Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Livre

    Crítica | Livre

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    Com roteiro do badalado escritor britânico Nick Hornby e direção do canadense Jean-Marc Vallée, Livre conta a história real de superação de Cheryl Strayed, escritora que percorreu os mais de 1600 quilômetros da Pacific Crest Trail, que vai do sul da Califórnia até a fronteira do Canadá.

    Após passar por traumas recentes, como a morte da mãe, divórcio decorrido de traições e do uso abusivo de heroína, e sem preparo físico algum, Cheryl decide partir para o enorme desafio físico de percorrer uma difícil e perigosa trilha, entrando em uma jornada de autodescobrimento.

    Baseada no livro autobiográfico lançado em 2012, a adaptação de Nick Hornby deixou um roteiro fluido que permitiu o rápido avanço na história. Narrado como um road movie, a proposta do filme é discutir o doloroso processo físico e psicológico que representa o recomeço. A cena inicial, antes do crédito do filme, é bem emblemática neste sentido: depois de arrancar a própria unha do dedão direito em cima de um penhasco, consequência do uso de botas mal escolhidas, Cheryl perde um dos pés do calçado e então decide jogar pelo penhasco o outro pé, gritando “Fuck you!”.

    Uma das dificuldades de analisar a obra é evitar cair no senso comum e chamar Livre de Na Natureza Selvagem feminino (leia a nossa crítica do filme, e a resenha feita para o livro de Jon Krakauer). Apesar de usar a mesma estrutura narrativa de flashbacks no meio de uma narrativa principal, e de ter uma protagonista sozinha em meio a natureza, são duas propostas completamente diferentes: Cheryl Strayed não nega o seu papel na sociedade como Christopher McCandeless o faz, e muito menos prega o desapego aos bens materiais ou nega os valores da sociedade em si; ela está ali, longe da civilização, para repensar a sua vida e os seus valores. Inclusive, na parte em que é entrevistada contra a sua própria vontade, Cheryl repete várias vezes ao repórter que não é uma andarilha sem destino, e que tem um objetivo muito claro: completar a difícil trilha; em outra parte, ela cria expectativa para as botas novas que irá receber, já que os seus pés estão quase em carne viva em razão da cena inicial. O roteiro de Nick Hornby tenta se distanciar ao máximo da inevitável comparação com o filme de Sean Penn, e consegue com sucesso.

    A tradução do título do filme para o português é curiosa. Livre é selvagem e também serviria como título, pois não há ordem ou papel social a ser representado quando se é “selvagem”. Porém, “Livre” aparenta ser uma escolha mais acertada, já que a protagonista precisava se livrar das amarras que a prendiam para começar uma nova vida, inclusive em outra cidade.

    A atuação de Reese Whitespoon é incrível. Ela consegue encarnar a Cheryl Strayed, a amorosa filha abalada após a morte da mãe, nas difíceis cenas em que se droga e faz sexo violento, até ter a sua redenção através do trabalho físico de percorrer a extensa trilha e ter que lidar com os perigos e contratempos do caminho. Os outros atores têm boas aparições, mas nenhuma que importe tanto quanto a da mãe de Strayed, vivida pela sempre ótima Laura Dern, ou a do ex-marido da protagonista, interpretado pelo bom Thomas Sadoski (o Don Keefer de The Newsroom).

    O canadense Jean-Marc Vallée repete a boa direção depois do ótimo Clube de Compras Dallas, e neste ela se revela novamente na direção de atores, com a atuação solitária de Reese na trilha tendo que lidar com a solidão e os seus demônios internos. No entanto, uma crítica que pode ser feita refere-se ao final um pouco abrupto do filme. Apesar de indicar no roteiro o ponto onde a trilha terminaria, faltou ao diretor trabalhar melhor a informação para dar mais sentido à conclusão da história.

    A fotografia naturalista desempenha o que se espera de um bom fotógrafo como o canadense Yves Bélanger, que também fotografou Clube de Compras Dallas, embora as bonitas imagens da natureza pudessem ter sido um pouco mais impactantes.

    A edição foi um dos pontos altos do filme. O diretor, que também editou o filme junto ao canadense Martin Pensa, outro colaborador de Clube de Compras Dallas, criou cortes rápidos e interessantes quando liga os flashbacks de lembranças de Cheryl com a realidade do presente. Neste sentido, pode ser tecida uma comparação com os cortes ágeis às cenas dos personagens usando drogas em Réquiem Para um Sonho, de Darren Aronofsky.

    Livre vale a pena ser visto não só por estar concorrendo ao Oscar, mas sim por ser uma linda história da mais simples humanidade, que vai do amor à perda, da entrega ao caminho fácil à superação; e, finalmente, de mudança e renascimento.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Invencível

    Crítica | Invencível

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    Invencível, novo filme dirigido por Angelina Jolie, adaptado do livro Invencível – Uma História de Sobrevivência, Resistência e Redenção, conta com os irmão Coen no roteiro para dar corpo à vida e à memória do atleta olímpico Louis Zamperini (Jack O’Connor), que após sobreviver 47 dias no mar é feito refém pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial.

    A literalidade da obra não fica apenas no título, porém. Invencível é um drama clássico, ao menos em teoria, feito aos moldes da Poética de Aristóteles: é a síntese da busca pela catarse através da dor e sofrimento, com o objetivo de nos provocar medo e compaixão, para, em seguida, entregar uma breve purificação como fruto do sofrimento compartilhado.

    Apesar de seguir à risca o caminho canônico da tragédia dramática, falta a Jolie e ao roteiro dos Cohen o compartilhamento sobre o real estágio humano de seu protagonista, que em nenhum momento parece saber por que sobreviver. Falta comunicação com o espectador e um fio condutor melhor resolvido do que a frase “se puder suportá-los, pode vencê-los”, a qual Zamperini leva consigo como mantra.

    Datado como obra, Invencível não só é aristotélico como também platônico. Ao trabalhar diversos combates e situações em um plano quase etéreo, eleva seu protagonista aos céus, enquanto seus companheiros – tão sofridos quanto – mantêm-se no plano mundano. Jolie idealiza seu protagonista a ponto de achar que não precisamos de suas motivações, e que sua sobrevivência fala por si. Fora das convenções do cinema, sua fibra moral é óbvia, mas em determinado momento Zamperini deixa de reagir às privações, o que é problemático em termos de dramaturgia.

    Isso influencia no trato dos coadjuvantes, subaproveitados, que poderiam ter dado um pouco mais de sustância ao roteiro se houvesse nisso a tentativa de decodificar Zamperini ao público. A idealização faz sentido, já que o veterano foi vizinho e amigo pessoal de Angelina Jolie, chegando a participar ativamente da produção. Mas ao espectador falta justamente a catarse, da qual temos apenas vislumbres, como na belíssima composição da batalha ideológica do personagem principal e seu algoz, o sargento Watanabe, que perde seu potencial de conquistar até mesmo o mais blasé dos espectadores ao reafirmar a santidade do atleta olímpico e fazendo da cena um bem filmado exercício de futilidade. O resultado são 162 minutos do que seria uma bela história de resiliência filmada como se fosse apenas teimosia da parte de Louis.

    A crítica especializada (sic) diz que, quando uma crítica começa a análise falando bem sobre a fotografia do filme, é porque este não é tão bom, mas sim simpático. Simpático, mas nada empático; bonito, mas carece de poder cinematográfico, pois logo nas primeiras cenas a mão pesada da montagem enfeia todas as incríveis composições da direção de fotografia idealizada por Roger Deakins (Onde os Fracos Não Têm Vez, 007 – Operação Skyfall), e consegue tornar o filme mais insensível do que seu roteiro ao simplesmente não nos permitir contemplar cena alguma por carecer de ritmo. Não há suspiro quando deveria haver, nem tensão quando deveria haver. A tentativa de tensão é feita sem sutileza na transposição das cenas, levando o espectador a perder-se geograficamente mesmo em ações simples.

    Não faltará nem mesmo a tradicional explanação sobre o destino de seus personagens, apenas burocraticamente colocada para arremate. Um trabalho visualmente muito bonito e inspirado que funcionaria melhor em mãos mais delicadas e focadas.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | A Teoria de Tudo

    Crítica | A Teoria de Tudo

    A Teoria de Tudo - Poster brasileiro

    O século XX, mesmo sendo considerado um dos períodos mais sangrentos da história da humanidade, deixou heranças culturais sólidas em nossa cultura, e a popularização da ciência e do discurso científico foi uma delas. Einstein é mais conhecido por suas frases a respeito da moralidade da humanidade e por sua oposição à violência do que por sua obra na física. Depois dele, o grande divulgador da ciência (e polemista nato) é o astrofísico britânico Stephen Hawking, que, além de ter mudado os rumos da física moderna, é portador de uma doença séria chamada esclerose lateral amiotrófica (ELA), que o impossibilita de se movimentar, tornando sua figura ainda mais interessante aos olhos do mundo.

    Sua ex-esposa, Jane Hawking, publicou em 2008 o livro A Teoria de Tudo – A Extraordinária História de Jane e Stephen Hawkin contando a experiência de ter sido casada durante tantos anos com o físico. Em 2014, o diretor James Marsh e o roteirista Anthony McCarten trazem essa interessante história aos cinemas com A Teoria de Tudo, tendo o excelente Eddie Redmayne no papel de Hawking, e Felicity Jones como sua esposa.

    Por não se tratar de um filme biográfico sobre a vida e obra do cientista, a história começa com Hawking já na faculdade, buscando um tema para seu doutorado. O jovem, então, começa a perceber que algo está estranho com seus movimentos musculares, ao mesmo tempo que lida com colegas, professores e conhece a jovem estudante de línguas Jane. Após pouco tempo, quando ambos já estavam em um relacionamento, ele sofre um tombo do qual não consegue se levantar. Levado ao hospital e diagnosticado com a grave doença, recebe uma estimativa de vida de dois anos. Por isso, tenta afastar Jane, que reluta e decide manter-se ao lado do físico teórico, o que se manterá por 26 anos e três filhos.

    Retratando fielmente a perseverança do britânico, o filme mostra o passo a passo de sua degeneração física em contraponto a sua ascensão meteórica como astrofísico, desafiando todas as convenções da academia impostas até então, como, por exemplo, sua ideia a respeito dos buracos negros (que ele iria alterar posteriormente) e conceitos sobre a expansão do universo. O filme também aborda, de maneira mais leve, a postura que possui em relação a religião e à crença em deus. Apesar de se declarar publicamente ateu, o filme evita escancarar tais posições e mostra a vida de Stephen Hawking, de jovem cientista arrogante a um idoso cientista que “prevê a possibilidade de deus”, sendo que isso está longe da realidade. O que faz é brincar com as palavras e as convenções das pessoas usando seu famoso senso de humor, e essa fina ironia o filme não consegue captar nesse aspecto.

    Porém, a relação entre ele e sua esposa Jane possui momentos belos e profundos. Jane se doa à família, e deixa sua própria vida de lado. Mesmo quando tenta retomar seus estudos, o pesado cotidiano a impede de prosseguir com isso. A sombra de Hawking é muito grande, e sua teimosia em aceitar ajuda profissional reforça sua visão tradicionalista, beirando o machismo. Porém, tudo muda quando Jane conhece o professor de música de uma igreja local Jonathan H. Jones (Charlie Cox), que logo passa a morar com o casal, suscitando vários boatos de que ele e Jane eram amantes, o que o filme em momento algum aborda diretamente, apesar de ser fato conhecido por todos.

    A relação apaixonada e conturbada de Jane e o marido também é mostrada de forma interessante. Com empenho no começo e depois passando por problemas, como quando Jane explica a Jonathan um resumo das ideias de Stephen (sobre como ele queria uma teoria que explicasse todo o funcionamento do universo, desde as grandes massas até as pequenas partículas) de forma passivo-agressiva, tentando conter ao máximo a frustração de sua própria vida sendo contida ali dentro daquele universo.

    Porém, após uma complicação em uma viagem, Hawking é submetido a uma traqueostomia e perde a habilidade de falar para sempre, o que causa também o afastamento de Jonathan da família. É nesse momento que o físico teórico recebe o sintetizador de voz, que hoje é uma de suas maiores características.

    O peso de cada uma das dificuldades que Hawking precisou passar é enorme. Superar o diagnóstico, a expectativa de vida, o uso da cadeira de rodas e depois o sintetizador seriam brutais para qualquer pessoa. Porém, ele consegue continuar avançando e produzindo. De onde ele tira essa força é um mistério para todos nós, e o filme falha em problematizar justamente esse lado. O cosmólogo britânico sempre foi contrário à eutanásia (apesar de recentemente ter mudado de opinião) e nunca se apoiou em nenhuma religião para obter conforto ou uma fuga da realidade. Sua mente genial está para sempre aprisionada nesse corpo, e raras vezes o filme parece questionar como foi passar por tudo isso. Em sua família, conseguimos sentir esse peso, mas não nele.

    A ciência também vai, conforme o filme avança, perdendo importância na narrativa. Cada vez menos as universidades e professores aparecem, tornando a história cada vez mais pessoal e intimista, o que por sua vez dificulta um pouco a compreensão do espectador a respeito da forma com a qual Hawking se tornou conhecido realmente. O caminho é corrigido subitamente quando aborda a publicação de seu primeiro livro, Uma Breve História do Tempo, em que ele tenta explicar um assunto complicado e “chato” para o leitor comum, e com isso vende milhões de cópias por todo o mundo, saindo de vez das revistas científicas e indo parar nos jornais e tabloides. O tempo sempre foi sua grande paixão. E compreendê-lo por completo, seu maior desafio.

    A vantagem de A Teoria de Tudo é sua honestidade. Não se propõe a decifrar por completo a figura do cientista ou de sua esposa, e sim os frutos de sua interação por todos os anos de casamento, e como um impactou a vida do outro na intimidade. Apesar de flertar com momentos um pouco clichês em cenas românticas, mostrar epifanias criativas em momentos aleatórios e expor discursos de autoajuda em palestras que mais parecem motivacionais do que científicas, consegue jogar luz dentro deste personagem tão fascinante. Vale a assistida, mas consciente de suas limitações, como qualquer biografia.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | De Volta ao Jogo

    Crítica | De Volta ao Jogo

    De volta ao jogo - poster brasileiro

    Não é novidade que Keanu Reeves divide opiniões em relação a sua forma de atuação, bem como aos filmes que escolhe atuar. Desde sua participação na franquia Matrix, o ator passou a oscilar em papéis de maior ou menor expressividade dentro de Hollywood. Vimos Reeves participando de grandes produções, desde Constantine a filmes de baixo orçamento, como Sem Destino. Certo é que o recluso ator tem voltado a aparecer cada vez mais no circuito comercial, a começar pelo exagerado filme de fantasia samurai 47 Ronins e agora com De Volta ao Jogo.

    O filme conta a história do personagem que intitula originalmente o filme, John Wick, um assassino de aluguel que se aposentou do mundo do crime pra viver uma vida pacata ao lado de sua esposa. Uma vida perfeita até que uma doença levou a vida de sua mulher. Como último presente em vida, ela lhe presenteou com um pequeno cachorro e uma mensagem carinhosa para que John não desistisse.

    O destino de John muda completamente quando um capanga da máfia russa resolve invadir sua casa, espancá-lo, matar seu cachorro e, por fim, roubar seu Boss Mustang 1969. Por esse motivo, John retorna ao seu eu do passado para se vingar dos agressores da memória de sua esposa.

    A sinopse aparenta ser boba, talvez um pouco ingênua, mas a simplicidade do plot não faz jus ao filme em si. O roteiro simples e direto não diminui a execução soberba e as excelentes cenas de ação que são apresentadas durante a obra. Chad Stahelski, dublê responsável por cobrir Brandon Lee no clássico O Corvo, apresenta um trabalho impecável, refletindo sua longa carreira no cinema. Em De Volta ao Jogo, os movimentos de câmera frenéticos e cortes rápidos que acompanham lutas – técnica muito utilizada com o intuito de conceder dinamicidade às cenas ao mesmo tempo que facilita a filmagem da ação propriamente dita – dão lugar a uma filmagem precisa, calma, que explora cada momento das cenas de ação, extremamente bem elaboradas e coreografadas.

    De Volta ao Jogo empolga. E não só empolga como diverte. O envolvimento da trama e das situações absurdas em que John é posto – bem como em todas as situações do filme que giram em torno da fama que o personagem tem entre os assassinos no submundo – gera momentos hilários. Humor involuntário, porém natural, que cativa o espectador a embarcar com mais naturalidade na vendeta de John Wick e observar as centenas de mortes que seguem dali em diante.

    Michael Nyqvist também merece o devido destaque por sua participação, bem como Willem Dafoe, e até Ian McShane em um papel mais singelo. Porém, os holofotes mais uma vez estão mirando em Keanu Reeves, o qual incorpora com naturalidade a personalidade obscura e contida de John Wick. Gostando ou não de Reeves, ele tem nossa atenção.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Resenha | Revival – Stephen King

    Resenha | Revival – Stephen King

    Stephen King - Revival - Cover

    Eu cresci com livros nas mãos. Filas de banco, nas visitas solitárias ao cinema, enquanto o filme teimava em não começar, ou em lojas de roupa, quando minha mãe tinha a necessidade inerente de vasculhar cada prateleira bagunçada e tediosa de vestidos e saias. Em todas essas ocasiões, eu estava com o nariz enfiado nas páginas de um livro. Pessoas suadas e irritadas à espera de um caixa que contava moedas lentamente? Namorados empolgados demais antes do filme começar? Horas e horas perdidas numa cadeira desconfortável de loja de roupas? Eu não me importava – bem, ao menos não muito. O que acontecia ao meu redor pouco importava, na verdade. Eram as palavras que tinham a minha atenção, o meu interesse, e apenas elas existiam naqueles momentos. Um leitor, afinal, nunca fica entediado. Na minha mente, esse era o normal, era assim que as pessoas lidavam com as horas vazias de seus dias, evitando o tédio mortal ou que a cabeça ficasse demasiadamente preguiçosa.

    Só depois eu descobri que era um leitor ávido. Compulsivo. Havia dicas, aqui e ali, mas eu não me atentava para elas. (Se você precisa correr para o banheiro e não consegue agarrar um livro e acaba lendo os rótulos de xampu ou a caixa de cotonetes, bem-vindo ao clube.) Foi na escola que percebi o quanto gostava de ler. Primeiro, foi uma professora de Português que, ao invés de fazer seu maldito papel, disse que eu tentava apenas me fazer passar por intelectual, andando para cima e para baixo com livros como O Senhor dos Anéis, que, para uma criança de dez anos – e, importante notar, muito tempo antes dos filmes e da popularidade absurda que a trilogia hoje tem – carregar, realmente levanta suspeitas. Depois, foi um valentão irritado comigo na saída da escola. “Como alguém consegue ler por tanto tempo”, perguntava-se indignado, aparentemente enquanto decidia se me mandava para casa com o nariz sangrando ou com o olho roxo. Por sorte, eu não escutei minha professora paradoxal, e não fui para casa com o nariz sangrando e com uma mentira pronta para meus pais. Eu li, independente dos comentários – positivos e negativos – das pessoas ao redor. Eu li. Nos bancos, nas lojas de roupas femininas e antes dos filmes começarem. Eu li.

    E o nome constante nas capas de meus livros era – em fonte maior do que o próprio título do romance – Stephen King. Sempre que conseguia colocar minhas mãos de unhas roídas em um dos livros do autor, eu me trancava em casa e não saía do quarto, devorando páginas depois de páginas por horas seguidas, até que tudo estivesse dito e feito. O Iluminado, Desespero, A Coisa, Insônia… Os livros se acumulavam e os dias corriam sem que eu notasse o mundo real. Vivi grande parte de minha adolescência com o vento gelado do Maine batendo em meu rosto, o frio agudo e as cidades pequenas onde todos se conheciam e normalmente se intrometiam na vida dos outros. Era um mundo imaginário, ainda que palpável por causa da descrição primorosa e dos personagens que pareciam respirar perto do meu rosto. O mestre do horror teve grande influência em meu gosto por livros, filmes e até mesmo pela música. Por isso, Revival pode ter um significado muito maior para mim do que para você.

    Veja bem, Stephen King pode ser um tipo poderoso de droga. Você sabe que não é a melhor das decisões, mas vai em frente e experimenta a viagem. Depois, você tenta de novo. E de novo. E quando se dá conta, seus braços estão coçando e você começa a rodar as livrarias da cidade para encontrar outro livro dele para ler. Às vezes, tarde da noite.

    Mas há fases diferentes nos livros do mestre do horror, como em qualquer outro escritor prolífico o suficiente. Revival, o livro mais recente do escritor norte-americano – com lançamento programado no país para este ano pela Suma de Letras – é sobre sua primeira fase, quando os livros pagavam contas mais urgentes e ele escrevia envolto em dunas de cocaína e álcool.

    O romance é sobre religião, rock, drogas e energia. Não exatamente nessa ordem. O livro orbita a vida de Jamie Morton, filho mais novo de uma grande família que brincava com seus soldados de plástico, quando Charles Jacob faz uma visita em sua casa. É o começo de uma amizade que toca profundamente a criança, e Jacob começa a ensinar um pouco do que sabe sobre eletricidade: um mistério para a comunidade minúscula e parcialmente rural. Charles faz alguns truques elétricos para chamar a atenção dos adolescentes, que debandavam da igreja como jovens fazem, um papel que lhes é esperado, e o pequeno Jamie logo está fascinado com as possibilidades que uma corrente elétrica traz. Como, por exemplo, amplificadores de som. Depois de um terrível acidente de trânsito, Jacob some da vida de Jamie, e o garoto, com o passar do tempo, se apaixona pela guitarra de um de seus irmãos mais velhos. A energia volta ao romance quando Jaime Morton sobe ao palco pela primeira vez e a estática das caixas de som chega aos ouvidos de todos.

    O livro foca Charles Jacob como um homem que perdeu a fé em Deus e a substituiu pelo amor à eletricidade; Jaime Morton luta com seus próprios demônios em pó, injetáveis ou líquidos, enquanto deixa escapar pelas mãos a chance que tinha para ser um excelente músico numa banda de rock. Revival é sobre segundas chances, sobre fé, música e sobre um tempo que já se passou e agora vive na memória dos que hoje são velhos o suficiente para pensar nas décadas passadas com nostalgia.

    Mas há dois pontos que gostaria de focar: abordar todos os pilares que fazem com que o livro se destaque seria cansativo para nós dois, meu caro leitor.

    Primeiro, recomendo outras leituras de Stephen King antes de Revival. Muita coisa fica perdida se o leitor não abrir o livro com prévia base do autor e de suas influências. A cena final do livro seria um absurdo sem qualquer sentido para o leitor que desconhece o horror clássico de King, Edgard Allan Poe e H. P Lovecraft, por exemplo. As homenagens a Mary Shelley, aos demônios de absoluto horror de Lovecraft e aos livros de início de carreira do próprio King passariam despercebidas. Nas Montanhas da Loucura, do criador de Cthulhu, é uma leitura essencial para o leitor que gostaria de capturar a essência das últimas dezenas de páginas. Do contrário, a experiência ficaria incompleta, frustrante como uma fila de banco sem um livro nas mãos. Ou alguma loja de roupas, se você preferir.

    Por fim, o próprio título indica que o escritor gostaria de revisitar suas origens, as raízes literárias que lhe compraram um lugar quase contínuo na lista dos best-sellers. Revival é, em muitos aspectos, um produto das décadas de 1970-80, e há naturalidade na nostalgia: Morton cresce, passando de uma criança para um velho guitarrista, fora de forma e deslocado, quando pensa na cultura que se desenvolve ao seu redor, mas que lhe é alienígena, exótica. O terror é mais latente nas páginas deste livro do que, digamos, em Doutor Sono ou em Mr. Mercedes, os últimos lançamentos. Conforme King envelhece, também envelhecem suas personagens, e Jaime Morton se torna muito mais interessante e real quando está com 50 anos. Ele realmente se estrutura de forma complexa e com cores vivas, refletindo o anacronismo do próprio escritor. O clímax não ocorre quando Morton é um adolescente ou jovem adulto em pleno vapor, mas quando ele já sente a respiração pesada, e os joelhos começando a falhar; quando um x-burger já não cai assim tão bem no estômago, e o futuro está no passado. Mas os elementos mais antigos também estão presentes: o vilão que beira o caricato; a bela moça sem pudores que serve como o escape sexual que separa os meninos dos homens; e o quase culto à cerveja com doses de cocaína e heroína, que casam muito bem com a carreira musical de Jaime Morton. A eletricidade também forma um elemento de interesse, e o leitor fica nas bordas do livro, imaginando quando a merda finalmente baterá no ventilador e a eletricidade entrará na equação como elemento de vital importância; o “x” que todos nós procuramos.

    E é neste ponto que a obra não consegue se manter. Enquanto minhas preocupações em resenhas passadas se davam com o passo lento das histórias e passagens que se esticavam demais, sem foco, sem propósito, King, aqui, poderia ter se prolongado um pouco mais. A história de Jaime Morton demora para colocar todas as peças no tabuleiro, mudando o leitor no tempo e no espaço e tomando seu devido tempo para construir o cenário, até que possamos sentir os cheiros dos lugares saindo pelas páginas. A perda da fé está presente, assim como a revolução na qualidade de vida que a eletricidade proporciona; o abuso de drogas e as segundas chances também aparecem nesta ou naquela página. Porém, há a sensação de que não olhamos diretamente nos olhos do dragão, não nesta obra. Podemos senti-lo, quase visualizar onde o escritor queria chegar, mas o livro falha ao deixar de agarrar seus demônios pela garganta e esfregá-los na cara do leitor.

    O romance se propôs a recuperar o terror que desapareceu – diluiu-se, para ser mais preciso – nas publicações do autor, principalmente depois de seu grave acidente em 1999. A impressão é de que a obra quer ter a energia dos 20 anos enquanto bombeia sangue em veias de 60: breve demais, seria muito melhor se tivesse a paciência e preparo, para se esticarem um pouco mais as pernas e percorrer aquele quilômetro extra. É na nostalgia que o livro me conquistou, no olhar que reserva para os monstros que aguardavam debaixo da cama. Para alguém que cresceu com livros na mão e o nariz enterrado em páginas amareladas pelo tempo, Revival atinge o ponto que te faz lê-lo com carinho.

    Maurício Ieiri é um historiador que não faz História. Atualmente, tentando descobrir o que fazer com sua vida, partindo deste exato momento até o dia em que morrer. No meio tempo, escreve ficções. Participou do blog coletivo Os Caras do Clube.

  • Resenha | The Walking Dead: A Queda do Governador – Parte Dois – Robert Kirkman e Jay Bonansinga

    Resenha | The Walking Dead: A Queda do Governador – Parte Dois – Robert Kirkman e Jay Bonansinga

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    Emprestando do cinema a quase sempre questionável mania de dividir uma obra em duas ou mais partes, a quadrilogia literária de The Walking Dead chega ao fim com a segunda parte de A Queda do Governador. E a sensação que fica é a de que o corte fez mal à saga de Robert Kirkman e Jay Bonansinga, pois este livro é o menor de toda a série, tanto em tamanho quanto em conteúdo apresentado.

    Se no volume anterior o atrativo ficou por conta do cruzamento com a linha narrativa dos quadrinhos e da nova e assustadora visão que tivemos de personagens já conhecidos, desta vez restou muito pouco para ser mostrado. O Governador sobreviveu à tortura imposta por Michonne, Lilly aceitou definitivamente a liderança dele, e o grupo de Woodbury parte para atacar a prisão. Todo o resto é irrelevante, principalmente a enrolada preparação para o ataque e as tentativas pífias de fazer com o leitor se importe com outros personagens além dos dois protagonistas: Bob foi deixado de lado por muito tempo (um livro inteiro), e é tarde demais para valorizar o capanga Gabe.

    O próprio conceito de “outro ponto de vista” não foi trabalhado a contento, prejudicando o entendimento da história tanto para quem não leu os quadrinhos quanto para quem simplesmente não lembra. Nas hqs, a visão é de Rick e seu grupo, mas é perfeitamente possível compreender quem são os inimigos e ter a noção geral do que está ocorrendo. Já o livro não oferece nada sobre os sobreviventes da prisão, deixando o leitor no escuro e sem entender contra quem/quantos o Governador e os seus estão lutando. Ideia proposital, claro, mas que na prática se revelou apenas frustrante.

    Em relação aos aspectos positivos, a saga finalmente acertou no equilíbrio entre os protagonistas, fazendo com ambos sejam interessantes. Lilly Caul consolidou o perfil forte e decidido que havia sugerido ter no capítulo anterior, assumindo de forma natural a liderança da comunidade, enquanto Blake estava fora de combate. Aos trancos e barrancos, e demorando mais do que deveria, a evolução da personagem, enfim, aconteceu, baseada no pressuposto de que quem sobrevive naquele mundo tem algo especial, uma capacidade de endurecer. A diferença é que alguns conseguem andar na linha da loucura sem cruzá-la, enquanto outros sucumbem à insanidade; Lilly demonstra pertencer ao primeiro grupo: inicialmente cega na fé no Governador, ela logo percebe que algo está errado.

    Blake, por sua vez, cruzou a linha há muito tempo. Não restou muito para ser desenvolvido em relação a ele neste último capítulo, mas ainda assim alguns pontos são dignos de nota. Mesmo consumido pelo desejo de vingança, ele consegue manter uma relativa máscara de sanidade, capaz de levar toda a comunidade de Woodbury a segui-lo em seu sanguinário projeto. Aqui, é visível o paralelo com diversos ditadores históricos, que baseiam sua propaganda na restrição de informações e principalmente no MEDO, levando toda uma nação/população a abraçar guerras sem o menor sentido. E assim como na realidade, a queda do ditador só acontece quando alguém do círculo interno tem a presença e a coragem de enxergar além.

    Ao final da leitura, poucas surpresas para quem já conhece a saga, e a certeza de que, com alguma edição, A Queda do Governador poderia ter sido um livro único, ótimo e consistente. Analisando a série literária como um todo, o saldo final é positivo, ainda que o brilhantismo do primeiro capítulo – A Ascensão do Governador – não tenha sido igualado por seus sucessores. Agora, com todos os quatro livros disponíveis pelo selo Galera, da Editora Record, cabe ao fã conferir e tirar suas conclusões.

    Texto de autoria de Jackson Good.

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  • Melhores Animes de 2014

    Melhores Animes de 2014

    Em termos qualitativos, 2014 foi um bom ano para a indústria de animação japonesa. Se tivesse que escolher apenas um motivo para justificar essa afirmação, diria que foi por ser um ano repleto de surpresas. Entre anúncios e entregas, aqueles que acompanham o meio tiveram 12 meses repletos de séries e notícias, que, no mais das vezes, provaram ser boas, apesar da desconfiança a elas dirigida. Algumas dessas gratas surpresas, como o ainda em andamento Shirobako e o já finalizado Shingeki no Bahamut: Genesis, acabaram por não entrar a lista, mas merecem ser ao menos citados. Já os 10 (na verdade 11) títulos que se seguem foram aqueles que, na minha opinião, mais se destacaram em 2014:

    10. JoJo’s Bizarre Adventure: Stardust Crusaders

    10

    O único anime da seleção que não atendeu completamente às minhas expectativas. Após uma temporada inaugural arrebatadora – que adaptou em 26 episódios tanto Phantom Blood quanto Battle Tendency, os dois primeiros arcos desse mangá, que, estando em publicação desde 1987, já soma mais de 100 volumes –,a equipe de David Production (adquirido em agosto pela gigante Fuji Television) nos traz a Stardust Crusaders, essa que, embora seja a mais famosa fase da obra original, mostrou em sua adaptação animada não ser a melhor.

    Nessa longa, e por vezes cansativa, aventura, conhecemos a terceira geração da família Joestar, encabeçada por Joutarou Kuujou, protagonista que, junto a um tradicional grupo de amigos com personalidades diversas, deve derrotar Dio Brando, o mais icônico vilão da franquia, e que é também o antagonista de Phantom Blood. Infelizmente, ao optar por uma narrativa mais fragmentada, seguindo o esquema de “inimigo da semana”, Stardust Crusaders perde muito o senso de urgência e o ritmo frenético que caracterizaram a produção anterior. Porém, ainda que decepcionante em mais de um aspecto, o leque de personagens carismáticos, lutas envolventes e poderes inventivos apresentados pelo anime são mais do que o bastante para colocá-lo entre os melhores do ano.

    Vale ainda ressaltar que os 24 episódios lançados em 2014 cobrem apenas metade da saga, que será retomada a partir do dia 10 de janeiro em uma nova temporada, cujo subtítulo é Stardust Crusaders – Egypt Arc.

    9. Fate/stay night: Unlimited Blade Works

    9

    Favor, não confundir com o pavoroso filme de mesmo nome lançado em 2010 pelo estúdio Deen. Funcionando como contraponto perfeito a tal atrocidade, que recebeu duras críticas dos fãs da Visual Novel, na qual se baseou, essa nova adaptação da obra de Kinoko Nasu vem arrancando elogios não só dos conhecedores do produto original, mas também daqueles que, como eu, queriam apenas acompanhar uma boa obra de fantasia urbana.

    Vencendo os preconceitos de quem esperava um produto de qualidade duvidosa (suspeita gerada pelo fato do anime não contar com a mesma equipe criativa de Fate/Zero), F/SN: UBW ostenta o mesmo primor técnico que o estúdio tende a conferir a todos os seus projetos. Com uma animação de personagens fluída e algumas das melhores cenas de ação do ano (apesar do uso um tanto abusivo de CGI, que, em dados momentos, acaba por entrar em conflito com a animação tradicional), a série mostra quanto fôlego ainda tem essa franquia – que, a julgar pelos recentes anúncios de novos filmes e produtos para outras mídias, deve ainda ser foco de comentários por um longo tempo.

    8. Empate

    Gin no Saji 2

    8

    A primeira temporada desse anime foi apontada por mim como um dos destaques de 2013, e, acerca de sua continuação direta, basta repetir os elogios feitos anteriormente. A despeito da mudança do diretor (Tomohiko Itou, tendo ido realizar o fraco Sword Art Online II, acabou atuando apenas como diretor de som nessa temporada, passando o bastão para o estreante Kotomi Deai), a sequência da adaptação da mais recente obra de Hiromu Arakawa (Fullmetal Alchemist) manteve todas as suas qualidades.

    Um relato apaixonado sobre a vida no campo, uma história de transformação e, sem dúvida alguma, uma das melhores comédias dos últimos tempos. Vale a pena conferir.

    Gekkan Shoujo Nozaki-kun

    8a

    Até pouco tempo atrás, basicamente ninguém conhecia esse 4-koma (mangá em tiras, cujas páginas são divididas em quatro painéis de tamanhos iguais) serializado na GanGan Online. Não obstante, entre os meses de julho e setembro, essa simpática paródia do universo dos romances adolescentes japoneses conquistou uma grande base de fãs nas Américas.

    Com um humor certeiro e extremamente dinâmico, cada episódio dessa animação de baixo custo dirigida por Mitsue Yamazaki, que também esteve à frente da produção de Hakkenden: Touhou Hakken Ibun (de 2013), é composto por diversas gags que ganham o espectador pela aparente loucura de seus personagens e situações, além de ser bastante eficaz nos comentários metalinguísticos que realiza com frequência. Tendo não apenas angariado fãs no Ocidente, mas também aumentando significativamente a venda dos volumes encadernados do mangá em sua terra natal, Gekkan Shoujo Nozaki-kun pode ser considerada a grande surpresa do ano.

    7. Shigatsu wa Kimi no Uso

    7

    A 7ª colocação não pertence a uma paródia, e sim a um típico romance colegial. Nele, conhecemos a histórica de Arima Kousei, um pianista prodígio que, após um incidente traumático, se vê incapaz de voltar a tocar o instrumento, situação que o atormenta até ter sua vida mudada quando conhece Miyazono Kaori, uma excêntrica e desconhecida, porém talentosíssima violinista.

    Como a sinopse indica, a trama, que nada contém de original, por vezes cai nas armadilhas do melodrama. Então, como poderia essa ser uma das melhores coisas exibidas este ano? Eu diria que pelo visível, quase palpável esforço que vêm realizando todos os envolvidos nessa produção do A-1 Pictures, que parecem determinados a transformar o que poderia ser apenas um passatempo medíocre em uma experiência inesquecível. É fácil para quem assiste ao anime notar, seja nos layouts detalhadíssimos, na bela composição de cenários, nas versões de qualidade de importantes peças do repertório erudito ou na sempre consistente animação (por exemplo, 2 dos 11 episódios já exibidos até a presente data foram feitos, cada um, por um único animador, o que lhes confere um senso de unidade difícil de se alcançar em produções televisivas), que o máximo de esforço foi despendido em cada detalhe do programa.

    6. Haikyu!!

    6

    Com o recente término de importantes concorrentes como Naruto e Kuroko no Basket, esse mangá sobre vôlei, de autoria de Haruichi Furudate, vem galgando caminho para se tornar um dos carros-chefe da Shonen Jump. E a adaptação animada de 25 episódios – produzida pelo Production I.G e dirigida pelo inexperiente, porém promissor Susumu Mitsunaka, cujo único outro trabalho havia sido Cuticle Tantei Inaba, de 2013 –, atuou recentemente como o mais importante agente de divulgação do título.

    Contando com uma animação irregular, que oscila entre momentos de quase estaticidade e sakugas (como são denominadas as sequências de animação mais detalhadas e fluídas, em geral feitas por key animators experientes) da melhor qualidade, o grande atrativo de Haikyu!! se encontra no texto de seu material original, que, embora não fuga às convenções dos mangás de esporte, certamente está entre aqueles que melhor conseguem transmitir as emoções do esporte retratado e desenvolver a psiquê de seus personagens.

    5. Kiseijuu: Sei no Kakuritsu

    5

    Outra estranha (em mais de um sentido) surpresa de 2014. Quem acompanha, mesmo de longe, essa indústria, sabe que adaptações de obras há muito finalizadas não são comuns. Kiseijuu, também conhecido como Parasyte, é um mangá que teve sua publicação encerrada quase 20 anos atrás, em 1995, mas que, devido à produção de um live-action nele baseado, acabou também por ganhar uma tardia adaptação animada, a qual, embora tenha sido concebida apenas para ajudar a divulgar o filme e para impulsionar as venda da reimpressão do mangá, chamou atenção como um dos mais provocantes animes do ano.

    A partir de uma premissa não tão incomum, já vista em filmes como Os Invasores de Corpos, essa produção do moribundo, porém ainda confiável estúdio Madhouse faz críticas ferinas à sociedade japonesa – críticas estas que, embora tenham sido formuladas duas décadas atrás, mostram-se ainda aplicáveis ao conturbado momento político vivido pelo país. Ostentando ainda doses de ação e de horror espacial, Kiseijuu: Sei no Kakuritsu é uma aposta certa para quem quer algo que fuja dos padrões.

    4. Ping Pong The Animation

    4

    Lisérgico, autoral e derivados são adjetivos comumente empenhados para descrever Masaaki Yuasa, hoje um dos mais importantes nomes do mundo dos animes. Embora todos tenham sua inconfundível assinatura, nenhum de seus trabalhos se parece entre si, seja estética ou narrativamente. É como se o animador/diretor responsável por Mind Game (2004), Kemonozume (2006), Kaiba (2008) e Yojouhan Shinwa Taikei (2010) estivesse sempre se desafiando a criar algo inédito. E, após uma longa espera, ele nos trouxe Ping Pong The Animation, adaptação do premiado mangá de Taiyou Matsumoto.

    Com um character design que difere, e muito, do visto no quadrinho original, e uma animação ainda mais estilizada, que em seu ensejo de subverter chegou até mesmo a fazer uso de técnicas de animação em flash de forma nunca antes vista, além de uma trilha sonora igualmente experimental fornecida pelo artista Kensuke Ushio, o Ping Pong de Yuasa é algo que, ainda que tenha tudo para desagradar a um grande número de espectadores, como atesta seu fracasso comercial, não pode ser perdido por aqueles que desejam explorar os limites da animação enquanto mídia.

    3. Zankyou no Terror

    3

    Shinichiro Watanabe era um diretor conhecido por levar um longo tempo na produção de suas séries: foram seis anos entre as estreias de Cowboy Bebop (1998) e Samurai Champloo (2004), e oito entre o início deste último e o de Sakamichi no Apollon (2012). Porém, esse estigma ficou para trás em 2014, quando, em apenas nove meses, o diretor finalizou duas séries: Space Dandy, da qual falarei adiante, e Zankyou no Terror.

    Realizados junto a dois de maiores parceiros, Yoko Kanno, a brilhante compositora que nos presenteou com a música de CowBe e os arranjos de Apollon, e Kazuto Nakazawa, cujo dinâmico character design pôde também ser visto em Champloo, os 11 episódios dessa produção do estúdio MAPPA consistem no que é o mais sério trabalho do diretor, embora definitivamente não seja o melhor. Segundo o próprio Watanabe, Zankyou no Terror é sua resposta pessoal à seguinte pergunta: como reagiria a alienada sociedade japonesa contemporânea caso atividades terroristas fossem realizadas em seu território? E, apesar de furos de roteiro e inconsistências que não podem ou devem ser relevados, as conclusões as quais o realizador chega e a coragem de levá-las ao ar já bastam para garantir seu lugar nesta lista.

    2. Mushishi Zoku Shou

    2

    Quase dez anos após o término de sua primeira temporada, lançada em 2005, nem o mais otimista de seus fãs acreditava seriamente que uma continuação pudesse vir e concluir a adaptação de Mushishi, a magnum opus de Yuki Urushibara. Por isso, o anúncio dessa improvável segunda temporada, realizado no final do ano passado, pegou todos de surpresa. E se as expectativas eram as mais altas possíveis, ao término de sua exibição Mushishi Zoku Shou provou não dever nada ao projeto anterior.

    Mostrando a mesma segurança com a qual conduziu a primeira temporada, Hiroshi Nagahama se redime pelo catastrófico Aku no Hana (2013) ao mais uma vez dar vida às experiências vividas por Ginko, um enigmático mushishi (alguém especializado em lidar com mushis, criaturas sobrenaturais responsáveis por todo tipo de fenômeno) que vaga por um cenário inspirado no Japão feudal. Episódica, a série proporciona com igual desenvoltura histórias dramáticas e contos de terror, mantendo como elemento comum a todas elas uma abordagem sensível e contemplativa.

    1. Space Dandy

    1

    Em termos técnicos, falamos agora de uma das produções animadas para televisão mais impressionantes de todos os tempos. Exagero? Assista a algumas das sequências desenhadas por nomes que figuram entre os animadores mais competentes do mundo, como Yutaka Nakamura, Yoshimichi Kameda, Takashi Mukouda, Hisashi Mori, Hidetsugu Ito, Tadashi Hiramatsu, Takeshi Honda, além de talentos ainda em desenvolvimento, como Norifumi Kugai e Bahi JD, e tire suas próprias conclusões. Mas, para os admiradores da animação enquanto processo artístico e aficionados pela tradição japonesa do sakuga, não há discussão: Space Dandy foi O anime de 2014, quiçá da primeira metade da década.

    Esforço coordenado pelo colosso Shinichiro Watanabe (notem que os dois únicos animes da lista pensados exclusivamente para essa mídia, ou seja, que não são adaptações de obras já preexistentes, são criações dele) e por seu protegido Shingo Natsume, a obra fez com que este entrasse na lista de novos diretores a serem observados de perto. Dandy é uma ficção científica nonsense, declaradamente inspirada em trabalhos como O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams, e Dark Star, de John Carpenter, que narra a trajetória de um disfuncional grupo de caçadores de recompensa. Além da animação totalmente fora dos padrões, uma trilha sonora que traz para a atualidade o melhor do pop dos anos 70 e 80, despontando entre uma das melhores realizações da carreira de Yoko Kanno, e enredos divertidíssimos – assinados por nomes como Keiko Nobumoto, principal responsável pelos textos de Cowboy Bebop e Wolf’s Rain (2003), e Dai Sato, mente por trás de Eureka Seven (2006) e Ergo Proxy (2006) –, são algumas das características que fazem desse um título imperdível.

    Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

  • Resenha | O Chamado do Cuco – Robert Galbraith

    Resenha | O Chamado do Cuco – Robert Galbraith

    O-Chamado-do-Cuco-Robert-Galbraith

    Quando uma modelo problemática cai para a morte de uma varanda coberta de neve, presume-se que ela tenha cometido suicídio. No entanto, seu irmão tem suas dúvidas e decide chamar o detetive particular Cormoran Strike para investigar o caso.

    Desnecessário comentar sobre o burburinho causado pelo “vazamento” da notícia de que a autora de Harry Potter escrevera este livro sob o pseudônimo de Robert Galbraith. Talvez eu até chegasse a ler se esse detalhe não tivesse sido divulgado. Mas certamente que, ao saber disso, minha curiosidade a respeito aumentou exponencialmente. E, com ela, a expectativa, lógico, apesar de eu me esforçar bastante para deixá-la de lado.

    Curto demais livros de detetive, e Agatha Christie e Conan Doyle estão entre meus autores prediletos, não apenas nesse gênero, mas na literatura em geral. E um dos motivos que me faz preferir os livros desses autores é a figura do detetive. Sherlock Holmes e Hercule Poirot são figuras que prendem a atenção do leitor tanto por sua excentricidade quanto por sua inteligência. E J.K. Rowling conseguiu conceber um detetive, Cormoran Strike, cujas características levam o leitor a querer acompanhá-lo literalmente a qualquer lugar, seja nas investigações, seja em suas crises pessoais.

    Os defeitos do protagonista são mais decisivos e atraentes que suas qualidades, sendo os elementos que o tornam um personagem interessante. No caso de Strike, a perna amputada – seus problemas com ela e a relutância em comentar a respeito -, seu casamento em crise, sua ascendência, suas dívidas, entre tantos outros problemas, agravam seu mau humor, seu pendor para o álcool e pelos exageros alimentícios, sua arrogância e seu desapego – que beira o desprezo – por um convívio social saudável. Diferente de Poirot e Holmes, Strike não é extravagante nem possui QI muito acima da média, mas consegue ser interessante o bastante para angariar a simpatia do leitor. E acompanhar a história significa não só se aproximar da descoberta do mistério, mas também conhecer mais do protagonista e de suas motivações.

    Todo herói que se preze tem um sidekick à altura e Strike tem o seu, ou melhor, a sua. E assim como o detetive é um herói relutante, Robin Ellacott, a secretária temporária, torna-se a ajudante quase por acaso, o que determina uma alquimia entre os personagens que funciona muito bem. Guardando-se as devidas proporções – lógico, não se pode perder de vista que é uma narrativa ficcional – os personagens, não apenas Cormoran e Robin, são bastante verossímeis e convincentes.

    A narrativa flui bem, apesar de algumas “barrigas”, trechos que poderiam ser suprimidos sem prejuízo à trama. E a pergunta que todos que me viram lendo o livro fizeram: “Parece Harry Potter?”. Não, não parece. Há, sim, o mesmo cuidado com o texto e com os personagens, mas apenas isso. Certamente, deve haver alguns detalhes estilísticos sutis que identifiquem a autora. Mas, principalmente no texto traduzido, não há nada perceptível, a não ser alguns easter-eggs – que eu nem sei se foram intencionais ou apenas “intrusões” do tradutor.

    Narrado em terceira pessoa, obviamente acompanha na maior parte do tempo os passos de Strike e, eventualmente, os de Robin. Rowling se preocupou em deixar o leitor ter acesso às mesmas informações que o detetive, contudo as conclusões de Strike pertencem apenas a ele. Mas mesmo assim, quando o mistério é revelado, não é um deus ex machina, em que algum elemento nunca antes visto na trama torna-se a chave da solução. Há algumas explicações um pouco “forçadas”, mas nada que faça o leitor duvidar demais do que está lendo. Uma das motivações do vilão não convenceu; havia outras possibilidades menos simplistas.

    Enfim, é uma trama bem estruturada, sem fios soltos. Não é excepcional, mas cumpre bem a função de entreter. E deixa o leitor com vontade de acompanhar outros “causos” da dupla Strike & Ellacott.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | V/H/S

    Crítica | V/H/S

    A primeira vez que tive contato com a franquia V/H/S foi quando o trailer do segundo filme, V/H/S 2, havia sido lançado. Os fãs de terror e os sites especializados estavam em polvorosa com o conteúdo daqueles poucos minutos. E, sim, o conteúdo era interessantíssimo, intrigante, e principalmente assustador.

    V/H/S é um projeto audacioso de Brad Miska, conhecido por ser um dos fundadores do site Bloody Disgusting, talvez o maior portal sobre terror já feito. Consiste na reunião de curtas-metragens de terror gravados em fitas VHS. O projeto fez muito sucesso, rendendo mais duas continuações, sendo que Miska, ao criar a franquia, entrou em contato com promissores diretores e roteiristas, que entregaram histórias muito bem feitas e principalmente cheias de tensão – algumas delas com finais surpreendentes –, as quais passaremos a analisar a seguir.

    TAPE/56

    Dirigido por Adam Wingard e escrito por Simon Barret, Tape/56 é o curta-metragem base para todas as outras histórias. Um grupo de jovens delinquentes anda pela cidade aprontando pegadinhas, praticando vandalismo e até abusos sexuais, tudo, obviamente, documentado por câmeras. Eles são recrutados por um amigo a invadir uma casa para recuperar a mítica Fita 56. Ao adentrarem a residência, encontram o dono morto, sentado no sofá, em frente a uma televisão, com diversas fitas VHS no chão. Um deles senta-se em frente à tela e começa a assistir à primeira fita VHS, enquanto os outros procuram mais fitas pela casa.

    Tape/56 é o único curta que é intercalado com os outros justamente porque cada um deles é visto por um membro dos delinquentes. De longe, é a história mais fraca, porque contém os clichês menos interessantes dos gêneros de suspense e terror.

    AMATEUR NIGHT

    A primeira fita a que o grupo assiste é dirigida e escrita por David Bruckner, e mostra alguns rapazes se divertindo num pub quando conhecem duas jovens, sendo uma delas bastante esquisita. Após muita bebedeira, eles conseguem convencer as moças a passarem o resto da noite com eles num motel barato. Embora o desfecho da história seja o mais comum possível, o mérito desta fita recai na atuação dos atores, deixando o espectador tenso e com medo, assim como os protagonistas.

    SECOND HONEYMOON

    Second Honeymoon mostra um casal, como o próprio nome já diz, vivendo sua segunda lua de mel, viajando pelos Estados Unidos e dormindo em motéis à beira de estrada. Em uma das noites, eles recebem uma visita inesperada. Aliás, a cena em que a visita aparece é muito bem feita e realmente causa intrigas, fazendo aquele que está assistindo a ela se perguntar várias coisas. O desfecho é muito inesperado, mas totalmente plausível. A fita conta com a direção de Ti West, que também escreveu o curta.

    TUESDAY THE 17TH

    Fita totalmente inspirada em Sexta-Feira 13, Terça-Feira 17 conta a história de quatro amigos indo acampar num local onde uma das personagens jura que foi a sobrevivente de um massacre ocorrido tempos atrás. A semelhança com a história de Jason Voorhees é tão grande que os personagens, inclusive, nadam num lago, em alusão ao Crystal Lake. O que difere do clássico do terror é justamente a ameaça, que, mesmo sendo violentíssima e agressiva, manifesta-se de uma forma que só a câmera consegue captar, por meio de interferências. Muito bom!

    THE SICK THING THAT HAPPENED TO EMILY WHEN SHE WAS YOUNGER

    Dirigido por Joe Swanberg e escrito por Simon Barret, essa talvez seja a fita com o final mais surpreendente de todos. James é um médico que está viajando a trabalho e mantém contato, pela webcam, com sua namorada Emily, que vem reclamando de um inchaço em seu braço. A jovem também acredita que o apartamento para o qual se mudou é mal assombrado. Esse segmento lembra bastante Atividade Paranormal, mais precisamente o quarto filme da franquia, em que algumas das manifestações da entidade se dão enquanto a protagonista conversa por meio da câmera com o namorado. Ao contrário do quarto filme do segmento milionário, The Sick Thing… é muito melhor, com um final que te deixa com um semblante de dúvida, algo que talvez nunca será explicado, mas que demonstra a mente doentia dos roteiristas do projeto.

    10/31/1998

    Como o próprio nome diz, o último conto de V/H/S se passa durante a noite de Dia das Bruxas, em 31/10/1998, e mostra um grupo de rapazes se preparando para uma festa de Halloween que acontecerá numa casa. Ao chegarem ao local, eles percebem que a mansão está aberta, mas vazia, o que é muito estranho. Porém, ao irem ao sótão da mansão, eles descobrem um grupo de homens prestes a assassinar uma moça aprisionada por eles. Aparentemente, trata-se de algum ritual satânico, e os jovens conseguem evitar a morte da garota. Ocorre que, na verdade, eles impediram um exorcismo, e a entidade demoníaca passa a se manifestar pela casa toda. Braços saem pelas paredes, objetos de decoração voam pela casa. Tudo muito bem feito (considerando o orçamento “pobre”) e muito bem conduzido pela direção colaborativa do grupo conhecido como Radio Silence, formado pelos diretores e roteiristas Matt Bettinelli–Olpin, Tyler Gillett, Justin Martinez, Glenn McQuaid e Chad Villela.

    O saldo de V/H/S foi tão positivo que existem outras duas continuações: V/H/S 2, de 2013, e V/H/S Viral, de 2014.

    Quem se preocupa demais com detalhes técnicos ou com a qualidade dos curtas deve passar longe da obra, pois vai reclamar bastante. A impressão é que o projeto foi feito para os fãs mais hard core, aqueles que cresceram assistindo a grandes clássicos do terror, mas que não são um primor de técnica. Outro detalhe importante é que, para alguns, será fácil reconhecer algumas homenagens, ou easter eggs. O estilo é o já desgastado found footage, que, aqui, não é um problema, uma vez que contribui para a tensão dos contos e que de certa forma ajuda a mascarar as falhas técnicas. Que mais fitas e talentos sejam descobertos!

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Resenha | Paralela – Lauren Miller

    Resenha | Paralela – Lauren Miller

    Paralela - Lauren Miller

    Existe aquele apelo irresistível em todas as histórias que envolvem duas possibilidades: o tempo e os rumos diferentes que a vida poderia ter tomado se tivéssemos optado por diferentes caminhos. Em Paralela, esse apelo é levado ainda mais longe porque as decisões que delineiam a história são acontecimentos cotidianos, daqueles que não se espera que definam destinos.

    Em um young adult competente, que flerta com a ficção científica se apropriando de termos de física quântica, Lauren Miller prende nossa atenção até a última letra. Em 327 páginas de narração não linear, a história de Abby Barnes conquista o leitor, que percorre as páginas ansioso pelo próximo revés. Um feito e tanto para o primeiro livro da autora.

    Abby Barnes está prestes a acabar o colegial e tem seu futuro todo planejado. A faculdade onde vai estudar, o emprego que almeja, nada deixa a cargo do destino, planejando muito bem o seu futuro. Isso não impede que alguns acontecimentos inesperados a coloquem em uma realidade bem distante de seus planos iniciais.  No entanto, um estranho acontecimento dará a Abby a oportunidade de experimentar uma vida que ela não viveu, e ela vai descobrir o que teria acontecido se não fossem alguns desses desvios.

    A autora é muito hábil em mesclar o universo adolescente, com seus triângulos amorosos e intrigas de colégio, e o argumento de ficção científica, ainda que não se aprofunde demais nas teorias que explicam o fenômeno de intersecção dos universos paralelos. Vivendo os muitos amores, conquistas e decepções de Abby, somos jogados de um tempo ao outro, vivenciando o sentimento da falta de controle que a protagonista experimenta. O desfecho competente, embora não ofereça todas as respostas, satisfaz. Uma leitura que pretendo repetir em breve.

    Compre aqui: Paralela – Lauren Miller

    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.

  • [Friamente Calculado] Tesões Enrustidos – Versão DELUXE

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    TESÕES ENRUSTIDOS – (Slashfic Especial de Natal) [25/12/2012]

    Flávio Vieira era um comedor. Ele era um Ricardão, um garanhão, um safado. Não perdoava nem suas primas. Resumindo: Flávio Vieira comia todas as cocotas. Mas sempre após o coito, algo estranho acontecia: Flávio se sentia sozinho. Ele sentia que lhe faltava… algo.

    Na véspera de Natal, ele recebeu a visita de Rafael Moreira em sua casa. Diferente de Flávio, Rafael não comia ninguém. Era um garoto virginal criado pela avó.

    Entre uma cerveja e outra, Flávio olhava Rafael com interesse.

    “Rafael, você já sentiu algo… estranho em você?”, perguntou.

    “Como assim?”, indagou Rafael.

    “Quero dizer… Depois de fazer sexo com uma mulher.”

    “Ah… Claro. Sim.”, mentiu Rafael, que tinha vergonha de admitir sua virgindade.

    “Verdade?”, perguntou Flávio. “E você já sentiu que faltava algo DENTRO DE VOCÊ?”

    “Sim, com certeza.”, afirmou Rafael sem certeza, pois não sabia nada sobre sexo.

    Flávio não conseguiu se segurar mais e avançou, dando um longo e molhado beijo nos lábios de Rafael. E, para sua surpresa, Rafael respondeu a seus estímulos colocando a língua em sua boca.

    Seu beijo durou alguns minutos até que os dois finalmente se afastaram e trocaram olhares lascivos.

    “Eu… Sempre quis você.”, disse Flávio, com saliva escorrendo pelo queixo.

    “Acha que devemos fazer isso? Acha que é certo?”, indagou Rafael, tímido.

    Flávio o puxou para seu colo, onde ele ficou obedientemente sentado. Ele o olhou firmemente nos seus olhos e disse: “Sempre… Seu safadinho”.

    Quando iam voltar a se beijar e trocar carícias, foram interrompidos por um barulho alto vindo da porta. Ambos se viraram assustados…

    Era Mario Abbade. Ele estava nu, usando somente uma capa do Batman e apresentando uma ereção massiva. Seus olhos estavam ensandecidos de tesão.

    “TÁ NA HORA DO PAU!”, ele gritou para os dois.

    CONTINUA?

    *****

    PEDRO LOBATO: Acho que Tesões Enrustidos é uma obra natalina a ser lembrada por gerações. Dessa forma, minha primeira pergunta é sobre ambientação. Temos alguma relação judaico-cristã envolvendo a vida dos personagens ou foi uma menção honrosa ao saudoso “peru de natal”?

    THE NINDJA: Nenhuma das duas. Eu só estava bêbado e eu odeio o Natal.

    PL: Neste primeiro capítulo, percebemos que Flávio e Rafael são um casal improvável. Um é ousado e galanteador, o outro é tímido, porém curioso. Como você explica a união dos dois nessa história de amor?

    TN: Eu me baseei pelo que ouvia nos podcasts. A tensão sexual entre os dois é óbvia. Acho que, no final, tudo se resume ao fato de que os dois são duas bichas safadas.

    PL: Creio que as influências de “Tesões Enrustidos” são muitas. Nos conte um pouco mais de suas referências e inspirações para esta bela história.

    TN: Sou um leitor obsessivo de coisas bizarras… Outro dia eu terminei de ler um “Manual de Combate Psíquico da KGB”. Também gosto muito de filmes de ação dos anos 80.

    *****

    TESÕES ENRUSTIDOS (Parte 2) [15/01/2013]

    Flávio e Rafael se abraçaram fortemente ao perceberem a presença de Mario Abbade, que estava pelado, louco por uma foda selvagem.

    “O quê… O que você quer de nós, Mario?”, balbuciou Rafael, temeroso.

    Mario os observava com olhos ensandecidos através de sua máscara de Batman de R$ 1,99.
    “EU QUERO COMER CU! COMER CUUUUUUU APERTADO!!!”, ele gritou.

    Flávio se levantou, derrubando Rafael e se colocando na frente dele. “Nananinanão! O cuzinho dele é só meu, Mário! Só meu!”, rugiu Flávio valentemente.

    Mario se irritou e atacou Flávio, pulando violentamente sobre ele e imobilizando-o. “SURRA DE PAU!”, berrou Mrio. E começou a bater no rosto de Flávio com sua ereção monstruosa. Direita, esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda… Os golpes foram tão violentos que Flávio desmaiou.

    “Meu amado!”, gritou Rafael, desesperado.

    Mario agarrou Rafael sem aviso e colocou-o em suas costas. “VOCÊ SER MEU ROBIN AGORA! LIMPAR CAVERNA E CHUPAR ROLA!”, dizia Mario, eloquentemente.

    “Jamais farei amor com você, seu… seu bruto! Minha virgindade pertence ao Flávio! Nosso amor é puro!”, desafiou Rafael.

    “HAHAHAHA! NINGUÉM RESISTE AO BAT-PAU!”, riu Mario, enquanto o sequestrava.

    Flávio acordou alguns minutos depois, desorientado. Logo percebeu a ausência de seu muso inspirador e sentiu-se desolado. “Oh! E agora, quem poderá me defender?”, suplicou aos céus.

    “Eu!”, respondeu o satanista ateu homossexual (e judeu islâmico) que ali surgiu.

    CONTINUA…

    *****

    PL: No final do primeiro capítulo, e já fazendo um gancho para o segundo, somos apresentados ao vilão Mario Abbade, ensandecido por cus e louco para transformar Rafael em seu Robin. Acha que a preferência sexual do Mario envolve quais tipos de cus?

    TN: O Professor Mario Abbade é um notório pansexual. Pra ele, vale tudo… Até dar o cu.

    PL: De onde você acha que vem tamanha tara por cus de Mario Abbade? Acredita que existe algum fator de sua infância envolvido na questão?

    TN: Ele é crítico de cinema. Eu acho que isso explica muito.

    PL: Acredito que o segundo capítulo tem uma das cenas de violência mais pesadas da literatura, das que fariam Steven Seagal fechar os olhos. Como foi mentalizar a “surra de pau” que Mario Abbade dá em Flávio?

    TN: Em termos de comparação, não foi tão ruim quanto ver um filme do Rob Schneider.

    *****

    TESÕES ENRUSTIDOS – CAPÍTULO III [05/02/2013]

    Flávio olhava atônito para Pedro Lobato. “Pedro, como chegou aqui? E por que está vestido de Harry Potter?”, perguntou.

    “Não é cosplay de Harry Potter! É minha vestimenta mágica!”, reclamou Pedro, com sua voz afeminada.

    “Eu sempre pensei que essa coisa de Magick era viadagem sua…”

    “No começo era… Eu gostava de Raul Seixas e da Madonna e pensei que esse negócio de Kabbalah era legal…”, confessou Pedro, alisando as pontas de seu manto ridículo. “Mas algo mudou em mim… DENTRO DE MIM, BEM NO FUNDO. Você entende, Flávio?”

    Flávio deu as costas a ele (dramaticamente). “Sim… Eu acabo de descobrir que eu… eu sou viado! Eu sou bicha… E eu amo o Rafael!”

    Pedro colocou suavemente sua mão no ombro de Flávio. “Você nunca nos enganou Flávio…”

    Flávio se virou com um ar preocupado. “Temos que salvá-lo do Mario, Pedro! O cu do Rafael é meu! Só meu!”

    “Certo! Mas, para enfrentar o Mario, temos que reunir forças. Vamos a um lugar onde conseguiremos isso.” Logo em seguida, Pedro abaixou as calças e ficou de quatro no chão, mostrando a bunda para Flávio. “Rápido, coloque seu báculo em meu cálice.”

    “… O quê?”, indagou Flávio.

    “Coloque o seu pipi no meu popô.”, disse Pedro.

    “Ahn?”

    “Flávio… Enfie seu pau no meu cu”, suspirou Pedro, cansado.

    “Ah, bom.”, respondeu Flávio e abaixou as calças para começar a operação.

    Ele introduziu a cabecinha no buraco negro de Pedro e ambos foram arrebatados por uma poderosa força sobrenatural. Flávio sentiu que estava em movimento dentro de uma espécie de túnel sem fim, com sons de animais selvagens gemendo, enquanto Pedro gritava intensamente… Era um pesadelo sem fim.

    Subitamente, ambos atingiram o chão. Flávio se levantou e levantou as calças.

    “Onde estamos?”, perguntou.

    “Estamos no único lugar que pode nos oferecer ajuda… A Escola de RPG de Marcelo Del Debbio!”, disse Pedro, ainda de quatro no chão.

    CONTINUA…

    *****

    PL: Meu questionamento sobre este capítulo é relacionado ao melhor personagem desta história: eu. Por que “satanista ateu homossexual (e judeu islâmico)”? Como você acha que minhas escolhas religiosas plurais me definiram como personagem em sua história?

    TN: Como um idiota.

    PL: Você acredita em magia sexual? Pode nos dizer um pouco a respeito dela? Como diabos alguém pode se teletransportar utilizando seu orifício anal?

    TN: É magia, eu não preciso explicar.

    PL: Quando Flávio está se teletransportando para a Escola de RPG do Marcelo Del Debbio você descreve a sensação com “Flávio sentiu que estava em movimento dentro de uma espécie de túnel sem fim, com sons de animais selvagens gemendo”. Temos aqui alguma espécie de easter egg?

    TN: Sim. “A Fantástica Fábrica de Chocolates” original, quando o Willy Wonka fica cheirado no passeio de barco.

    *****

    TESÕES ENRUSTIDOS – TOMO IV [19/03/2013]

    “Escola de RPG?”, indagou-se Flávio. “Então quer dizer que RPG é coisa do Diabo mesmo?”, perguntou impressionado.

    Pedro levantou-se do chão lentamente, limpou o líquido branco que escorria em suas pernas e vestiu as calças. “Claro que sim, Flávio. Ou você acha que a Rede Globo mentiria para nós?”, respondeu.

    Ambos começaram a andar pelos corredores roxos e fluorescentes da escola, passando por diversos tipos de alunos: EMOs, hippies, viados, bichas, sapatões e podcasters.

    “Quer dizer que você aprendeu magia neste lugar?”, perguntou Flávio.

    “Aprendi muitas coisas aqui, Flávio…”, respondeu Pedro, com um olhar maroto enquanto fazia movimentos sensuais com sua língua.

    De repente, foram abordados por um homem estranho, vestindo chapéu e capa preta. Sua presença era ameaçadora e terrível, como encontrar um corintiano à noite.

    “Professor Toninho!”, exclamou Pedro, surpreso.

    “EU TACO FOGO!”, saudou Toninho do Diabo, professor de Demonologia e Putaria Aplicada da Escola de RPG de Marcelo Del Debbio.

    “Quem é esse cara?”, indagou Flávio.

    “Ele é meu professor, me ensinou muito sobre pederastia e magia hardcore! Ele vai nos ajudar com o problema do Mario!”, respondeu Pedro.

    “Eu fiquei sabendo que um amigo seu foi possuído.”, disse Toninho, com sua voz imponente e assustadora.

    “Sim, é verdade, professor. O nome dele é Mario e ele foi dominado por um ser antigo de muito poder. O senhor vai nos ajudar?”, requisitou Pedro.

    “É claro que sim, Pedro. Seu amigo ficará bem… Ele só precisa do auxílio de um HOMO.”, declarou Toninho, com uma voz que parecia um trovão.

    “Homo?”, perguntou Flávio, confuso e levemente excitado.

    “Sim… Harmônico Organizado Mágico Ofensivo.”, respondeu Pedro. “É um grupo de poderosos feiticeiros que utiliza magia para atacar seres malignos. Serão vitais para a recuperação do Mario.”, completou.

    Toninho os guiou rapidamente pelos corredores até chegarem diante de uma grande porta de madeira, que era enfeitada com um desenho de um arco-íris e dois homens se abraçando.

    “Aqui está o HOMO, meus amigos.”, disse Toninho, com uma voz que poderia quebrar pedras.

    Pedro não se conteve e abriu a porta com excitação. Flávio se aproximou e pôde ver o interior da sala do HOMO. Ela estava repleta de homens de diversas idades, todos nus, se masturbando uns aos outros e gemendo pateticamente.

    “Mas, Pedro…”, disse Flávio, surpreso, “Aqui só tem um monte de virgens batendo punheta!”.

    “É claro”, respondeu Pedro com confiança, “como você acha que magia funciona?!”.

    CONTINUA…

    *****

    PL: No capítulo 4, os heróis de “Tesões Enrustidos” se preparam para a batalha final. Como você se prepararia para uma batalha com uma antiga entidade pederasta?

    TN: Eu não preciso de preparo. Eu provavelmente só ia dar uns saltos mortais, jogar algumas shurikens… Sempre funciona.

    PL: Flávio parece perdido na Escola de RPG e com s quantidade de gente se enrabando e se masturbando no lugar. Se ele era viado, qual era a real fonte de surpresa para Flávio naquele lugar? Dar a bunda não é a mesma coisa que dar a bunda vestido de Darth Vader?

    TN: Existem vários níveis de viadagem nesse mundo. Naquele momento da história, Flávio era somente um iniciado. Ele estava impressionado com os pederastas nível ômega.

    PL: Quem são seus maiores ídolos gays enrustidos na sociedade? Já vimos que Toninho do Diabo e Marcelo del Debbio são alguns deles.

    TN: Acho que os melhores exemplos da vida real seriam Chuck Norris, Vladimir Putin, Wanderlei Silva e, é claro, Jesus Cristo. Já na ficção, com certeza o Batman é o maior gay enrustido que existe.

    *****

    TESÕES ENRUSTIDOS – Livro 5 [14/05/2013]

    Rafael não aguentava mais as investidas sexuais de Mario Abbade. Trancado na sua “caverna” (na verdade era um porão), ele chegava a cada cinco minutos, vestido somente com sua capa de Batman, segurando uma cueca verde e dizendo, com um tom de voz maroto: “Você quer brincar de Robin comigo?”.

    Ele geralmente recusava, mas às vezes chupava o pau de Mario e tudo acabava rapidamente, sem violência envolvida. E ele fazia questão de sempre engolir tudo, por motivos de honra.

    Acorrentado, sujo e sozinho, seu único alento era pensar em seu amado Flávio. Ele passava horas lembrando de seus lábios carnudos, seu físico másculo e seu pênis infantil. Imaginava, entre um choro e outro, quando iria vê-lo novamente…

    De repente, o porão onde estava foi iluminado por uma espalhafatosa nuvem roxa e ele pôde ver que havia pessoas ali com ele. Conseguiu identificar vários homens com vestimentas estranhas, se masturbando. Depois olhou com mais atenção e percebeu… Flávio. Que estava, por alguma razão, comendo o cu do Pedro.

    “Flávio! Meu periquitinho!”, disse Rafael, com lágrimas nos olhos.

    “Rafael! Meu ursinho sensual!”, respondeu Flávio, tirando seu pau do cu do Pedro.

    Os dois se abraçaram e se beijaram intensamente, ambos saboreando o gosto da saliva do outro.

    “Como me achou?”, perguntou Rafael, olhando-o com carinho.

    “Eu segui meu coração… E o Pedro me ajudou.”, disse Flávio.

    Pedro se levantou e vestiu as calças. “Temos que sair daqui agora! O Mario está ficando mais poderoso a cada hora…”, começou a falar com sua voz afeminada e irritante.

    Subitamente, a porta do porão foi aberta com violência. Todos olharam para ela e viram Mario Abbade, vestido como um louco e agindo de acordo.

    “Meu Robin!”, ele gritou ensandecido. “MEU ROBIN!!!”

    CONTINUA…

    *****

    PL: Você descreveu nesse capítulo que Rafael ocasionalmente chupava o pau de Mario com o intuito de preservar o seu cu. Você acha mesmo que Rafael era virgem no ânus? Acha que o verdadeiro amor se encontra apenas quando o clássico amor de costas é consumado?

    TN: Sim, o Rafael estava se guardando para o seu amado. E ninguém realmente oficializa um relacionamento só com um boquete… Bem, talvez no ensino fundamental.

    PL: Como você explica o código de ética e a honra dos prisioneiros de uma entidade pederasta maligna? O que pode fazer e o que não pode?

    TN: Não importa muito… Todo mundo está fodido e se fodendo.

    PL: Fala sério, minha voz é tão irritante assim?

    TN: Para ser sincero, eu não lembro.

    *****

    Olá, leitor! Eu sou Uatu, o Vigia! É função da minha raça registrar eventos de proporções cósmicas sem interferir! Em nossa última aventura, vimos que Mario Abbade, o crítico mais amado do Brasil, foi possuído por uma entidade maligna de tremendo poder!

    Também vimos Flávio Vieira e Rafael Moreira se pegando! E, é claro, Pedro Lobato dando o cu de novo! Agora veremos como esses acontecimentos se resolverão…

    Stan Lee apresenta… TESÕES ENRUSTIDOS #6 [30/05/2013]

    “MEU ROBIN!!!”, gritava Mario.

    Rafael abraçou Flávio com força e começou a chorar baixinho. Flávio, por sua vez, virou-se para Pedro e perguntou: “Que porra é essa, Pedro?”.

    Pedro hesitou por um momento, então respondeu, com um ar sombrio: “Mario foi possuído por um ser antigo de muito poder. Seu nome verdadeiro é Shickshickbunnbunn… Ele é o Deus Insano da Viadagem e da Pederastia! Também conhecido como o primo viado de Cthulhu!”.

    Nesse momento, Mario caiu no chão e começou a urrar com uma voz inumana. Seu corpo inchou até proporções monstruosas, seus membros se metamorfosearam em gigantescos tentáculos fálicos e sua cabeça se transformou em uma versão grotesca do rosto de Jorge Lafond.

    Flávio quase enlouqueceu com a transformação daquela figura alienígena na sua frente, mas de alguma maneira manteve sua sanidade. “Como podemos deter isso?”, perguntou exasperado a Pedro.

    Pedro começou a explicar: “É bem simples! Nós só temos que…”.

    Subitamente, Pedro foi capturado pela criatura repugnante. Seus tentáculos horríveis começaram a penetrá-lo em todos seus orifícios: ouvidos, nariz, boca, ânus… “Não! Não! Socorro! ARGHHHH! (slurp! slurp! slurp!)”, suplicou Pedro.

    “Isso é terrível!”, gritou Rafael, que secretamente achava aquilo tudo muito sensual.

    Shickshickbunnbunn arrebentou o porão onde estavam, iniciando o ataque às casas próximas da vizinhança, condenando seus ocupantes ao mesmo destino do satanista de faculdade. Enquanto isso, os membros do HOMO que ali chegaram com Pedro mostraram sua coragem e, literalmente, sumiram em um passe de mágica.

    “O que faremos, Flávio? Se ele continuar, o mundo todo será transformado em uma fantasia japonesa.”, disse Rafael, olhando-o com medo.

    “Eu… Eu não sei, meu amor. Acho que esse é o fim…”, respondeu Flávio, desconsolado.

    CONCLUI A SEGUIR…

    Olá novamente! Eu sou Uatu, o Vigia! Será que Flávio e Rafael sobreviverão?! Mario continuará a estuprar o planeta Terra em sua forma abominável?! Pedro vai dar a bunda mais uma vez?! Provavelmente! Nossa única certeza é que o pau vai comer solto na edição final de “Tesões Enrustidos”! EUSOUUATUOVIGIA!

    *****

    PL: “Seu nome verdadeiro é Shickshickbunnbunn…Ele é o Deus Insano da Viadagem e da Pederastia”. Por favor, me diga que o nome dessa entidade é uma referência clara a “Kung Pow”. É, não é?

    TN: Possivelmente. Eu lembro vagamente que eu estava assistindo a Kung Pow de novo na época em que estava escrevendo isso. Se não foi isso, então foi uma grande coincidência.

    PL: Todo mundo sabe que todo autor precisa recorrer à realidade para poder escrever com precisão aquilo que ele quer passar para os leitores. Quantos hentais você viu para conseguir descrever aquela cena de estupro bestial em que eu fui vítima?

    TN: Eu não assisto mais a hentais como antigamente, mas já devo ter visto vários. Acho que o mais marcante pra mim foi “A Lenda do Demônio”, que subitamente passou no Cine Privé. Aquilo foi um evento.

    PL: Ao ver a cena de estupro, Rafael “secretamente achava aquilo tudo muito sensual”, de modo que me faz pensar que existia uma espécie de vontade escondida no Rafael em dar para o Pedro (eu). O quão viado é Rafael? De qual nível estamos falando aqui?

    TN: Acho que existe uma grande luta ocorrendo dentro do Rafael. Por um lado ele quer dar para todo mundo, por outro, quer ser fiel e pacato. É o que faz o personagem tão interessante. Acho que se ele explorasse todo seu potencial viadístico, ele poderia ser um viado nível ômega, como aqueles vistos no capítulo 4.

    *****

    TESÕES ENRUSTIDOS – FINAL [29/06/2013]

    Mario Abbade, transfigurado no avatar de Shickshickbunnbunn no plano terrestre, continuava seu estupro transdimensional no planeta. Seu apetite sexual não poupava nada ou ninguém: ele atacava hospitais, asilos e convenções de anime.

    “Estamos perdidos… Esse é o fim da raça humana.”, concluiu Flávio, sem nenhuma esperança.

    “Oh Flávio… Me abrace! Se vamos morrer mesmo e tudo vai acabar em uma grande orgia, pelo menos vamos morrer juntos!”, declarou Rafael com lágrimas nos olhos.

    Flávio o abraçou o mais forte possível e ambos esperaram o pior.

    Mas, de repente, um deus ex machina apareceu do nada. Vindo das trevas místicas da Bahia, dirigindo sua imponente Harley Davidson, surgiu Durval Lélys, seguido de sua banda defensora dos bons costumes: o Asa de Águia!

    Rafael e Flávio ficaram imediatamente excitados pela visão de Durval Lélys e sua surpresa foi tanta que não sabiam o que dizer.

    A banda rapidamente preparou seus instrumentos e, liderados firmemente pelo seu vocalista, começaram a tocar uma música de poder.

    Assim que a música tocou os ouvidos de Shickshickbunnbunn, sua forma começou a ser afetada. A criatura, que antes era repulsiva e implacável, sentiu dor e pareceu diminuir de tamanho.

    “A voz dele… Parece um coro de mil anjos.”, disse Flávio, surpreso.

    Depois de alguns minutos de uma transformação dolorosa, Mario Abbade estava de volta a sua forma humana, mas exausto e desmaiado. Suas vítimas de estupro cefalópode foram libertadas e voltaram para suas casas com dores retais. Shickshickbunnbunn havia sido expulso desse plano pelo poder do Axé.

    O Asa de Águia guardou seus instrumentos e preparou sua partida. Flávio e Rafael respeitosamente se aproximaram de seus salvadores.

    “Como podemos agradecê-los pelo que fizeram?”, perguntou Rafael, com segundas intenções.

    “Só lembrem-se”, respondeu Durval, montando em sua Harley, “que eu morri pelos seus pecados.” E foi embora com sua banda, na direção do pôr do sol.

    Mario acordou nu, desorientado e cambaleando. “O que… O que aconteceu comigo?”, perguntou.

    “Você foi possuído por uma força sexual obscura e maligna, Mario. E quase fudeu todo mundo. Literalmente.”, respondeu Flávio.

    “Foder com você? Foder com todo mundo? Porra, como que pode uma porra dessas?”, indagou Mario, nervoso.

    “Eu não sei… Mas pelo menos você não matou ninguém.”, completou Rafael.

    “Espera aí…”, pensou Flávio. “Cadê o Pedro?”.

    Os três olharam ao seu redor por um tempo e encontraram um corpo terrivelmente retorcido e retalhado, cheio de buracos que vertiam sangue e sêmen.

    “Oh… Acho que você matou o Pedro.”, disse Rafael, nem um pouco triste.

    “Bem… Quem se importa com ele, não é mesmo? Hahahaha!”, declarou Mario, com o bom humor de sempre.

    Os três riram de maneira maníaca. Então deram suas mãos e começaram a saltitar juntos… Em direção a um amanhã colorido e cheio de podcasts sobre filmes indie.

    FIM

    *****

    PL: Onde estavam Aoshi, Jackson, Filipe Pereira e Thiago no momento em que essa história ocorreu?

    TN: Quem?

    PL: Como foi para você escrever “Tesões Enrustidos”? Abra seu coração.

    TN: Foi uma jornada estranha e horrorosa. “Tesões Enrustidos” começou como algo descompromissado, se tornou uma história no meio do caminho e terminou como um arrependimento. Eu não me orgulho disso, mas não posso negar que aconteceu. É como se fosse uma ex-namorada.

    PL: Agradeço por participar dessa versão deluxe. E para finalizar: estamos falando de “Tesões Enrustidos”! Quero saber, The Nindja, afinal essa história é sobre o seu tesão enrustido em nós do Vórtex Cultural, não é? Diga a verdade!

    TN: Quantas vezes eu tenho que dizer isso, Pedro? Isso é um trabalho de ficção, não significa nada. Pare de me mandar fotos de você pelado ou eu vou chamar a polícia.

    *****

    TESÕES ENRUSTIDOS – CAPÍTULO EXTRA

    Flávio estava arrumando os presentes ao redor da lareira com decorações natalinas, enquanto Rafael estava cuidando do peru de Natal na cozinha.

    Depois de terminar, Flávio foi até a cozinha, onde encontrou Rafael sentado na mesa, tomando um copo de suco de laranja, despreocupado.

    “Você fica muito fofo desse jeito, trabalhando na cozinha”, comentou Flávio.

    “Hm-hmm”, resmungou Rafael, tomando um gole de seu suco, sem dar atenção.

    “Parece até…”, disse Flávio, salivando.

    “Um pai de família?”, completou Rafael.

    Flávio partiu para o ataque, jogando Rafael sobre a mesa com a toalha da Santa Ceia, e arrancando suas calças ao mesmo tempo.

    “Vou fazer um oco nesse rabo!”, ameaçou Flávio.

    “Aí que delícia, porra!”, gemeu Rafael, “AAAAAIIIIIIIII QUE DELÍCIA CARA!!!”.

    Texto de autoria de “The Nindja”.

  • 10 Filmes Com Temática Natalina

    10 Filmes Com Temática Natalina

    Filipe Pereira, Doug Olive, David Mattheus e Bernardo Mazzei resolveram fazer um revival do post Top 10 Filmes de Natal, de 2012, citando filmes marcantes que utilizam a temática do Natal.

    Batman: O Retorno, de Tim Burton (por David Mattheus Nunes)

    O sucesso de Batman, em 1989, permitiu que o diretor Tim Burton alçasse um voo mais alto na continuação da saga do Homem-Morcego. Com um elenco ainda mais estrelado que o de seu antecessor, que contava com Danny DeVito na pele de Oswald Cobblepot, o Pinguim; Michelle Pfeiffer, sensualíssima, vivendo Selina Kyle, a Mulher-Gato; e Christopher Walken, como Max Shreck. A trama, que se passa durante a época natalina, é marcada pelo retorno de Cobblepot a Gotham City, sendo considerado a salvação da cidade, uma vez que impede o sequestro do filho do prefeito, algo que foi arquitetado pelo próprio Oswald, contando com a ajuda de Max Shreck, que quer colocar o Pinguim como prefeito de Gotham. Em paralelo, a jovem secretária Selina Kyle descobre os planos malignos de Max e é jogada do alto de um prédio, sobrevivendo à queda. Selina, uma solteira azarada no amor e que sofre da tradicional síndrome da “louca dos gatos”, se apaixona pelo Batman a ponto de se aliar ao Pinguim para matar o Morcego. O filme tem o estilo de Burton, bem mais acentuado, acrescentando um visual mais gótico a Gotham City. É também uma fita mais violenta, acompanhada de um sarcasmo bastante peculiar e certeiro, o que faz com que certos momentos sejam memoráveis, principalmente aqueles em que Pfeiffer está em cena, como o arco do assassinato de Selina Kyle e sua transformação, ou o momento em que ela engole um passarinho do Pinguim, ou o beijo eletrizante dado em Max ao final do terceiro ato. DeVito não fica atrás, mas seu personagem parece caber mais como um alívio cômico mimado, com sua coleção de guarda-chuvas ou seu patinho no melhor estilo fliperama. Em contrapartida, seu visual é asqueroso, o que contribui com o visual o qual o filme propôs. Infelizmente, Batman: O Retorno tem alguns momentos bem fracos, mas, sem dúvida, colocou o Batman para trabalhar na noite de Natal.

    Gremlins, de Joe Dante (por Filipe Pereira)

    Após algumas viagens ácidas pelo mundo dos filmes trash de Roger Corman, Joe Dante começa a adentrar no cinema familiar se juntando a Chris Columbus para produzir Gremlins. Com uma forte influência de A Pequena Loja de Horrores, o filme conta a história de um pai que pensa em um criativo presente de Natal para seu filho, dando-lhe alguns animais de pequeno porte, fofos em essência, mas que guardam um potencial destrutivo tremendo. O poderio do caos das criaturas pode ser analisada no viés da infantilidade exacerbada, repleta de travessuras, como também de uma rasa metáfora com a voracidade do capitalismo selvagem e destrutivo, em uma data que deveria significar o renascer de uma figura ecumênica.

    Feliz Natal, de Selton Mello (por Doug Olive)

    Um filme amargo e cínico – no bom sentido. Antítese sob forma de mural do espírito do Natal, mural de relações humanas alheio a Frank Capra, mas se apoiando em Iñarritú numa versão alternativa e não radicalmente contrária ao belo e lenitivo sentido familiar dos clássicos apaziguadores de Ozu e Capra, o próprio. Qualquer diretor que no primeiro filme aposta mais na linguagem visual que na literal merece respeito, afinal isso não é garantia de sucesso ou aceitação, e Selton Mello se dá notavelmente bem sendo esse seu primeiro tiro ou décimo, em termos de harmonia a favor da desarmonia de personagens desequilibrados, todos se aturando em convívio cínico – daí o cinismo já apontado – no reencontro em uma festa que era pra ser tão diferente do que acaba sendo em muitas famílias, lares afora. Feliz Natal trata cada figura como mundos em colisão, pois de cada choque é oriunda sua presença válida em muitas listas natalinas, subversivas ou não, ao leve contexto da festa. O fim de ano foi o começo da expansão de Selton, de ator a cineasta, para a direção do quadrante onde o artista se ergueu.

    Rocky IV, de Sylvester Stallone (por Filipe Pereira)

    O mais galhofado filme da franquia – ao menos até então – do boxer ex-fracassado tem na gélida Rússia o seu cenário principal, lembrando o estado de nevasca típica da propaganda do American Way of Life em tempos  de 25 de dezembro. A vitória de Rocky Balboa é fechada com um discurso de conciliação, semelhante ao estado de hipocrisia de muitas mesas familiares pelo mundo.

    Papai Noel às Avessas, de Terry Zwigoff  (por Bernardo Mazzei)

    Totalmente oposta ao conceito de filmes natalinos, essa comédia de humor negro, dirigida por Terry Zwigoff e produzida pelos irmãos Coen, traz Billy Bob Thornton em uma inspirada interpretação de um vigarista beberrão, viciado em sexo e que trabalha como Papai Noel em shoppings e lojas apenas para roubá-los depois. Apesar do título brasileiro meio infantil, o filme é totalmente voltado ao público adulto, com gags bastante pesadas e diálogos bem ofensivos. A obra merece ser apreciada por quem gosta de uma boa comédia e não é um hipócrita entusiasta do politicamente correto.

    O Expresso Polar, de Robert Zemeckis (por Filipe Pereira)

    Contando uma história bastante clássica, O Expresso Polar remonta a uma orfandade não literal ao apresentar um protagonista sem fé infantil, desacreditado no arquétipo do Papai Noel e do Natal em geral. Baseado no conto de Chris Van Allsburg, o filme de Zemeckis é leve, como toda sua filmografia, e marcou época por ser a primeira fita totalmente digitalizada em captura de filme, pressuposto que abriu as portas para inúmeras outras obras, como As Aventuras de Tintim.

    O Grinch, de Ron Howard (por Doug Olive)

    Quem vê Jim Carrey como o Grinch não esquece. Difícil afirmar que esta seja a sua melhor atuação, mas ser inesquecível debaixo de duas toneladas de maquiagem não faz da afirmação um exagero. Uma caricatura sadia nos limites do cômico e do overacting, uma corda-bamba entre extremos que Carrey transita sem aparentes dificuldades, quase que de forma natural devido ao carisma do comediante. O ator é a alma da adaptação poética, e muito bem produzida, do livro infantil do escritor Dr. Seuss, não devendo em nada ao material de origem, sendo, tal qual o livro, um exercício de graça e comicidade e que, se houvesse caído nas mãos de Tim Burton, talvez seria um exagero. O forte sentido natalino e extrovertido se deve também à versatilidade do cineasta Ron Howard, que consegue ter o hilário O Grinch e o sério (e seu melhor) Frost/Nixon no mesmo currículo. Mas, diferente do chato O Código da Vinci, fábulas descompromissadas e de caráter universal como essa, um patinho feio verde que se orgulha de ser o que é, sempre terão o seu lugar.

    Um Herói de Brinquedo, de Brian Levant (por Bernardo Mazzei)

    Depois de enfrentar alienígenas assassinos, cyborgs de metal líquido, ser irmão gêmeo de Danny DeVito e se transformar num tira no jardim de infância, Arnold Schwarzenegger enfrenta um enorme desafio: comprar o brinquedo mais procurado dos EUA na véspera do Natal. Comédia leve com algumas situações divertidas (e uma ode ao consumismo), Um Herói de Brinquedo não é das mais inspiradas películas sobre o feriado natalino, mas compensa pelo fato de vermos Arnoldão desfilando sua sublime canastrice no papel de um homem normal. Vale uma espiada.

    De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick (por Doug Olive)

    Kubrick e sexo, só faltou o rock’n roll, que não iria combinar com o clima de suspense e subclima de terror em De Olhos Bem Fechados – um piano de notas apreensivas veio mais a calhar como trilha-sonora impecável, compondo-se, entre inúmeros elementos, uma tortuosa escada de surpresas, sempre pra baixo e sob hipótese nenhuma pra cima. O mundo acontece debaixo do tapete, e, após o personagem de Tom Cruise ver o que pessoas… normais, digamos, não precisam ou devem ver, ele nunca mais andou na rua, na reles superfície de uma Terra profunda, em paz. De segredo em mistério, o filme é um striptease europeu em Nova York. É o casamento sensorial e audiovisual de 2001 – Uma Odisseia no Espaço com Da Vida das Marionetes, visto serem os truques de câmera, a cor, o clima tenso crescente, a sensação de insegurança e o jeito elegante e emocionalmente rígido de Kubrick e Bergman de se contar uma história, os responsáveis por tornar a atmosfera asfixiante do filme a obra mais perturbadora do diretor – aluno de si mesmo ao usar em seu derradeiro filme conceitos próprios, de O Grande Golpe a Barry Lyndon. Um grande filme conjugal, obra almejada por David Fincher ao nos apresentar seu Garota Exemplar 15 anos depois, e acima de tudo, ironicamente à luz dos pisca-piscas de Natal sobre a oculta solidão humana em mina bergmaniana, na qual poucos pisaram sem detonar a própria reputação.

    A Origem dos Guardiões, de Peter Ramsey (por Filipe Pereira)

    A animação de 2012 reúne personagens de múltiplas culturas, ligados, entre outras coisas, a célebres datas. O Papai Noel abre mão do egoísmo para agir junto ao Coelho da Páscoa, Fada do Dente e Sandman, que, juntos, protegem a infância e a inocência típica da idade. A valorização da ingenuidade prioriza a pureza de espírito em uma fita que consegue entreter satisfatoriamente crianças e adultos.

  • Crítica | O Abutre

    Crítica | O Abutre

    Em clima noir, longa de estreia de Dan Gilroy faz análise incisiva sobre empreendedorismo amoral e sensacionalismo barato.

    O que ocorre quando um pensamento corporativo sem limites e elementos de psicopatia convivem no mesmo corpo? Difícil imaginar… Até porque sabemos que respostas para perguntas hipotéticas costumam ser pouco precisas. No entanto, não seria de todo improvável que a solução para esse questionamento fosse sintetizada em Lou Bloom, protagonista de O Abutre, longa do roteirista Dan Gilroy, que estreia na direção.

    Análise direta e incisiva de um “espírito empreendedor” distorcido, o filme também expõe as engrenagens que movem, por meio do sensacionalismo mais rasteiro, determinado tipo de programa televisivo – bastante popular tanto nos Estados Unidos quanto por aqui. Acredite: várias situações exploradas pelo roteiro acontecem de fato – sobretudo quando a desgraça e o sangue humanos se tornam tijolos fundamentais na construção de índices de audiência. Não se trata de jornalismo verdadeiro, mas de exploração barata.

    Jake Gyllenhaal compõe um personagem tão assustador quanto verossímil. Ele personifica um empreendedorismo sem qualquer tipo de freio moral unido a uma psicopatia com delírios de grandeza. Metas devem ser estabelecidas e conquistadas – os meios para alcançá-las, seja lá quais forem, são todos aceitáveis. Sua flexibilidade de consciência é mostrada desde o início. Porém, não se trata exatamente de um vilão – classificá-lo dessa forma seria reducionista. E personagens complexos como este não devem ser minimizados ou rotulados.

    Na trama, Lou Bloom, um homem pobre, de vida solitária e dono de mentalidade ambiciosa e objetividade afiada, descobre que pode lucrar bastante ao registrar situações violentas nas madrugadas da cidade – o material é vendido para uma emissora de TV que o exibe no telejornal da manhã. Uma das diretoras do canal – Rene Russo, naquele que é, disparado, o melhor papel de sua carreira – o entende e o incentiva.

    A partir do ponto em que a cooperação e entendimento entre os dois personagens são criados, a linha que deveria balizar a ética profissional é apagada sem maiores preocupações.

    Gilroy demonstra segurança impressionante para quem senta na cadeira de diretor pela primeira vez. A direção de atores, a condução das cenas automobilísticas em alta velocidade e – principalmente – a captação das imagens noturnas de Los Angeles, num inevitável clima noir que lembra bastante alguns enquadramentos vistos em Colateral e Drive, são belas e precisas.

    Sobre esse último ponto, grande parte do mérito vai, também, para o diretor de fotografia Robert Elswit, que, em 2008, conquistou um Oscar pela concepção visual de Sangue Negro.

    O Abutre é um filme de entendimento rápido – sua trama segue uma estrutura linear e a maneira como é contada é lógica -, e o roteiro é enxuto e eficiente. Porém, convém deixar claro que esta é uma obra de digestão lenta – as reflexões que ela propõe deverão ficar por dias na mente de quem assistir a ela.

    Há abutres à solta em todos os lugares – afinal, a oferta de carniça é vasta. Este filme nos ajuda a enxergar esse cenário com lentes mais precisas.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Resenha | O Bicho-da-Seda – Robert Galbraith

    Resenha | O Bicho-da-Seda – Robert Galbraith

    Bicho da Seda - Robert Gaibraith - capa

    Quando o romancista Owen Quine desaparece, sua esposa procura o detetive particular Cormoran Strike. Inicialmente, ela pensa apenas que o marido se afastou por alguns dias — como fez antes — e quer que Strike o encontre e o leve para casa. Mas, à medida que investiga, fica claro para Strike que há mais no sumiço de Quine do que percebe a esposa.

    A curiosidade sobre o desenrolar de um novo caso de Cormoran Strike foi o que me levou à leitura. Assim como o primeiro livro, entretém sem ser uma obra excepcional. Seu principal trunfo é ter um protagonista e um parceiro – Strike e sua secretária Robin – interessantes o bastante para despertar a vontade de continuar acompanhando suas aventuras e desventuras.

    Mas O Bicho-da-Seda consegue superar seu antecessor. Livre da necessidade de reapresentar seus personagens, Galbraith/Rowling dedicou-se mais ao desenvolvimento da narrativa, o que resultou em um texto mais enxuto, sem tantos excessos e mais eficiente no quesito investigativo. A profusão de personagens envolvidos no mistério gera certa confusão no início, mas o bom desenvolvimento de cada um deles logo extingue qualquer dúvida.

    Não que o mote do primeiro livro não seja atrativo e envolvente mas, para quem é apaixonado por livros e tem interesse pelo mundo editorial, a premissa deste chama muito mais atenção. A futilidade do universo dos personagens em O Chamado do Cuco talvez afaste alguns leitores. Em contrapartida, mesmo sendo caricatural em alguns casos, até mesmo exagerada, a caracterização dos personagens consegue trazer o leitor para dentro da história.

    Diferente de um whodunit clássico, em que o leitor apenas acompanha as investigações conduzidas pelos personagens principais, Galbraith permite que aquele conheça os pensamentos de Robin e, principalmente, Strike. Se, por um lado, deixa os personagens ainda mais próximos de quem lê a obra, por outro gera um problema narrativo. Explico-me: um dos pilares do whodunit é fornecer ao leitor as mesmas informações a que o policial/investigador/detetive tem acesso. Assim, arma-se uma espécie de competição na qual quem lê a narrativa tenta matar a charada antes que a solução seja revelada pelo narrador no clímax do livro. Contudo, informar o que os personagens estão pensando antecipa (para os leitores policiais mais experientes) a resolução do mistério, anulando o clímax. Galbraith resolveu isso reduzindo o acesso aos pensamentos no último quarto do livro. Causa uma ligeira indignação deixar de saber o que até então era informação acessível. Não chega a estragar a narrativa mas gera um certo estranhamento.

    “Francamente, qualquer um que vá se matar por causa de uma resenha ruim não deve se meter a escrever um romance, para início de conversa.”
    Elizabeth Tassel, in O Bicho-da-Seda – Robert Galbraith (p.234)

    Se há mais alguma ressalva a ser feita é justamente a Strike. Galbraith escreve fazendo parecer que apenas ele tem bons palpites que acabam por se confirmar. Tem-se a impressão de que todos a seu redor — exceto Robin, lógico — são menos capazes ou, pelo menos, comprometidos em menor grau de intensidade com a solução do mistério, seguindo sempre o caminho – ou a pista – mais fácil, não necessariamente mais coerente com a situação.

    Mas esses pequenos defeitos são rapidamente esquecidos quando se pensa na trama envolvente e no retrato conciso e sarcástico do universo editorial inglês.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Se7en: Os Sete Crimes Capitais

    Crítica | Se7en: Os Sete Crimes Capitais

    Por vezes, o cinema é acometido por coincidências relativas a lançamentos de filmes sobre temas parecidos na mesma época. Nos anos 90, vimos uma sequência de filmes de investigação criminal sobre serial killers que foram sucesso de público, desde produções excelentes como O Silêncio dos Inocentes, até genéricos como Beijos que Matam e O Colecionador de Ossos. Em 1995, o então novato diretor David Fincher também se arrisca nessa empreitada com o filme Se7en – Os Sete Crimes Capitais, tendo Andrew Kevin Walker como roteirista.

    O filme se inicia apresentando primeiramente a cidade, que não é nomeada, mas que é representada como um local extremamente urbanizado e decadente, onde a chuva não dava trégua e caía intensamente, contribuindo para dar um peso dramático extra ao ambiente. Com uma atmosfera noir, a cidade possui construções degradadas, becos velhos e sujos, lixo no chão e um submundo onde a lei não costuma entrar, lembrando muito as diversas composições de Gotham no cinema, em especial as de Tim Burton.

    Os personagens principais são os detetives da polícia local, William Somerset (Morgan Freeman) e David Mills (em limitada, porém honesta e emotiva interpretação de Brad Pitt), sendo que este último acaba de se mudar para a cidade por causa da vaga de detetive, mostrando uma ambição fora do comum. Ávido por participar, sua personalidade contrasta com a paciência e calma de Somerset, que, por conhecer a fundo a escuridão da cidade e seus habitantes, não consegue mais se empolgar com nada.

    Ao serem chamados para atender uma morte incomum (um obeso que morreu de tanto comer), ambos logo chegam à conclusão de homicídio ao analisar a cena, onde o homem morto estava preso, o que é confirmado pela autópsia. Após outro corpo, de um importante advogado da cidade, ser encontrado com a inscrição “AVAREZA”, levando-os a encontrar a palavra “GULA” no corpo do caso anterior, fica claro a Somerset que mais assassinatos parecidos virão, e que, por isso, quer abandonar o caso, já que está próximo de se aposentar, enquanto Mills quer assumir o caso de todo jeito.

    Fincher escolhe contrastar a escuridão e violência do mundo, mostrados através de seus assassinatos, com a vida particular de Mills, na qual sua esposa Tracy (Gwyneth Paltrow) luta para se adaptar a uma cidade hostil e a um apartamento perto da linha de trem que treme cada vez que surge uma locomotiva. Tracy é responsável, inclusive, por unir Somerset a Mills, convidando este para jantar em sua casa. A partir dali, a relação entre os dois passa a ser mais harmoniosa. A câmera de Fincher, aqui, já consegue mostrar algumas das características que irão marcar seu estilo, como a composição das cores em tons pastéis e a escuridão sempre rodeando cada cena, como se estivesse o tempo toda pronta para engolir os protagonistas. Além da preferência por temas obscuros que envolvem a humanidade, que irá ser debatida em toda a sua filmografia subsequente.

    Quando os detetives resolvem suas questões pessoais, a investigação assume o foco ao tomarem destaque as passagens citadas pelo assassino em seus crimes, fazendo com que os policiais busquem os livros da biblioteca pública e quem os emprestou. Assim, chegam, de forma um pouco fácil demais, ao apartamento do assassino, que foge espetacularmente, mas não sem antes de ferir seriamente Mills, que, possesso, passa a cometer erros de julgamento que irão ter seu impacto mais tarde no desenrolar da história.

    Se7en consegue compor uma investigação criminal clássica, mas não se resume unicamente a isso, pois a obra também traz à tona a discussão de que não basta somente encontrar e prender o assassino, mas sim tentar entender o que está por trás de tamanha perversidade e como evitar que mais iguais a ele surjam. Nesse ponto, o filme dialoga com um espírito cansado e desgostoso em relação à modernidade  algo que os irmãos Coen expõem em Onde os Fracos Não Têm Vez –, um sentimento ao qual qualquer pessoa atualmente consegue se relacionar.

    Dentro desta lógica, o que menos importa é justamente o resultado da investigação, tanto que o assassino (interpretado por Kevin Spacey) se entrega após ter realizado suas ações, e a explicação por trás das razões de seus crimes soa terrivelmente familiar para nós, já que a indiferença e o egoísmo das pessoas do cotidiano isolam todos em seus mundos, e somente algo chocante pode tirá-los da realidade. A atração magnética de sua personalidade lembra o icônico Hannibal Lecter, e a nossa mórbida curiosidade em saber o que move tais mentes em direção a atos tão horrendos nos faz desejar que as explanações do assassino não parem.

    As constantes citações ao “Inferno” de Dante e a outros clássicos da literatura que flertam com a escuridão da alma humana deixam clara a mensagem que Se7en e seu assassino querem passar, a da eterna danação da espécie humana ao lidar com nossos demônios. A cena final, impactante, ecoa até hoje nas mentes dos fãs de cinema como uma das mais marcantes de todos os tempos, afirmação que possui tanto verdade quanto exagero.

    Portanto, Se7en é melhor apreciado se relativamente afastado do clássico gênero policial e encarado como uma jornada por dentro da própria humanidade, e apesar de não se aprofundar muito nos temas que se propõe, por si só já garante um destaque frente às produções semelhantes do período.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Mainstream: A Guerra Global Das Mídias e Das Culturas – Frédéric Martel

    Resenha | Mainstream: A Guerra Global Das Mídias e Das Culturas – Frédéric Martel

    No meio dos anos 2000, o jornalista e sociólogo Frédéric Martel começou um projeto ambicioso, o de percorrer os principais países exportadores de conteúdo audiovisual para tentar entender como é feita esta troca de cultura no mundo atual. No entendimento de Martel, a dominação de um país pelo outro não ocorre somente através de forças militar, econômica e industrial, o hard power, mas também do soft power, ou seja, a música, os filmes, os programas de TV, assim como a exportação do formato cultural, seja ele qual for.

    De Hollywood a Bollywood, das novelas da Televisa e Rede Globo aos talk-shows informativos da Al-Jazeera, passando pelas músicas j-pop e k-pop, durante cinco anos o autor entrevistou mais de 1000 pessoas em 30 países, e o resultado é um livro que tenta desvendar como se dá a estratégia de circulação geopolítica do conteúdo audiovisual, de que forma, em quais meios e a qual preço.

    O livro se divide em duas partes; na primeira, ele se propõe a refletir primeiramente os Estados Unidos, pois é justamente o país onde a cultura mainstream prevalece e é exportada para o mundo inteiro. Na análise do país, Martel percebe que Hollywood mudou: ela não é a mesma do passado. Hoje em dia, todo mundo é independente, e os grandes estúdios funcionam muito mais como bancos que aplicam o seu dinheiro em projetos, com variáveis de risco, do que geradores de conteúdo em si.

    Além disso, o autor problematiza uma questão curiosa de nacionalidade: apesar da exportação de filmes norte-americanos pasteurizados para o mundo todo, os grandes estúdios hoje em dia são controlados por grandes corporações internacionais. A Sony, dona da Columbia Pictures, que produziu Homem-Aranha, não se envolveu com o conteúdo da película. Qual o interesse, então, da corporação japonesa como dona de um estúdio, fora o lucro?

    Outro ponto interessante do livro é quando Martel disserta sobre o passado dos multiplexes e a sua história. Nos cinemas com 20 salas, a ideia é prender o consumidor que está de passagem por ali, com sessões a cada 15 minutos, fazendo com que ele tenha pouco tempo para se decidir e não fazer mais nada.

    Na segunda parte, o autor começa a viajar o mundo, indo à China para tentar entender como os filmes norte-americanos têm pouca entrada no país devido à censura, apesar de uma tela de multiplex ser construída todos os dias pelos chineses (dados de 2009 que o autor usou no livro).

    Já em Bollywood, Martel se depara com empresários que pretendem exportar cada vez mais o cinema indiano para o mundo, mas que esbarram com as características que tornam os filmes tão famosos na região: a duração, as danças típicas e etc. Aqui, também, o cinema americano tem pouca penetração, devido justamente a essas características dos blockbusters locais, apesar do aumento considerável de salas no país nos últimos anos, com os novos multiplexes indianos.

    No Japão e na Coreia, o autor investiga o j-pop e o k-pop respectivamente, os processos pasteurizados que transformam em fenômeno musical, pelo sudeste asiático, jovens de nacionalidades diversas, que cantam em certas línguas e agem de acordo com costumes culturais que alguns países compartilham. Ao voltar-se para a América Latina, a discussão passa a ser sobre a exportação de novelas pela brasileira Rede Globo e pela mexicana Televisa, em detrimento da Globovision venezuelana devido à economia e ao governo chavista, e da argentina Telefe, como consequência de sua economia. Apesar de serem exportadas, entre si e para alguns países europeus e africanos, as novelas não têm o alcance global que seus produtores gostariam. No Catar, a Al-Jazeera torna-se o tema para tentar entender o fenômeno de comunicação. No entanto, apesar do sucesso com telespectadores árabes de diversos países da região, a grande dificuldade é atingir o grande público a despeito da diferença cultural.

    O autor termina o giro na Europa com a cultura anti-mainstream, mas não sem antes passar por Paris e Londres, que, como Miami, são mais importantes para os seus imigrantes mais numerosos do que aos países de origem destes. Um artista local, seja de qualquer país africano ou latino-americano, não consegue sucesso mundial sem antes passar por estas capitais musicais e ser modelado pela indústria, caso do senegalês Youssou N’Dour ou do cubano-americano Pitbull. Outra característica da Europa são os países orientais; se antes eram unidos à força pela União Soviética, hoje cada um se fecha para a cultura do outro, e todos acabam abraçando os filmes, músicas e programas da televisão norte-americana. O que também acontece na África e na América Latina, de acordo com o autor.

    Na conclusão do livro, Frédéric Martel joga as mesmas questões que havia abordado anteriormente: se existe o desejo de produtores locais de conquistarem o mundo, como é o caso das TVs árabes, da música nipo-coreana ou das novelas latino-americanas, o mesmo não se pode dizer das grandes corporações internacionais donas de estúdio, caso da japonesa Sony, dona da Columbia; da australiana News Corp, dona da 20th Century Fox; ou até a francesa Vivendi, dona da Universal Music e da produtora de jogos Blizzard (até 2013).

    O livro tem um problema que pode incomodar o leitor. O autor não consegue chegar à conclusão que os capítulos pedem; ele apenas apresenta os dados da sua importante pesquisa junto a sua experiência local em cada país. A impressão que fica é que faltou perguntas a serem feitas ao leitor, questões relacionadas aos dados específicos. Em suma, uma maior atuação retórica por parte do escritor e pesquisador. Além disso, Mainstream é muito prolixo. A obra deveria ser menor do que é, pois há nela muitas informações repetidas e desnecessárias.

    Mainstream – A Guerra Global Das Mídias e Das Culturas vale a pena, pois a proposta de Frédéric Martel de analisar a geopolítica mundial através do soft power é inovadora. Assim, conseguimos ter alguma compreensão da estratégia dos países através do jogo global de conteúdo. Passamos a olhá-lo de forma diferente quando vemos o sucesso de um blockbuster norte-americano em um país onde, alguns anos atrás, ele não tinha sequer público.

    A boa tradução de Clóvis Marques faz a leitura fluir bem e rápida, apesar do tamanho do livro.

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    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Maze Runner: Correr ou Morrer

    Crítica | Maze Runner: Correr ou Morrer

    Na última década, o cinema sofreu uma explosão de adaptações de sagas literárias contemporâneas voltadas ao público jovem. Podemos dizer que o ponto de partida se deu com a saga do bruxo Harry Potter, com sete livros protagonizados pelo personagem e suas oito bem-sucedidas adaptações. Devido a esse sucesso, pudemos ver na tela grande outros livros se transformando em grandes produções cinematográficas, como As Crônicas de Nárnia, Eu Sou o Número 4, A Hospedeira, Percy Jackson, Instrumentos Mortais, Divergente e os sucessos Crepúsculo e Jogos Vorazes.

    Ainda é difícil saber qual rumo tomará a saga The Maze Runner escrita por James Dashner, mas o primeiro filme, Maze Runner: Correr ou Morrer, dá indícios de que poderá se tornar uma franquia bem-sucedida, e esse sucesso, pelo menos em relação ao primeiro filme, que é um bom thriller voltado ao suspense, pode se dar, inclusive, por seus aspectos técnicos, haja vista que o custo da produção, estimado em 34 milhões de dólares, foi facilmente coberto, arrecadando mundialmente até o mês de novembro de 2014 mais de 300 milhões de dólares. Ademais, o filme foi rodado em menos de um mês, usando praticamente apenas três locações.

    A primeira cena já causa uma boa impressão, quando o jovem Thomas (Dylan O’Brien) acorda dentro de um elevador de carga bastante barulhento e levemente assustador. Thomas percebe que divide o espaço com alguns mantimentos e um porco. Ao chegar ao seu destino, outros jovens o retiram do elevador e o colocam dentro de uma espécie de prisão. Vale destacar que Thomas perdeu a memória e não se lembra sequer de seu nome. Minutos depois, é solto pelo líder do local, Alby (Aml Ameen), que explica, juntamente com Newt (Thomas Brodie-Sangster), que todos ali estão presos dentro de um enorme labirinto há anos e que por isso convivem de forma pacífica, cada um com suas responsabilidades. Assim, a sociedade, toda composta por adolescentes do sexo masculino, que vivem dentro do labirinto, é bem dividida entre agricultores, marceneiros, cozinheiros etc.

    Thomas percebe que, além destes prestadores de serviços, há também alguns garotos que todos os dias se enfiam dentro do labirinto buscando uma saída. Estes são os corredores. Todo dia, pela manhã, um grande portal se abre e só se fecha durante a noite, sendo que aqueles que não voltam não sobrevivem a uma única noite dentro do labirinto. Segundo Alby, criaturas conhecidas como Verdugos saem durante a noite para patrulhar a região.

    As coisas começam a mudar com a chegada de Thomas, o protagonista da trama que está desesperado para sair de lá. Os Verdugos passaram a sair durante a tarde, o que leva Gally (Will Poulter), um dos conformados a viver ali para o resto da vida, a crer que Thomas é o culpado por tudo de ruim que começou a acontecer na vila. A situação piora com a chegada de uma jovem chamada Teresa (Kaya Scodelario), a primeira mulher em toda a história da vila e que carrega um bilhete dizendo que ela será a última pessoa a ser enviada ao lugar.

    A película dirigida pelo estreante Wes Ball (bastante experiente em departamentos de arte) convence no que diz respeito às cenas de suspense, e isso com certeza é mérito do diretor e dos roteiristas Noah Oppenheim, Grant Pierce Myers e T.S. Nowlin, que souberam aplicar momentos de tensão na medida certa, sem soar forçada. E esse é o ponto chave do filme, que acaba por deixar aquele que desconhece os livros ansioso sobre o que vai acontecer após o final do terceiro ato. As cenas de ação, aliadas à correria por dentro do labirinto, também não deixam a desejar, prendendo a respiração do espectador em um momento ou outro.

    Com isso, o filme consegue se sobressair num formato que, hoje em dia, já está bastante desgastado pelas franquias Jogos Mortais, Jogos Vorazes e o filme O Segredo da Cabana. Isso foi o suficiente pra garantir, pelo menos, mais um filme: a adaptação do segundo livro intitulado Maze Runner: Prova de Fogo. A nova produção já está sendo filmada e sua estreia é prevista para o segundo semestre de 2015.

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    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | A Rede Social

    Crítica | A Rede Social

    A Rede Social 3

    Maior fenômeno da internet dos últimos anos, o Facebook sempre esteve envolto em controvérsias desde sua criação pelo estudante de Harvard Mark Zuckerberg em 2003. Atualmente, devido à dinâmica e velocidade da informação, entender a complexidade das relações que fazem algo tão grande existir, assim como as mudanças que tais eventos causam na sociedade, nunca é fácil. O Facebook caracteriza-se por essas mudanças. Alterou, junto com outras empresas, a dinâmica do empresariado jovem americano, além de ter mudado para sempre o comportamento e as formas de relacionamento de toda uma geração. É dentro do contexto de criação do Facebook que foi publicado, em 2009, o livro Bilionários por Acaso, escrito por Bem Mezrich, contando uma versão sobre o surgimento da rede social e as brigas judiciais pelos seus direitos criativos. O livro teve a consulta de Eduardo Saverin, o que impactará o resultado final do filme. Em 2010, o conhecido roteirista Aaron Sorkin e o diretor David Fincher adaptam o livro para o cinema, dando origem ao filme A Rede Social.

    O filme começa contando a história do jovem e complicado estudante Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) em Harvard, com um diálogo – típico das produções de Aaron Sorkin, rápido e difícil de acompanhar – com sua namorada Erica Albright (Rooney Mara). Após ser insensível e condescendente de uma forma quase brutal com ela, o namoro termina, e, com raiva, Mark retorna a seu dormitório e resolve criar, com a ajuda dos colegas de quarto Eduardo Saverin (Andrew Garfield) e Dustin Moskowitz (Joseph Mazzello), um site com um catálogo de fotos de garotas, também estudantes de Harvard, em que as pessoas poderiam entrar e dar notas a elas. Tudo isso era feito enquanto Mark escrevia a respeito em seu blog, detalhando o processo de hackeamento dos bancos de dados das páginas das fraternidades em busca das fotos. A quantidade de acessos derruba a rede de Harvard e trará consequências para o estudante.

    Após enfrentar os problemas, Mark tem contato com os irmãos gêmeos Tyler e Cameron Winklevoss (Armie Hammer), este que dá a ele a ideia de criar uma rede exclusiva para alunos de Harvard. Após aceitar a proposta, Mark desaparece por semanas até o seu site thefacebook.com estar no ar, o que enfurece os irmãos. Os acessos ao site se expandem exponencialmente em várias universidades americanas, até chamar a atenção do jovem e excêntrico empreendedor Sean Parker (Justin Timberlake), criador do polêmico Napster alguns anos antes. Parker fornece a Mark uma visão nova e diferente sobre a modernidade dos negócios e das possibilidades a respeito do Facebook, causando tantos problemas entre ele e Saverin que acabarão indo para a Justiça.

    A estrutura do filme alterna momentos do passado dos jovens e momentos nos quais estão se enfrentando nos tribunais americanos a respeito dos direitos de criação do Facebook. Em um primeiro momento, essa alternância causa uma certa confusão e estranheza no espectador, mas após alguns minutos a estrutura é reconhecida e tudo fica mais claro, favorecendo o desenvolvimento da história.

    Apesar de os diálogos de Aaron Sorkin por vezes se atrapalharem na história por conta de sua rapidez e da quantidade de termos, piadas e referências, é interessante ver sua proposta de, em momento algum, rebaixar esses diálogos para um público geralmente tão acostumado a receber tudo mastigado das produções cinematográficas. O exercício de tentar acompanhar os diálogos e compreendê-los em sua totalidade é desafiador e instigante.

    A direção de David Fincher, com sua capacidade técnica recorrente, fornece uma recriação daquele momento único na história de maneira pujante. Utilizando o frio e a escuridão do inverno de Massachusetts, o (auto?) isolamento social de Mark é sempre reforçado em sua postura corporal e posicionamento da câmera. As cores escuras, azuladas e em tons pastéis também compõem o cenário rico e ao mesmo tempo frio e distante da juventude atual, onde todos estão sempre juntos, conectados, mas afastados.

    Toda essa composição das cenas é novamente auxiliada pela fantástica trilha sonora da já conhecida dupla Trent Reznor e Atticus Ross. Os músicos, que já trabalharam com Fincher em outros projetos, atingem seu nível máximo de qualidade ao inserir em cada momento os elementos certos, ajudando a compor o tom das sequências e das atuações, ajustando-os em um encaixe perfeito com a narrativa. Ela funciona tão bem que vale a pena ouvi-la separadamente.

    Jesse Eisenberg consegue compor um Mark Zuckerberg que vai além da semelhança física. Traço marcante de suas atuações, a fala rápida e a postura de “nerd” ajudam o espectador a acreditar. a todo o instante, que aquele é o criador do Facebook. Sua falta de empatia e emoção ao lidar com amigos e pessoas que eram tão queridas vão transformando-o, pouco a pouco, em um vilão semitrágico, pois sua postura moral e seus valores estão todos inseridos nas regras de utilização da rede social: ao mesmo tempo que fotos e vídeos de violência, e páginas que propagam discursos de ódio contra minorias são permitidos, fotos expondo minimamente o corpo feminino são logo retiradas do ar, assim como conteúdos políticos que possam se opor ao establishment. Todas essas características de sua personalidade estão claras na composição de seu personagem, assim como sua arrogância e falta de conhecimento e prática em lidar com a diversidade de pensamento e de pessoas.

    Portanto, o maior mérito de A Rede Social não é a discussão judicial sobre quem teve a ideia de criar o Facebook, ou mesmo que fim levou tudo isso. Esse tema é usado como pano de fundo para se discutirem as relações humanas em épocas em que a humanidade, e seu contato real, parece ter cada vez menos valor frente a um mundo dominado pelo mercado dos valores simbólicos, no qual é mais importante parecer do que ser. É mais importante mostrar o que está se fazendo do que realmente aproveitar o momento, alterando até mesmo todo o significado da experiência humana.

    Dentro deste contexto, acompanhar a degeneração do relacionamento de Mark com todos os que o cercam é sintomático, pois vemos que alguém sem muitas noções de relacionamento com outras pessoas foi capaz de criar uma rede que une milhões de pessoas ao redor do mundo, de várias línguas e culturas. A prova definitiva de que o relacionamento virtual é um simulacro nem sempre confiável a respeito de nossa humanidade. A análise do comportamento humano é interessante, e a visão de Fincher e Sorkin sobre esse caso tão emblemático da humanidade nos auxilia não só a compreendermos um pouco mais a época e as pessoas que nela vivem, mas também ajuda a nos entendermos. Talvez um pouco mais do que gostaríamos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1

    Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1

    A já estabelecida franquia de Hollywood (e com uma legião de fãs) Jogos Vorazes retorna em 2014 aos cinemas do mundo com a primeira parte da adaptação do terceiro livro da série, usando uma tática atualmente cada vez mais comum da indústria, que é a de aproveitar-se de filões lucrativos por mais tempo em detrimento dos elementos criativos da história.

    Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 mantém os protagonistas de Jogos Vorazes e Jogos Vorazes: Em Chamas e dá continuidade a suas histórias. Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) luta consigo mesma para conseguir superar os problemas emocionais decorrentes de tamanha pressão pelas escolhas da personagem, e também incumbidas a ela após ter sido salva pelos rebeldes. O amigo de seu distrito natal, Gale Hawthorne (Liam Hemsworth), volta a ter participação ativa ao se juntar à rebelião do Distrito 13. Peeta Mellark (Josh Hutcherson) está nas mãos da Capital. Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman) e Haymitch Abernathy (Woody Harrelson), junto com Effie Trinket (Elizabeth Banks), agora abandonaram completamente a vida na Capital e se dedicam exclusivamente à rebelião do Distrito 13, comandada pela Presidente Alma Coin (Julianne Moore).

    O filme se inicia logo após os eventos finais do anterior, quando Katniss é resgatada da arena dos Jogos, onde estava pela segunda vez. Após atirar a flecha em claro desafio contra a Capital, várias insurreições em diversos Distritos começam a surgir, sendo severamente reprimidos pelo presidente Snow (Donald Sutherland). A rebelião quer usar Katniss como símbolo para aumentar a adesão de pessoas ao exército rebelde e fortalecer a luta enquanto ela ainda existe. Enquanto isso, a Capital luta para apagar os focos de revoltas e manter seu poder intocado.

    A dinâmica entre os distritos e a Capital então sofre uma alteração significativa, pois não são meramente espectadores passando a ter algum grau de protagonismo em suas vidas, seja para decidir aderir à luta ou ignorá-la. Porém, o que falta dentro dessa dinâmica é justamente caracterizar melhor quem são estes distritos e as pessoas que os compõem e por que elas haveriam de largar suas vidas para aderir a uma rebelião, ou mesmo como essa rebelião se configurou em cada distrito e com cada líder local. Já que houve a opção pela divisão em dois filmes, havia espaço para problematizar ao menos um pouco desta história. Ao focar somente os protagonistas, a “revolução” parece não ter corpo o suficiente, sendo movida apenas por meio de escritórios.

    As referências a eventos ocorridos na história da humanidade, em especial às revoluções de esquerda, são também muito claras. Desde trabalhadores braçais pobres com roupas sujas andando em fila e forçados a trabalhar, mas que se revoltam contra o “sistema”, até os dirigentes revolucionários frios e calculistas, que fazem tudo pelo bem do povo sem consultá-lo. O uso dessas imagens torna a compreensão do espectador clara de que se trata de uma luta do bem contra o mal, dos explorados contra exploradores, uma reprodução essencialmente fiel do conceito de “luta de classes” de Karl Marx, mas, assim como os filmes anteriores, sem a profundidade mínima para entender de onde vêm aquela revolta e os recursos humanos e materiais para mantê-la contra uma Capital tão poderosa.

    É clara também a referência aos pobres daqueles distritos, onde alguns são mostrados parecendo-se com escravos negros do sul dos EUA, enquanto outros, em um hospital visitado por Katniss, assemelham-se a pessoas inseridas em contextos de países da África enfrentando crises humanitárias. É literalmente jogado na cara do espectador médio o imaginário clássico da pobreza, sem muita problematização.

    Um dos eventos chave do filme, a explosão de uma usina hidrelétrica que abastece a Capital, sofre justamente essa falta de embasamento. Como os rebeldes chegaram ali? Uma usina estaria tão insegura? Como conseguiram os explosivos? Quem os montou? Quem treinou esses trabalhadores pobres e super explorados em táticas de guerrilha? Não sabemos. E fica por isso mesmo.

    Porém, o principal defeito do filme é o excesso de espaço que a fragilidade emocional de Katniss toma em tela. A cada momento, nos deparamos com algum evento em que ela muda de ideia sobre participar da revolução, e essa repetição se torna cansativa. Essa constante alternância entre a personagem forte, líder de uma revolução, e uma jovem confusa teria seu propósito caso fosse direcionada a algo específico, e não acontecendo a cada hora.

    Com tantos problemas, Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 talvez não conseguiria empolgar, porém acerta em muitos pontos. Ele consegue lidar bem com as cenas de ação e as transições entre as histórias, que em momento algum ficam confusas. A tensão das cenas finais é bem construída, assim como as surpresas de roteiro ali encaixadas. A constante utilização dos meios de comunicação como propaganda em um contexto de guerra é muito bem explorada, no sentido de mostrar como as ideias das pessoas podem ser manipuladas de acordo com o conjunto correto de sons e imagens, levando-as a acreditar em A ou B.

    A semelhança com os reality shows dos primeiros filmes dessa vez é afastada, dando lugar a um estilo utilizado em coberturas jornalísticas de frontes de guerra, que se iniciaram no Vietnã, mas que se tornaram, hoje em dia, muito comuns. Assim, cotidianamente o mundo “desenvolvido”, enquanto está jantando e vendo televisão, assiste a pessoas se matando nos locais mais remotos do planeta, sem o menor problema.

    O principal defeito do filme reside justamente na escolha de dividi-lo em duas partes, em que ao mesmo tempo que se esticam cenas desnecessárias, encerram-se, no final do filme, situações de forma abrupta, contando com a promessa de que espectador vá ver a última parte daqui a um ano. Nos resta esperar que o desfecho da história seja um pouco mais honesto consigo mesmo em relação às expectativas criadas, mas – principalmente – com o espectador.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | A Noite dos Mortos-Vivos e A Volta dos Mortos-Vivos – John Russo

    Resenha | A Noite dos Mortos-Vivos e A Volta dos Mortos-Vivos – John Russo

    A Noite dos Mortos-Vivos é um título que dispensa apresentações. O filme de 1968, o “Avô de Todos” os produtos culturais estrelando zumbis, influenciou o cinema de horror como um todo e gravou na História o nome do cineasta George Romero. Menos famoso, seu colega John Russo foi corroteirista do longa e também pautou sua carreira com este tema. Ele adaptou A Noite dos Mortos-Vivos em versão literária, em 1973, e posteriormente lançou A Volta dos Mortos-Vivos, continuação idealizada, mas nunca produzida, para a telona (sem nenhuma relação com o filme homônimo de 1985). Agora as duas histórias foram reunidas em publicação da editora Darkside, dando aos fãs brasileiros a chance de conhecerem um dos clássicos do gênero.

    Retornar à fonte, no caso uma obra tão referenciada e cujos conceitos foram tão difundidos e reinterpretados ao longo dos anos, é uma experiência curiosa. Em A Noite dos Mortos-Vivos, é possível perceber o nascimento de ideias que se tornaram padrão: a incerteza sobre a origem do problema; o destaque às pessoas; a urgente e quase irracional luta pela sobrevivência; e, principalmente, a crítica social mediante a análise do comportamento humano em situações extremas. Sob esse prisma, certos elementos podem ter seu peso ignorado, caso a contextualização não seja considerada: o americano médio retratado como covarde; o negro sendo o protagonista e macho alfa; a jovem garota surtando e sendo um fardo para todos (item apontado, na época, como uma crítica ao feminismo). Tudo isso altamente transgressor nos anos 60. Atualmente, nem tanto.

    Outros aspectos soam estranhos hoje em dia, quando a palavra “zumbi” está quase sempre atrelada ao “apocalipse”: aqui, a ideia não é o fim da civilização, mas sim uma crise momentânea que pode ser controlada pelas autoridades, com algum esforço, e que atinge principalmente isoladas áreas rurais. Uma provável explicação para esse direcionamento é bastante óbvia: a limitação técnica e de recursos para a produção do filme forçou o roteiro a percorrer caminhos mais simples. Corroborando essa teoria, apenas os mortos recentes e bem preservados se erguem – não complicando demais o trabalho da maquiagem. Além disso, a trama se concentra em um pequeno grupo de sobreviventes resistindo em uma casa, trabalhando mais a tensão de pessoas normais numa situação inimaginável (de maneira muito eficiente, aliás) do que a exploração gore dos cadáveres ambulantes.

    Mais ambiciosa é a trama de A Volta dos Mortos-Vivos, situada dez anos depois do primeiro evento. A mesma região, o Meio-Oeste dos EUA, volta a sofrer com uma infestação dos desmortos canibais. Mais movimentada e pesada, a história acompanha famílias de caipiras, um perverso bando de saqueadores, além de heroicos, porém azarados, policiais. Aqui surgem elementos familiares, como perseguições e fugas desesperadas, o sentimento de desesperança diante da situação (o desapego a personagens é digno de George R. R. Martin) e a confirmação de que o verdadeiro problema são os vivos.

    Com um texto seco e direto, condizente com o conteúdo e com o belo trabalho gráfico característico da editora, A Noite dos Mortos-Vivos e A Volta dos Mortos-Vivos é um livro instigante, com pouco mais de 300 páginas de rápida leitura. Já que a moda, ou modinha, de zumbis parece longe de acabar, é uma boa pedida deixar de ser bazingueiro e conhecer a origem de tudo.

    Texto de autoria de Jackson Good.

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  • Crítica | O Quarto do Pânico

    Crítica | O Quarto do Pânico

    O início da década de 2000 não foi muito generoso com alguns dos maiores cineastas da modernidade. Os irmãos Coen patinavam com produções como O Amor Custa Caro e Matadores de Velhinhas; Terrence Malick trazia o bom, mas cansativo, O Novo Mundo; Martin Scorsese sofria com duras críticas ao filmes Gangues de Nova York e O Aviador, dentre outros exemplos. Nesse contexto, David Fincher não conseguiu escapar da curva com seu quinto filme como diretor: O Quarto do Pânico.

    O filme abre-se de maneira bem interessante, com tomadas externas de pontos específicos de Nova York, enquanto os seus componentes, como os prédios e seus vidros espelhados, se misturam, refletem e interagem com as letras dos créditos, causando um belo efeito visual. Após termos contato com toda a amplitude da cidade, o foco se volta aos personagens principais, Meg Altman (Jodie Foster) e Sarah Altman (Kristen Stewart), que visitam uma bela e enorme casa, incomum em Manhattan.

    Por estar se divorciando do rico marido, Meg procura uma nova casa para ela e sua filha, e dinheiro não é problema. Porém, a casa pertencia a um investidor paranoico que construiu em seu lar uma verdadeira fortaleza para resistir a tudo, especialmente invasores, transformando seu quarto em um “quarto do pânico” revestido de aço, concreto e com linha telefônica separada, sistema interno de TV, além de um estoque de água e outros itens de sobrevivência. Ao adentrar o quarto fechado, Meg se vê sofrendo os sintomas da claustrofobia, que estranhamente irá passar conforme o filme avança. Mas, mesmo assim, fecha o negócio e se muda para a casa.

    Na noite da mudança, três homens invadem a casa para roubar o cofre que se encontra justamente dentro do quarto secreto. Títulos ao portador que valiam milhões. Os invasores Burnham (Forest Whitaker), Raoul (Dwight Yoakam) e Junior (Jared Leto) não sabiam que teriam moradores na casa porque Junior se confunde com as datas: por meio de uma desculpa muito preguiçosa do filme de tornar tudo um simples “acaso”, Junior acha que 14 dias são três semanas, acreditando que só seriam contados os dias úteis. Raoul, o desconhecido que Junior traz sem avisá-lo do assalto, já se mostra desde o início portador de uma estranha e violenta personalidade, que assusta o pacato Burnham, funcionário de uma empresa em que trabalha instalando equipamentos de segurança, como os do quarto da casa.

    Os três decidem realizar o trabalho mesmo assim, mas ao descobrir que existem invasores no domicílio, Meg e Sarah se escondem no quarto do pânico, e aí que começam os problemas para ambos os grupos. A tensão é bem estabelecida e mantida durante o segundo ato, pois se dentro do quarto mãe e filha estão seguras, não houve tempo de ligarem todos os equipamentos de segurança, como o telefone, além de Sarah ser diabética e não ter levado sua injeção de insulina.

    Enquanto Junior e Raoul tentam de forma brutal achar um jeito de entrar no quarto, Bunham tenta tirar de lá as duas moradoras de várias formas, uma engenhosidade dos personagens, especialmente de Meg, que soa um pouco estranha, como se qualquer cidadão normal pudesse tê-la, ainda mais sob tamanho stress.

    A relação entre os próprios bandidos começa a mudar quando suas divergências sobre os métodos de como lidar com a situação começam a ir por caminhos muito diferentes. Bunham não quer machucar ninguém, e Raoul não se importa com isso, tanto que Junior é morto por este, agravando a tensão entre ambos.

    Após Meg conseguir fazer um contato mínimo com seu ex-marido, este aparece e é usado como refém pelos bandidos, o que força Meg a sair novamente do quarto. Porém, Sarah lá permanece e Meg consegue jogar para ela o estojo com a insulina.

    Bunham abre o cofre e pega os papéis, que eram muito mais valiosos do que pensavam. Mas Raoul, fazendo o claro clichê papel do bandido mau, tenta matar Meg, e Bunham acaba salvando-a, fazendo o papel do bandido bom, e é preso por isso. As sequências finais, com imenso potencial, acabam se perdendo em meio a tantas reviravoltas que abusam de clichês.

    Esse emaranhado de acontecimentos no terceiro ato são um exemplo claro do principal problema do filme. Apesar de ficarmos tensos ao acompanhar o desenrolar da trama, ela não tem uma base para se sustentar e não consegue cativar profundamente o espectador, já que trabalha sempre em cima de superficialidades. O filme se torna esquecível a partir do momento que acaba

    O Quarto do Pânico tem vários elementos que funcionam bem. A casa escura, grande e solitária, totalmente vigiada, ajuda a contar a história através de suas câmeras. Porém, o que acaba prejudicando a obra é justamente o fato da trama não ter muitos atrativos além do quarto e como várias coincidências são necessárias para se estabelecerem as tensões que a fazem andar. Dentro daquele universo, fica difícil saber se haveria algo mais a ser feito, mas o fato é que a produção falha em pisar fora do lugar comum das obras do gênero, tornando sua experiência quase que descartável após assisti-la, algo que deixa muito a desejar frente a uma filmografia tão grande e importante quanto a de Fincher. Felizmente, os outros filmes compensam.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.