesma linha de ternos impecáveis para Dr. Aldricks Killian (Guy Pearce).

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    Em 1983, na obra de Brian de PalmaOs Intocáveis, Armani já vestira Al Capone (Robert de Niro), e Marilyn Vance recebeu uma nomeação ao Oscar de Melhor Figurino.

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    Três anos antes, em Gigolô Americano, Armani recorrera ao linho italiano para os ternos desestruturados, numa combinação de tons com grande diversidade, para vestir Julian Kaye (Richard Gere). Ainda que este corte marcasse mais de três décadas passadas, e se opusesse à ajustada modelagem dos conceitos contemporâneos (continuam a lapelas e gravata finas), permanece como opção de estilo para alguns homens, sem que se perca a elegância.

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    Se o foco é a elegância masculina no cinema, e a justa menção aos estilistas e figurinistas responsáveis por isso, torna-se impossível deixar de citar a premiada e nomeadíssima Sandy Powell, que arrebatou um dos Oscar vestindo os personagens de O Aviador (2004), ambientados entre as décadas de 1920 e 1940, onde a imagem e Howard Hughes (Leonardo DiCaprio) com ternos, smokings e jaquetas de primeira linha, desfila com extrema elegância.

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    Entre as nomeações de Powell está Sra. Henderson Apresenta (2005), no qual ela segue a mesma época, ainda que com menos glamour.

    Sua constante parceria com Martin Scorsese já a incumbira antes, de vestir Gangues de Nova York (2002) (mais uma nomeação), com trajes do século XIX.

    Uma das características das gangues, seja na arte cinematográfica ou na vida real, é a identificação simbólica através da forma de se vestir, funcionando como evidência de coesão do grupo e como legenda de suas “filosofias”.

    Em Amor, Sublime Amor (1961), filme riquíssimo por sua trilha sonora, fotografia e coreografia, Irene Sharaff assina o new look que veste os Jets e os Sharks, com um padrão harmônico e colorido.

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    O Oscar de Melhor Figurino (entre os 10 que o filme recebeu), não foi o primeiro de Sharaff, pois ela já havia conquistado outro em 1951, com Sinfonia de Paris. Além da excelente verossimilhança com a época retratada, a harmonização com os cenários é simplesmente incrível! O que se pode admirar com mais precisão na longa sequência final, protagonizada por Gene Kelly e Leslie Caron, e observar que Gene começa e termina com calças mais soltas , mas camiseta colada ao tronco, além da uniformidade do peto cortada pelo branco das meias. Décadas depois, Michael Jackson viria a repetir esta combinação.

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    A propósito de gangues, quem não lembra dos excêntricos figurinos vestidos pelos Drugues em Laranja Mecânica (1971)? Claro que iria além da ousadia copiá-lo na íntegra e desfilar pelos espaços urbanos, mas elementos de referência, como a bengala, os suspensórios e o chapéu de coco, cabem perfeitamente ao estilo mais irreverente.

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    Milena Canonero começa aqui sua colaboração com Stanley Kubrick, voltando a trabalhar com ele (em parceria com Ulla-Britt Soderlund) em 1975, no filme Barry Lyndon, quando ganha seu primeiro Oscar, seguindo-se O Iluminado (1980) e o brilhante trabalho em Maria Antonieta (2006). Entre estes dois, Carruagens de Fogo (1981) mostra-nos com autenticidade os uniformes usados pelos atletas, naquela época (Jogos Olímpicos de 1924, em Paris), mas tem também os blazers em tons escuros, as gravatas finas e os cardigãs bem ao estilo britânico. Vale ressaltar que Canonero em 2014 levo o Oscar por O Grande Hotel Budapeste.

    Quando se fala em parceria direção/figurino, estabelece-se quase obrigatório lembrar de um look com formas simples e cores neutras, numa linha minimalista, como aquele que Betsy Heimann nos apresenta em Cães de Aluguel (1992) e Pulp Fiction – Tempos de Violência (1994), do diretor Quentin Tarantino.

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    Recentemente você deve ter ouvido por aí a palavra “hipster”, e talvez tenha se perguntado que moda é essa. Então… hipster não é moda! Hipster é um estilo que foge da moda! É um resgate de alguma peças retrô, numa composição quase certinha mas não alinhada.

    Ela (Her, 2013) sob a direção de Spike Jonze nos traz um mundo de tecnologia futurista, através da qual se cria a existência de um OS (sistema operacional) com inteligência e personalidade, pelo qual (neste caso com a voz feminina de Scarlett Johansson, no papel e Samantha) Theodore (Joaquin Phoenix) se apaixona.

    Theodore é o típico hipster! Como pontos fundamentais deste estilo, ele apresenta o bigode não aparado, os óculos de armação grossa, as camisas xadrez… as calças de alfaiataria, de cintura alta lançam uma nova tendência e até Brioni já aderiu a esta modelagem… outros pontos marcantes são as gravatas borboleta, os sueters e os blazers.

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    Claro que há muitos outros filmes em que os figurinos exaltam a narrativa, de forma a tornarem-se objeto de desejo de sua plateia, mas espero ter acertado naqueles que selecionei, já que questões de espaço e tempo me obrigam a reduzir a lista!

    No entanto, para finalizar, não posso deixar de visitar a década de 1950, que lançou a moda de uma peça que é uma das mais consumidas no mundo. Estou falando do jeans!

    Por ser uma lona resistente e de baixo custo, seu uso (em calças) foi adotado para a lida nas minas e nas fazendas, como criação de Levi Strauss, ainda no século XIX. Esta peça desfilou pela primeira vez nas passarelas, por volta dos anos 1970, através do estilista Calvin Klein.

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    Eu disse 1970?

    Calma! Estou me referindo às passarelas!

    No cinema, o jeans já havia representado um símbolo de revolução no comportamento masculino, quando Marlon Brando James Dean levaram às telas a rebeldia de seus personagens, quebrando padrões que inspiravam os homens e provocavam suspiros ao universo feminino.

    Stanley Kowalski (Brando) em Uma Rua Chamada Pecado (1951), transpira sua sensualidade (ainda que sob um comportamento um tanto grosseiro) na camiseta justa acompanhada pela calça jeans.

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    Em Juventude Transviada (1955), dirigido por Nicholas Ray e com figurino de Moss Marby, Dean (Jim) encorpora um jovem descolado e lança, definitivamente a febre da t-shirt, o blue-jeans, e a jaqueta de couro, peças que, até hoje, são imprescindíveis em qualquer guarda-roupa!

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    Texto de Autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | Ex-Machina: Instinto Artificial

    Crítica | Ex-Machina: Instinto Artificial

    Ex Machina - Poster

    “Life perpetuates itself through diversity and this includes the ability to sacrifice itself when necessary. Cells repeat the process of degeneration and regeneration until one day they die, obliterating an entire set of memory and information. Only genes remain. Why continually repeat this cycle? Simply to survive by avoiding the weaknesses of an unchanging system.” (Puppet Master)

    O diálogo acima referenciado ocorre quando Puppet Master, ao encontro de Major Kusanagi, nos faz refletir sobre o conceito de vida e, principalmente, o que é estar vivo. Essa é uma das grandes questões levantadas em Ghost in the Shell (1996) – filme a que pertence o diálogo acima referenciado -, Blade Runner (1982) e em diversos outros trabalhos cinematográficos e literários de ficção científica ao longo da história. Mais uma vez, é hora de revisitar tão importante e histórico questionamento, mas dessa vez essa questão nos é posta em Ex Machina (2015), filme dirigido por Alex Garland (roteirista de filmes como Dredd e Extermínio).

    O cenário para a história se passa em um futuro próximo. O jovem programador Caleb Smith (Domhnall Gleeson) é selecionado para participar de uma visita de uma semana à casa do CEO da empresa que trabalha, Nathan Bateman (Oscar Isaac), uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. Vivendo em uma casa isolada nas montanhas, Nathan convida Caleb a participar de um experimento diferente: Caleb teria que aplicar um teste de Turing em uma androide desenvolvida por Nathan, Ava (Alicia Vikander) com intuito de determinar se a inteligência artificial de Ava pode ser comparada (ou se é melhor) à de um humano.

    Nathan é um gênio alcoólatra e recluso. Caleb é um jovem inteligente e ingênuo. Ava é uma androide. Basicamente esses três personagens sustentam sozinhos todo o filme em um ambiente claustrofóbico, onde o silêncio dos personagens reverbera em seus pensamentos. Quem mais sofre com isso é Caleb, pois quanto mais se aproxima de Ava, mais ele começa a duvidar sobre si mesmo e o mundo à sua volta. Afinal, o que é estar vivo?

    A atuação de Alicia Vikander é visceral à medida que confere profundidade em sua personagem androide.Vikander é sutil e cria uma linha tênue para Nathan, Caleb e todos os espectadores ao refletir sobre a condição de Ava. Ao mesmo tempo que ela claramente não é humana, sua representação do medo, sonhos e esperanças são precisos e praticamente naturais. Nathan e Caleb são brilhantes e carismáticos, com personalidades profundas e interessantes, mas ainda assim não tão profundos quanto Ava, que nos faz ficar inquietos e ansiosos com suas nuances de personalidade.

    Ex Machina não pode ser considerado um thriller de ficção científica mainstream. Muito pelo contrário, é um filme reflexivo e provocante do começo ao final. A mistura de liveaction e CGI, a trilha sonora inquietante e a fotografia impecável fazem com que seja um filme importante na ficção científica contemporânea.

    Sua conclusão acompanha perfeitamente o compasso de toda a obra. Toda a informação que acumulamos em uma vida é apenas uma gota em um oceano de informação, de modo que, talvez, uma criatura que consiga coletar mais informação e guardar por mais tempo possa ser considerada mais do que humana? Ainda nos inquietamos com esses questionamentos e continuaremos a nos inquietar se dependermos de ficções científicas tão excelentes como Ex Machina.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Review | Outlander – 1ª Temporada

    Review | Outlander – 1ª Temporada

    outlander-primeira-temporada-posterSegunda Guerra Mundial teve seu fim e a enfermeira Claire Beauchomp  seu marido Frank Randal fazem uma viagem até a Escócia na tentativa de se reconectar. Frank, um historiador, trabalhou durante a guerra na central de inteligência do exército britânico em Londres, enquanto sua mulher foi para o “front” na França, permanecendo separados durante todo o conflito.

    Além do cenário perfeito para uma segunda lua de mel, a região de “Inverness” oferece outro grande atrativo para Frank, pois naquelas imediações viveu Jonathan “Black Jack” Randall, seu antepassado direto, um afamado capitão do exército britânico. Aficionado por sua genealogia, Frank não poupa esforços para resgatar os elos com esse antepassado ilustre que viveu a duzentos anos. Claire vê com simpatia os interesses do marido, e apesar de não compartilhar seu entusiasmo, o acompanha durante suas visitas a estudiosos locais e locais de interesse histórico.

    Em uma dessas visitas, Frank descobre “Craig na Dun”, uma colina com um monumento monolítico onde algumas mulheres locais realizam rituais pagãos. Após assistirem um desses rituais, Claire visita o monumento e inicia sua jornada ao passado, viajando no tempo para 1743, duzentos anos antes de sua estada em Inverness. Salva de um grande perigo por um grupo de rebeldes escoceses, Claire vai colocar a prova seus conhecimentos históricos.

    Apesar de sua inegável luta para voltar a seu tempo e para os braços de seu marido, a cada dia vivido no passado, Claire se mostra mais adaptada a seu novo lar. Os desconhecidos se transformam em amigos e aliados. Seus amores, alianças, opositores e desafetos cada vez mais claros. Aquele mundo é tão real quanto o pós-guerra que ela deixou ao passar pelo círculo de pedra.

    Tendo a frente Ronald D. Moore, responsável também pelo sucesso Battlestar Galactica, Outlander nos oferece personagens bem construídos que agem de forma verossímil diante daqueles conflitos. Isso é mérito também de Diana Gabaldon, autora dos livros que inspiraram a série. Embora fique claro a intenção da Starz (de Spartacus) em focar no público feminino, a atração possui a capacidade de expandir e muito seu público alvo original.

    A partir daqui a análise contém spoilers, recomenda-se a leitura após assistir a temporada.

    Uma protagonista nada comum

    Claire ficou órfã muito cedo e foi criada por seu tio Lambert Beauchamp, um arqueólogo que a levou por diferentes sítios quando menina. Essa vivência fora do que seria a civilização-padrão de sua época explica sua facilidade de adaptação quando esta se vê sem a maioria das comodidades de seu tempo.  Ela está longe de ser a típica heroína romântica que procura um amor que dê sentido a sua vida, e tem uma forte sede de independência. Conhece Frank Randal quando este procura a ajuda de seu tio Lambert para um dos artigos que está escrevendo e se casa com ele aos 18 anos. Frank também é um indivíduo autocentrado e que dá muito valor ao seu trabalho. Os dois, mesmo após o casamento, acabam viajando muitom nunca estabelecendo um lar em canto algum. Logo vem a guerra que os separa e onde Claire se sai muito bem como enfermeira. Apesar do carinho que ela sente por Frank, e deste muito lhe lembrar seu tio Lambert, nada parecem ter em comum.

    Jamie, o herói do outro lado das pedras

    Jamie é a primeira pessoa a ser contemplada com os conhecimentos médicos de Claire. Quando o grupo de rebeldes escoceses a leva a uma cabana, ele está ferido e é tratado por ela. É também ele quem divide sua montaria com a estrangeira durante todo o percurso até o Castelo Leoch. Dono de modos que contrastam com a rudeza dos homens que o acompanham, não demora até que Claire se sinta mais próxima ao rapaz.

    Jamie é filho de um escandaloso casamento. A filha mais velha dos Mackenzie, Ellen poderia escolher entre muitos noivos vantajosos, porém se apaixonou por Brian Fraser, bastardo reconhecido do senhor de Lovat, e os dois fugiram para que pudessem ficar juntos. Com certeza a história de seus pais o faz ter ideias muito próprias sobre o amor e o casamento.

    Uma lição a outros Showrunners

    Muito se discutiu acerca do uso de estupros em séries de época como recurso de roteiro graças ao tratamento dado a violência sexual em Game of Thrones. A série comandada por D.B. Weiss e David Benioff alcançou níveis de gratuidade indefensáveis na utilização de sexo e violência com o intuito de chocar o público e sem nenhuma relação com o desenvolvimento do roteiro.

    Outlander poderia facilmente cair na mesma armadilha. Ambientada em zona de guerra e protagonizada por uma mulher que é prisioneira de diferentes grupos durante a história, não seria difícil pesar nas tintas e atrair pra si o mesmo tipo de crítica que a série da HBO.

    É importante frisar que existe violência sexual em Outlander. Claire sofre ameaça de estupro mais de uma vez nessa temporada, porém o tratamento dado às cenas deixa uma coisa muito clara: nada daquilo é sobre sexo, mas sobre dominação e poder. Outra diferença gritante em relação a série da HBO, no final dessa temporada um homem é estuprado. Mais uma barreira é quebrada, a violência sexual já não é uma violência de gênero, já não se insiste unicamente na violência contra a mulher, tão comumente transformada em fetiche pela indústria pornográfica, e mais uma vez é reafirmada que a violência sexual fala de relação de poder.

    Essa passagem existe no livro A viajante do tempo, porém é contada como uma memória. Ao vê-la acontecendo em tempo real na série, e as cenas são longas e um tanto detalhadas, confesso que não me senti muito bem. Porém, apesar da minha sensibilidade pessoal ter sido ferida, artisticamente eu achei o episódio impecável. Tobias Menzies, que já tinha me impressionado bastante com seu Brutus em Roma e o para mim desconhecido Sam Heugham alcançaram um nível que vai ser difícil de ser igualado na tv.  A cena me causou uma repulsa tamanha que passei o episódio todo com enjoo. Porém todas as vezes que eu pensei, agora eu não aguento mais, tenho que afastar os olhos, a cena era cortada, o que me faz crer na competência da edição. Apesar desse tamanho desconforto, acho que é assim que a violência sexual tem que ser retratada na TV, tão hedionda e inaceitável quanto é na vida real.

    Com o equilíbrio correto entre ficção histórica e fantasia, a primeira temporada de Outlander merece destaque, bem como a leitura dos livros de Galbadon,  atualmente reeditados pela Saída de Emergência.

     –

    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.

  • Crítica | God Help The Girl

    Crítica | God Help The Girl

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    Baseado num álbum produzido, escrito e composto por Stuart Murdoch (Belle e Sebastian) em junho de 2009, God Help the Girl é um daqueles musicais que trazem um escopo sonoro próprio, detalhe que ajuda significativamente em criar uma identidade para a produção. O filme não tem o esmero na coreografia que os clássicos de Hollywood têm, nem é adaptação de peça da Broadway, mas encontra seu caminho engatinhando entre elementos que compõem essas dois aspectos. O Carisma e o visual de Emily Browing nas performances dão o clima IndiePop da produção.

    Produzido via crowdfunding no Kickstarter e lançado em 2014, o filme inicia com uma conversa entre duas pessoas sobre música. Você não sabe exatamente do que se trata, até que o escuro desaparece e percebemos que é um rádio tocando, daí sim esse musical abre com uma bela música interpretada pela belíssima Eve (Emily Browing) que parece estar fugindo de algum lugar à surdina. Ela encontra James (Olly Alexander), um músico amador que dá abrigo para a garota que passa mal durante um show em Glasgow. Mais tarde esses dois se juntam a Cassie (Hannah Murray), para quem James dá aulas de música e formam uma banda, ou algo que você pode relacionar com uma banda.

    As primeiras músicas dizem mais sobre o progresso da história do que os diálogos expositores entre os personagens. Podemos sentir que até certo ponto cada uma delas é maior que a outra, como se estivéssemos ouvindo uma única corda e acrescentando as outras progressivamente. Elas falam unicamente de Eve, que a todo o momento é o centro da história. Existe uma fragilidade na personagem que vemos em maior ênfase em uma das cenas, porém a escalação de Browing para o papel deixa essa característica muito mais acentuada nos olhares, gestos e na maneira que algumas vezes ela é sempre filmada acentuando a sua altura, que é visivelmente menor em relação a qualquer outro ator no filme. Ela em si é tão fantástica que não parece existir. Convida-se a vida de James e Cassie como um catalizador de um desejo comum entre eles; fazer música. E é nessa tomada que vemos como as faixas e a forma como as cenas musicais são dirigidas passam a crescer, tudo ali é surreal mesmo com o pé no chão. Os instrumentos á mais aparecem do nada e os cortes ficam mais livres para dar espaço para coreografias simples e divertidas entre eles.

    A história proposta pela produção é muito simples, brinca com alguns clichês românticos entre as cenas, além de envolvê-la em algo juvenil pela ausência de figuras de autoridade ou paternas para guiar os protagonistas. Eles mesmos fazem seu caminho e tomam decisões. Como um dos personagens mesmo diz o filme parece “ser algo bem pretensioso, mas um bom pretensioso”. Existe uma discussão ao final sobre o que é fazer algo simplesmente por diversão e o que acontece quando uma das pessoas acaba levando tudo a sério demais. Em parte ela sustenta o filme todo levando em consideração que o próprio Murdoch provavelmente não irá dirigir mais nada depois disso, fazendo God Help The Girl parecer um sonho especial:  doce, agradável, e que deixa sua trilha ecoar nos ouvidos.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • 10 Filmes com a temática Rock’n Roll

    10 Filmes com a temática Rock’n Roll

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    Dia 13 de Julho comemora-se o dia mundial do Rock, e pensando nesta data comemorativa, os redatores do Vortex Cultural preparam uma lista com seus filmes preferidos com a temática do estilo musical mais agressivo de todos. Aperte o play e bata cabeça com muita força.

    Rock Star (Stephen Herek, 2001) – David Matheus Nunes

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    Produzido por George Clooney, Rock Star, inicialmente, contaria a história do vocalista Tim “Ripper” Owens ao entrar para o Judas Priest, sua banda preferida, substituindo o “Metal God”, Rob Halford. Porém, a própria banda resolveu vetar o uso da história e o uso do nome, após ter acesso ao roteiro, muito divergente dos reais acontecimentos. A premissa é bem parecida com a história de Ripper e mostra Chris Cole (Mark Wahlberg) liderando a Blood Polution, uma banda tributo (muito diferente de banda cover) ao Steel Dragon, sua banda preferida. Acontece que os músicos da Blood Polution estão cansados de tributar o Dragon e querem escrever suas próprias músicas e Chris acaba por ser demitido e enquanto começa a procurar integrantes para uma nova banda, junto com sua namorada e empresária Emily (Jennifer Aniston), recebe uma ligação de Kirk Cuddy (Dominic West), guitarrista do Dragon, o convidando para uma audição. A cena do teste em questão é muito bonita e mostra Chris cantando uma das melhores músicas do Dragon, a balada We All Die Young. Até aqui, o filme corre muito bem, mas começa a perder a qualidade, sendo reduzido praticamente ao nível do filme paródia This Is Spinal Tap (muito bom por sinal). As situações e clichês, como o jovem-fã-que-entra-pra-banda-dos-sonhos-e-que-vira-astro-do-rock-e-que-se-perde-na-vida não se sustenta e o que segura, de fato, o filme foi a super produção empregada ao longa. As cenas em que o Steel Dragon está no palco são do mesmo nível de produção dos shows do Kiss, por exemplo. Além do mais, as composições da banda são ótimas e tocadas por grandes astros da música na vida real, como Zakk Wylde, Jason Bonham, Jeff Pilson (respectivamente guitarrista, baterista e baixista do Dragon), Jeff Scott Soto, Miles Kennedy e Michael Matijevic, que emprestaram suas vozes para as músicas do Dragon.

    A Todo Volume (Davis Guggenheim, 2008) – Almighty

    Jack White, Jimmy Page, The Edge

    A guitarra é o símbolo do rock, mas a paixão pela música vai muito além das seis cordas. Neste interessante documentário, temos o ponto de vista de três grandes guitarristas do rock, pertencentes a épocas diferentes: Jimmy Page (Led Zeppelin), The Edge (U2) e Jack White (White Stripes). De início, cada um é mostrado separadamente, expondo suas idéias e preferências. Mais adiante, os três se encontram para conversar sobre música em geral, e aí vemos o quão eles são apaixonados pelo que fazem.

    The Doors (Oliver Stone, 1991) – Bruno Gaspar

    The Doors

    Numa jornada com alguns pontos de licença poética, o filme de 1991 dirigido por Oliver Stone conta a história do jovem Jim Morrison, vocalista do grupo que forma a banda The Doors, durante sua jornada de ascensão e declínio, levando a alguns pontos de sua infância, os problemas como que viriam a transformar Morrison, interpretado por Val Kilmer, levando-o ao alcoolismo, drogas e feitiçaria. O filme, passado nos meados de 1965, tem início com a chegada do cantor na California e conta com sua passagem pela universidade (UCLA), até a origem da formação da banda, junto com Ray Manzarek, Robbie Krieger, e John Densmore, no que seriam os primeiros shows da banda no clube “Whisky a Go Go“, onde conseguem uma boa popularidade e montam sua base inicial de fãs. Atingindo o sucesso, este sobe a cabeça de Morrison, deixando-o num especie de estase emocional cheio de confiança e poder que chama de “The Lizard King“, fase que inicia o onda de consumo extensivos de drogas psicodélicas, bebidas alcoólicas e até seções de magia negra, tornando-se relapso e um problema para a banda, perdendo gravações e ensaios, até o incidente onde tem seus shows cancelados devido a problemas judiciais. No fim, Jim Morrison é encontrado pela companheira Pamela Courson morto aos 27 anos de idade na banheira do quarto em Paris. O filme tem como base Morrison, focando em fases da vida que dera o nome a ele e a banda com suas influências no Blues, Jazz e Hard Rock, e não tem vergonha de falar sobre sua vida, mostrando sua carreira em um tom mágico e ao mesmo tempo trágico, bem como nas viagens de ácido, encarando seus tropeços como algo bem pé no chão, que realmente aconteceu na vida do artista, sem amenizar sua presença ou exagerar a ponto de tornar as drogas algo bom ou interessante para o público.

    Sid e Nancy (Alex Cox,1986) – Bernardo Mazzei

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    Dirigido por Alex Cox, o filme retrata o destrutivo romance de Sid Vicious, icônico baixista da banda Sex Pistols, com a groupie Nancy Spungen. Com atuações marcantes de Gary Oldman como Sid e de Chloe Webb como Nancy, a fita narra em paralelo o início do romance do casal e a onda punk que tomou conta da Inglaterra no final dos anos 70 e posteriormente toda a espiral de sexo, drogas e punk rock em que a dupla entrou, com a consequente morte de Vicious por uma overdose de heroína e a até hoje nebulosa morte de Nancy. Com uma excelente trilha composta por Joe Strummer do The Clash – que devido a limitações contratuais só deveria contribuir em duas canções, mas acabou participando de muito mais usando nomes falsos de bandas – e pela banda The Pogues, Sid e Nancy é um filme visceral, poderoso e muito triste, mas que merece todo os elogios e o status que hoje possui.

    Loki (Paulo Henrique Fontenelle, 2008) – Almighty

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    O limite entre a loucura e a genialidade se define por Arnaldo Baptista. O músico que fez história n’Os Mutantes tem aqui um belo apanhado de sua vida e carreira, cujo título faz referência ao seu álbum solo mais emblemático. Vários famosos dão seus depoimentos sobre Arnaldo, inclusive o irmão Sérgio Dias, Gilberto Gil, Tom Zé, Nelson Motta, Sean Lennon e muitos outros. Rita Lee se absteve nesta parte, mas permitiu o uso de sua imagem no documentário. É muito interessante que Arnaldo vive em um mundo próprio dele, mas ao mesmo tempo é lúcido, esbanja talento e carisma. Sua história é cativante e sua obra fascinante.

    Quase Famosos (Cameron Crowe, 2000) – David Matheus

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    Mais um road trip e dos bons. Quase Famosos é um filme parcialmente biográfico, escrito e dirigido por Cameron Crowe, onde ele conta a sua história, que, na película, é vivida pelo jovem William Miller (Patrick Fugit), um adolescente que consegue um estágio na revista Rolling Stone e precisa acompanhar a turnê de uma banda de rock em ascensão, a Stillwater (que na vida real, foi o Led Zeppelin), com o objetivo de conseguir uma entrevista exclusiva. O filme ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original, em 2001 e teve mais outras 3 indicações, sendo elas, duas de Melhor Atriz Coadjuvante para a excelente atuação de  Frances McDormand (Elaine, mãe de William) e Kate Hudson e outra de melhor edição. A produção cativa do começo ao fim, mostrando a “emancipação” do jovem William que se torna um homem em poucos meses durante transcorrer da fita e a transformação dos personagens que o rodeiam. É possível perceber o crescimento intelectual do garoto por causa do mundo do rock, cheio de drogas, bebidas e sexo, aqui estabelecido muito sutilmente e sem nenhum tipo de apelo (mérito do roteiro e da direção de Crowe) pelas várias groupies que acompanham a banda, entre elas, seu primeiro e platônico amor (e também o primeiro amor de Crowe), Penny Lane, vivida por Kate Hudson e dos diversos momentos em que passou junto de seus editores e, principalmente das diversas (e ótimas) situações ao lado da banda, que aqui, não se resume somente ao Led Zeppelin, já que a Stillwater concentra outras bandas e suas diversas situações em que Crowe passou ao lado delas. Obrigatório se você é roqueiro ou não.

    Detroit Rock City (Adam Rifkin, 1999) – Bernardo Mazzei 

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    Dirigido por Adam Rifkin e estrelado pelo eterno John Connor Edward Furlong, Detroit Rock City é situado no ano de 1978 e narra a alucinada saga de 4 amigos fãs da banda Kiss para chegar em Detroit, cidade onde a banda fará um grande concerto. O ponto de partida para a empreitada ocorre quando Jam consegue 4 ingressos para o show que acontecerá no Cobo Hall, mas sua mãe, uma fanática religiosa os destrói e o grupo de amigos resolve que assistirá o show mesmo que isso coloque suas vidas em risco. Com diálogos divertidos, situações engraçadas (incluindo uma perda de virgindade com uma personagem interpretada por Shannon Tweed, musa de filmes eróticos e esposa de Gene Simmons, um dos líderes do Kiss), várias participações especiais e uma trilha sonora composta por covers inspirados da banda, Detroit Rock City é bastante divertido e merece uma conferida.

    Pink Floyd – The Wall (Alan Parker, 1982) – Bruno Gaspar

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    Escrito por Roger Waters e Dirigido por Alan Parker, o filme baseado no álbum homônimo de 1979, conta com uma visão de Waters em cima de sua própria experiência sobre o que seria o sucesso de uma pessoas e como ele pode ser visto por seus seguidores. Utilizando de tons metafóricos ricos em simbologias visuais, a trajetória de Floyd Pinkerton, ou simplesmente Pink, um astro do rock recluso e depressivo é levado ao ponto máximo de sua insanidade e acaba por se isolar do mundo para se proteger, construindo um muro ao seu redor. O filme é um musical, utilizando das canções contidas no álbum com montagens alegóricas filmadas em live-action sendo alternadas por recursos de animações 2D elaboradas pelo cartunista Gerald Scarfe para contar a trajetória do personagem principal. Tendo seu pai morto em combate na Segunda Guerra Mundial, Pink é um garoto de passado conturbado criado por uma mãe super protetora, fontes que dão inicio as desilusões de sua vida, que iriam se manifestar definitivamente quando adulto ao descobrir que sua esposa estaria tendo um caso e acaba perdendo a sanidade. Raspando todos os pelos do corpo, Pink adota uma postura Neo-Nazista por conta de seu estado mental, mas tem suas ações reprimidas com a ajuda de drogas pesadas, aplicadas por seu agente, para que possa se apresentar em seu show. Porém, estas permitem que Pink fantasie em meio a sua apresentação uma realidade a qual se torna um ditador e seus seguidores o público presente, atendendo a ataques e rebeliões de cunho racistas e intolerantes. Pink não consegue conter tanta informação, sufocado pelas drogas e desilusões, acaba se vendo em meio ao julgamento de suas ações em meio àquela realidade ilusória, onde é condenado a ter os muros que o protegem da humanidade destruídos, destruindo assim também a Pink. Apesar de parecer confuso, o filme é uma desconstrução do artista, mostrando suas facetas e idéias deturbadas com a mistura de sucesso profissional e derrota na vida pessoal, uma ideologia apresentada de forma surreal com um toque de didática e comédia, sem ser gratuito, que pode ser encontrada presente na história de tantos grandes artistas reais.

    Anvil! A História de Anvil (Sacha Gervasi, 2008) – Almighty

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    A banda canadense Anvil surgiu no final dos anos 1970, gravou muitos discos, mas nunca atingiu grande sucesso comercial. Pelo contrário, os membros passaram grandes dificuldades para manter o sonho de continuarem na estrada, e quase desistiram inúmeras vezes. O mais bizarro é que incontáveis bandas foram influenciadas por eles e muitos não entendem o porquê do fracasso comercial dos canadenses. É isso que será explicado neste documentário. Iremos acompanhar o cotidiano dos membros do Anvil intercalados com depoimentos de Lemmy (Motorhead), Scott Ian (Anthrax), Slash (Guns’n Roses), Tom Araya (Slayer), dentre outros monstros do rock e heavy metal. O desfecho é, no mínimo, emocionante. Os fãs de música pesada têm a obrigação de assistir a este documentário e, óbvio, correr atrás da discografia do Anvil.

    Ainda Muito Loucos (Brian Gibson, 1998) – David Matheus Nunes

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    O canto dos cisnes do diretor Brian Gibson, falecido em 2004, conta a história da banda fictícia, Strange Fruit, muito famosa nos anos 70, cujo último show nem chegou a passar da primeira música por conta dos desentendimentos de seus integrantes. Muitos anos se passaram até que o tecladista, Tony Costello (Stephen Rea) decide trazer o grupo de volta à vida, chamando os integrantes um a um. No decorrer de sua viagem pelas ilhas britânicas, percebe-se que todos os integrantes estão praticamente falidos e vivem uma vida muito diferente da que levavam como astros do rock, exceto o vocalista, Ray (o ótimo Bill Nighy), o único ainda milionário e um dos causadores dos problemas da banda, uma vez que é orgulhoso e não divide em hipótese nenhuma os vocais com o baixista Les Wickes (o cantor e baixista Jimmy Nail), além de não ter sido muito aceito pelos outros membros do grupo por ter substituído o vocalista original, falecido ainda no auge da banda. O filme não é uma obra prima, mas é uma divertida “história de estrada” mostrando a banda cruzando a Europa dentro de um ônibus velho, todos com a chamada “crise dos 50”, fazendo shows em casas muito pequenas, passando todos os perrengues que as bandas iniciantes passam e o destaque fica pras músicas tocadas pela banda que, infelizmente, sofrem uma dublagem mal feita quando estão no palco. Porém, é possível ter acesso à trilha sonora que é muito boa, com as músicas do Strange Fruit, muitas delas compostas e cantadas por Bill Nighy (um lado desconhecido do ator) e Jimmy Nail, o que vale muito a pena.

  • Crítica | Acordes do Coração

    Crítica | Acordes do Coração

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    Kandinsky disse que o Artista que não exerce sua arte é um escravo preguiçoso. Repetir mecanicamente algo até esquecer que já está fazendo há horas é a vida de qualquer pessoa dedicada a seja lá o que for É essa dedicação que vemos desde a escolha do pequeno Paul Boray (John Garfield) ao violino ao invés de um taco de baseball nos primeiros minutos de Humoresque (Acordes do Coração, no Brasil). A peça de Antonín Dvořák dá título ao filme, dirigido por Jean Negulesco, e é o primeiro nome que me vem à lembrança quando penso em um romance clássico de Hollywood. Não só Joan Crawford e John Garfield estão em performances memoráveis, mas as marcantes passagens musicais conduzidas pela orquestra nem sequer são percebidas como um recurso individual: ela é uma personagem viva e forte que dá o tom e vida às relações humanas desse filme, percorrendo trechos de Tristão e Isolda de Wagner, CarmenTchaikovsky, entre outras obras interpretadas por Isaac Stern e conduzidas e compostas por Franz Waxman.

    Trata-se de uma história muito simples; o violinista Paul Boray, com o desejo de ajudar sua família, conhece a rica patrona das artes Helen Wright (Crawford), que lhe apresenta as pessoas certas e consegue a oportunidade que Paul precisava para provar ser um grande violinista. No meio de tantas coisas boas, o músico acaba se apaixonando pela forte personalidade e beleza de Helen, que é casada.

    Com diálogos afiados de ironia e cinismo, é difícil perceber que suas duas horas de duração passam como um sopro. O diretor pouco deixa a câmera passear entre as cenas ou se estender em longas tomadas em silêncio. Na verdade, Humoresque se atenta em estar dinâmico a todo momento fazendo uso de fade ins e fade outs para manter as passagens de tempo presentes na história, mas não lhes tirando o foco da mesma. Ele igualmente realça o dinamismo das cenas com certo preciosismo nas escolhas dos diálogos e gestos que cada um dos personagens mostram em suas interpretações.

    O trabalho de Oscar Levant como Sid, o pianista falastrão que possui as melhores sacadas do filme, e de todo o elenco de apoio só acrescenta na qualidade dos diálogos e na imersão que o filme produz. Paul Cavanagh, o marido de Helen, aparece em apenas três diálogos, e você compreende perfeitamente a condição de pessoa já amadurecida e sem rumo que ele transparece. O filme é todo fotografado desde seu início com certa sobriedade, que me lembra do cinema noir, principalmente pelos diálogos. Mas é na escuridão da maioria dos cenários que é possível absorver esse tipo de atmosfera, principalmente nas cenas em bares.

    Mas apesar de tudo isso, a tragédia é o maior tema desse romance impossível. Na verdade trata-se de um triângulo amoroso entre um homem, seu violino e uma mulher… e o violino vence. Artistas acabam dedicando suas vidas a fazer algo muito maior que o próprio viver, pelo simples desejo de fazer. Isso torna todas as coisas horrivelmente simples, com causa e efeito. E Joan Crawford é eternamente marcada como o mais doce sonho intocável que se esvai aos poucos, deixando suas pegadas na história do cinema com essa melodia em preto e branco.

    É certamente atemporal.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Minions

    Crítica | Minions

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    Meu Malvado Favorito foi uma grande surpresa de público, e provavelmente nem os mais otimistas acionistas da Illumination Entertaiment — produtora que, além da franquia composta pelos Minions e o malvado Gru (Steve Carrel), possui apenas filmes de público médio-baixo em seu currículo — imaginariam. Fora o sucesso de público, que alcançou seu ápice com Meu Malvado Favorito 2 e seus retumbantes US$ 970 milhões alcançados mundialmente, e com a memeficação dos Minions, realizar uma prequel que explica como Gru encontrou seus capangas favoritos era questão de tempo.

    Apesar das animações de gosto duvidoso, o uso dos bichinho sem vocabulário é um acerto comercial de alto valor por parte do estúdio, pois trata-se de uma eficiente forma de comunicar-se com seu principal público: crianças pequenas. É obviamente um produto muito diferente de sua concorrente atual Divertida Mente, filme da Pixar com ambições muito mais elegantes e ousadas, e por isso mais restrita em público. Se a animação da Pixar foi capaz de fazer crianças chorarem com o desaparecimento de um querido personagem, Minions sequer arranha emoções muito profundas, ou mesmo uma profunda alegria.

    A aventura sobre a busca de um vilão mestre ao qual possam servir culmina no embate dos pequenos contra a vilã Scarlet (Sandra Bullock na versão original, e Adriana Esteves na dublagem nacional) e seu marido Herbert (John Hamm na original, e Vladimir Brichta na versão nacional), e busca desde o início incendiar-se feito rastilho, usando o característico déficit de atenção dos Minions para garantir que a cada período específico de tempo o cenário mude para um próximo e com ação ainda mais estridente. Esta estratégia é comum em animações que tentam seguir o ritmo de desatenção das crianças e falar a linguagem de seus espectadores, hoje acostumados com emojis e memes, seguindo para uma comunicação mais próxima do grunhido.

    Longe de lembrar a qualidade do humor físico de Looney Tunes e seus pares, a característica periódica dos acontecimentos pode afetar a a simpatia dos mais atentos, já que garante a certeza e previsibilidade de quase tudo o que se passa em tela, enquanto as piadas de duplo sentido, que têm os adultos como alvo, soam apenas enfadonhas e deslocadas.

    Assim, o ritmo não é frenético como se espera, e em comparação com a excelente trilha sonora — que passa por The Police e se concentra em The Beatles para ornar com o cenário —, falta harmonia entre as diversas notas que o filme gostaria de alcançar.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Samba

    Crítica | Samba

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    O segundo filme da parceria entre Omar Sy e os diretores Eric ToledanoOlivier Nakache, do drama Intocáveis, e que foi exibido durante o festival de Toronto de 2014, não poderia ter saído em melhor sincronia com a discussão de seu pano de fundo: imigração. Recentemente, autoridades europeias foram questionadas em relação ao tratamento dado a imigrantes, principalmente aos refugiados de guerra, sendo essas indagações envoltas em polêmicas que beiram o higienismo cultural por parte de autoridades.

    Dentre os países com histórico de lutas étnicas, a França se destaca por ser lar de diversos grupos africanos, em especial os argelinos, por depender destes grupos para execução de trabalhos de menor reconhecimento e, na medida dessa dependência, desprezar essas pessoas. País onde imigrantes são renegados a guetos, sem possibilidade de constituir cidadania, e sofrendo preconceitos diversos com índices de desemprego de jovens na faixa dos 40%, a terra do Iluminismo e lugar que outrora gritou “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” lança um olhar blasé sobre os conflitos que ocorrem nestes bairros argelinos — com uma última grande onda de revoltas ocorrida em 2007. Ainda hoje, movimentos da direita conservadora francesa, liderada pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy, argumentam sobre a necessidade de regulação no livre trânsito pela União Europeia, e atribuem à imigração seus déficits e crises financeiras, atitudes as quais instigam a revolta daqueles que, apesar de franceses, carregam em sua ascendência o estigma do preconceito.

    O filme inicia-se com a câmera passeando em plano sequência pelas áreas de um bonito salão de festas, depois o restaurante, a cozinha, o lavatório, e mostrando como as oportunidades aos imigrantes cresce em proporção direta ao nível de afastamento do público. Nesta cena, somos apresentados ao lavador de pratos Samba (Omar Sy). Como a dança, um imigrante senegalês que se encontra já há 10 anos na França, e nestes 10 anos pôde ver suas oportunidades de crescimento sendo retiradas uma a uma. Pessoas invisíveis vão se criando, de modo a tornarem-se irrelevantes. Quando em situação ilegal, devem evitar trens e locais de grande circulação de pessoas para fugir de prováveis batidas policiais. Seus traços étnicos são vistos com maus olhos, inclusive entre seus pares, e o conselho básico é tentar renegar suas origens até perder-se em uma caricatura europeia.

    Neste contexto, devido um problema de documentação, Samba é detido e aguarda julgamento sobre sua situação no país, tendo como único auxílio a ajuda de voluntárias de uma ONG de atendimentos a imigrantes, entre elas Alice (Charlotte Gainsbourg, de Ninfomaníaca) em seu primeiro dia de atuação. Para ela, o conselho dado é não se envolver, porém a atração imediata entre Alice e Samba origina o romance que dá o tom a mudanças de perspectiva dos personagens. A relação entre o casal protagonista é delicada, pois Alice atua sob licença de seu antigo emprego, no qual sofreu uma espécie de burn out em uma crise nervosa, e desta forma tornou-se incapaz de sentir. Já Samba desde sempre percebeu que o envolvimento implica em perdas, com amigos e romances perdendo-se entre deportações e prisões.

    O romance é construído sutilmente, de modo a torná-lo consequência da quebra de expectativa que a vida provê a esses dois personagens, e de modo a considerar uma interdependência emocional entre ambos. Esta dependência é construída por meio de um carinho desajeitado, o que se espera de pessoas que em situações habituais de vida nunca se encontrariam. Charlotte é uma escolha excelente para o papel, pois é capaz de apresentar uma cotidiana meiguice a sua personagem, exaltada principalmente pela atenção que a câmera dá ao seu olhar. É possível perceber sua quebra interna a partir dos gestos, hoje desajustados, e da indicação de uma pressão interna insustentável em seu semblante de decepção diante de qualquer interação. Evoluindo ao longo da projeção, Alice torna-se uma pessoa leve e capaz de rir do mundo e de si mesma, em especial quando em contato com Samba, que em sua honestidade e simplicidade reluta em compreender os rumos desse romance.

    Com uma edição ágil, excelente elenco e bons toques de humor, a imigração e a solidão da vida são tratados de maneira leve, sem perder de vista a seriedade de seus temas centrais, usando o casal protagonista para traduzir a confusa e profunda relação entre seus representantes sociais. O Brasil encontra-se também representado, mesmo que de maneira indireta, no papel de Wilson (Tahar Rahim). Sedutor e alegre, torna-se amigo de Samba na busca por um emprego digno, incorporando o estereótipo do bom brasileiro em seu trato com as pessoas. É interessante este depoimento espontâneo sobre a nacionalidade brasileira na França, considerada como um lubrificante social em uma atmosfera tão segregadora. O país é também homenageado ao bom som de Palco de Gilberto Gil, e pela bem pontuada Take it Easy, My Brother Charles, de Jorge Ben.

    É inevitável pensar como a criação de fronteiras, estas linhas imaginárias visíveis apenas em papel, torna acidentes geográficos tão maiores do que relações humanas, e conduz pessoas a condições determinísticas de subclasse mantendo-se pela esperança. Esperança, cantada por Jorge na visão que o primeiro homem pisando na lua se sentiu com direitos, princípios e dignidade. Exatamente como deveria ser.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Os Olhos Amarelos dos Crocodilos

    Crítica | Os Olhos Amarelos dos Crocodilos

    Os Olhos Amarelos do Crocodilos

    Com lançamento para o dia 2 de julho, o drama Os Olhos Amarelos dos Crocodilos é o terceiro longa de Cécile Telerman, e conta no elenco com Emanuelle Béart e Julie Depardieu como as protagonistas Josephine e Iris.

    O filme abre com uma bela e colorida cena na praia. Nela, vemos duas meninas (Josephine e Iris) planejando seu castelo de areia enquanto conversam e planejam coisas juntas, mas, de repente, seu pai aparece com uma filmadora registrando suas filhas brincarem na praia. Nesse exato momento você tem um registro claro da personalidade das duas irmãs; enquanto Josephine esconde o rosto quando seu pai pede para que elas sorriam, Iris logo faz poses e se exibe para a câmera. E durante as próximas duas horas Cécile Tellerman irá fazer um estudo dessas personagens a partir dessa cena.

    Na trama, Jo (Julie Depardieu) acaba de se divorciar do marido, Antoine, que era a única fonte de renda da casa para ela e suas duas filhas. Logo, a mãe sem recursos volta a trabalhar como tradutora no escritório do genro Philippe. Enquanto isso, sua irmã Iris (Emanuelle Beart) passeia e vai a encontros sociais nos mais diversos lugares, onde num deles acaba inventando que está trabalhando num projeto de livro sobre um comerciante na Idade Média, tema essa roubado da pesquisa de mestrado de sua irmã Jo.

    A produção constrói toda a narrativa principalmente acompanhando a vida de Josephine e de Iris, fazendo algumas raras e rápidas exceções durante o trajeto para acompanhar isoladamente o que aconteceu com alguns dos personagens, e isso traz uma dinâmica interessante porque em alguns momentos os dois núcleos se unem e depois voltam a se entrelaçar. Apesar de ser um drama, ele ainda possui alguns momentos divertidos interpretados por Julie Depardieu, que sempre parece estar abobalhada em muitas das cenas, mas que não fazem contrapeso nenhum com a seriedade do longa. Apesar disso, Depardieu entrega uma performance muito humana como a mãe que possui o objetivo de cuidar de sua família. Os bons diálogos ficam na verdade na boca da filha de Jo, Hortense (Alice Isaaz), que tem as sacadas mais irônicas e provocativas, e que realmente parece uma adolescente de saco cheio de tudo.

    O único personagem que aparenta não estar confortável em seu papel é Philippe (Patrick Buel), o marido de Iris que aparece em quase todo o filme com o mesmo semblante cansado e desencantado. Mas, pensando melhor é plausível a partir do momento que percebemos a condição desgastante em que seu personagem vive, tendo como única alegria a presença de seu filho. O ponto que realmente incomoda é talvez a trilha sonora que aparece em intervalos muito grandes e que não tem de fato papel diferencial na obra, deixando espaço para boas interpretações.

    Os Olhos Amarelos dos Crocodilos possui um cuidado em sempre fazer todas as cores parecerem muito vivas, mesmo em cenas escuras podemos ver ondulações e tons quentes em alguns pontos em que cada cena é fotografada. É um drama simples que fecha um ciclo (não a história), e que fala sobre comportamento e sobre você aceitar suas atitudes e tomar outras. É o tipo de experiência que, apesar dos defeitos, só funciona numa bela tela de cinema.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • O Caso dos Mais Vendidos

    O Caso dos Mais Vendidos

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    Há um grande mistério na prateleira dos romances policiais, e não se trata de uma nova onda de crimes ou de mais um serial killer. A questão está mais ligada a títulos, autores e editoras do que propriamente aos atos ilegais e aos corpos espalhados pelo caminho. Se o leitor se dispuser a olhar as listas dos mais vendidos dos gêneros Crime-Suspense-Mistério, vai certamente notar que a esmagadora maioria vem de autores estrangeiros.

    Se espiarmos a lista na Amazon, encontraremos Agatha Christie, Ian Fleming, James Paterson, Stieg Larsson, Patricia Cornwell, Nora Roberts, Harlan Coben, George Simenon e Arthur Conan-Doyle entre os primeiros. Bem depois, esbarraremos em alguns conhecidos locais. Tal observação permitiria constatar que esse tipo de literatura só sobrevive à custa de escritores norte-americanos, ingleses, escandinavos, franceses… Mas rezam as cartilhas do romance policial que as primeiras pistas não são suficientes para solucionarmos o caso.

    Deixemos de lado a hipótese derrotista (“autor policial brasileiro não vende”) e arrisquemos uma pergunta em forma de paradoxo: os estrangeiros aparecem mais na lista porque vendem mais, ou vendem mais porque aparecem mais na lista?

    A pergunta se justifica por um dado. Dos quase 61 mil títulos lançados no país em 2014, apenas 9,7% foram traduções. Quer dizer: nove em cada dez livros no mercado são assinados por autores brasileiros. Os dados são de uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), encomendada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros. O estudo não detalha se essa proporção se mantém em Crime-Suspense-Mistério, e se isso acontecesse, aí sim, teríamos um resultado alarmante para os escritores nacionais: venderiam muito pouco se comparados aos colegas gringos.

    Mas não se pode afirmar isso por causa de outro fator: nos catálogos das editoras, raros são os autores nacionais nos gêneros em questão. Claro que essas informações não estão reunidas e sistematizadas, mas podem ser facilmente acessadas nos sites das editoras. Não são muitas as casas que se dedicam a esses livros (Record, Cia das Letras, L&PM, Benvirá, etc.), e elas têm historicamente priorizado a compra de direitos de tradução em vez de apostar em talentos locais. Na Suma de Letras, por exemplo, estão nomes como Michael Connelly e Stephen King (mesmo que este esteja mais para o terror que o policial). A Editora Record investe em Jo Nesbo, Andrea Camilleri e James Ellroy, e até mesmo reedita os suecos ancestrais Maj Sjöwall e Per Wahlöö. Para julho deste ano sai o novo livro de Marcos Peres, ganhador do Prêmio Sesc de Literatura e finalista do Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura, o romance policial Que fim levou Juliana Klein?. Para além de Peres, André Amado e Al Gomes, quais são seus principais nomes nacionais no gênero?

    A Cia das Letras dedica fatia um pouco mais generosa às apostas brasileiras com Luiz Alfredo Garcia-Roza, Jô Soares, Raphael Montes, Tony Bellotto. A Intrínseca tem a série com o jovem Sherlock Holmes, e a Arqueiro prefere os best-sellers: é assim com os carros-chefe Dan Brown, James Patterson e Harlan Coben. Ano passado, a Arqueiro também organizou encontros de literatura policial pelas livrarias do país para promover as obras de seu catálogo.

    Outras editoras criam selos e coleções que só publicam autores não-brasileiros e ignoram a produção local do gênero. Nova Fronteira, Zahar, Globo Livros, Alfaguara e L&PM se concentram em títulos clássicos (com séries belíssimas de Agatha Christie, Raymond Chandler e Conan Doyle), e a Vestígio, do grupo Autêntica, investe em nomes mais contemporâneos. Na Rocco, há nomes estrangeiros e poucos nacionais no catálogo: de Benjamin Black, passando por Sophie Hannah, JK Rowling e Ruth Rendell a Patricia Melo, Luís Dill e Flávio Carneiro. A editora Planeta publicou o primeiro policial de Mario Prata (que escreveu mais um pela Leya) e um livro do paulista Roger Franchini. E pela Belas-Letras saiu, neste ano, Pólvora, do cantor Tico Santa-Cruz. Finalmente, na Editora Draco encontramos uma seleção de autores nacionais com romances e contos policiais comercializados, como Carlos Orsi e Cirilo L. Lemos. A maioria está disponível apenas em formato digital, e quem não tem um e-reader acaba não descobrindo o catálogo.

    As editoras brasileiras não abrem tanto espaço para autores nacionais por questões estéticas? Isto é: o gênero policial não funciona por aqui? As obras de Rubem Fonseca, Patrícia Mello, Marçal Aquino, entre outros, já mostraram a que vieram. Foram reconhecidas pela crítica e pelo público, e encontraram um lugar na literatura urbana contemporânea.

    As editoras brasileiras não publicam autores nacionais por razões mercadológicas? Quer dizer: o gênero não vende? Besteira. Leitores brasileiros continuam a consumir casos e mistérios, tanto em versões impressas quanto eletrônicas, apesar de estarem soterrados sob toneladas de filmes, seriados, programas de TV e outros produtos que nos impelem a descobrir os culpados dos crimes. Dias Perfeitos, de Raphael Montes, por exemplo, já foi editado em diversos países e, em breve, deve sair em Taiwan e Hong-Kong. O Matador e Elogio da Mentira, de Patricia Melo, já têm edições romenas!

    Raphael Montes

    Raphael Montes, autor de Suicídas e Dias Perfeitos

    Voltemos ao paradoxo, o mistério que nos trouxe até aqui: os estrangeiros aparecem mais na lista de best-sellers porque vendem mais, ou vendem mais porque aparecem mais na lista?

    Arriscamos dizer que as editoras brasileiras têm investido menos do que poderiam na safra de autores nacionais do gênero. As razões para isso estão mais nos temores financeiros que estéticos. Os motivos estão mais no conservadorismo e no oportunismo de mercado do que propriamente na qualidade dos originais recebidos. Afinal, para qualquer empresa, é menos arriscado vender um produto que fez sucesso lá fora ou foi agraciado com algum prêmio do que lançar um novo nome, oferecer um título inédito e original. É mais fácil pegar carona no sucesso internacional do que fomentar uma cena criativa local, que também pode ser bem lucrativa.

    Estamos tratando aqui de uma categoria específica de livros, os de Crime-Suspense-Mistério, que não é tão marginalizado quanto o Terror, por exemplo. Produções do cinema e da TV enxergam no gênero um terreno fértil de novos produtos e experiências. Não se trata de um fenômeno como o dos livros para colorir, um ponto fora da curva do mercado que já vendeu neste ano quase um milhão de exemplares, se contarmos apenas dois títulos, Jardim Secreto e Floresta Encantada, ambos de Johanna Basford, conforme dados da PublishNews. É uma raridade, um evento isolado. Estamos tratando de um gênero que existe e persiste há décadas, que está estabelecido, e que não demonstra cansaço ou perda de fôlego.

    Acreditamos que títulos de autores nacionais poderiam ter performances de vendas melhores se houvesse mais recepção de originais; se existissem mais lançamentos do gênero; se fossem investidas mais verbas de marketing e promoção; se fossem estimuladas produções derivadas das obras na TV e no cinema. Enfim, se os escritores locais tivessem mais espaço e visibilidade. Acreditamos que uma cena literária policial possa ser fomentada, já que existem muitos criadores do gênero no país. Prova maior está na quantidade de títulos lançados nos últimos anos na internet ou em formato impresso, sob o signo da autopublicação.

    Se a fresta estivesse menos estreita, poderíamos sonhar com embriões de uma geração criativa e produtiva no gênero policial. Clássicos e cânones como Agatha Christie e Simenon continuariam a frequentar as listas dos mais vendidos nas livrarias, mas poderiam ter vizinhos com o nosso sotaque e que narram crimes nas nossas paisagens.

    Texto de autoria de Chris Lauxx, pseudônimo dos jornalistas Rogério  Christofoletti e Ana Paula Laux, autores da enciclopédia Os Maiores  Detetives do Mundo e editores do site literaturapolicial.com

  • Crítica | Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94

    Crítica | Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94

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    Você se lembra de que, quando numa conversa, o assunto caía em música brasileira dos anos 90? Provavelmente vai pensar em Tchakabum, É o Tchan, Leandro e Leonardo, Daniela Mercury, Mamonas Assassinas, entre tantos outros grandes hits que passavam na TV e tocavam no rádio.

    Sou de 92. E isso não ia dizer nada, a não ser pelo fato de que sou uma toupeira quando o assunto é música nacional. Do pouquíssimo que conheço, não está nem longe de ser relacionado a rock. Então, qual foi o aproveitamento em ver algo como Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94? É difícil dizer que não foi 100%.

    O documentário, dirigido e roteirizado pelo jornalista Ricardo Alexandre e por Alexadre Petillo, inicia sua primeira tomada trazendo exatamente os grandes chavões que fizeram a década de 90: axé, sertanejo, o presidente Collor e a banheira do Gugu. Tudo isso para nos dizer, ao longo das próximas duas horas, que o todo realmente é muito maior que o buraco musical que muitas vezes é vendido pelos principais veículos de comunicação do Brasil, como a TV e o rádio, principalmente com o rock, que é o protagonista dessa história. Sem Dentes na verdade vem para comemorar e registrar 20 anos da Banguela Records, selo independente da Warner Music do Brasil, chefiado pela banda Os Titãs e com direção artística do jornalista e produtor musical Carlos Eduardo Miranda. Esse último especialmente fornece muitos depoimentos, não só muito bem humorados, mas ricos em detalhes, e que nos ajudam a construir uma linha do tempo clara que contextualiza a sua participação evidente no cenário musical da época.

    Não somente Miranda mas como o próprio Charles Gavin e Nando Reis dão seus depoimentos inúmeras vezes. Temos muitos comentários e considerações das próprias bandas que foram representadas pelo selo, como Raimundos, Little Quail and The MadBirds, Maskavo Roots, Mundo Livre S/A, além de trazer declarações de jornalistas como André Forastieri, a banda Pato Fu, o vocalista Samuel Rosa (Skank), entre muitos outros. É muito visível, pela quantidade de depoimentos, recortes musicais e a naturalidade com que são feitos, a intenção que o diretor Ricardo Alexandre tem em contar um episódio muito importante da história da música brasileira. Mas mais importante, antes de tudo, é reunir um leque de lembranças que traçam um capítulo da vida de uma geração que está presente até hoje e que precisava registrar dessa maneira o que passou, deixando de lado qualquer possível sentimento saudosista ou certa maneira didática de contar aquela história.

    A importância de criar uma produção cultural independente é um ponto essencial que é passado durante o filme. É de certa forma simples dizer que hoje isso é mais do que óbvio, porém não faz muito tempo que essa dependência de um intermediário em todo tipo de mercado cultural era existente – e não somente aqui no Brasil, como é rapidamente exemplificado na iniciativa da Image Comics nos EUA (também fruto dos anos 90).

    Eu poderia fazer vários comentários sobre todos os detalhes exibidos nas duas horas de vídeo do documentário. Mas, como dito anteriormente, sou uma toupeira nesse assunto. A real importância de Sem Dentes, antes de tudo, foi abrir minha mente para conhecer um pouco mais sobre todo esse universo musical nacional, que é muito rico e para o qual eu nunca olhei realmente. O documentário é fluido, divertido e principalmente instigante sobre os assuntos que ele aborda, e fecha com uma bela homenagem à música Tempestade da banda Maskavo Roots. Espero que seja a porta de entrada de muitas pessoas que, como eu, não fizeram parte de nada disso. Não é difícil encontrar nada hoje em dia.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Review | Arrow – 3ª Temporada

    Review | Arrow – 3ª Temporada

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    A terceira temporada de Arrow foi alvejada por tiros de metralhadora por dois motivos, sendo um interno, o mais importante, e outro externo. O primeiro motivo foi que os próprios produtores e roteiristas, por conta da hype causada pela segunda temporada, decidiram aumentar ainda mais o chamado fan service. Embora seja ótimo se deparar com diversas referências e homenagens ao Arqueiro Verde e aos demais heróis e vilões da DC Comics, a produção não convenceu os admiradores da série, que receberam uma temporada interessante de início, mas que perdeu o fôlego antes mesmo de chegar à sua metade por conta de uma história fraca. A sorte é que no decorrer dos 23 episódios podemos encontrar aqui e ali alguns bons momentos, além dos três episódios finais que, ao menos, conseguiram livrar a temporada do fracasso. O segundo motivo foi o seriado do Flash, que teve uma ótima estreia, o que contrastou ainda mais com a qualidade desta terceira temporada.

    O Team Arrow conta agora com a presença de Roy Harper como Arsenal (Colton Haynes), devidamente caracterizado e mais performático que o Arqueiro, o qual ainda está longe de ganhar Verde em seu nome. Mas, por tudo o que o Arqueiro fez à cidade ao salvar a população do ataque terrorista organizado por Slade Wilson ao final da segunda temporada, o agora capitão de polícia Quentin Lance (Paul Blackthorne) passa a apoiar o Arqueiro e sua equipe, inclusive em ações em conjunto. Por tal motivo, nomes como Capuz e Vigilante foram deixados de lado.

    Oliver Queen (Stephen Amell) está falido e ainda busca por investidores para continuar como CEO da empresa de sua família. Contudo, os conselheiros recebem um investidor, o cientista e milionário Ray Palmer (Brandom Routh), que apresenta um projeto não só para reconstruir a empresa, sob o nome Palmer Technologies, mas também para reconstruir a cidade que ganharia o tradicional e conhecido nome, Star City. Palmer é como se fosse uma versão masculina de Felicity Smoak (Emily Bett Rickards), inclusive para apimentar os triângulos amorosos que o Canal CW tanto ama. A adição de Brandom Routh ao elenco ajuda a engrandecer o seriado, porém, é quase latente o desespero do estúdio em criar seu próprio Homem de Ferro: engraçado, carismático, sarcástico e também gênio, bilionário, playboy e filantropo.

    Após o período de calmaria que mudou com a chegada de Palmer, Oliver, que já tinha perdido sua irmã, Thea (Willa Holland), que foi embora e começou a ser treinada por Malcolm Merlyn (John Barrowman), Sara Lance, a Canário (Caity Lotz) é brutalmente assassinada, o que deixa a equipe a ponto de se desfazer. Assim foi formada a premissa que perdurou pela temporada.

    Por conta dos acontecimentos acima e da ameaça, que na teoria é muito maior, o número de vilões foi bem reduzido em relação às temporadas anteriores. Aqui, a galeria contou com poucos antagonistas, sendo os mais descartáveis, Komodo (Matt Ward), num primeiro momento, principal suspeito da morte de Sara, e a bela Cupido (Amy Gumenick). São dois personagens que poderão aparecer novamente no futuro, como já ocorreu com a “apaixonada das flechas com pontas de coração”, que fez parte da nova formação do Esquadrão Suicida.

    Falando em Esquadrão Suicida, tivemos pela primeira vez na série um episódio dedicado a um vilão, que no caso foi o Pistoleiro, vivido pelo carismático Michael Rowe, que interrompe o casamento de John Diggle (David Ramsey), escalando-o junto com sua noiva, a agente da A.R.G.U.S, Lyla (Audrey Marie Anderson), para uma missão. Durante a incursão, o episódio apresenta flashbacks que mostram como Floyd Lawton se tornou o Pistoleiro. Uma maneira forçada pelo estúdio em fazer uma homenagem a um vilão querido pelos fãs da série, mas que precisava sair dos holofotes por conta do filme do Esquadrão Suicida que está em desenvolvimento e que tem Will Smith no papel do Pistoleiro.

    E se na temporada passada John Diggle tinha ganhado um episódio para si, foi a vez de conhecermos a história de Felicity. Seu episódio, diferentemente do dedicado a Diggle, cujo passado influencia o cânone, é totalmente descartável e que esteve ali apenas para preencher uma lacuna, com um tradicional “monstro da semana”.

    Laurel Lance (Katie Cassidy) poderia muito bem ter sua história melhor aproveitada, como na temporada passada, quando enfrentou sérios problemas com o alcoolismo. A motivação em querer substituir sua irmã morta é justa, mas mal trabalhada. Em seus primeiros dias como Canário Negro, ela toma uma surra de um bandido qualquer, tal como Kick-Ass, e nesse decorrer as cenas em que aparece em ação chegam a ser constrangedoras. Uma heroína toda torta e sem habilidade nenhuma, digna de Os Trapalhões. Isso muda com a boa participação de Ted Grant, o Pantera (J.R. Ramirez), que começa a treinar Laurel.

    O arco do Pantera é curto, mas bem interessante, uma vez que ele foi o primeiro justiceiro da cidade, quando Oliver Queen ainda era um playboy festeiro. Se Oliver não gosta de Ted pelo fato dele treinar Laurel, o Arqueiro não gosta dele, pois ele está sendo investigado por um assassinato ocorrido em uma academia, o que coloca os dois em confronto, numa luta sensacional, com um momento mais sensacional ainda, quando o Arqueiro nocauteia o Pantera com uma flecha cravada numa luva de boxe. Sem dúvida, um momento clássico.

    E é nesta fase que acontece um dos grandes momentos da série, quando o vilão Brick, muito bem interpretado por Vinnie Jones, entra em cena e tenta tomar para si o Glades, um dos principais bairros de Starling. O brutamonte se aproveita que o Arqueiro está desaparecido e passa a liderar todos os bandidos presos por Oliver que foram soltos ante o seu não comparecimento às sessões para depoimento no tribunal. Assim, as prisões feitas pela polícia perderam toda sua eficácia. O momento lembra muito o final da temporada passada quando o Team Arrow passa a ter o auxílio da população, desta vez liderada pelo Pantera, que enfrenta Brick de igual pra igual.

    Sem dúvida, o pior momento de Arrow e que perdurou por toda a terceira temporada foi o arco principal de Ra’s Al Ghul. O ator Matt Nable está isento de qualquer responsabilidade. Ra´s já havia sido mencionado na segunda temporada e desta vez deu as caras buscando o assassino de Sara Lance, dando 48 horas para que Oliver Queen (que não mata mais) entregasse aquele que tirou a vida de Sara. Até mesmo o primeiro embate entre Oliver e Ra´s, ainda que tenha sido uma ótima luta, que culminou com a derrota de Queen, não causou emoção e isso não só refletiu nos aliados do Arqueiro desaparecido, mas refletiu no quanto a performance do elenco foi ruim. Foi difícil aguentar as caras de tristeza promovidas por Emily Bett Rickards, Colton Haynes, Katie Cassidy e David Ramsey.

    Oliver está vivo e, segundo a lenda, aquele que sobrevivesse à espada de um Ra´s Al Ghul deveria ser treinado para ser o próximo Ra´s. Por conta disso, Oliver acaba sendo coagido a aceitar a oferta que poderia custar a vida de sua irmã e de seus amigos, e para tanto, arquiteta um plano secreto que o deixa insuportável para os outros personagens e para o telespectador. Amores foram desfeitos, amizades foram rompidas e inimigos viraram aliados. Mas nada ali convence. Nem o Poço de Lázaro e o renascimento de Thea Queen, que mais tarde se transforma na heroína Speedy. Até mesmo o aparecimento do Flash, que com o perdão do trocadilho, foi rápido demais, soou razo.

    Porém, pela primeira vez os flashbacks do passado de Queen (muito melhores aqui do que nas duas primeiras temporadas) convergiram com os dias atuais, algo que influenciou diretamente em parte dos acontecimentos que culminaram nos três últimos episódios. Sendo resgatado da ilha em Lian Yu por Amanda Waller (Cynthia Addai-Robinson), Oliver passa a ser treinado pelo agente da A.R.G.U.S., Maseo Yamashiro (Karl Yune) que, a contragosto, precisa ensinar Oliver a interrogar prisioneiros, nem que tenha que torturá-los para obter informações. Waller precisa, a todo custo, encontrar uma arma química chamada Omega, e para despistar a A.R.G.U.S. coagiu Maseo ameaçando matar sua esposa, Tatsu, que vem a se tornar a Katana (Rila Fukushima) e seu filho Akio (Brandom Nomura), atribuindo a Oliver culpa pela morte da família do japonês caso haja fracasso na missão.

    Já o melhor momento foi o crossover com Flash. O Velocista Escarlate (Grant Gustin) já havia aparecido somente como Barry Allen na temporada passada e acabou por ajudar Oliver a enfrentar o Capitão Bumerangue, que havia cometido crimes em Starling. Esse episódio em particular serviu para colocar no eixo a relação de Barry e Oliver, e que estava abalada após os dois se enfrentarem em um episódio do Flash pelo fato de Oliver ser metódico ao extremo e não concordar com o modus operandi desleixado de Barry e por Barry não concordar nem um pouco com os métodos violentos de Oliver. E, também, personagens do elenco dos dois seriados trocaram de ares por um episódio ou outro. Cisco Ramon, dos Laboratórios S.T.A.R. fez uma máscara para o Arqueiro, além de sutis upgrades em seu uniforme, e acabou também por amplificar o dispositivo sônico da Canário Negro, que agora é acoplado ao pescoço de Laurel por meio de uma gargantilha. É realmente sensacional a primeira vez que ouvimos o Grito da Canário. E por último, o Arqueiro ajuda Flash numa missão importantíssima que conta com a força da nanotecnologia desenvolvida por Ray Palmer, àquela altura já como Atom, que inclusive teve seu traje melhorado nos Laboratórios S.T.A.R.

    Infelizmente, a terceira temporada de Arrow deixou a desejar. Não adianta agradar aos fãs se o roteiro não for bom o suficiente para se sustentar por 23 episódios. E isso chega a ser latente, inclusive no desempenho dos atores, que foi muito fraco. E vale mencionar, também, duas importantes baixas no elenco, já que os atores Colton Haynes e J.R. Ramirez optaram por não renovar contrato.

    A série precisará se reerguer muito e, se algo não for feito, haverá grandes chances de vermos o seu cancelamento antes mesmo do término da quarta temporada.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Mulher-Maravilha: Símbolo Feminino do Séc. XX? – Parte 1

    Mulher-Maravilha: Símbolo Feminino do Séc. XX? – Parte 1

    mulher maravilha

    Parte I – Contexto Histórico

    Olhando para trás, os movimentos de defesa dos direitos das mulheres ocidentais no séc XX parecem ser dominados pelo clamor crescente para a reforma política e o voto para as mulheres (livros, artigos, discursos, fotos e documentos do período, no entanto, mostram uma grande diversidade de tema a ser discutido em público).

    Na Holanda, por exemplo, o direito à educação, os direitos à assistência médica, melhores condições de trabalho, a paz e os duplos padrões sexuais foram as principais questões feministas da época, não só na Europa: este mesmo clamor por direitos estava também presente na América. Em meio a Segunda Guerra Mundial, elas assumiam empregos formalmente ocupados por homens na sociedade: motoristas de táxi, vendedoras, donas de escritório etc.

    Muitas delas se recusaram a abrir mão dessa liberdade profissional, criando uma grande crise no que era formalmente naturalizado como as definições de masculinidade e feminilidade. E nesse contexto, devido à guerra, Mulheres liam mais quadrinhos que o público Masculino.


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    ArchieComics #174 – Uma das primeiras revistas dessas leitoras foi a mensal “ArchieComics”, estrelando um grupo de adolescentes americanos

    Durante a Era de Ouro dos Quadrinhos (1930 a 1940), tempo em que os quadrinhos estavam em ascensão, as mulheres não apareciam primeiramente como super-heroínas, mas apresentavam tipos característicos: enfermeiras, modelos, datilógrafas, jornalista, escritoras e etc. Protagonistas em romances, popularizadas por Joe Simon e Jack Kirby, geralmente se caracterizavam pela garota boa e a garota má; a que tem seu coração partido e a que parte o coração dos outro rapazes; e histórias de adolescentes rebeldes.

    quadrinhos femininos

    Dois exemplos de quadrinhos com a figura feminina

    Mulheres só foram se tornar combatentes do crime muito tempo depois, aparecendo primeiramente em quadrinhos policiais como ladras e assassinas (esse conceito da mulher delinquente reaparecerá nas personagens da revista The Spirit, de Will Eisner). Uma editora em particular, Fiction House, trabalhou em desenvolver suas histórias com heroínas como Sheena (mais conhecida no Brasil como Shanna), a rainha da selva criada por Will Eisner e S.M Jerry Iger. Foi a primeira personagem feminina a ter seu próprio título mensal.

                                               crimes woman e sheena                                        
     Crimes Women #4 e  Sheena #4

    Em 1940, a escritora Trina Robbins, na revista The Great Women Superheroes Wrote, diz que “muito do estilo de ação Pulp da Fiction House também começou com belas, fortes e imponentes heroínas. Eram enfermeiras de guerra, aviadoras, detetives e uma rainha dos animais de pele branca na selva que realmente estavam no comando. Armas de fogo, adagas, espadas e lanças eram o arsenal de Shanna ao passar das páginas, pronta para derrotar qualquer vilão sem precisar ser socorrida.” 

    A primeira super-heroína conhecida foi desenhada e escrita por FletcherHank’s. Fantomah é uma ancestral egípcia nos tempos modernos que pode transformar seu rosto em uma caveira com superpoderes para combater o mal. Foi publicada na editora Fiction House na revista “JungleComic#2” em fevereiro de 1940.

    Fantomah

    Fantomah se transformando. Fantomah #14 (1941), página de FletcherHank’s

    Na segunda parte, conheceremos a origem da Mulher-Maravilha e suas diversas personificações a cada década.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Rainha e País

    Crítica | Rainha e País

    Rainhas e Pais - poster - Paris Filmes

    A indústria cinematográfica britânica possuí características bem peculiares que a fazem distintas de outros países quando há coproduções, por exemplo. O lado cômico mais leve e mais crítico; as ponderações e retratações de épocas que remetem ao patriotismo e amor à realeza e à nação, no entanto, sempre deixando em evidência o comportamento das pessoas e suas funcionalidades perante o ambiente destacado no tempo, historicamente ou não.

    Em Rainha e País, filme de John Boorman (Excalibur e Esperança e Glória), vemos a história do jovem Bill Rohan, que cresceu em uma pequena ilha, afastada das grandes cidades mas sem, consequentemente, ficar livre das interferências que o mundo em plena eferverscência de guerra poderia causar. Com sede em entrar para o exército e alimentar a linhagem bélica de sua família, ao completar 18 anos, Bill é convocado para o exército para a guerra das coreias, no qual E.U.A e Reino Unido apoiaram o país do sul enquanto o lado norte da divisão recebia o suporte de países socialistas/comunistas – isso ainda era bem aplicável na época – como União Soviética e China.

    O filme faz algumas mesclas e não deixa transparecer exatamente sua proposta. Se é um romance que tem como pano de fundo a guerra, no qual o soldado se apaixona, vai para a guerra e assim mostra os melindres clichês que a história continuará acerca; se é uma sátira às guerras e ao patriotismo exagerado e como esses ambientes podem desviar e alterar as mentalidades e os comportamentos de quem está vivenciando tudo isto ou se, no final das contas, é só mais um drama sobre amizades, confiança e identificação. Essa contínua troca de gêneros durante as quase duas horas poderiam confundir o telespectador, mas creio que o filme não sofre este impacto e fica até um pouco fácil de ser absorvido na mudança do segundo para o terceiro ato.

    A identificação e o carisma com o personagem esquisito e inescrupuloso (Percy) acontece bem e toda as cenas e o lado cômico giram em torno dele e do soldado Redmood (Pat Shortt). Mesmo que estereotipando o humor cínico e desajeitado, como um Mr. Bean, isso não aparenta um exagero ou excesso de carisma pelo personagem. A história tem um enredo bem simples, mesmo com um leve criticismo às visões do nacionalismo/patriotismo e também à rigidez do alto comando. Fizeram bem ao não dosar demais o romance e as cenas sentimentais, uma via não muito utilizada na obra.

    A adesão à amizade, às traições e à convivência com ambientações hostis são um norte sucinto e trabalhado de maneira honesta, com esses escapes mais cômicos e descontraídos que permeiam a história e os personagens. A relação entre eles são a base e com isso o filme caminha bem. Há deslizes, exageros e um pouco de desleixo em quesitos mais técnicos, como a fotografia e uso de trilha sonora. Às vezes os personagens ficaram abobados em demasia, mas nada que não saia da caracterização do cinema inglês. É interessante como o filme parece entregar algo e surpreende quando não faz. Poderia ser duramente criticado, mas soube usar outros braços e referências a outros gêneros e estilos de condução do enredo. Porém, ainda assim não conseguiu ousar o bastante para sair da categoria de lugar-comum e da padronização linguística.

    Texto de autoria de  Adolfo Molina Neto.

  • Crítica | O Exterminador do Futuro

    Crítica | O Exterminador do Futuro

    Lançado no longínquo ano de 1984, O Exterminador do Futuro utiliza uma fórmula simples, mas muito bem executada, para fazer transcorrer a narrativa: um assassino está caçando sua vítima. Na trama, Sarah Connor (Linda Hammilton), uma garçonete comum, é duplamente perseguida por um homem (Michael Biehn) e um ciborgue assassino do futuro (Arnold Schwarzenegger).

    A abertura deixa mais ganchos do que respostas sobre o que estamos vendo naquela Los Angeles do futuro. O filme já começa apresentando o vilão, e logo em seguida o herói. Há pouquíssimos espaços vazios entre uma cena ou outra, e sequer vemos passar as quase duas horas de duração com alguma cena monótona.

    O trunfo do roteiro do diretor James Cameron ao aplicar nessa mesma fórmula de assassino à solta e um escopo de viagem no tempo é dar poucas explicações sobre que ocorre no futuro, mostrando migalhas em boas elipses entre algumas cenas. Tudo para exatamente manter o foco de que manter Sarah viva no passado é muito mais importante do que saber o que aquele futuro traz.

    Acompanhamos no início do filme três núcleos de personagens que vão se encontrar futuramente. Existem detalhes narrativos para contextualizar onde cada peça se encaixa no roteiro. A sensação de terror que o Ciborgue poderia nos trazer é em parte arranhada pelo sotaque carregado do Schwarzenegger, mas que compensa muito bem intimidando fisicamente, com a câmera fazendo questão de mostrar que o vilão é infinitamente superior ao herói, como deve ser.  Talvez o elemento que mais tire a tensão a todo o momento é a trilha sonora sintetizada, que parece ter sido feita toda em MIDI.

    Sarah se passa por vítima, como qualquer pessoa comum se sentiria ao ser caçada, mas conforme Kyle vai contando sobre o futuro, e dando seu parecer sobre o que ela representa, existe um crescimento na construção da personagem, que passa a lutar pela própria sobrevivência e a do seu filho prometido, que algum dia irá salvar a humanidade. Linda Hammilton consegue encarnar as duas facetas naturalmente, fazendo de fato parecer que houve ali uma tomada de decisão para a mudança quando tudo parece já estar acabado.

    É realmente intimidadora a forma como o ciborgue, já sem sua carapaça humana, é apresentado. O alto número de cenas de ação também serve para justificar a degradação do seu corpo, para finalmente, na cena final, ressurgir das chamas para matar. E, a despeito de o vermos muito pouco, é o suficiente pelo filme inteiro.

    Apesar de já ter visto mais de uma vez o segundo filme da franquia, nunca havia assistido o primeiro. Tal qual um Exterminador, voltei no tempo hoje e vi pela primeira vez o início de uma das franquias mais populares de ficção científica que pouco envelheceu em qualidade, e ainda nos traz um belo registro visual do que eram as roupas e penteados nos EUA dos anos 1980, que certamente deixam saudade.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • A Gastronomia e o Cinema

    A Gastronomia e o Cinema

    Cinema e a Gastronomia - destaque - chocolate

    Ao longo da História, as refeições e o ritual que as cerca vieram se estabelecendo como representações de estratificação social e de relações de poder. Além de servirem como ponto de intermediação para propostas ou fechamentos de muitos negócios, este ritual está também muito ligado ao caráter de confraternizações afetivas, e mesmo quando, se situa na rotina do dia a dia, há na refeição um sentido simbólico de repartir e de expressar valores culturais.

    Portanto, as refeições constituem-se também, e talvez principalmente, em momentos construtores e comemorativos de memórias afetivas. A sua força está, outrossim, ligada aos dois sentidos que compõem as capacidades mais primitivas do Sistema Nervoso Central: o paladar e o olfato. Os dois interagem e se complementam. Você sabia que o gosto da canela, sem a atuação do olfato, seria totalmente diferente daquele que imaginamos?

    Os alimentos, a forma como são preparados e a “cerimônia” que envolve a sua degustação, constroem memórias indeléveis na história da vida de cada um!

    Por isso, escolhi algumas belíssimas histórias captadas pela câmera e projetadas na telona, onde o alimento é protagonista de momentos marcantes que desencadeiam, dialogam ou comemoram grandes mudanças.

    Quando penso na sétima arte como testemunho de uma mudança significativa das percepções afetivas (antes aprisionadas a paradigmas culturais e religiosos), através de todas as sensações que são desencadeadas na aceitação do prazer proporcionado pelo paladar… Quando penso na sétima arte trazendo um desfile de alimentos preparados com a minuciosa delicadeza de um ourives, e servidos como rimas épicas de um poema que transborda a alma…

    Quando penso no lento e profundo despertar de expressões, recebendo do líquido que escorre pelas taças de cristal, o beijo da liberdade de espírito, ainda sob a lente da sétima arte… Eu suspiro e me entrego ao dinamarquês A Festa de Babette (1987), com a brilhante direção de Gabriel Axel, primorosa atuação de Stéphane Audran, fotografia impecável e roteiro adaptado de um dos contos do livro Anedotas do Destino (1958), da inspirada escritora Karen Blixen, de quem uma das obras já havia sido adaptada para Entre Dois Amores (1985, Sidney Pollack).

    Babette chega a um vilarejo, na Noruega, fugindo de uma guerra civil na França, e se aloja na casa das duas filhas de um pastor. Solteironas e ligadas a padrões de conduta que têm como alicerces dogmas religiosos fortemente aprisionadores dos prazeres a vida (assim como o resto da comunidade), elas vão provocando em Babette uma imensa vontade de ampliar certas convicções, e abrir os olhares para a liberdade de todos os sentidos. Como ex-chef de um grande restaurante parisiense (fato até então desconhecido para todos), alguns anos após sua chegada, Babette toma conhecimento de ter ganho na loteria, e resolve investir todo o seu prêmio na elaboração de um banquete. Na modesta sala de jantar das filhas do pastor, inicia-se um ode à arte, à cultura e ao paladar!

    À arte porque, além de o diretor Axel ter conseguido uma magnífica composição entre os gestos, a música e a fotografia, a mesa encontra-se arrumada como o cenário do mais esplendoroso espetáculo, onde cada peça é uma obra de arte, desde a toalha, aos copos, porcelanas e talheres, e os pratos… Ah, os pratos são verdadeiras pinturas e esculturas!

    À cultura, porque o general francês vai descrevendo os alimentos e sua harmonização com a carta primorosa dos vinhos que os acompanham, ao mesmo tempo que tece uma ponte entre as duas culturas ali presentes.

    Ao paladar… (é incrível como alguns sabores e aromas quase rompem a tela, nos tocando os sentidos e a alma)… porque é sedutora a onda de vapor que se desprende do consumê servido inicialmente, uma sopa de tartaruga onde a carne da mesma mergulha num caldo de legumes, cortado levemente pela acidez do limão siciliano e fortificado pela redução do vinho madeira. Em seguida, uma massa fermentada e dourada na manteiga, forando pequenas panquecas (blinis), é coberta com creme azedo e caviar de Esturjão, para formar a receita da culinária russa, Blinis Demidoff. E eis que chega a grande estrela do jantar (se é que a algum dos pratos caberia um papel secundário)! Digo “estrela”, porque toda a refeição é minuciosamente planejada numa afinada curva de sabores, textura e aromas, em cujo centro se encontra o pico das nuances marcantes, por sua complexidade profunda. O Cailles en Sarcophage apresenta a refinada e amanteigada crocância de um pequeno ninho de massa folhada, onde descansa o dourado da codorna, desossada, adormecida no Cognac e recheada com foi gras.

    Assim como a cereja dá o toque final ao bolo, este soberbo presente à visão e desafiador do olfato, vem coroado com uma redução e vinho branco, trufa preta e chapéu de champignon. Há ainda o toque do óleo do amendoim, do salsão e da pimenta-do-reino, suspirando em meio a todos os ingredientes. Então Babette atenua a exaltação do paladar, servindo uma refrescante salada de endívias, envoltas no equilíbrio das nozes picadas, molho de mel e aceto balsâmico. O doce que aqui já começa a ser sugerido, explora a sua plenitude na sobremesa Baba au Rhum, que se trata nada mais nada menos de um Savarin (um bolo simples) coberto com uma calda onde a casca ralada da laranja e do limão, o pau de canela, o rum, o açúcar e o licor de laranja, formam deliciosa ciranda de sabores.

    A Festa de Babette

    Babette sabe, como poucos, preparar um espetáculo que desperta todos os sentidos e provoca o desabrochar das mais profundas emoções, adormecidas num canto da alma! É preciso conhecer os segredos contidos na alquimia de cada ingrediente, cada tempero! E Papus Vassilis (Ieroklis Michaelidis) é um mestre no uso dos temperos e no conhecimento sobre o que estes podem amenizar ou enfatizar no comportamento do ser humano. Ele é um filósofo da culinária, construtor de metáforas que despertam a curiosidade e paixão de seu neto Fanis (Georges Corraface), quando faz analogia entre a importância dos astros (Fanis adora astronomia) e os elementos que os constituem, com a função de cada tempero dentro de um prato.

    Tassos Boulmetis, em O Tempero da Vida (2003) fala dos conflitos geopolíticos (Fanis e seus pais, acabam sendo deportados da Turquia, terra natal de seu avô, com quem vivem em Istambul), das relações humanas (há uma profusão de cenas em volta de encontro e reencontros familiares e afetivos) e, como coluna vertebral e simbólica de todo o enredo, da gastronomia, levando-nos, desde a escolha dos ingredientes, a sua preparação e o ato que finaliza este processo, numa confraternização que desperta os sentidos do corpo e as emoções da alma.

    O filme peca em momentos que a dinâmica se perde na repetição de ideias, deixando de explorar alguns pontos que, sem dúvida, lhe imprimiriam mais graça e profundidade. No entanto, se você puder relevar algumas sequências e se concentrar nas cenas poéticas e pertinentes que permeiam a história, encontrará neste longa algumas inspirações, como por exemplo as conversas entre Fanis e seu avô.

    Vassilis conta que: o sal é essencial à vida e à comida; a pimenta é quente e queima como o sol, e por isso vai bem em todas as comidas; o leite e o açúcar são os primeiros alimentos da vida… de alguma forma, ele coloca a canela como protagonista neste diálogo de temperos e emoções, quando explica que, por ser um tempero muito forte e deixar as pessoas introspectivas, o cominho não deve ser usado num almoço de família, mas substituído por canela, que é doce e amarga como as mulheres e que faz as pessoas olharem umas nos olhos das outras. É exatamente a canela que faz toda a diferença no preparo dos keftedes (versão grega das almôndegas) quando Vassilis propõe que ela seja adicionada às bolinhas de carne moída, misturadas a um pouco de miolo de pão, alho, salsa e outros ingredientes. E os molhos? Ah… “os molhos suavizam qualquer receita! Quando não usam molhos na comida, sempre exageram nas conversas.”

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    Mas não são apenas os ingredientes (em especial os temperos) que têm a capacidade de criar caminhos em nossa alma! Também os sentimentos que os conduzem no momento do preparo parecem transpor qualquer barreira física, e invadem o estado de espírito de quem saboreia o alimento.

    Sim, é sobre isso que nos fala Laura Esquivel, em seu romance Como Água para Chocolate, o qual foi transformado num filme homônimo, em 1992, com direção de seu marido, Alfonso Arau!

    Tita (Lumi Cavazos) cresce em meio à panelas, e entrega-se a estes momentos de uma forma tão intensa quanto ao amor que sente por Pedro (Marco Leonardi). Apesar de correspondido, viver este amor lhe é negado, pois Tita, por ser a mais nova das três filhas de uma viúva, numa pequena fazenda mexicana do século XX, se vê obrigada a seguir a tradição de cuiar de sua mãe até a morte. Assim, combina-se o casamento de Pedro com Rosaura (Yareli Arizmendi), sua irmã, e ele aceita, por ver nisso a única possibilidade de permanecer perto de sua amada. Acontece que o coração de algumas pessoas estabelece um pacto, imune ao tempo e às circunstâncias, por isso o amor entre Tita e Pedro permanece intato, não obstante o casamento dele com Rosaura, e um dia o rapaz leva rosas para a moça de coração apaixonado.

    É a inabalável força desta paixão e o intenso desejo pelo homem da sua vida, que Tita coloca no preparo das codornas ao molho de pétalas de rosa. Note-se que ao recebê-las, as flores têm uma coloração rosa, que se transforma num intenso vermelho, quando Tita vai usá-las no prato. É servida uma fantástica composição do amanteigado dourado da pequena ave, beijando o carmim das pétalas dispostas sobre a porcelana, junto ao purê de castanhas portuguesas, adocicado pelo mel e pelo anis estrelado, com um leve e acalorado toque de pimenta. E então… quando este alimento é levado à boca e abraçado pelo paladar, uma onda de voluptuosa sensualidade toma conta do espírito e do corpo daqueles que o experimentam!

    tita

    Envolvendo também valores familiares e tradições, além de outros elementos, é a trama do filme Comer, Beber, Viver (1994), da primeira fase do diretor Ang Lee. E mais uma vez a comida aparece como fonte inspiradora e celebradora das relações, atuando como linguagem da alma, código de sentimentos ofertados e compartilhados.

    É assim que o alquimista culinário Chef Chu (Sihung Lung) lida com a arte na cozinha: com a mesma entrega e sensibilidade que se constitui condição sine qua non para a arte de viver!

    As três filhas de Chu enfrentam conflitos existenciais em Taipé, capital de Taiwan, e Chu lhes oferece todo o acolhimento de um coração fraterno, nas refeições que prepara aos domingos, quando a família se reúne em torno da mesa, entregando-se ao mágico prazer dos ingredientes que este poeta da gastronomia manuseia e mistura com sublime inspiração.

    Entre os pratos que dispõe sobre a mesa farta, convidativa e representativa da cultura chinesa, destampa-se a cesta que havia cozinhado, no vapor, a fina massa dos guioza, cujo recheio de carne de porco murmura a conversa entre o gengibre, o alho, a cebolinha, o óleo de gergelim, o vinagre de arroz e o molho de soja, com que fora temperada.

    ang lee

    Ang Lee, um ano antes, já ensaiara a sua devoção à arte da gastronomia e sua sabedoria em captar o mágico sentido do alimento, em O Banquete de Casamento.

    banquete de casamento

    A propósito daqueles que possuem o gosto e a sensibilidade em dirigir cenas cuja áurea se intensifica de tal forma, que nos sentimos tocados pela comoção dos personagens e invadidos pelos aromas e sabores, não poderia deixar de citar Lasse Hallstrom e seu envolvente A 100 Passos de um Sonho (2014), cujo protagonista, o jovem Hassan (Manish Dayal) cria diálogos entre o requinte da culinária francesa e a explosão dos temperos indianos.

    100 passos de um sonho

    Hallstrom, em 2000, coroara o chocolate com toda a magnitude que lhe é legítima, ao conceber Vianne Rocher (Juliette Binoche) como a mulher que se muda, com sua filha, para um fictício lugarejo na França, e desperta o aconchegante afeto e a estimulante libido de seus moradores, através do encantamento que coloca no manuseio deste ingrediente, trabalhando sua textura, temperatura e nuances de sabor.

    Em Chocolate, há cenas em que a tela quase se derrete e nos toca os lábios, transportando-nos ao deleite do paladar e à liberdade dos prazeres, antes aprisionados em algum canto de nossos medos. A estrela das estrelas é o chocolate quente, saboreado, entre outras pessoas, pela doce e melancólica Armande (Judi Dench), desabrochando a intensa paixão pela vida.

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    No filme não é possível seguir, passo a passo, a elaboração desta bebida sublime, mas como costumo prepará-la em momentos de um libertador recolhimento comigo mesma, ou naqueles em que me entrego por inteiro a deliciosas companhias, deixo aqui, para você, a minha receita.

    No entanto, antes de fechar com chave de ouro (ou de chocolate), em meio a dezenas de obras cinematográficas que, de alguma forma, têm a gastronomia em seu enredo, preciso citar como imperdíveis (correndo o risco de faltar com alguns) Vatel, O Jantar, A Grande Noite, Simplesmente Marta, Ratattouile, Toast, Julie & Julia, Tomates Verdes Fritos, O Segredo do Grão, Tampopo, Volver

    Eu não disse que a lista é interminável?

    Mas vou parar por aqui, para que você possa ir para a cozinha, juntar 1l de leite com 400gr de chocolate em pó (costumo usar aquela caixinha que tem dois frades), um pau de canela, casca de uma laranja (cuidado para não ir além da camada branca), um tiquinho (tiquinho mesmo) de noz-moscada ralada, e a ponta de uma pimenta malagueta (do tamanho de uma cabeça de fósforo). Leve ao fogo até ferver, e depois, em fogo baixo, vá mexendo até que adquira uma consistência cremosa. (A receita dá para 4 pessoas).

    Agora entregue-se, de corpo e alma, à aveludada textura do chocolate, visitada, aqui e ali, pelo perfumado e instigante nuance de cada um dos outros complementos!

    Depois… depois passeie por todos estes filmes e infiltre em sua cozinhas!

    Texto de autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | A Incrível História de Adeline

    Crítica | A Incrível História de Adeline

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    Adeline (Blake Lively) é um fenômeno inexorável de origem puramente estatística, bem como todos o habitantes deste planeta. Cada nascimento específico tem uma probabilidade de cerca de 1 em 300 milhões, ou 0,0000003% de ocorrer, traduzindo-se em um fenômeno extremamente raro, e que a despeito desta raridade ocorre todos os dias. Adeline, uma mulher independente nascida no século XIX vive hoje como fruto de um fenômeno fabular apresentado pelo narrador que foi capaz de tornar cada uma de suas células indiferente à passagem do tempo. E assim, sem envelhecer, vê o tempo passar e destruir seus sonhos, mantendo existência, fazendo-a se reinventar a cada ponto de cisão de sua vida ou sempre que alguém percebe sua condição especial.

    O tempo físico se constitui de uma variável com sentido bem definido, representado no conceito de Seta do Tempo que diz que processos físicos seguem um sentido prioritário, não havendo a reversibilidade destes mesmos processos. Era, anteriormente à Teoria da Relatividade, um conceito absoluto. Hoje se sabe que é relativo, bem como o espaço trazendo consigo a ideia de que é de alguma forma possível agir sobre o tempo, lhe dando o status de fenômeno físico.

    Os ecos filosóficos de tais elaborações alcançam o imaginário popular, e este objeto de fascínio humano desde sempre vai se transformando como uma forma de protesto ao poderoso efeito do passar dos anos. Nietzsche com sua concepção do “Eterno Retorno” indica que estaríamos presos à uma série sucessiva de eventos fadados à repetição, que se repetiram no passado, ocorrem no presente e se repetem no futuro, tal como guerras ou acontecimentos históricos. Assim é A Incrível História de Adeline, uma repetição de muito do que se viu ou sabe-se sobre fábulas ou romances no cinema.

    Na era da ciência, o ser humano se tornou aquele que seria tratado como demônio, como anunciado por Nietzsche, que surgiria como portador da verdade sobre o tempo, ou que seria tratado como ser dividido caso esta verdade lhe tocasse. Não a toa a fábula de Adeline tem todo um verniz científico, atribuindo dados estatísticos, um contexto histórico tratado como fenômeno determinístico, e uns pequenos falsos fatos para a verossimilhança da trama. Não a toa, também, Adeline vê em conflito moral ao se apaixonar por um cientista sonhador às vésperas de sua próxima mudança de vida para fugir de seu futuro de questionamentos sobre o que ela é. Seu sofrimento consiste em aceitar ou não o demônio citado pelo filósofo, é a decisão entre escolher reviver sua vida ou reiniciar sua existência sem passado.

    Apesar do conceito interessante, o filme sofre de problemas narrativos sérios como, por exemplo, lançar mão da narração em off para toda e qualquer grande resolução. Tal conceito soa normalmente preguiçoso, e o espectador percebe que o recurso será recorrente e constante. Estatisticamente previsível para aquele que já viu algum outro romance, a película se recusa a fugir de estereótipos mesmo que queira dar a entender que sua visão é diferente e eventualmente mais moderna do que seus pares.

    Um bom divertimento, aquém do que poderia ser, não funciona tão bem como fábula e nem como romance, mas é bem mantido pelo bom elenco que conta com surpresas e faz daqueles acontecimentos óbvios algo, ao menos divertido de se ver, novamente.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Arte, Amor e Ilusão

    Crítica | Arte, Amor e Ilusão

    Arte Amor e Ilusão

    Lançado em maio de 2003, ele é um grande contraponto a quantidade excessiva de romances tanto adolescentes quanto os simplesmente açucarados que tomaram conta das produções americanas durante os anos 90. Ele é adaptado de uma peça de teatro escrita e dirigida pelo próprio Neil Labute, que inclusive já foi interpretada no Brasil. The Shape of Things, ou Arte, Amor e Ilusão, traz o elenco original da peça (Rachel Weisz, Paul Rudd, Frederick Weller e Gretchen Mol) para uma produção de cinema que imita o teatro com grandes tomadas de diálogos que abrem espaço para aqueles quatro atores mostrarem diferentes facetas de seus personagens enquanto a trilha do britânico Elvis Costello ilustra toda a película.

    O filme começa com uma mensagem de aviso na música Lovers Walk de Elvis Costello, mas que não está sendo ouvida pelo protagonista. A partir dela acompanhamos Adam (Rudd), um funcionário de um Museu de Artes próximo à faculdade que conhece Evelyn (Weisz), uma estudante que está começando seu mestrado em artes e por algum motivo se interessa pelo jovem completamente desinteressante. Os diálogos entre todos os personagens nos indicam que existe uma passagem de tempo de meses entre muitas das cenas do filme. Vemos isso mais claramente no físico de Rudd, que acaba emagrecendo muito durante essas passagens.

    Em todos os arcos dramáticos do filme é a transformação que dirige o espectador a pensar sobre os assuntos debatidos entre o casal de Rudd e Weisz. A insegurança que guia a vida de Adam o deixou com um casulo fixo nas costas, impedindo-o de sair ou de se aproximar de outras pessoas. Evelyn não só o arranca de lá, mas questiona o valor real das coisas. Tanto na arte quando na primeira cena do filme ela picha um pênis na estátua de Fornicelli, na vida de plástico dos seus amigos, na sua moral e em seu medo em relações, que o tornaram na pessoa que ela conheceu.

    Como o título nacional sugere, existem algumas discussões sobre arte contemporânea (performances, esculturas conceituais e vídeos), mas que só servem para abrir uma lacuna que só será preenchida ao final da história. Os amigos de Adam, Jenny e Phillip, são os primeiros a questionar a relação instantânea e fora de nexo dos dois, reforçando a falta de algo que pudesse atrair uma mulher à personalidade e aparência do amigo. Seu visual, suas roupas e até sua postura com as pessoas muda por pura influência de Evelyn.

    Assim como Alfred Hitchcock, guiar o espectador para o desfecho e manipular as cordas que dão vida à trama fazem parte de um excelente método de narrativa que guiam o espectador até o fim do filme. E é dessa manipulação narrativa que surge o ar de pequena joia que o filme possui. Neil LabuteRachel Weisz são dois Hitchcocks trabalhando juntos, até o fim que chega silencioso, chocante, humilhante e terrível.

    O diálogo final fala mais do que é um filme do que daqueles personagens, além do momento Encontros e Desencontros (que, apesar de provavelmente não ser referência, foi lançado no mesmo ano). Somos apenas Adams de muitas Evelyns que nos encontram aleatoriamente em nossas casas e nos cinemas, e acredito que é um dos poucos romances que exibe um metacomentário sobre a sétima arte.

    O filme traz um contraponto interessante do papel de manipulador ao primeiro filme de Labute, Na Companhia de Homens, o qual o papel de Evelyn era interpretado por Aaron Eckhart e Matt Malloy, e Adam era uma inocente moça interpretada por Stacy Edwards. Não só o papel dos gêneros foram trocados, mas o ponto de vista também. Fica a mensagem que tudo é relativo, transformações são perigosas… E confiar em mulheres também.

    Texto de autoria de Halan Everson.