Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Anjos da Lei 2

    Crítica | Anjos da Lei 2

    Na atual era dos remakes e reboots, o receio de tantas produções serem lançadas apenas como caça-niqueis acaba afastando uma parte do público das salas de cinema. Porém, o grande público parece não se importar muito com isso e acaba consumindo vorazmente essas produções, o que incentiva os estúdios a investirem nesse caminho. Em sua grande maioria, essas produções são feitas a toque de caixa, sem muita preocupação estética ou com roteiro e personagens, gerando cópias e mais cópias cada vez mais genéricas e descaracterizadas.

    “Anjos da Lei 2” vem dentro deste contexto. É uma sequência de uma adaptação de uma série de TV dos anos 80, onde jovens policiais se infiltravam na escola como estudantes para investigar o tráfico de drogas. Dando sequência ao bom filme de estreia em 2011, os diretores Phil Lord e Chris Miller mantêm na segunda parte toda a fórmula que se consagrou na primeira: a relação atrapalhada, mas sempre amorosa, entre os amigos Schmidt (Jonah Hill) e Jenko (Channing Tatum), os conflitos com o chefe, Cap. Dickinson (Ice Cube), a dificuldade de Schmidt ao se relacionar com pessoas enquanto Jenko tira isso de letra, e por aí vai.

    O filme conta a história de Schmidt e Jenko sendo novamente direcionados à unidade de infiltrados para investigar a distribuição de uma nova droga antes que ela se espalhe pelo país, mas dessa vez na universidade, já que se provaram incapazes de fazer o trabalho policial convencional. Após várias tentativas frustradas de identificar a origem da nova droga e de brigarem entre si por conta das novas amizades que aparecem em suas vidas, Schmidt e Jenko precisam deixar de lado todas as suas diferenças para solucionar esse caso.

    Se a proposta do filme soa genérica e um tanto quanto inverossímil, o grande mérito de “Anjos da Lei 2” vem justamente de não se levar a sério. Ao saber que se trata de uma comédia com sátiras de vários filmes e seriados do gênero (além do próprio fato de ser uma continuação), as piadas auto-referenciais não são economizadas, especialmente nos créditos finais. As situações embaraçosas em que os protagonistas se metem durante a investigação também são muito mais exageradas do que no filme anterior, o que arranca gargalhadas do público devido, principalmente, a química entre a dupla de atores.

    Tatum não é dos melhores atores, mas ao encarnar justamente um jovem forte fisicamente, com habilidades sociais, mas não muito inteligente (características inclusive reforçadas na continuação), e com a ajuda de Hill, consegue criar um personagem carismático, interessante e engraçado. Quem também cresce no filme é o capitão Dickinson, que ganha mais espaço ao aparecer como o pai de uma aluna da mesma universidade onde os protagonistas estão infiltrados, mas que acaba dormindo com Schmidt, para aumentar ainda mais a tensão entre eles.

    Dentro disso tudo, o desfecho da história principal é o menos importante, e todos os outros personagens inseridos, como os traficantes, servem apenas de trampolim para as crescentes situações absurdas surgidas entre Schmidt e Jenko. Podemos destacar também como é positivo o fato de um filme, teoricamente de comédia, em momento algum desliza para o humor baixo, recurso tão fácil e sempre muito usado. Em momento algum as mulheres, gays ou qualquer outro grupo minoritário é tratado com desdém, muito pelo contrário. Schmidt fica uma noite com uma mulher, que logo o manda embora. Jenko começa a ter aulas sobre sexualidade e logo se posiciona a respeito dos gays, corrigindo termos ofensivos como “faggot” com um discurso politicamente correto, mas sem parecer caricato ao ponto de desvalorizar o próprio discurso.

    Anjos da Lei 2, então, repete as mesmas fórmulas consagradas do primeiro filme, mas sem se repetir como uma cópia descarada. Há evoluções na história que são interessantes de acompanhar, além das piadas e situações engraçadas que acontecem durante o longa. Quem gostou do primeiro, certamente irá se divertir também com este.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • [Ideias no Vórtice] O Cinema de profundidade de John Ford

    1956 - Rastros de Odio 4

    John Ford foi um dos maiores cineastas da história do cinema. Contribuindo desde 1917 como diretor (de acordo com o seu imdb), ele não só ajudou a estabelecer o mercado audiovisual como um dos mais importantes da época como conseguiu colaborar artisticamente em um dos aspectos mais importantes do cinema: a fotografia.

    Dono de um dos maiores acervos dentro do faroeste, Ford conseguiu elevar o gênero a outro nível ao exigir dos seus diretores de fotografia um enquadramento primoroso, em que não somente a mise-en-scene acontecia de forma triunfal, como também se conseguia ver a profundidade de campo impressionante quando filmadas no deserto.

    John Ford filmando

    John Ford dirigindo John Wayne

    Os exemplos para ilustrar foram escolhidos a partir de 4 filmes marcantes do diretor por serem filmados quase que exclusivamente no deserto, mais especificamente no Monument Valley.

    john-ford-point

    O John Ford Point no Monument Valley, reserva dos índios Navajos, na fronteira do Arizona com Utah.

    No Tempo das Diligências (Stagecoach, 96m, 1939) Diretor de Fotografia: Bert Gleenon

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    Paixão dos Fortes (My Darling Clementine, 97m, 1946) Diretor de Fotografia: Joseph MacDonald

    1946 - Paixao dos Fortes 1 1946 - Paixao dos Fortes 2 1946 - Paixao dos Fortes 3 1946 - Paixao dos Fortes 4 1946 - Paixao dos Fortes 5

    Sangue de Heróis (Fort Apache, 125m, 1948): Archie Stout

    1948 - Sangue de Heróis 1 1948 - Sangue de Heróis 2 1948 - Sangue de Heróis 3 1948 - Sangue de Heróis 4

    Rastros de Ódio (Searchers, 119, 1956) Diretor de Fotografia: Winton C. Hoch

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    Mais informações sobre o cinema de John Ford em português aqui em 4 partes: I, II, IIIIV, e em inglês em duas partes, 1 e 2.

    Quem quiser, pode comprar um livro da Taschen com todos os filmes do diretor aqui.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | No Olho do Tornado

    Crítica | No Olho do Tornado

    Filmes de catástrofe são bastante recorrentes. De tempos em tempos, uma produção competente é lançada, atraindo inúmeras pessoas ao cinema, sendo que, na maioria das vezes, o filme em questão traz um roteiro bastante simples, porém funcional, priorizando as sensacionais cenas onde o visual se destaca. É o caso de Inferno Na Torre, Terremoto, O Destino do Poseidon (e sua competente refilmagem, Poseidon), Vivos, Twister, Volcano, Impacto Profundo, Independence Day e todas as versões de Titanic. Ocorre que, por conta do avanço da tecnologia, cuja prioridade é melhorar ainda mais os efeitos especiais, os roteiros acabaram por atrair pouca atenção. Dessa forma, o Cinema nos entregou filmes que, apesar do gosto duvidoso, alcançaram grande sucesso, como Armageddon, O Núcleo, O Dia Depois de Amanhã e 2012, todos baseando-se em desastres naturais.

    Seria impossível não comparar No Olho do Tornado a Twister, afinal os dois filmes têm nos tornados a atração principal; porém, seria muito injusto se aquele viesse para competir com esse, já que a produção de 1996 é um grande filme. É aí que está o trunfo de No Olho do Tornado: ele não compete com a obra anterior, apenas homenageia-a, de forma sutil, e isso talvez seja mérito do diretor Steven Quale (Premonição 5)  o braço direito de James Cameron e diretor de segunda unidade de Titanic e Avatar – e do jovem roteirista John Swetnam (Ela Dança, Eu Danço 5 e Evidências).

    A trama reúne a história de três núcleos de personagens, sendo dois principais e um de alívio cômico. São eles: Gary (Richard Armitage), um pai viúvo e coordenador da escola local, e seus dois filhos, Donnie (Max Deacon) e Tray (Nathan Kress), que estão colhendo depoimentos em vídeo de todo o colégio para uma cápsula do tempo; uma equipe de caçadores de tornados liderados por Pete (Matt Walsh) e a meteorologista Allison (Sarah Wayne Callies), que estão filmando um documentário em busca de um financiamento milionário; além de uma dupla de loucos que curte a vida no melhor estilo Jackass, buscando o sucesso fazendo vídeos para o Youtube.

    São personagens repletos de clichês. Gary, como dito, é viúvo, criou os dois filhos sozinho, mas não tem tempo, nem paciência para eles. Donnie, o filho mais velho, é tímido, porém apaixonado pela linda Kaitlyn (Alycia Debnam Carey). Já seu irmão, Tray, é bobo e descolado. Pete é como se fosse um vilão, pois só pensa no dinheiro que pode ganhar com a filmagem do documentário. Paga pouco por funcionários jovens e sem experiência e não exita em colocar sua equipe em perigo.

    O acerto do roteiro se deu por conta do momento em que os três núcleos se convergem em um só, o que deixa o filme mais coeso e sem tempo para enrolação, já que há uma urgência, uma corrida contra o tempo, uma vez que Donnie decide faltar à formatura para ajudar Kaitlyn num trabalho sobre meio ambiente numa usina abandonada do outro lado da cidade.

    Como se pode perceber, os  núcleos trabalham com filmagens, o que faz com que boa parte da fita seja no estilo found footage. Mas em nenhum momento trata-se de algo negativo por não existirem cenas de correria, com telas tremidas, buscando propositalmente não mostrar a ameaça com o intuito de baratear a produção. O único porém (único mesmo) fica por conta de uma cena terrível em que você percebe claramente que toda a chuva ali (até a água dos vidros dos carros) foi criada de forma pífia por computadores, um elemento que faz lembrar as produções da Asylum.

    De qualquer forma, os “personagens principais” aparecem pra valer, mas nada muito diferente do que já foi visto nos trailers da obra; uma estratégia ousada, porém positiva.

    De acordo com Allison, os furacões Katrina e Sandy são a prova de que a natureza não é mais a mesma e que anomalias meteorológicas poderão ocorrer até mesmo em lugares como Los Angeles. Embora a cidade aparentemente fique numa região condizente com a aparição eventual de tornados, ela é assolada por uma série deles, o que coloca a metrópole em perigo, preparando os personagens para um terceiro ato grandioso, tenso e bastante competente. A cena mostrada do ponto de vista de um carro, que é jogado para o alto, faz com que o espectador realmente tenha aquela sensação de queda estando dentro do veículo.

    Fica aí a grande surpresa para esse final de temporada das grandes produções do cinema americano. Seria ousado dizer que No Olho do Tornado está no “top 5” de blockbusters de 2014?

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Lado a Lado

    Crítica | Lado a Lado

    O cinema é, de todas as artes, aquela que mais depende da tecnologia para ser produzida. Segundo Walter Benjamin, essa condição torna o cinema uma obra de arte única, fruto do avanço tecnológico e industrial do século XX. Ainda mais singular que a fotografia, o cinema irá gerar debates imensos e comparações sobre o “valor” de sua arte (pode ser um pintor comparado a um operador de câmera?). Portanto, o documentário Lado a Lado, dirigido por Christopher Kenneally e protagonizado por Keanu Reeves, atualiza um pouco o debate nesse sentido, ao confrontar várias personalidades da indústria cinematográfica (como George Lucas, Martin Scorsese, James Cameron, Lars von Trier, Andy e Lana Wachowski, David Fincher, Joel Schumacher, Robert RodriguezSteven Soderbergh, David Lynch etc) com a questão da substituição da película pelo filme digital.

    Com uma proposta didática de ensinar ao espectador o básico da diferença entre os formatos, o documentário assume uma postura um pouco cansativa a quem não é muito interessado no aspecto técnico do cinema. Porém, ao público alvo, possui um formato muito interessante e de fácil compreensão. Dividido em várias partes com subtemas que vão e voltam (tanto na parte criativa, quanto técnica), e entrevistando um grande número de pessoas com frases curtas e cortes muito rápidos, às vezes um pouco da informação é perdida. Mas nada que afete a compreensão geral da obra.

    O filme começa com um debate sobre a facilidade do processo de filmagem digital atualmente, onde tudo pode ser visto enquanto é filmado, enquanto no uso da película é necessário, após o término da filmagem, levá-la a um laboratório onde será revelada e o diretor só poderá ver o que foi filmado no outro dia. São colocados argumentos muito bons dos dois lados do debate, tanto no lado criativo quanto técnico.

    Após essa breve explanação, somos levados a um histórico das câmeras digitais, desde o surgimento do primeiro chip de captação digital de imagem, criado pela Sony nos anos 60, até sua popularização nos anos 90 e seus primeiros usos como ferramenta na produção cinematográfica com o movimento Dogma 95, que depois influenciou outros cineastas, como o inglês Danny Boyle a usar o digital na filmagem do seu longa de zumbis Extermínio em 2003.

    Porém, ainda nessa época a qualidade de resolução do digital era muito pequena em relação à película, e chegava no máximo ao HD (1280 x 720), enquanto a película em 35mm poderia chegar a 4096 x 3072. Mas tudo isso mudou com a chegada de novas câmeras no mercado no final dos anos 2000, onde a resolução começou a dar saltos exponenciais e o argumento a favor da película começou a ficar mais fraco.

    Outra vantagem citada do digital era não precisar mais das pausas para trocar os rolos de filmes nas câmeras, que duravam aproximadamente 10 minutos, e eram muito caros. Então havia uma pressão para o ator enquanto ouvisse o barulho do filme rodando, enquanto no digital não há pausa e nem cortes. Depois tudo é editado digitalmente (o processo de edição também é brevemente citado). Após a filmagem, o filme ainda tinha de ser entregue ao laboratório, revelado, preparado, encaixotado e transportado para depois ser visto, e dependendo da quantidade de vezes que era exibido, poderia se deteriorar. Já no digital, nada disso acontece, e a equipe tem todo o fruto do trabalho nas mãos imediatamente.

    Portanto, o filme se foca muito na questão do custo de produção, que cai absurdamente com o digital, o que tem feito muitos estúdios optarem principalmente por este formato. Tudo isso também graças ao pioneirismo de George Lucas que, vendo o potencial do digital, forçou seu uso ao experimentar esse tipo de projeção com seu Episódio I em 1999 e ao filmar, pela primeira vez na história, um longa 100% em digital, com o Episódio II. Porém, Christopher Nolan assume a defesa incondicional da película pela sua qualidade em captar as nuances de cores e as profundidades (já que utilizou esse formato para filmar a trilogia nova do Batman), mas sem menosprezar o digital, que já dá sinais de ser um verdadeiro tsunami tecnológico dentro da indústria.

    Outro ponto interessante debatido em relação ao digital é a massificação não só da produção, como também do consumo, e como o digital afeta essa relação, pois gerações mais novas estão habituadas a assistirem filmes em celulares e laptops em suas casas, e não mais somente no cinema, o que pode ser considerado vantagem por alguns e desvantagem para outros, em um tópico bem interessante, que se relaciona também com a quantidade crescente de obras sendo produzidas. É melhor mais com menos qualidade ou menos com mais qualidade? Um afeta diretamente o outro? São proporcionais? Inversamente proporcionais? Hoje em dia praticamente qualquer pessoa pode fazer um filme em casa com um orçamento baixíssimo devido ao digital. Mas isso significa algo em termos de qualidade? É o debate proposto, cabendo ao espectador a resposta.

    No final, há a especulação de a película se tornar obsoleta ou morrer de vez enquanto formato (já que nenhuma fábrica de câmera está produzindo mais modelos novos para película). Mas, um dos dados mais interessantes apresentados pelo documentário é em relação justamente a preservação. A indústria do digital muda muito, e a cada década novos meios de reprodução e mídias de armazenamento são inventados, inutilizando seu predecessor, enquanto a película se mantém viva, sendo ao mesmo tempo a mídia de reprodução e de armazenamento com grande qualidade. Esse fato gera uma situação irônica, pois os grandes defensores do formato digital dizem ter várias cópias de filmes em mídias digitais, mas que não conseguem reproduzi-las simplesmente por não existirem mais os aparelhos que o façam.

    Sem tomar um lado ou propor uma solução, o documentário termina mostrando que, apesar da briga, o digital veio para ficar e é somente uma ferramenta a mais, que depende muito da forma como é usada. Portanto, é um filme indispensável a qualquer um que se interesse por cinema de forma mais profunda.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | The Walking Dead: O Caminho Para Woodbury – Robert Kirkman e Jay Bonansinga

    Resenha | The Walking Dead: O Caminho Para Woodbury – Robert Kirkman e Jay Bonansinga

    “É só uma desculpa. As pessoas nascem más. Esta merda com a qual estamos lidando agora… é só um gatilho. Traz à tona a pessoa real.”

    Lilly Caul

     “Viram o que tem lá fora? O cardápio é esse se quiserem sair pra comer! Vocês querem algum tipo de paraíso utópico, algum tipo de oásis de companheirismo amistoso e confortável? Chamem a porra do Norman Rockwell! Esta porra é uma guerra!”

    O Governador

    A parte literária da saga de The Walking Dead continua em O Caminho Para Woodbury, mais uma vez pelas mãos de Robert Kirkman e Jay Bonansinga. Trazido ao Brasil pelo selo Galera do Grupo Editorial Record, este segundo capítulo tem grandes momentos, mas no geral se mostra abaixo do primeiro, o ótimo A Ascensão do Governador. Isso por conta da questionável decisão de rebaixar o célebre vilão a um posto de coadjuvante de luxo, promovendo a nova personagem Lilly Caul ao centro das atenções.

    A metade inicial de O Caminho Para Woodbury se concentra em Lilly e alguns companheiros sobrevivendo em um acampamento e posteriormente na estrada, até o momento em que encontram Martinez e vão para a cidade liderada por Philip Blake. Apesar de bem escrito e eficiente nas cenas de tensão, o segmento é apenas uma trama paralela, algo frustrante no sentido de que a curiosidade era mais acompanhar o Governador assumindo sua posição após o final do primeiro livro.

    A presença de Lilly confirma que os livros se passam no mesmo universo dos quadrinhos, onde a personagem apareceu rapidamente mas teve um papel fundamental no inesquecível arco da prisão. Na adaptação desse momento para a TV, na quarta temporada do seriado, uma versão modificada de Lilly também teve destaque. No livro, o problema foi que, apesar de todo o espaço dedicado à garota, ela simplesmente não conseguiu ser uma figura atrativa.

    Não há um traço marcante na personalidade da moça. Seu desenvolvimento consiste em realizar autocríticas por conta de um crônico medo paralisante, presente desde antes da praga. O contraditório é que, logo no início, ela tem um momento de superação ao salvar algumas crianças de um ataque zumbi. Tal evolução, porém, é sumariamente ignorada logo em seguida, e até próximo ao final do livro Lilly assiste passivamente aos eventos, e só. Seus parceiros de viagem, embora estabelecidos por meio de clichês, conseguem ser personagens mais fortes. O grandalhão gentil Josh Lee Hamilton, o médico beberrão Bob Stookey e a amiga viciada e promíscua Megan Lafferty, todos são mais interessantes do que a protagonista.

    As coisas melhoram – e muito – quando o Governador finalmente volta à cena. Poucos meses após ter assumido o controle da cidade, ele está bem à vontade no papel de líder. Diante do medo e desesperança dos sobreviventes, bastava alguém forte e confiante para assumir o comando, e Blake se transformou nesse alguém. Por fora, ele já é o Governador como o conhecíamos desde a HQ, mas intimamente sua personalidade ainda tem conflitos, luta para se definir. Pena que em pouquíssimos trechos temos esse seu ângulo particular, pois ele divide o ponto de vista narrativo com Lilly e até com Bob e Josh.

    Ainda assim, como todo bom coadjuvante, o Governador brilha, mesmo com espaço reduzido. E como todo vilão bem desenvolvido, nós entendemos as motivações para seus atos hediondos. Um exemplo é a política do pão e circo através da arena de gladiadores de Woodbury (cuja idealização e implantação são detalhadas aqui). Indo mais além, como agora sabemos tudo pelo que ele passou, vemos sua psicopatia com novos olhos, com a assustadora noção de que tudo é justificado, que Blake é um mal absolutamente necessário, e que, naquele mundo terrível, foi o Governador quem sempre tinha razão.

    Em última análise, O Caminho Para Woodbury é uma boa leitura, prejudicado talvez pela expectativa e pela comparação com o alto nível de seu antecessor. O final, com Lilly enfim se fortalecendo, promete grandes emoções para o próximo capítulo, A Queda do Governador. Quando aliás, a saga literária finalmente vai cruzar com a dos quadrinhos, inclusive com as aparições de Rick e Michonne.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Locke

    Crítica | Locke

    Se há uma coisa que une todos os seres humanos é a que somos frutos de escolhas, acertadas e erradas, de nós e de nossos pais. Nossas escolhas, por vezes, são condicionadas dentro desses caminhos já existentes, e raramente conseguimos romper com esse círculo vicioso. E é mais ou menos sobre isso que a nova produção do experiente roteirista, e novato diretor, Steven Knight trata. Ivan Locke (Tom Hardy) é responsável por uma obra de importância muito grande no interior da Inglaterra, porém decide pegar o carro e ir a Londres para acompanhar o parto de Bethan (Olivia Colman), uma mulher com quem teve um caso extraconjugal. E isso terá consequências nada práticas na vida de Locke. Filmado todo dentro de um carro em movimento, Locke tinha tudo para ser um filme monótono, pois deposita todas as suas fichas em Tom Hardy e na construção dos diálogos.

    Felizmente, tudo é tão bem construído que os 85 minutos do longa passam voando. Inicialmente, temos dificuldade em entender as razões pelas quais o protagonista faz escolhas tão contrárias à sua, até então, natureza íntegra, como abandonar a obra que seria responsável pelo “maior depósito de concreto da Europa fora do setor militar e nuclear”. Pelo telefone (usando o bluetooth do carro), ele tenta convencer um subordinado e um superior que não vai poder estar lá no dia seguinte, no horário da entrega pela qual é responsável, mas que tudo dará certo.

    Depois, liga para casa e explica, de maneira muito tensa, à sua esposa Katrina (Ruth Wilson) por que não estará em casa para ver o jogo com seus dois filhos que o esperavam. A revelação também acaba implodindo seu até então sólido casamento. A motivação para abrir mão de um bom emprego e de seu casamento é a de que Locke foi abandonado pelo pai, e não quer que seu filho bastardo tenha o mesmo destino que o dele, o de crescer sem uma presença paterna ao lado. Conforme o filme avança, nos deparamos com vários problemas que vão surgindo, intercalando as várias ligações que Locke faz e recebe. Problemas tanto na obra, que oferecem uma crescente tensão, quanto em casa, onde sua esposa passa, em algumas ligações, da negação ao rompimento; até mesmo com Bethan, uma desconhecida, mas que tem seu apoio neste momento difícil. Locke, com sua voz calma e leve, mas com acentuado sotaque britânico, cresceu com um pai ausente e que agiu errado com ele, portanto fez questão de fazer tudo certo na vida.

    Era o melhor empregado da firma de construção, e era o único a entregar os planos para a prefeitura antes do prazo, além de ser marido e pai exemplar. Mas um erro, em uma noite regada a vinho, colocou tudo a perder. Locke poderia muito bem não assumir a criança e manter sua vida, mas a rigidez moral de fazer o certo, mesmo em uma situação impossível, o leva a acompanhar o parto dessa criança, que não nascerá sozinha no mundo. Como não vemos nenhum outro personagem do filme, Locke sustenta-se somente pela excelente atuação de Tom Hardy, que luta internamente contra si ao dar notícias tão ruins a todos apenas por acreditar que está fazendo a coisa certa para a criança. A fotografia, que joga, a todo momento, com as cores e sombras típicas de uma autoestrada, ajuda a compor esse cenário solitário e melancólico no qual o personagem está inserido por escolha própria.

    Enquanto está indo para Londres, no carro, realiza diálogos imaginários com o pai, também em cenas fortíssimas. A relação de raiva e culpa fica ali escancarada, assim como as cicatrizes que nunca irão sarar. O personagem tenta tornar sua dor menor ao não fazer o mesmo com a criança, que não tem culpa de nada. Essa difícil linha divisória entre o “certo” e o “errado” é que colocará o espectador em um dilema, pois se ele agiu errado “uma única vez” ao ter um caso fora do casamento, está agindo certo com Bethan, mas sua esposa também está agindo certo ao abandoná-lo e dizer que a diferença entre uma ou nenhuma vez faz toda a diferença. Também estão certos seus colegas de trabalho ao ficarem possessos com ele por abandonar a obra em um momento tão crucial.

    Porém, a força do filme está justamente em se concentrar nesse momento intenso da vida do protagonista, onde o dano causado pelo pai se torna mais importante do que todo o resto, e isso ele precisará resolver, pois a responsabilidade de não reproduzir um ciclo de descaso é maior em seu interior do que o casamento ou o emprego. Usando uma tecnologia moderna de comunicação a serviço do filme, a obra também é um retrato de uma época em que as interações e relações são moldadas de acordo com o aparato tecnológico que nos cerca.

    Fica difícil não imaginar como seria a história de Locke se ele vivesse na década de 70 e não conseguisse resolver, através do telefone e dentro do carro, todos os seus problemas, nem se teria a mesma força para largar tudo e acompanhar de perto o parto de seu filho. Mas tudo isso fica a cargo do espectador refletir, como possivelmente fará, a respeito do filme, de suas próprias escolhas e como elas o trouxeram até aqui. Algo que, no final, todos nós fazemos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Total War: Rome – Destruição de Cartago – David Gibbins

    Resenha | Total War: Rome – Destruição de Cartago – David Gibbins

    Qualquer um que utilize com frequência o transporte público, um dos poucos locais de leitura por excelência dentro dos grandes centros urbanos, deve ter percebido que, nos últimos anos, cresceu imensamente a popularidade dos livros baseados em jogos de videogame. Não é preciso andar muito ou procurar com tanta atenção para encontrar alguém com um romance situado nos universos de Assassin’s Creed, Resident Evil, e afins, debaixo do braço. São, em grande parte, jovens – uma molecada que talvez tenha começado a consumir literatura justamente por, enfim, ter algo que realmente a interesse sendo publicado com regularidade.

    Apoio completamente esse movimento do mercado, que, além de ser inteligente do ponto de vista comercial, também abre portas para que uma nova geração de leitores mergulhe no universo dos livros. Eu sou tão novo quanto a maioria desses leitores aos quais me refiro, mas me encontro do lado inverso da moeda: sou completamente ignorante no tocante a games, e tenho pouco, quase nenhum interesse nos subprodutos por eles originados. A bem da verdade, Total War: Rome – Destruição de Cartago foi meu primeiro contato com essa vertente recente da literatura, e me sinto contente em constatar que não foi uma experiência de todo ruim.

    Jogo de estratégia, Total War não é um das maiores franquias da atualidade, e, analogamente, esse romance escrito por David Gibbins e editado pelo selo Galera Record sem dúvida não é um dos grandes lançamentos do meio. Isso, no entanto, acaba por se tornar um ponto positivo, pois dispensa o leitor de possuir qualquer conhecimento prévio para apreciar a aventura – mesmo por que tanto o livro quanto o jogo se baseiam, com altas doses de liberdade, em fatos reais. A história narrada é a de Fábio Petrônio II, um legionário romano que, com seu general, Cipião Emiliano – figura que acaba por roubar o protagonismo –, deixou sua marca na história militar da Idade Antiga, sobretudo no cerco de Cartago.

    A obra poderia ser – e em diversas passagens de fato parece ser – pouco mais que uma narrativa boba, concentrada na descrição de batalhas sangrentas, entrecortadas por uma história de amor convencional entre Cipião e Júlia, membros da linhagem de César. No entanto, o diferencial do romance se encontra em um aspecto inusitado, que é seu cuidado no tratar da História: o canadense David Gibbins, arqueólogo e historiador de formação, demonstra grande domínio do assunto em cada uma de suas longas descrições da geografia do período e dos hábitos dos antigos, levando o leitor não só a crer, mas também a se interessar pelos acontecimentos narrados. Uma nota introdutória – que, além de apresentar os fatos indispensáveis à compreensão do enredo, contém dois úteis mapas dos locais onde se passa a ação –, e as notas finais do autor, em que é explicado o longo processo de pesquisa que levou à construção do livro, atestam sua paixão pelo tema.

    No entanto, ainda que consiga tornar a leitura mais imersiva e interessante, o entusiasmo do autor funciona como uma faca de dois gumes, uma vez que, devido a sua minuciosidade, por vezes transforma o que seria um exercício literário simples, como a descrição de um murro ou de uma planície, em um texto prolixo e didático, desprovido de ritmo. Hábil em entreter-nos por mais de 300 páginas, David Gibbins consegue salvar a obra da sanguinolência descerebrada que, admito, eu esperava ao abrir o volume pela primeira vez; mas ele não consegue, infelizmente, levar essa aventura para além do campo da mediocridade. Entre batalhas e romances nada originais, Total War: Rome – Destruição de Cartago é o perfeito exemplo de uma corrente contemporânea da literatura cujo maior mérito se encontra em seu poder de atrair leitores, e não na qualidade das tramas a eles entregue.

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    Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

  • Resenha | O Jogo da Amarelinha – Julio Cortázar

    Resenha | O Jogo da Amarelinha – Julio Cortázar

    “Há livros que marcam a sua geração. Há livros que se tornam marca dessa geração aos olhos das seguintes. E há livros que nascem para ser eternos. Este, como poucos, pertence às três categorias. Publicado nos já míticos anos 60, O jogo da amarelinha teve imediatamente uma recepção extraordinária nas mais variadas línguas e latitudes”,  Ari Roitman, que assina o prefácio da obra

    Com um prólogo assim, não é de se estranhar que leitores atuais – entre os quais me incluo – peguem a obra para ler com uma expectativa estratosférica. E isso é um de seus problemas. Todo o “folclore” criado ao redor do livro, incitam no leitor inúmeras ideias preconcebidas, indo da dificuldade da leitura ao deslumbramento com a obra. E iniciar a leitura com essa carga emocional acarreta basicamente dois sentimentos:

    • Frustração: o leitor, mesmo apreciando o texto, sente-se um pouco desiludido pois queria ter gostado mais do livro (parafraseando aqui Calebe, do blog Os Espanadores).

    • Logro: e esse mesmo leitor, sente-se enganado por tanta propaganda enganosa, com a certeza de que a obra foi valorizada em excesso, aclamada em excesso, analisada à exaustão; enfim, concluindo que não era “aquilo tudo que falam por aí”. Acrescente-se aí a ideia erroneamente disseminada de que a leitura não-linear sugerida pelo autor daria origem a uma história complemente diferente daquela resultante da leitura linear – indo do capítulo 1 ao 56, sem ler os capítulos prescindíveis. Na verdade, é indiferente, dá na mesma ler de um jeito ou de outro, pois a história permanece a mesma, apenas com mais divagações filosóficas.

    Há motivos para ser assim. E acredito que mesmo aqueles que deram a ela 5 estrelas no Goodreads concordem com o fato de que o livro ficou datado sob alguns aspectos. Não há como negar a criatividade estilística do autor. Contudo, há 50 anos certamente o impacto no leitor era exponencialmente maior que nos dias atuais. Nem mesmo o conceito “inovador” de seguir uma outra ordem de leitura dos capítulos deixou de ser novidade há muito tempo, desde o advento dos livros-jogo, uma febre nos anos 80, cujo melhor exemplo (IMHO) são os da coleção Give Yourself Goosebumps, de R.L.Stine, um spin-off dos Goosebumps regulars. Vale lembrar que, nestes, a sequência de leitura dos capítulos altera, sim, o rumo e o desfecho da história.

    No romance, o leitor segue as andanças de Horácio Oliveira. A obra é dividida em três partes: “Do lado de lá”, “Do lado de cá” e “De outros lados (Capítulos prescindíveis)”. Na primeira parte, ambientada em Paris (onde o livro foi escrito), acompanhamos o casal Horácio e Maga, e as reuniões com seus amigos, regadas com muita bebida, cigarros e jazz. Na segunda parte, Horácio está de volta a Argentina, onde reencontra um amigo, Traveler, e passa a conviver com ele e a esposa, Talita. A terceira parte é constituída pelos capítulos prescindíveis, aqueles que não fazem parte da leitura linear.

    Mesmo lendo de forma direta, os capítulos oscilam entre eventos, digressões do protagonista e papos filosóficos entre os amigos, principalmente na primeira parte. Apesar de a segunda parte ter a cena que mais me chamou atenção depois do plot twist na primeira parte – a cena da tábua, que sei que desagrada a muitos -, ela é bem mais insossa. Tem-se a impressão de que foi escrita às pressas e sem muito empenho por parte do autor. Não é o nonsense, nem o absurdo de algumas situações, tampouco a (quase) certeza de que o narrador não é confiável que incomodam, mas sim a nítida sensação de que há história de menos para tanto texto – ou, em bom português, muita encheção de linguiça. O excesso de capítulos que não acrescentam nada à narrativa quase obriga o leitor a fazer uma leitura superficial, o que causa um certo desconforto e até um pouco de remorso: “Eu deveria estar me dedicando mais”.

    Uma enorme quantidade de citações – a autores, filósofos, músicos, e outros – não chega a atrapalhar a fluidez da leitura caso o leitor não faça ideia do que se trata, mas deixa a impressão de que talvez a história pareceria mais interessante se quem lê-la souber do que se trata. Em outras leituras, eu eventualmente até paro a fim de procurar as referências. Mas, neste caso, são tantas que passaram batidas todas as que não fizeram sentido para mim. Possivelmente, muitas dessas referências eram assuntos “da moda” na época em que o livro foi escrito, sendo facilmente identificadas e contextualizadas pelos leitores de então.

    Exceto pelos personagens principais, todos os outros parecem ser variações do mesmo. É quase impossível diferenciá-los, já que todos parecem ter a mesma voz narrativa. Se a intenção de Cortázar foi de construir personagens que deixassem o leitor incomodado por sua insipidez, sua falta de complexidade e sua chatice, seu objetivo foi atingido. É bastante tentador, quando conversam entre si, fazer uma leitura dinâmica até encontrar um parágrafo que volte a ser interessante. Em vários trechos, senti-me o próprio Charlie Brown em sala de aula, ouvindo sua professora: “Uon uón, uon uón uon, uon.” Nenhum deles consegue gerar muita identificação no leitor, pouco importando a este qual o destino dos personagens, o que certamente também dificulta a imersão na história.

    Enfim, é inegável o valor da obra como experimento formal. Mas ter envelhecido mal atrapalha a apreciação dos leitores de hoje, além de sua fama de ser uma leitura difícil. Não é difícil, apenas perdeu seu poder de arrebatamento no passar dos anos.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

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  • Resenha | Caixa de Desejos – Ana Cristina Melo

    Resenha | Caixa de Desejos – Ana Cristina Melo

    Caixa de Desejos - Ana Cristina Melo

    A carioca Ana Cristina Melo entrega uma história singela nas 95 páginas de Caixa de Desejos,  lançado pelo selo Tordesilhas Jovens Leitores e quarto livro da carreira da escritora. Marília é uma adolescente de 11 anos que tem uma amizade muito especial com sua avó Laurinda. É a partir da iminente morte da avó que sua vida começa a mudar: as pressões na escola parecem maiores, os parentes que habitam sua casa tornam-se cada vez mais inconvenientes, e ainda por cima Marília tem de se adaptar à presença de sua meia-irmã, que chega para dividir o quarto com ela.

    Na trama, a fantasia aparece como um tempero bem dosado, sem extravagância e sem retirar o protagonismo dos dramas familiares e das aventuras rotineiras do crescer. Algo que torna a leitura agradável tanto para o público-alvo do romance como também para aqueles que já passaram da adolescência, evocando nos leitores a nostalgia da infância.

    Apesar de nenhum dos dramas da personagem ser de difícil identificação, e do texto composto em primeira pessoa aproximar o leitor, há uma sensação de suavidade que faz com que os fatos sejam explorados de maneira quase indolor. Enquanto o leitor ainda prepara-se para as emoções do luto, Marília já viveu um primeiro amor e resolveu os conflitos com a meia-irmã e a mãe, tudo com uma rapidez maior do que se poderia supor. Não querendo carregar nas tintas dramáticas, a autora escolheu um caminho ameno que outras histórias para jovens não tiveram receio em demonstrar.

    Ainda assim, a trama é suficientemente boa para deixar os leitores ansiosos pelo próximo livro, que revisita o cenário de Marília: De Volta à Caixa de Desejos, também publicado pelo selo.

    Nascida no Rio de Janeiro, a autora começou a escrever livros infanto-juvenis em 2010 e desde então já publicou Amizade Desenhada (Escrita Fina, 2012), O Banho de Nina (Escrita Fina, 2011) e Uma Turma Para Dora (Vermelho Marinho, 2011). Edita o jornal virtual Sobrecapa Literal.

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    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.

  • Crítica | As Tartarugas Ninja (2014)

    Crítica | As Tartarugas Ninja (2014)

    Desde que saíram as primeiras notícias sobre o reboot da franquia de As Tartarugas Ninja no cinema, muito se falou sobre as possíveis alterações que os personagens sofreriam de acordo com sua origem nos quadrinhos, em possibilidades que passaram até tratando os protagonistas como sendo alienígenas. Porém, o medo de muita gente foi simplesmente ver associado ao projeto, como produtor, o famoso e explosivo Michael Bay. Para o bem ou para o mal, características marcantes de sua criação estão nessa nova adaptação das Tartarugas para o cinema, dirigida pelo sul-africano Jonathan Liebesman (Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles e Fúria de Titãs 2).

    O filme começa contando a história da jovem repórter do canal 6, April O’Neil (Megan Fox) e seu companheiro de trabalho Vernon Fenwick (Will Arnett). Ela é responsável somente por reportagens fúteis sobre beleza e saúde, mas luta para ser levada a sério como jornalista, enquanto ele quer aprofundar sua relação com April, tentando fazer com que ela se sinta melhor sobre o que faz. Enquanto isso, a cidade de Nova Iorque é assolada por ataques de bandidos do chamado “Clã do Pé”, no que o megaempresário Eric Sacks (o eterno coadjuvante William Fichtner) se compromete a ajudar. April presencia um roubo do Clã que é interrompido por criaturas fortes e velozes, que se assemelham a tartarugas. Após mostrar sua teoria para a chefa do jornal (em uma interpretação de Whoopi Goldberg em piloto automático), é ridicularizada e por isso decide conseguir provas da existência dos heróis misteriosos. Para isso, vai até uma estação do metrô que está sendo atacada pelo Clã (e que estava convenientemente perto) e lá consegue registrar os heróis que se apresentam como Rafael (Alan Ritchson), Michelangelo (Noel Fisher), Leonardo (Pete Ploszek com voz de Johnny Knoxville) e Donatello (Jeremy Howard).

    Tecnicamente, a captura de movimentos aperfeiçoada pela IL&M é bastante competente em criar os movimentos das tartarugas e os fazerem parecer reais a todo o tempo, assim como suas expressões faciais. Nas cenas de ação a naturalidade dos movimentos também dá um salto em relação a outras produções semelhantes. Essa tecnologia de captura de movimento tem tudo para pautar a indústria no futuro.

    Porém, somente a competência da tecnologia não sustenta um filme. Se os movimentos das tartarugas são naturais, da trama não se pode dizer o mesmo. Um vício muito comum no cinema atualmente, em especial nas produções de Michael Bay, é, além da infinidade de cortes secos e rápidos, as várias sequências de ação, cada uma com um clímax próprio, o que tem o objetivo de mantê-lo ligado 100% no filme sem pausa para respirar, mas acaba na verdade anestesiando e tornando-o insensível a outras camadas possivelmente existentes na trama.

    Mas, se em outros filmes isso é um problema, em As Tartarugas Ninja não é, simplesmente porque não existe nenhuma outra camada além da principal, que é a mais simplificada e direta possível, na cara do espectador. Se tanto nas HQs originais quanto nos filmes antigos as mutações que deram origem aos protagonistas eram meros acidentes sem ligação entre os diferentes núcleos de personagens, na nova adaptação ela é fruto de pesquisas genéticas onde o pai de April O’Neil era um dos encarregados, e ela ganha uma importância maior, porém artificial e desnecessária, ao ser a responsável por salvar as cobaias e salvá-las… jogando-as no esgoto de Nova Iorque (!). E tudo isso é explicado em uma narração pelo Mestre Splinter (Danny Woodburn com voz de Tony Shalhoub).

    A protagonista, aliás, é um dos principais problemas do filme. Megan Fox não é uma boa atriz. Não é nem uma atriz mediana. Se em outras produções ela não comprometia por fazer o papel de “sexy”, sua atuação é deplorável e a câmera parece sempre estar mais preocupada em pegar seu melhor ângulo (em seu cabelo que nunca desarruma e maquiagem que nunca borra) do que com o filme. Dito isso, a mistura da motivação de April com a das Tartarugas, de todos terem uma origem em comum em suas infâncias ao invés de serem estranhos que se conhecem e evoluem em uma relação juntos, não garante absolutamente nada a mais na trama. Pelo contrário, exige uma crença muito grande do espectador para que todos eles se encontrassem no futuro daquela forma, quase sobrenatural.

    A ameaça principal, o Clã do Pé, possui em seu líder, Destruidor (Tohoru Masamune), seu principal agente. Em uma virada nada surpreendente, ficamos sabendo que Sacks na verdade é discípulo do Destruidor, que quer espalhar pela cidade um composto em forma de gás que irá causar doenças em toda a cidade, e eles precisam do sangue das tartarugas ninja para sintetizar o antídoto, e assim vender a cura para a doença e se tornarem líderes mundiais.

    Mas, para dois terroristas que agem nas sombras, a escolha da antena do próprio prédio dos laboratórios Sacks para dispersar o composto químico parece no mínimo estranha (além de lembrar muito a trama de O Espetacular Homem-Aranha). A caracterização da armadura do Destruidor (que também lembra demais o Samurai de Prata de Wolverine: Imortal) o torna uma ameaça robótica um tanto quanto artificial, que enfraquece o fato de o Destruidor ser o mestre de artes marciais estabelecido em uma cena anterior. Somente um ser humano usando uma vestimenta caracterizada talvez funcionasse melhor. Essa e outras falhas do roteiro (April só consegue tirar uma foto das Tartarugas enquanto fogem porque elas devolvem seu celular e apagam todas as fotos que tinham tirado antes, tendo assim “resolvido o problema”…) acabam sendo irritantes para qualquer pessoa que preste atenção e se importe com a história.

    Mas, por se direcionar a um público infanto-juvenil, As Tartarugas Ninja decide focar mais nas piadas e referências à cultura pop, o que garante risadas em diversas situações, o que sempre foi uma característica marcante dos personagens. Porém, dificilmente uma criança ou adolescente irá conhecer coisas citadas, como Lost. Outro fator que interfere na própria proposta humorística do filme é a inserção de uma temática “dark” e realista na hora de expor alguns elementos da história, tornando o ritmo do filme confuso.

    As Tartarugas Ninja funciona muito bem para um determinado tipo de público, pois oferece duas horas de diversão literalmente explosiva e simples (para não dizer simplista). Não ofende a memória dos personagens e cumpre o que se propõe, especialmente no quesito “ganhar dinheiro”, mas todas as suas qualidades acabam ficando por aí. Uma pena, pois Donatello, Leonardo, Rafael e Michelangelo mereciam coisa melhor.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Omar

    Crítica | Omar

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    Toda forma de arte é, antes de tudo, uma expressão política. O cinema talvez seja atualmente o maior desses veículos para se propagar uma mensagem, e muitas regiões do planeta acabam sendo colocadas em evidência no mapa por conta de cineastas que conseguem traduzir de forma simples um conflito muito maior. O diretor palestino Hany Abu-Assad já havia causado furor no cinema internacional com seu excelente filme anterior, Paradise Now, ao adotar uma visão intimista sobre o terrorismo no oriente médio. Agora, com sua nova produção indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro, Omar, retoma os holofotes do cinema palestino em época de intensificação da ocupação israelense e escalada da violência na região.

    O filme conta a história do jovem Omar (Adam Bakri) e seus dois amigos Amjad (Samer Bisharat) e Tarek (Iyad Hoorani). Funcionário de uma padaria e sonhando em casar com Nadia (Leem Lubany), irmã de Tarek, ele pula o extenso muro que separa a região todos os dias, apenas para vê-la. Porém, é influenciado por Tarek a participar de ações contra soldados da ocupação israelense na Palestina. Após elaborarem juntos um plano de alvejarem um destes soldados, toda a força do estado policial de Israel irá cair sobre ele, desmoronando seu mundo.

    Omar mantém a visão intimista de Abu-Assad sobre conflitos políticos impactando a vida de pessoas comuns, visão que normalmente perdemos dentro do debate político. Todos os personagens possuem vida e estão fazendo o que podem para tentar sobreviver à dura realidade. Porém, tudo tende a piorar quando o jovem sonhador Omar cai nas mãos da inteligência israelense, que o tortura e tenta torná-lo um agente duplo, utilizando métodos psicológicos altamente questionáveis sob o ponto de vista humanitário.

    A força de Israel é personificada na figura do Agente Rami (Waleed Zuaiter), que se disfarça de muçulmano na prisão e obtém de Omar uma simples frase que dá início a seu inferno pessoal. Eles sabem de tudo sobre sua vida e sabem que Tarek é o cérebro por trás da operação, e se Omar de primeira não o entrega e tenta enganar os israelenses, seus amigos não agem da mesma forma, tornando cada vez mais difícil saber quem são seus reais inimigos.

    Apesar de o filme se utilizar de algumas escolhas frágeis de roteiro para forçar o drama de Omar, como a subtrama onde Nadia se casa com um de seus amigos – que era o delator, mas que todos suspeitavam que fosse Omar – a força principal da trama está em mostrar o dia-a-dia de uma região tão complicada, e nos fazer entender que além de soldados e grupos terroristas, também vivem pessoas comuns, com famílias, traumas, erros e acertos, que podem levar a consequências trágicas como em qualquer lugar do mundo. A cena onde Rami atende o celular e briga com sua esposa (em hebraico) em frente a Omar é emblemática neste sentido.

    Com um final um pouco previsível, mas bem construído, o filme não se propõe a um debate maior sobre terrorismo ou a situação em si da região, tampouco se preocupa em amenizar o tom. Mas é justamente em sua honestidade e simplicidade que reside sua força. Em tempos de tamanha violência e extremismo, é sempre bom lembrar que todos nós nascemos humanos, e que o ódio é construído lentamente e vai nos penetrando enquanto pessoas e enquanto sociedade até sobrar pouco espaço para o resto. E é para isso que devemos ficar atentos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | As Tartarugas Ninja (2014)

    Crítica | As Tartarugas Ninja (2014)

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    As Tartarugas Ninja fazem parte da cultura pop há, pelo menos, 20 anos. Criadas nos quadrinhos em 1984 por Kevin Eastman e Peter Laird, as quatro simpáticas tartarugas ganharam mais notoriedade no final dos anos 80 com um desenho animado que perdurou por nove anos, só perdendo em longevidade para Os Simpsons. O sucesso cartunesco rendeu três adaptações para o cinema, sendo que o primeiro filme de 1990 foi a película independente de maior sucesso na história, na época. Também foram responsáveis não só pelo sucesso na tela, mas também em outros segmentos, como o de brinquedos e o de jogos de videogame. Quem não se lembra do clássico jogo de fliperama?

    Após o sucesso na década de 90 e com o encerramento do desenho animado, a franquia nunca saiu dos holofotes e mesmo após o fracasso do seriado em live action, que buscava emular o ambiente apresentado nos filmes, ainda buscou fôlego num novo desenho animado que foi ao ar por mais seis anos. Mas as tartarugas só voltaram ao mainstream em 2012, quando a rede Nickelodeon investiu pesado na franquia com uma nova animação, buscando o sucesso do desenho da década de 90.

    Se aproveitando disso e explorando a fase de remakes e reboots no cinema, o diretor Michael Bay, por meio de sua produtora Platinum Dunes, em parceria com a própria Nickelodeon, decidiu trazer As Tartarugas Ninja mais uma vez ao cinema. De início, foi uma notícia que agradou a todos os fãs da franquia. “De início”, porque, durante a produção do filme, percebia-se que Bay tinha sua própria visão a respeito de como seriam as tartarugas, cometendo a heresia de anunciar que elas, na verdade, seriam alienígenas em vez de mutantes. Tal notícia causou tanta histeria na internet que houve ameaças de morte e petições.

    Bay é um dos poucos diretores que mantêm contato direto com seus fãs e também é um dos poucos que ouvem as reclamações. Mas sem deixar o orgulho de lado, optou por se afastar da direção e trazer um diretor de sua confiança, Jonathan Liebesman, que entregou um filme que os fãs queriam, ou quase isso. Pelo menos chegou perto disso, ou não. Talvez…

    O motivo de tanta confusão (proposital) ao final do parágrafo acima é que As Tartarugas Ninja consegue ser um ótimo filme em certos quesitos e um péssimo filme em outros. Os pontos negativos são sempre os mesmos: o péssimo hábito que Hollywood adquiriu em explicar suas tramas detalhe por detalhe, além de atribuir conexões ridículas aos personagens.

    Dito isso, o filme é sobre a história da jovem repórter do Canal 6, April O’Neil (Megan Fox, de jaqueta amarela), que tem a ambição de se tornar uma repórter investigativa  em vez de ficar fazendo insignificantes matérias de fitness , juntamente com seu câmera, Vernon Fenwick, vivido por Will Arnet, um dos destaques do filme. April é uma jovem xereta que busca a todo custo descobrir quem está por trás do combate ao Clã do Pé, uma organização criminosa que assola os nova-iorquinos e que é comandada pelo Destruidor (Tohoru Masamune). O objetivo da moça é provar à sua chefe, Bernadette Thompson (participação especialíssima de Whoopi Goldberg), que um vigilante está atuando na cidade e combatendo o Clã do Pé sozinho.

    Uma dessas investigações de April a coloca frente a frente com Leonardo (Pete Ploszek, dublado por Johnny Knoxville), Raphael (Alan Ritchson), Michelangelo (Noel Fischer) e Donatello (Jeremy Howard), numa cena muito divertida. Porém, ninguém acredita que o combatente do Clã do Pé é, na verdade, quatro tartarugas que são adolescentes, mutantes e ninjas. Tamanho absurdo resulta na demissão de April, que acredita que os mutantes são resultado do Projeto Renascença, algo que seu pai – que está morto – desenvolvia juntamente com Eric Sacks (William Fichtner). A demissão da jovem repórter faz com que a personagem vá atrás atrás de Sacks para revelar que o projeto, de alguma forma, deu certo.

    O problema é que, quando as tartarugas não estão em cena, o filme não rende nem um pouco. Não há nenhum atrativo, nada que prenda o espectador, e você chega até a rezar pra que elas apareçam.

    E quando elas aparecem, dão show. Muito show. Não há uma cena chata sequer. O bacana é que, como dito no início do texto, elas fizeram e ainda fazem parte da cultura pop e, no filme, elas vivem isso. Michelangelo ama os virais da internet, indo à loucura ao ver o vídeo daquele gato tocando piano. Raphael, ao abordar April pela primeira vez, busca imitar o Batman de Christian Bale e é zoado pelos outros.

    Pouco foi mexido no intelecto das tartarugas, mas muito foi mexido no visual, que é espetacular. Créditos pela captura de movimentos desenvolvida em Avatar. Leonardo continua sendo o líder sereno que sempre foi. Raphael é o esquentado da turma, não gosta da liderança de Leonardo e de longe é o maior e mais forte do bando. Donatello, possivelmente, é o que sofreu mais alterações. Sendo o nerd/geek da turma, ele usa óculos de grau e uma mochila, parecida com a dos Caça-Fantasmas, com alguns aparatos tecnológicos. Além de conhecimentos de informática, ele também entende bastante de Medicina. Contrastando com os outros, ele é o mais magro. Já Michelangelo é aquele brincalhão que todos nós conhecemos. Não se leva a sério, é apaixonado por April e se acha lindo. E o último, não menos importante, é lindamente asqueroso. O Mestre Splinter é feio, mas tão feio que provavelmente alguma criança terá pesadelos na hora de dormir. Com a captura de movimentos feita por Danny Woodburn, Splinter – dublado por Tony Shalhoub, o Monk , apesar de já possuir certa idade, é muito habilidoso e talvez lute até melhor que seus discípulos. Sim, no filme ele vai pra guerra quando necessário e não tem como não lembrarmos do Mestre Yoda.

    Uma pena o Destruidor ser mal trabalhado. Sua única ameaça é a armadura que usa, a qual pode colocá-lo facilmente como um vilão do Homem de Ferro. Contudo, faz sentido, porque as tartarugas são muito fortes, sendo necessário um vilão que demonstre certa imponência, e a armadura causa esse efeito.

    Enfim, é um filme que possui erros preguiçosos (o que é comum), mas não decepciona nas piadas e nas cenas de ação. De qualquer forma, prepara terreno para uma continuação que poderá ser mais completa e elaborada, já que não vimos nenhum personagem secundário e querido pelos fãs, como é o caso de Casey Jones.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Flores Raras

    Crítica | Flores Raras

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    “Poucas mulheres escrevem boa poesia. Somente quatro delas se equiparam aos nossos melhores homens. Emily Dickinson, Marianne Moore, Elizabeth Bishop e Sylvia Plath.”
    Robert Lowell

    Baseado no livro Flores Raras e Banalíssimas, de Carmen Lucia de Oliveira, o filme dirigido por Bruno Barreto aborda o relacionamento entre a ganhadora do prêmio Pulitzer de 1956, Elizabeth Bishop (Miranda Otto), e a “arquiteta” carioca responsável pela idealização e construção do Parque do Flamengo, Lota de Macedo Soares (Glória Pires).

    Inicialmente, o roteiro parece focado no relacionamento entre as duas e até começa bem, enfatizando suas personalidades opostas: Lota, extrovertida, segura de si e confiante; Elizabeth, introvertida, retraída e tímida. Enquanto a primeira mostra orgulhosamente sua casa recém-construída, gabando-se de ter idealizado tudo sozinha; a segunda sente-se quase envergonhada quando um dos convidados, Carlos Lacerda (Marcelo Airoldi), declama um dos poemas que ela recusa terminar, na tentativa frustrada de fazê-la sentir-se mais à vontade.

    Antes da chegada de Elizabeth, Lota vivia com Mary Morse (Tracy Middendorf) e com a mesma rapidez que o roteiro apresenta esse relacionamento, forma-se o triângulo amoroso entre elas. Com essa mesma rapidez ele é desfeito – ou quase desfeito – pela pragmática Lota. A superficialidade dessa abordagem tira a credibilidade dessas relações. É difícil para o espectador comprar a ideia de que o grau de envolvimento entre Lota e Elizabeth justificaria sua separação de Mary. Aliás, essa veracidade é comprometida também pela forma com que o amor entre mulheres é tratado. Com exceção do sarcasmo com que o pai de Lota se refere a ela, o excesso de naturalidade com que se encara a homossexualidade é pouco verossímil.

    Já que o relacionamento não é bem explorado, seria de se esperar que o roteiro se aprofundasse mais no momento político do Brasil na época. Porém isso também não acontece. A amizade de Lota com Carlos Lacerda e seus correligionários e seu apoio ao golpe não passam de pano de fundo. Acompanhamos Lota dando vida a sua empreitada de construir o Parque do Flamengo, enquanto o país é abalado pelo golpe e enquanto seu relacionamento com Elizabeth começa a se deteriorar, tudo en passant, sem aprofundamentos.

    Apesar de as atrizes personificarem muito bem as diferenças de personalidade entre as personagens, falta paixão no relacionamento entre elas. Vale notar que Glória Pires conseguiu se mostrar à vontade num papel difícil, tanto pela necessidade de atuar em inglês e ainda assim parecer natural, quanto pelas cenas de teor homossexual. Mas, mesmo estando muito bem, é Miranda Otto que domina a tela sempre que contracenam. A atriz encontrou a medida certa entre a genialidade e a sensibilidade da poeta sem cair no clichê e sem ser caricata

    A fotografia é beneficiada pela natureza exuberante de Petrópolis e os enquadramentos enfatizam as divisões e oposições que ocorrem na história: o contraste entre a cidade e a serra, a separação gerada pelo idioma – inglês versus português -, a oposição entre política e arte, a divisão de Lota entre a paixão por Bishop e a segurança da amizade de Mary.

    Infelizmente, o roteiro não se sustenta e os pontos positivos não bastam para fazer de Flores Raras um filme memorável. Vale por apresentar ao público duas personalidades interessantes, apesar de retratadas superficialmente, e por incutir no espectador a vontade de mergulhar na leitura tanto do livro de Carmen Oliveira, para saber mais a respeito do romance, quanto dos livros de Bishop, principalmente o que foi escrito durante sua estadia aqui, North and South.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Guerras Sujas

    Crítica | Guerras Sujas

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    Não é novidade que os EUA são a maior máquina militar que a humanidade já produziu, além de ser um império que põe e tira governantes em países ao redor do globo a seu bel-prazer. Portanto, mexer no tema do militarismo americano sem cair no lugar comum se mostra atualmente uma tarefa relativamente complicada, mas que o documentário Guerras Sujas, baseado no livro homônimo de Jeremy Scahill, indicado ao Oscar em 2014, consegue fazer bem.

    Jeremy Scahill é um repórter investigativo da revista Nation, especializado em cobrir conflitos ao redor do planeta, passando por lugares como a Nigéria e o Kosovo. Seu livro anterior, sobre os mercenários da Blackwater, empresa militar que prestou serviços ao exército americano durante a guerra do Iraque, denunciou vários crimes cometidos por seus soldados dentro do país. Um verdadeiro escândalo seguiu a publicação do livro, com entrevistas de jornais e audiências no senado americano, onde o repórter tentou fazer com que os autores de tais crimes fossem condenados, mas não conseguiu, ao enfrentar o pesado establishment militar americano, com aliados poderosos na mídia. O máximo que conseguiu fazer foi a Blackwater trocar de nome, chamando agora Academi.

    Tamanha desilusão com o fruto de seu trabalho quase fez Scahill desistir de cobrir conflitos e voltar à sua pacata vida em Nova Iorque, mas logo ele estava de volta, cobrindo a guerra no Afeganistão. Lá se depara com o tema de sua nova produção, o novo modelo de guerra travada pelos EUA. O filme é dividido em quatro partes, contando diferentes formas de ação dos EUA pelo mundo: no Afeganistão, Iêmen, Somália, e um ataque de drones que resultou na morte de dois americanos.

    Ao entrevistar uma família que mora em Gardez, uma região do Afeganistão dominada pelo Taleban, Scahill se depara com evidências de que vários membros familiares, inclusive mulheres grávidas, foram executados por americanos em uma noite. Através de depoimentos e outras fontes alternativas, ele toma ciência de uma equipe tática chamada J-SOC (Joint Special Operations Command), que teria feito o ataque a essa família afegã. Ao se deparar com esse caso, Scahill tenta torná-lo público e denunciá-lo, mas novamente é barrado em todas as tentativas. Somente a exposição de um vídeo de celular, em que vozes americanas são ouvidas e é possível ver pessoas mexendo nos corpos da família executada, é que garante ao caso certa notoriedade.

    Após sair do Afeganistão, Scahill vai ao Iêmen investigar também um caso estranho de um suposto ataque americano a uma vila. Estranho, porque o Iêmen não se encontra em guerra com os EUA, ou tampouco consta em qualquer lista de países hostis. No entanto, ao chegar lá, ele se depara com evidências da destruição de uma vila inteira feita por um míssil Cruiser. Novamente, mulheres e crianças entre os feridos e os restos do míssil nem sequer haviam sido removidos.

    Na Somália, Scahill tem contato com verdadeiros “Senhores da Guerra” que, financiados e treinados pelos EUA, promovem o terror oficial na região em lutas intermináveis, responsáveis pela completa destruição do país. Trocando constantemente de lado, de acordo com o interesse da época, os EUA equilibram a balança ao, em cada hora, apoiar um comandante diferente, mantendo a instabilidade e o conflito eternos na região.

    A última parte do filme fala sobre Anwar Awlaki, um cidadão americano e muçulmano que foi mudando de posição com o passar dos tempos. De um moderado, condenando de forma enfática o terrorismo após o 11/9, a um incentivador do terrorismo nos dias atuais. Scahill investiga a fundo o que causou essa mudança em Anwar Awlaki e observa que a causa disso está na mesma razão pela qual o terrorismo não pode e nem será vencido com uma guerra. A cada ataque militar ou de drones com baixas civis, o ódio aos EUA aumenta e as fileiras das organizações terroristas crescem de voluntários. Após a morte de Bin Laden, Anwar Awlaki é alçado ao posto de novo inimigo público número 1, até ser morto por um ataque de drones em 2011. O que causa ainda mais espanto é a revelação de que o filho de 16 anos de Anwar Awlaki, também americano, Abdulrahman Anwar al-Awlaki é morto de maneira semelhante, para evitar uma possível retaliação do filho pela morte do pai, revelando a lógica doentia do militarismo americano. Aqui talvez resida a maior falha do filme, ao tentar tornar a morte de crianças algo ainda mais sensível do que já é, através de recursos, como câmera lenta e imagens de rostos em preto e branco.

    Por fim, ainda temos a revelação de que o uso de tais mecanismos, como de mercenários e drones, não só foi mantida, como incentivada pela administração Obama, mostrando que não há muita diferença entre republicanos e democratas no manejo da chamada Guerra ao Terror. Scahill inclusive faz uma contundente crítica a esse modelo privatista, desumano e especialmente contraproducente de guerra, pois esta se auto alimenta, sendo, portanto, sem fim. Gerando mais morte e destruição, fora e dentro dos EUA. Também há uma interessante crítica ao fato de os americanos terem comemorado a morte de Osama Bin Laden, como se ela representasse algo na política externa dos EUA, quando na verdade não alterou em nada o jogo. Também há uma crítica ao fato das J-SOC terem alcançado o status de popstars após terem executado o líder da Al Qaeda.

    Apesar de o filme não trazer muitas informações novas para quem acompanha o noticiário internacional, ele nos ajuda a amarrar algumas pontas soltas e relacionar conceitos que esclarecem a verdadeira intenção e ação dos EUA atualmente. Dessa forma, a crítica desta produção se direciona a esse novo modelo de guerra utilizado pelos EUA. Uma guerra total, onde o planeta Terra é um campo de batalha e todos os seus moradores são possíveis inimigos, e a menor suspeita, por mais fraca que seja, é o suficiente para alguém ser morto sem justificativa ou prestação de contas. É uma visão assustadora para o futuro, que ganha cada vez mais adeptos, onde qualquer pessoa é um potencial inimigo e isto lhes dá direito suficiente para tirar uma vida. Onde a tecnologia é usada não para a libertação humana, mas sim para promover o terror oficial, que por sua vez promove o terror de grupos fundamentalistas. Se retroalimentando ao custo das liberdades, e pior, vidas humanas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

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  • Crítica | Guardiões da Galáxia

    Crítica | Guardiões da Galáxia

    guardiões da galáxia

    Os filmes de super-heróis se consolidaram com um gênero cinematográfico de tal maneira, que os vídeos estão cada vez mais parecidos com os quadrinhos. Não no sentido de fidelidade nas adaptações, mas em estruturas que podem ser reconhecidas em ambas as mídias. Temos continuações, cronologias confusas, reboots, e no meio desse emaranhado, fãs discutindo qual é o melhor. Agora, realizadores tentam faturar um pouco mais com personagens de baixo escalão. O segredo, nesses casos, parece ser a pouca pretensão por parte de quem produz e as baixas expectativas por parte de quem consome. Guardiões da Galáxia partiu da desconfiança total para uma leve curiosidade, e acabou se revelando mais um acerto do Marvel Studios.

    Embora exista há décadas e tenha passado por várias reformulações, o grupo nunca foi muito conhecido, nem mesmo entre os leitores de HQ. Até porque, a parte cósmica do Universo Marvel sempre foi um nicho dentro de outro. Entretanto, isso permitiu grande liberdade na hora da transposição para a telona: ainda que os personagens sejam, em sua maioria, fiéis às atuais versões dos gibi, o tom do filme vai por outro caminho. O humor sempre foi parte marcante nas produções do estúdio, mas Guardiões da Galáxia é, de longe, a que mais se assume como comédia. Ou melhor dizendo, uma aventura que não se leva a sério, com cara e alma de anos 80. Não à toa, a cultura pop dessa época é reverenciada ao longo de todo o filme, como por exemplo, a citação, gritantemente óbvia a Star Wars.

    Nessa linha descompromissada, o diretor James Gunn (co-roteirista ao lado de Nicole Perlman) não se preocupa em construir um plot elaborado, ou mesmo em estabelecer os detalhes do cenário em que a história se passa. Temos a sutil noção de uma história que se passa em um universo grande, multicultural, e com narrativa pregressa. Em um canto limitado desse universo, uma arma poderosa ameaça, não apenas a frágil paz entre duas civilizações, mas também todos os seres do cosmo. Argumento inegavelmente clichê, mas que não se mostra um problema, justamente por se apresentar-se desde o início, como uma justificativa para juntar uma galerinha do barulho que vai se meter em altas confusões – e garantir uma diversão insana durante a jornada.

    Os aspectos técnicos são irrepreensíveis, principalmente a trilha sonora, inspirada e perfeitamente conectada com a narrativa. Mas a chave para o filme funcionar é a maravilhosa interação entre os protagonistas. Todos têm espaço para se diferenciar enquanto indivíduos, ganhando um carisma que só aumenta conforme o grupo vai se formando. A união pode até ser rápida, mas convence. Em comum, eles são anti-heróis imperfeitos que, por baixo da pose, escondem traumas verdadeiros. Seres solitários que, mesmo sem entender ou admitir, são tocados por uma amizade que surge de forma natural, porém nada piegas, já que, como amigos de verdade, eles vivem zombando uns dos outros, comprovando que a zoeira não tem limites.

    Nessa conexão com a loucura espacial está o terráqueo Peter Quill, abduzido quando criança, logo após perder a mãe, e criado por saqueadores espaciais. Ele se torna um aventureiro canastrão que se autodenomina Senhor das Estrelas. O ator Chris Pratt começa atuando com um ar abobalhado, o que soa muito forçado, mas se recupera brilhantemente, conforme novas camadas são adicionadas ao personagem: um malandro que mostra ter bom coração e ser capaz de atos heroicos de pura abnegação, embora, logo em seguida, exija ser reconhecido e louvado por isso. As cenas são tão impagáveis quanto sua visão de Footloose e Kevin Bacon, que simplesmente valem o ingresso.

    Zoë Saldana como Gamora, repete com qualidade o papel que já representou várias vezes (Avatar, Star Trek, Os Perdedores, etc), a durona que esconde uma certa fragilidade. O conceito da “mulher mais perigosa do universo”, presente nos quadrinhos, foi levemente ignorado, mas o resultado foi uma personagem menos unidimensional e mais interessante. Drax, o Destruidor, encenado pelo competente Dave Bautista, seguiu um caminho parecido. Entretanto, seu background mostra-se denso e sombrio, o que destoa um pouco do contexto.  A solução para encaixá-lo foi manter sua postura séria e criar um humor involuntário em cima disso, como pode ser notado em suas sensacionais interpretações literais das gírias de Peter.

    Os membros mais estranhos do grupo são também os mais marcantes. É impressionante o carisma conseguido por Groot, uma árvore humanoide que só repete uma mesma fala. O personagem, (na voz de Vin Diesel) tem sido comparado a uma versão muito mais simpática de Chewbacca. E por fim, Rocket, o célebre Guaxinim com Trabuco que ganhou a voz, quase irreconhecível de Bradley Cooper, mostrando a versatilidade do ator nesse trabalho. Rocket é um gênio tecnológico e planejador, irônico, mordaz, sacana, carente e raivoso; mais um caso em que as camadas compõem um ótimo personagem.

    O restante do elenco conta com nomes notáveis em participações discretas, como Glenn Close (líder da Tropa Nova), John C. Reilly (oficial da mesma Tropa), Djimon Hounson (capanga do vilão) e Benicio Del Toro (mais uma vez como o afetado Colecionador, já visto na cena pós-créditos de Thor – O Mundo Sombrio). Michael Rooker se destaca um pouco mais, como o divertido Yondu, “pai adotivo” de Peter e Lee Pace se encaixa perfeitamente no estilo religioso fanático do vilão Ronan, o Acusador, personagem visualmente interessante, mas pouco desenvolvido. Karen Gillan também faz um bom trabalho, irreconhecível como a ajudante de Ronan, Nebulosa. O pai da moça, ninguém menos do que Thanos, aparece rapidamente, e ainda que seu interesse pelas Joias do Infinito seja citado explicitamente, sua sombra ameaçadora permanece apenas nas margens do filme, de forma que somente os bons amantes da Marvel entenderão.

    A conexão com o restante do universo cinematográfico da Marvel é tímida. A cena pós-créditos, por sinal, é tão desconexa quanto a de Homem de Ferro 3. Disso, porém, resulta algo de positivo. Guardiões da Galáxia mostrou potencial para ser uma franquia com identidade e atrativos próprios, e não apenas um laboratório para apresentar e testar conceitos a serem utilizados nos filmes dos astros do estúdio. A sequência, já anunciada, prova não apenas o conhecido planejamento da Marvel Studios, mas também sua capacidade de continuar expandindo e explorando novas propriedades.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Planeta dos Macacos: O Confronto

    Crítica | Planeta dos Macacos: O Confronto

    Planeta dos Macacos O Confronto

    Lançado em 2011, Planeta dos Macacos: A Origem conseguiu ser bem-sucedido de uma forma que poucos reboots são capazes. Isso porque o longa não se limitou a modernizar aspectos superficiais e recontar a mesma história, e sim dedicou-se a um ponto fundamental para que uma franquia sobre macacos humanoides falantes pudesse ser levada a sério nos dias de hoje: a transição do mundo, como nós o conhecemos, para o Planeta dos Macacos propriamente dito. O novo capítulo da saga, intitulado O Confronto, dá mais um passo nessa direção, felizmente ainda sem pressa.

    Apesar da mudança na direção (saiu Rupert Wyatt, entrou Matt Reeves), o filme manteve sua identidade, não apenas visual como também conceitual. A pegada de realismo/seriedade permaneceu e ganhou contornos mais dramáticos, pois o cenário agora é muito mais sombrio. Dez anos após o fim de A Origem, o vírus criado em laboratório praticamente dizimou a humanidade. Um grupo de sobreviventes localizado em São Francisco precisa reativar uma usina hidrelétrica situada numa floresta próxima. O problema é que neste território vive uma enorme comunidade de símios evoluídos, liderados por nosso velho conhecido Cesar (Andy Serkis, pra variar humilhando mais uma vez). Nem um pouco difícil adivinhar que o contato entre os dois grupos não vai acabar bem.

    Logo nos primeiros minutos da produção, o fato de um dos lados ser composto por macacos se torna irrelevante. Eles são organizados, caçam, se comunicam (principalmente por gestos, ainda), transmitem conhecimentos complexos para os mais jovens, e até andam a cavalo. Vemos, indiscutivelmente, uma civilização. A partir daí fica reconhecível um dos argumentos mais velhos do mundo, o contato entre dois povos cujo nível tecnológico é diferente. Ódio e medo do desconhecido, preconceito por parte dos “superiores”, bons e maus elementos em ambos os grupos, todos os elementos estão lá. Nesse sentido, o filme conquista seu lugar no hall das boas ficções científicas, que usam um contexto diferente para falar dos nossos problemas atuais e históricos.

    Grande parte do mérito da manutenção da identidade, que faz com que O Confronto se encaixe perfeitamente como a continuação natural de A Origem, cabe ao retorno dos roteiristas Rick Jaffa e Amanda Silver, agora com a adição de Mark Bomback. A jornada de Cesar continua, mostrando que governar é muito mais difícil do que liderar uma revolução. Agora mais velho e pai de família, tenta atuar como líder moderado, buscando preservar tanto seu povo quanto os humanos, dos quais conheceu o lado bom. A oposição surge na figura de Koba, cujo ódio pelos humanos (por ter sido cobaia de laboratório durante anos) o conduz a uma postura cada vez mais belicosa. Aliás, palmas para o ator Toby Kebbell, que faz um trabalho tão bom quanto o de Serkis.

    O elenco, aliás, conta com grandes nomes que fazem um trabalho discreto porém sólido, uma vez que o destaque sem dúvida é da galera da captura de movimentos. Gary Oldman, como o líder do grupo humano, começa gritando a plenos pulmões, mas seu personagem perde importância com o decorrer da trama. O casal vivido por Jason Clarke e Keri Russell representa os bonzinhos da vez, e tem ótimos momentos interagindo com Cesar. Quem também mostra competência é Matt Reeves, seguro tanto nos momentos mais intimistas quanto nas cenas de ação, nas quais sabe imprimir tensão e fazer o espectador se sentir no meio do caos – basta lembrar de seu principal trabalho, Cloverfield.

    Embora sobrem acertos, o filme não está isento de falhas. Incomoda o quanto os humanos parecem organizados, limpos, bem alimentados. Depois de dez anos em um cenário pós-apocalíptico, era de se esperar que eles estivessem em pior estado. A motivação para ativar a hidrelétrica, se analisada com calma, também não convence. Os personagens dizem estar cientes que a energia vai durar por tempo limitado, e o principal objetivo é conseguir contato com outros grupos de humanos, para assim “reconstruir a civilização”. A experiência não ensinou a eles o perigo de encontrar outras pessoas num mundo de recursos limitados?

    Contudo, os erros são perdoáveis por se tratar de uma história na qual o “o que” e o “como” são muito mais relevantes que o “por que”. O futuro onde macacos ainda mais evoluídos escravizam os humanos ainda parece distante, é difícil enxergar Cesar nessa equação, ainda que sua escolha final (consciente e de coração pesado) represente mais um pequeno passo nessa direção. Que a saga continue sendo contada sem pressa alguma, pois está claro que este é um dos casos em que a viagem é mais importante que o destino.

    Texto de autoria de Jackson Good.

    Ouça aqui nosso podcast sobre a saga “Planeta dos Macacos”.

  • Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 2

    Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 2

    Como-treinar-o-seu-dragão-2

    Quando Como Treinar o Seu Dragão chegou aos cinemas em 2010, não se imaginava que a nova animação da DreamWorks fizesse tanto sucesso. O estúdio apostou alto adaptando uma série de livros escrita por Cressida Crowell. Com um orçamento gordo de 165 milhões de dólares, o longa – dirigido por Dean DeBlois (Lilo & Stitch) e pelo roteirista de clássicos como O Rei Leão, Chris Sanders – chegou aos 500 milhões de dólares no mundo inteiro, garantindo financiamento para que mais dois filmes fossem encomendados. Como Treinar o Seu Dragão 2 chegou às telas quatro anos após seu antecessor, quase respeitando o tempo da ordem cronológica da história, que é de cinco anos.

    Soluço (voz de Jay Baruchel), o simpático protagonista, agora tem 20 anos de idade, o suficiente para que seu pai, Stoico (Gerard Butler), o coloque no trono, substituindo-o como líder da cidade de Berk. Porém, Soluço não quer nem um pouco assumir as responsabilidade de governar, ainda mais depois dos adventos do primeiro filme, quando a paz entre vikings e dragões passou a reinar. Nesses cinco anos, podemos perceber que a aliança entre dragões e o povo viking trouxe muitos benefícios à cidade, principalmente numa cena completamente inspirada em Os Flintstones, quando animais ajudam os humanos nas tarefas diárias. Vale destacar que Soluço possui vários aparatos “tecnológicos” muito legais, dispondo, inclusive, de uma wing suit, a popular asa de morcego, aparato bastante conhecido entre os paraquedistas.

    O filme começa numa festa em Berk, onde acontece uma corrida de dragões disputada pelos velhos amigos de Soluço: a namorada Astrid (voz de America Ferrera), Melequento (Jonah Hill), Perna de Peixe (Christopher Mintz-Plasse), Cabeça Dura (T.J. Miller), Bocão (Craig Ferguson) e a feia e revoltada, porém irresistível, Cabeça Quente (na voz de Kristen Wiig). Percebe-se que o protagonista deveria estar disputando a prova, porém ele está explorando o mundo com o seu dragão, Banguela, que ainda não consegue voar sozinho. Enquanto Soluço e Banguela voam, nota-se que, na verdade, eles estão mapeando o local, o que faz com que o jovem tenha consigo um enorme mapa da região, descoberta por Soluço e seu amigo.

    Mas a trama, de fato, começa quando, numa dessas explorações junto a Astrid e seu dragão Tempestade, Soluço e Banguela são atacados pelo simpático e divertido viking Eret (voz de Kit Harrington, o Jon Snow, de Game Of Thrones), que deixa escapar que está capturando dragões a mando do temido Drago Sangue Bravo (voz de Djimon Hounsou). E esse contato com Eret muda para sempre a vida de Soluço, interferindo, inclusive, em seu passado, onde algumas coisas são reveladas, como, por exemplo, a verdade sobre sua mãe, desaparecida desde um ataque de dragões a Berk, quando Soluço ainda era um bebê.

    O filme é bastante leve, passa rápido e não erra em nenhum aspecto. É engraçado e triste quando precisa ser e é tenso e suave quando também precisa ser. A história e o visual são mais ricos e abrangentes, dada a facilidade de se viajar por aí com um dragão. Simples assim. Pode-se dizer que os acontecimentos do primeiro filme, além de contribuírem com a trama, colaboram com os aspectos técnicos do segundo. Desta forma, a facilidade que Soluço tem de explorar a região o coloca em contato com a misteriosa guardiã de dragões, Valka (voz de Cate Blanchett), que sabe muito mais sobre os dragões do que qualquer outra pessoa no mundo, além de esconder um grande segredo. Para se ter uma ideia, Soluço é apresentado ao Dragão Alfa, um dragão colossal, talvez maior que o Godzilla, que controla todos os outros dragões.

    Um dos destaques fica por conta da diversidade de dragões que este filme possui. Cada raça possui características bem distintas, o que, infelizmente, deixa Banguela totalmente em segundo plano, ganhando mais importância somente no início do terceiro ato, quando Drago Sangue Bravo se torna, de fato, uma ameaça. Cabe destacar que ele também possui um Dragão Alfa, que resulta no maior combate de dragões já visto no cinema, mesmo que em uma animação. Um elemento grandioso não só pelos dragões alfa, mas porque Drago, assim como Valka, possui uma horda de dragões controlados por seus líderes, resultando numa épica batalha.

    Felizmente, o saldo é bem positivo, e o filme é com certeza uma ótima diversão para as crianças nas férias. Mas, por outro lado, talvez Chris Sanders tenha errado um pouco o tom ao escrever uma cena daquelas em que o herói pega a dama pela cintura e tasca-lhe um beijo, como acontece entre Soluço e Astrid, cena que resulta em um monte de “eca”, “credo” e “blergh” entre as crianças no cinema, causando risos nos adultos pela situação constrangedora e divertida.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola

    Crítica | Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola

    Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola

    Seth MacFarlane está em alta em Hollywood. Depois de emplacar 12 temporadas de seu programa mais famoso Uma Família da Pesada, nove de American Dad e quatro do cancelado Cleveland Show, além de dublá-los e produzi-los, passou também a produzir outros programas, como a nova versão de Cosmos para a TV, além de apresentar o Oscar de 2013 e tentar vida nova no cinema com o mediano Ted. Em 2014, chega às telas sua nova produção, com o título traduzido de forma pouco inteligente: Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola.

    O filme conta a história do pastor de ovelhas e fracassado Albert (MacFarlane), deixado por sua namorada Louise (Amanda Seyfried), que resolveu ficar com o emplumado Foy (Neil Patrick Harris). Para ajudá-lo, estão seu amigo Edward (Giovanni Ribisi) e respectiva namorada – e também prostituta do bordel local , Ruth (Sarah Silverman). Porém, tudo se complica quando a gangue de vilões liderada pelo bandido Clinch (Liam Neeson) esconde sua esposa Anna (Charlize Theron) na cidade, o que acaba aproximando-a de Albert.

    Quem acompanha a carreira de MacFarlane já conhece seu estilo de humor recheado de referências à cultura pop e de uma acidez que muitas vezes é incompreendida dentro do contexto que cria. Porém, se essa fórmula garantiu o sucesso de seus programas na TV – que já mostram um desgaste -, no cinema ela patina para engrenar. Apesar de Ted garantir algumas risadas, a estrutura rápida, que garante o sucesso do produtor em programas de 30 minutos na TV, teve dificuldades no cinema, em especial no confuso terceiro ato. Em Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola o problema é ainda mais grave.

    A premissa básica da comédia do filme é o protagonista Albert ser uma pessoa com linguagem moderna no Velho Oeste americano, onde pessoas morrem por qualquer motivo devido à baixa qualidade de vida, além da extrema violência, da época e local. E por alguns minutos conseguimos esboçar uma reação positiva a este argumento. O problema é que ele é repetido durante todo o filme, com um jargão digno de A Praça é Nossa (“as pessoas morrem na feira”), juntamente com um amontoado de piadas escatológicas totalmente gratuitas sobre sexo e funções corporais. Neil Patrick Harris, em uma cena, tem uma diarreia e usa um chapéu para se aliviar. E a cena se estende, por vários minutos, causando talvez mais vergonha ao ator do que ao espectador.

    Também constrangedora é a cena em que há um fan service sem propósito algum para a história: Albert abre uma porta de um celeiro à noite e dá de cara com Christopher Lloyd interpretando o lendário Dr. Emmett Brown, de De Volta para o Futuro, preparando o DeLorean dentro da trama do terceiro filme da trilogia. O fato de De Volta para o Futuro III se passar na Califórnia em 1885 e Albert estar no Arizona em 1882 tem importância? Aparentemente, não.

    Além de Christopher Lloyd, podemos ver outras participações, como Jamie Foxx interpretando Django Livre novamente, ou Bill Maher fazendo um comediante stand up com piadas do Velho Oeste; e também Ryan Reynolds, cuja ponta em Ted foi engraçada – ele tem um histórico de pontas em Uma Família da Pesada, então o colocaram ali. Mas sem importância. Porque praticamente toda a linha humorística do filme se resume somente à escatologia ou referências à cultura pop sem qualquer tipo de relação com a história ou os personagens. Sequências inteiras saem do nada e terminam em lugar nenhum, como a perseguição do bando de Clinch a Albert, ou quando o segundo é capturado por indígenas que usam drogas e falam como drogados urbanos (porque não há nada mais engraçado do que um drogado, né?)

    O que é ainda mais impressionante é a excelente qualidade técnica do filme. A fotografia está impecável, assim como os planos muito bem enquadrados, o set, o figurino e o som. Tudo funcionando perfeitamente, mas com esse imenso potencial desperdiçado, pois não há nada na história que justifique tamanho investimento técnico.

    Fica então a dúvida: se MacFarlane é um talento passageiro ou adequado somente ao formato da TV. No cinema, as apostas (e exigências) são mais altas. E até aqui, ele está devendo. E muito.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Histórias Extraordinárias – Edgar Allan Poe

    Resenha | Histórias Extraordinárias – Edgar Allan Poe

    Edgar Allan Poe é um dos bastiões da literatura mundial. Sua obra serve como referência e amparo tanto para novos autores como também para amantes de uma boa leitura. Embora suas obras mais lembradas sejam as calcadas no terror, Poe também possui a alcunha de pai do gênero Policial, com seus contos de mistério escritos com maestria.

    O interessante neste gênio de vida e morte controversa é que ele não se utiliza apenas do sobrenatural e do ocultismo para provocar medo (temas esses recorrentes na literatura de terror), Por vezes, pinça os medos intrínsecos do ser humano e os utiliza como base de suas histórias. Passeia com eloquência pelas mazelas guardadas no âmago de cada um de nós, atiçando nosso medo do incompreensível, nossa impotência diante do inexplicável. A incapacidade de compreender vida e morte, a obsessão por resolver um mistério. É assustador como um simples gesto ou um repetitivo sorriso podem desencadear uma loucura sem limites com consequências doentias nas suas histórias.

    Não há como ler O Poço e o Pêndulo e não sentir a morte se aproximando milímetro a milímetro, e ora você deseja que ela chegue depressa, ora espera que ela tarde um pouco mais. Confesso que fui incapaz de ler O Barril de Amontillado sem sentir náuseas claustrofóbicas daquelas malditas catacumbas.

    Embora os sentimentos acima citados possam parecer repulsivos, você sempre vai lembrar-se, com nostalgia, daquele arrepio no momento da leitura dos contos, pois o autor causa terror no homem utilizando o próprio homem. O livro Histórias Extraordinárias, lançado pela Companhia de Bolso com tradução, seleção e apresentação de José Paulo Paes faz um apanhado de ótimos contos que passeiam entre vários aspectos da escrita de e vem a calhar tanto para um leitor iniciante quanto para um fã do escritor.

    Sempre que ouço que a obra de um artista reflete a vida do autor, me perco quando tento pensar em como foi a vida de Poe. De qualquer forma, sou eternamente grato pelo fato de que seu reflexo ainda possa chegar até nós.

    Texto de autoria de Fabio Monteiro.

  • Crítica | Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum

    Crítica | Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum

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    A música, especialmente da região sul dos EUA, sempre fez importante papel nos filmes dos irmãos Coen. Se em produções como E aí Meu Irmão, cadê Você ela era tratada como uma característica marcante de seus personagens, em seu último lançamento atinge o status de protagonista dentro da adaptação da vida do cantor folk americano Dave Van Ronk.

    O personagem principal, Llewyn Davis (Oscar Isaac), é um cantor do efervescente movimento cultural dos EUA dos anos 1960 e que tenta carreira solo após o suicídio de seu parceiro, o que deixa nele consequências traumáticas. Migrando de sofá em sofá nas casas de amigos, Davis tenta, sem sucesso, emplacar a carreira enquanto lida com problemas pessoais e uma angústia crescente frente a seu futuro como músico.

    Traço marcante do protagonista e também condutor da narrativa é a crescente melancolia e incapacidade de controlar seu destino. Davis tenta de todas as formas, mas simplesmente não consegue fazer nada dar certo, e não reage frente às agressões verbais de Jean (Carey Mulligan), ou mesmo físicas. Tal característica – de ver, assustado, a realidade passar rapidamente – é evidenciada, em uma bela e poderosa cena no metrô, carregando o gato perdido de um amigo.

    Muito autoconsciente, o filme flerta diversas vezes com o humor característico da dupla de cineastas, em uma forma de linguagem que começa a ganhar adeptos nesse momento histórico: a ironia autodepreciativa como forma de dissimulação. Tocando em um dos únicos bares onde consegue trabalho, Davis afirma que quando se trata de uma canção folk, ela nunca é nova e nunca envelhece. Ou seja, não tem tempo, época e está acima das convenções tradicionais, como muitos acreditam ser possível.

    Em um mundo castigado pela falta de autenticidade, a dupla de diretores garante-a com os próprios atores, de talento ímpar, executando as canções apresentadas no filme – como os amigos de Davis, a dupla Jean e Jim (Justin Timberlake). Tamanha é a qualidade nessas performances que se dá outra tonalidade à narrativa. Se fosse somente uma simples dublagem, grande parte da essência e sentimento do filme seria perdida, já que a música desempenha um papel essencial na transição entre as camadas de vida do protagonista e também em seus momentos chaves. A total atenção da câmera e o excelente som permitem um imenso mergulho na intensidade emotiva das canções.

    Ao trazer à tona Dave Van Ronk, um cantor folk relativamente desconhecido mas que influenciou lendas como Bob Dylan e Tom Waits, o filme também dialoga com gêneros em alta na cultura mundial, quando cada vez mais artistas tentam emular uma outra época e costumes através de instrumentos típicos, mesmo vivendo em uma sociedade moderna e superindustrializada, onde a mesma angústia existencial do protagonista é compartilhada por muitas pessoas que não sabem seu lugar no mundo. Não à toa alguns protagonistas da série de TV Girls fazem ponta na produção, como Adam Driver no papel do cantor Al Cody, e Alex Karpovsky como Marty Green. Temos também na produção musical do filme Marcus Mumford, da banda Mumford & Sons; além de um dos protagonistas de Na Estrada, Garrett Hedlund como Johnny Five, o motorista de Roland Turner (John Goodman).

    A participação de Goodman também oferece momentos preciosos do embate de duas personalidades diferentes. Enquanto Davis busca seus sonhos utilizando-se de todos os meios que consegue, mesmo deixando escapar pelos dedos quase tudo o que tenta segurar, Turner, com sua personalidade destrutiva, faz questão de depreciá-lo, como se já tivesse compreendido Davis (e o planeta) em uma única olhada.

    O filme, então, não é uma biografia fidedigna de Dave Van Ronk, pois muitos detalhes foram alterados. Ambos, Van Ronk e Davis, possuem o espírito de um cantor folk perdido e, apesar de bons, não foram bons o bastante para emplacar um sucesso comercial. Porém, Van Ronk criou em torno de si um culto pequeno e íntimo de artistas que reconheciam sua capacidade e beberam de sua fonte criativa; enquanto Llewyn Davis era autodestrutivo e se sabotava, ao mesmo tempo em que procurava o sucesso até desistir de vez da música apenas para ganhar dinheiro trabalhando na marinha comercial. Seu desespero era tão grande que só poderia ser comparado ao seu ego. Ao ser chamado para um bico em uma música comercial, reclama da composição para o amigo Jim, sem saber que era este o seu autor. Também abre a mão dos direitos autorais de um potencial sucesso apenas para ter o dinheiro necessário para sobreviver alguns dias.

    Dessa forma, Inside Llewyn Davis trata da música também como expressão de uma tristeza que existe em todos nós, mas em um tom descolorido e desiludido, ao contrário de E aí Meu Irmão, Cadê Você?, em que é mostrada de forma anedótica. Ambas as formas atingem o coração do espectador, mas o filme cativa não tanto pelo personagem, já que suas atitudes não nos fazem torcer por ele, mas por toda a construção em volta dele. Faz-nos quase sentir tudo aquilo que ele está sentindo, cristalizando sua dor através da música e nos dando um lugar para testemunhar.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Ender’s Game: O Jogo do Exterminador

    Crítica | Ender’s Game: O Jogo do Exterminador

    Ender's Game - O Jogo do Exterminador

    Baseado no romance de mesmo nome, de Orson Scott Card, com roteiro e direção de Gavin Hood, o filme conta a história de Andrew Ender Wiggin (Asa Butterfield), uma criança que, mesmo sendo um “terceiro” (o filho excedente), é inteligente e muito bem-sucedido na escola de combate. Após a Terra ter sido atacada por alienígenas conhecidos como Formics – devido à sua semelhança física com os insetos – é formada uma Armada Internacional, que se encarrega de treinar uma geração de jovens talentos incumbidos de realizar um contra-ataque 100% efetivo. O Coronel Hyrum Graff (Harrison Ford) convoca Ender, acreditando que ele tem potencial para se tornar um líder estrategicamente tão bom quanto o lendário Mazer Rackham (Ben Kingsley), responsável pela primeira vitória sobre os Formics.

    O livro, apesar de ser leitura (quase) obrigatória entre fãs de ficção científica, perdeu boa parte do seu impacto com o passar do tempo devido aos avanços tecnológicos. O que resta – e não é pouca coisa – é o questionamento filosófico por trás da história: Até que ponto o governo tem direito de “brincar de Esparta”, recrutando crianças para serem treinadas em táticas militares? Até que ponto é válido utilizar esse único ataque sofrido como motivo para um contra-ataque, sem qualquer comprovação de que haverá outro? Até que ponto é ético abusar psicologicamente das crianças a fim de manipulá-las de acordo com os interesses militares? Enfim, há outras tantas perguntas que são feitas e cuja importância no enredo independe das traquitanas tecnológicas.

    Infelizmente, o roteiro conseguiu deixar tudo isso de lado e prendeu-se apenas à superfície da história, atendo-se somente à jornada do herói de um modo que peca pela falta de criatividade. A obra cinematográfica deve ser analisada, a priori, de forma independente e, sob esse ponto de vista, deve se bastar, não necessitando de conhecimento prévio para ser compreendida. No entanto, o espectador passa boa parte do filme com a sensação de que há algo a mais na história que ele deveria saber para a trama ficar mais interessante. E, desconsiderando o fato de ser uma adaptação, da dificuldade de transpôr a narrativa de uma mídia a outra, o roteiro parece ainda mais insosso. Há vários momentos em que se tem a impressão de que a trama vai deslanchar – “hmmm, agora vai ficar legal!”. Alarme falso. O momento passa e o filme continua se arrastando.

    Outro problema é a construção dos personagens, todos unidimensionais e tão “profundos” quanto um pires. Se ao menos o protagonista fosse bem desenvolvido, se suas motivações fossem mais definidas, se as características que levam Graff a escolhê-lo fossem mais evidentes, talvez o público se importasse um pouco mais com seu destino. Ele pode ter um momento de genialidade, tomar uma atitude extremada, sofrer um viés drástico e o máximo de reação que se obtém do espectador é um “Ah, ok.”. Nem se pode culpar Butterfield por sua performance. Ele até consegue transmitir um pouco o dilema do personagem, mas o resultado é aquém da expectativa. O Ender do filme é um moleque antipático o tempo todo e arrogante quando lhe convém.

    Que diferença faz se os cenários são boas representações das descrições de Orson Card? De que adianta se a sala de gravidade zero, utilizada nos treinos dos alunos, é muito fiel ao livro se o restante carece de complexidade? Enfim, para quem assiste sem ter lido o livro, o filme deixa a desejar por ser superficial demais e por deixar vários buracos não preenchidos no roteiro. Para quem assiste aguardando uma boa adaptação, deleita-se com os cenários e os figurinos e nada mais. Vale mais a pena ler o livro. Pois só assim o final do filme adquire algum sentido.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.