Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Need for Speed: O Filme

    Crítica | Need for Speed: O Filme

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    Uma série de fatores já denunciavam que esta seria uma produção complicada. O primeiro e mais óbvio: o timing, que resultou numa aparente falta de originalidade. Impossível olhar para este filme e não encará-lo como um Velozes e Furiosos genérico. Ironicamente, a franquia de games Need For Speed serviu como inspiração para a saga de Toretto e sua turma. No cinema a relação fica invertida  um tanto injusto, mas a vida é assim. John Carter que o diga.

    Mas quem dera se a sensação de algo já visto antes fosse o único problema de Need For Speed – O Filme. Adaptações de games para as telonas sempre encaram um monstro chamado “perda da interatividade”, restando apenas a história. O que fazer em casos de filmes cujos roteiros não são exatamente o forte do jogo? E ainda: como se diferenciar daquela outra franquia que envolve carros velozes? Enquanto Velozes e Furiosos abraçou a zoeira sem limites e encontrou seu nicho na diversão descerebrada, Need For Speed tenta se levar a sério, investir numa histórica dramática entre as corridas. Mas aí parece se lembrar de que “precisa” fazer algumas referências aos games e embarca em situações altamente inverossímeis que não se encaixam no realismo trabalhado até então.

    Dirigido por Scott Waugh e roteirizado por George e John Gatins, o longa conta a história de Tobey Marshall (Aaron Paul). Dono de uma oficina e talentoso piloto de rachas, Tobey é incriminado por seu arqui-inimigo Dino Brewster (Dominic Cooper) e acaba preso. Anos depois, ele parte em busca de justiça e vingança, naturalmente sobre quatro rodas e em alta velocidade. E aí o roteiro começa a derrapar. Obstáculos e elementos complicadores são sugeridos, mas tudo se resolve rapidamente, com muita facilidade.

    Tobey e seus amigos (todos absurdamente fiéis) trabalham em uma oficina prestes a falir, mas possuem carros e equipamentos de ponta. Uma corrida ilegal, supostamente secreta e exclusiva para poucos, mas que é amplamente anunciada na Internet por um famoso radialista amador. O protagonista, recém-saído da prisão, consegue convencer o ricaço a “emprestar” seu carro de três milhões de dólares para usá-lo numa atividade ilegal, cujo prêmio para o vencedor seria apenas levar pra casa todos os outros carros  supondo que estes não acabem destruídos ou apreendidos. E, evitando entrar em spoilers, a forma infantil e simplória com que um caso judicial é resolvido dois anos depois do ocorrido é uma agressão à inteligência do espectador.

    O roteiro também não acerta a mão ao estabelecer o desenvolvimento dos personagens e as relações entre eles. Falta carisma a Aaron Paul; ele repete todos os trejeitos do seu Jesse Pinkman da reta final de Breaking Bad, e simplesmente não convence como protagonista/herói de ação. Não há química alguma entre ele e o interesse romântico vivido pela absurdamente linda Imogen Poots, também porque esta personagem não diz a que veio, parece estar ali simplesmente por obrigação. Dominic Cooper é prejudicado por ter pego o papel de um vilãozinho quase mexicano de tão caricato. Michael Keaton pouco acrescenta, pois só faz monólogos (e parece interpretar o mesmo personagem de Robocop). Ah, e um destaque negativo para Scott Mescudi, que vive um dos amigos de Tobey. Espécie de Jamie Foxx genérico, ele tentar ser cool, engraçado e falastrão, mas fica tão forçado e estereotipado que se torna o personagem mais chato do filme.

    Com relação aos aspectos visuais, o filme merece crédito. O diretor entende a proposta de espetáculo e emprega bem recursos como zoom, câmera lenta, e ângulos que favorecem a beleza das máquinas e dos cenários. Os efeitos especiais acompanham a qualidade, sendo dignos do que se espera de um blockbuster. Mas é pouco, não há como negar. Need For Speed – O Filme é razoável e esquecível mesmo se encarado como simples entretenimento. Ainda que a arrecadação fora dos EUA tenha evitado o fracasso (domesticamente, o filme sequer se pagou), é difícil enxergar uma franquia nascendo aqui. Velozes e Furiosos, indo para o sétimo filme, não enxergou nem mesmo uma distante poeirinha pelo retrovisor.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | 7 Caixas

    Crítica | 7 Caixas

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    Com roteiro de Tana Schembori, direção de Tito Chamorro e Juan Carlos Maneglia, o filme conta a história de Vítor (Celso Franco), um adolescente com 16 ou 17 anos, carreteiro no centro de Assunção (Paraguay), no Mercado 4 – um meio-termo, ou melhor, uma mistura entre Mercado Municipal e rua 25 de Março (via de comércio popular em São Paulo) – onde a concorrência é grande e os carreteiros disputam os clientes quase a tapa. Ele recebe uma proposta incomum: carregar sete caixas de conteúdo desconhecido, em troca de uma nota de 100 dólares, isto é, de meia nota, já que só receberá a outra metade quando completar o serviço. Óbvio que a tarefa acaba se tornando cada vez mais difícil de cumprir à medida que a trama avança.

    Um detalhe que deixa a trama interessante é a “rede” de personagens. Inicialmente, conhecemos Vítor, sua irmã Tamara (Nelly Davalos) e sua amiga Liz (Lali Gonzalez). À medida que a narrativa se desenvolve, novos personagens são agregados – Don Dario (Paletita) e os funcionários do açougue; as colegas de trabalho e os chefes de Tamara; o carreteiro que seria inicialmente contratado, seus colegas, sua irmã e o policial que a paquera. E todos estão interligados de alguma forma, sem que isso pareça forçado ou artificial – um uso bastante criativo do conceito de “Seis graus de separação”.

    E do mesmo modo como é intrincada a rede que envolve os personagens, assim é o cenário. Praticamente toda a história se passa nos meandros do mercado, com seus corredores labirínticos e aparentemente indistinguíveis, ao menos aos nossos olhos “estrangeiros”. E, pela estreiteza das passagens, as perseguições não são feitas em carros possantes – que serão destruídos em algum momento do trajeto – mas sim a pé, empurrando os carretos. E se aproveitando disso, o recurso “câmera na mão” – no caso, câmera no carrinho ou câmera no peito – é usado com bastante frequência, mas não chega a ser excessivo. Agrega tensão ao mesmo tempo em que garante alguns enquadramentos bem interessantes.

    Vale reparar que boa parte dos problemas – inclusive o problema inicial, temporariamente resolvido com a entrega das caixas à Vítor – é causada por mal-entendidos, por conversas mal interpretadas ou ouvidas parcialmente. E essas conversas truncadas têm seu entendimento ainda mais dificultado pela mistura de idiomas. Boa parte dos personagens, principalmente do núcleo do mercado, conversam misturando espanhol e guarani. Foi bem estranho no início do filme, pois eu lia a legenda tendo uma certa ideia de como a frase soaria em espanhol, mas a fala dos atores era algo totalmente diferente, até que me lembrei do guarani. Para aumentar ainda mais o imbróglio linguístico, os proprietários do restaurante em que Tamara trabalha são coreanos, o que gera boas sacadas de humor.

    Esta versão paraguaia de filme de perseguição hollywoodiano não tem nada de paraguaia, não no tom pejorativo que comumente o termo assume aqui no Brasil. O filme é sim carregado de clichês, mas roteirista e diretor souberam usá-los a favor, tanto para fazer o espectador rir como para satirizar o próprio clichê e a indústria cinematográfica que lhe deu origem. E é por isso que, apesar de identificarmos um sem número de elementos narrativos bastante conhecidos, o filme consegue entreter e envolver o expectador – e por vezes até surpreendê-lo.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro

    Crítica | O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro

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    Imagine uma casa muito bem projetada. Quartos, sala, cozinha, banheiros, todos no lugar certo e com tamanho ideal. Mas na hora da decoração, algo sai errado. Alguns cômodos ficam bonitos e funcionais, outros parecem bregas e de mau gosto. Ou simplesmente horríveis mesmo. Agora substitua “casa” por “filme” e aplique o mesmo raciocínio. O resultado será a definição precisa desta segunda aventura do Homem-Aranha da nova geração. Aguardado com desconfiança devido à controvérsia que marcou seu antecessor, O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro consegue a proeza de acertar nos aspectos mais difíceis e falhar infantilmente nos mais fáceis.

    A narrativa é situada logo após os eventos de O Espetacular Homem-Aranha. A personagem está estabelecida como um herói já mais experiente e adorado pela maioria dos nova-iorquinos. Peter Parker já está ganhando uns trocados vendendo fotos para o Clarim Diário (que aparece só através de menções, assim como J. Jonah Jameson) e segue namorando Gwen, ainda que assombrado pelas últimas palavras do capitão Stacy. Outra herança do primeiro capítulo é o misterioso passado do pai do herói, ligado a Oscorp, empresa que se revela cada vez mais como o centro dessa nova franquia. Dão as caras Norman e Harry Osborn, com uma dinâmica bem diferente da esperada  e muito interessante. E, da mesma forma que o Lagarto na aventura anterior, o(s) inimigo(s) da vez também surge(m) da Oscorp.

    O filme consegue combinar várias linhas narrativas e amarrá-las de forma satisfatória. O ritmo é acelerado, mas funcional, praticamente não há sensação de elementos corridos ou mal explorados. Tecnicamente ele também é acima da média, não só os efeitos visuais como também os sonoros chamam a atenção positivamente. As cenas de ação são bem empolgantes, ainda que seja incômodo o exagero em enfatizarem o espetáculo e a louvação ao herói. Duro de engolir as grades de isolamento e plateia quase sempre presente, como se as ações do Homem-Aranha fossem algo planejado, uma parada ou desfile.

    Andrew Garfield é um bom Homem-Aranha e um fraco Peter Parker. Explicando: o herói está mais espirituoso e brincalhão, o verdadeiro Amigão da Vizinhança dos quadrinhos. Mas sem a máscara, ele parece ser indeciso entre ser o hipster descoladão do primeiro filme e o Peter de verdade. Não um nerd CDF babão, mas um cara um tanto atrapalhado, que os outros não levam muito a sério. Isso é importante, pois faz parte da identidade secreta. Garfield parece ter sido informado disso e melhorou em relação ao capítulo anterior. Mas se mostra um ator limitado e limita-se a gaguejar ocasionalmente. Sorte dele que em vários momentos a ótima Emma Stone está em cena para salvá-lo. Há um inegável carisma entre os dois, e o romance vai-e-volta é bastante convincente, típico de jovens/pós-adolescentes, como são os personagens.

    A apreensão maior era, sem dúvida, referente à presença de três vilões na mesma história. A lembrança de Homem-Aranha 3 criou o dogma de que isso não funciona. Mas como Capitão América 2 acabou de mostrar, isso é bobagem. Aqui, Electro, Duende Verde e Rino dão as caras em diferentes momentos, e cada um tem sua função bem definida na trama, sem atropelos. Por outro lado, se na organização do tempo de cada um não há problemas, o desenvolvimento individual tem suas falhas. E a maior delas, ironicamente, está no inimigo que dá o subtítulo ao filme.

    Max Dillon, o Electro, tem a motivação mais fraca, simplória e imbecil já vista em filmes de super-herói. Ele é movido por inveja, birra e desejo de ser notado e fazer amigos. Mas tudo tratado de um jeito lamentável, vergonha alheia. Não há timidez, solidão ou inadequação social que justifiquem a mentalidade de uma criança de 5 anos que ele apresenta. Jamie Foxx está propositalmente caricato, não há mérito nem culpa dele. Por conta disso, é difícil apontá-lo como “vilão principal”, apesar de seu altíssimo nível de poder (lembrando muito a versão Ultimate, na qual ele peita até o Thor). Electro é, ao longo do filme, vítima, ferramenta e ameça, mas lhe falta personalidade pra ser um verdadeiro antagonista. Esse papel acaba pertencendo a Harry Osborn.

    A amizade de Peter e Harry é introduzida de forma retroativa, o que não prejudica em nada. Dane DeHaan mais uma vez provou ser um grande ator, vivendo seu papel com tanta intensidade que chega a ofuscar o protagonista. Harry tem suas motivações bem desenvolvidas, e sua “queda para o lado negro” é orgânica e convincente. Até os 40 minutos do segundo tempo, pelo menos. O roteiro se apressa e força a barra na hora em que Harry assume sua segunda identidade. Não há grandes justificativas para ele usar aquele traje e equipamentos, a impressão foi que alguém se lembrou que isso era OBRIGATÓRIO e não se incomodou em embasar.

    Aliás, faltou também uma explicação sobre por que a Oscorp possui diferentes projetos de armamentos. Nos quadrinhos do Universo Ultimate a empresa está inserida numa corrida armamentista, mas no filme isso não é mencionado explicitamente. Nessa linha, o Rino, em sua curtíssima participação, serve apenas como prelúdio para os futuros planos do estúdio. E para mostrar que o universo do Homem-Aranha é isso, novas ameaças surgem a todo instante, reforçando a importância e a necessidade do herói. O senso de responsabilidade de Peter Parker é testado e redimido neste filme, após ter sido incrivelmente mal apresentado no primeiro. Pena que, para isso, uma tragédia fosse necessária.

    Pra quem conhece um mínimo dos quadrinhos, era um evento esperado. Mas para o público infantil, aquele que Garfield declarou ser o foco da produção, deve ter sido um baque e tanto, uma violenta quebra no tom leve e bem humorado da produção. Essa vontade de atingir todas as faixas etárias naturalmente é algo nocivo ao filme, mas há que se louvar a coragem dos realizadores. Um dos momentos mais marcantes e pesados da vida do herói, fundamental na sua formação de caráter, ganhou uma ótima representação. Resta saber se, nos próximos filmes, existirá coerência em adotar um clima menos infantil. O Espetacular Homem-Aranha 2 ainda não foi o grande filme que o herói merece, mas mostrou potencial e disposição em explorar seu universo. Não custa ter boa vontade e torcer pra evolução continuar.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Review | Minecraft: Pocket Edition

    Review | Minecraft: Pocket Edition

    Sucesso na plataforma PC, o jogo Minecraft foi recentemente expandido para ser jogado também em dispositivos Android e iOS. O resultado dessa expansão foi considerado “fenomenal” pela produtora responsável pelo game, a Mojang. O jogo chegou à incrível marca de 21 milhões de unidades vendidas. No entanto, sua jogabilidade é confusa e boa parte dos que compram o jogo desanima ao iniciar as aventuras no game.

    Assim como a versão para PC, o Minecraft Pocket Edition se baseia na sobrevivência. O jogador é um personagem largado numa floresta e deve escapar de criaturas e animais perigosos. Com a ajuda de alguns itens e blocos, você tem apenas esse objetivo: sobreviver. Existe um modo free game no qual é possível fazer o que bem entender, como construir casas, castelos e outras coisas.

    Os gráficos são satisfatórios se pensarmos em plataformas móveis. Texturas, blocos e demais equipamentos são bonitos e vibrantes, tais como vistos no computador. Quanto testamos, o jogo não gerou nenhum lag, mesmo na hora que efeitos de fumaça  aqueles que davam crashes no PC  apareciam.

    Por se tratar de um jogo originário do PC, a versão Pocket do Minecraft no Android é pesada e pode não rodar em processadores com arquitetura ARMv6 e menos de 512 MB de RAM. Ele foi otimizado para o XPERIA Play da Sony, e alguns usuários do Samsung Galaxy Tab deverão atualizar seu tablet para a versão mais atual para conseguir alcançar um desempenho melhor.

    O jogo também está disponível para iPhone, iPod Touch e iPad, os quais requerem o iOS 4.3 ou superior. Além disso, a versão móvel está otimizada para o iPhone 5. Para iOS, o jogo pesa algo em torno dos 4.5 MB.

    Apesar das qualidades, a jogabilidade é seu ponto fraco. Com botões extremamente grandes, a dificuldade em pular e ir para frente ao mesmo tempo é um desafio para o jogador. A confusão continua quando o game é rodado no modo multiplayer. Em uma tela de toque, fica completamente difícil, para não dizer impossível, jogar com outros jogadores em dispositivos móveis. Além disso, o multiplayer só está disponível na sua rede wireless. Logo, não existe a possibilidade de haver duelos com pessoas de outros países. Esses fatores contribuíram para o grande número de desistentes de Minecraft, que desanimam por causa da jogabilidade.

    Minecraft Pocket Edition tem versões que custam entre US$ 8 e US$ 15. Cuidado ao baixar o jogo de fontes desconhecidas, pois, de acordo com a Psafe, cópias maliciosas do jogo já estão se espalhando pela internet. Mantenha seu aparelho atualizado com antivírus e evite acessar links suspeitos. Para garantir sua segurança, baixe o jogo apenas das lojas oficiais para Android e iOS.

    O jogo também tem versões para os consoles Playstation 3 e Xbox360.

    Texto de autoria de Adryan Lima.

  • Resenha | O Silêncio dos Inocentes – Thomas Harris

    Resenha | O Silêncio dos Inocentes – Thomas Harris

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    Segundo romance com o Dr. Hannibal Lecter e terceiro de Thomas Harris, O Silêncio dos Inocentes, lançado em 1988, narra a história de Clarice Starling, agente em treinamento na Academia do Bureau Federal de Investigações (FBI) designada na investigação do brutal serial-killer Buffalo Bill. Preso em uma clínica, o psiquiatra é consultado para traçar o perfil psicológico do procurado assassino de cinco mulheres mortas em diferentes regiões dos Estados Unidos.

    Encontrados em pequenos espaços de tempo e em diferentes margens de rios do país, os corpos das vítimas têm o mesmo padrão: mulheres grandes e nuas, em estado avançado de decomposição, com cortes nos seios e nas costas e em cujas gargantas foram colocadas pupas de uma espécie rara de mariposa. Quando se descobre que o psiquiatra canibal possui informações sobre o assassino, Starling conta com sua ajuda na investigação em troca de informações pessoais, uma análise psiquiátrica que relembra os tempos em que ele ainda era um profissional conceituado na área e não tinha sua liberdade cerceada pelas grades de ferro da clínica.

    Embora se trate de uma história policial, naturalmente rápida e seca, como o barulho de um tiro, a narrativa de Thomas Harris consegue se impor através da poeticidade das ações dos personagens, principalmente as de Clarice, humanizando-a. Ela é a personagem novata que cativa pela falta de experiência. Ainda que o romance contenha a complexidade de um dos maiores vilões da prosa contemporânea, a história centra-se nela: a “caipira melhorada com um pouco de bom gosto” – assim chamada por Lecter – escolheu a carreira em razão da morte do pai, também policial. O parentesco impulsionou a agente a desempenhar um cuidado preciso com cenas de crime, ainda que não tenha um passado efetivo de atividade policial.

    Compreendemos Clarice porque nos vemos nela e com ela nos identificamos. Starling não é uma agente genial, como a maioria dos personagens da literatura policial. É uma mulher comum, que se coloca no lugar das vítimas, em seus sofrimentos e até nas suas escolhas pessoais de vida para encontrar o atrativo uno que motivou o assassino no momento da captura. Na busca por Buffalo Bill, a protagonista visita a casa das vítimas, observa roupas e sapatos que usavam quando ainda eram vivas, notando características similares: são todas mulheres grandes, bonitas e donas de cútis bem-cuidadas. Também recolhe declarações de seus familiares e amigos para obter o mínimo sinal suspeito, um procedimento comum nas investigações de décadas anteriores quando a visita de casa em casa era fundamental para encontrar pistas ou depoimentos importantes, longe do conforto de escritórios policiais, delegacias e de casos resolvidos pela investigação forense nos laboratórios.

    Ao se colocar no lugar das mulheres sequestradas e mortas, a personagem difere do método de Will Graham, do romance anterior de Harris, Dragão Vermelho. As tramas possuem protagonistas marcantes, porém opostos. Ambos são policiais destemidos e encorajados pela força da lei, mas enquanto Graham, por ser excêntrico, possivelmente insano e extremamente genial, encontra na mente dos sociopatas padrões indiscutíveis que o levam à solução dos casos, Starling chega ao desenlace a partir dos detalhes dessas mulheres. Isso explica por que ela, acreditando que a vítima primordial de Jame Gumb – nome original de Bill – era o seu principal descuido, chega ao louco covil do maníaco antes das equipes policiais, que nesse mesmo momento estavam a quilômetros de distância.

    Com a ajuda de Hannibal, Clarice descobre a bizarra intenção do assassino. Agindo pela cobiça, não por loucura ou puro desejo de matar, Buffalo Bill, um costureiro experiente, ambiciona a pele das vítimas com a finalidade de costurar uma vestimenta com o seu couro, provando seus desígnios grotescos. O personagem é baseado em outro serial-killer de verdade, Ed Gein, o qual colecionava partes dos corpos de suas presas e que também foi fonte de inspiração para diversas figuras de obras famosas da ficção, como Norman Bates de Psicose; Patrick Bateman, de Psicopata Americano; e, claro, Leatherface, de O Massacre da Serra Elétrica, além de muitos outros personagens menores.

    Jame Gumb cobiça a pele das mulheres porque deseja ser uma. Embora não se enquadre na condição da travestilidade – visto que transexuais na maioria das vezes são passivos e sem traços violentos, até mesmo por causa de sua posição oprimida pela sociedade –, ele se mostra feminilizado e com preocupação exagerada com a própria aparência. Uma figura egocêntrica, assim melhor dizendo, que centra em si seus desejos tornando a realidade fantasiosa. Por isso, o maníaco não pode ser considerado um transgênero legítimo. Isso é demonstrado na dinâmica da conceitualização dos testes psicológicos, quando Hannibal questiona o fato do assassino ter sido avaliado para realizar uma cirurgia de mudança de sexo. Um ponto importante, pois produz coerência com a realidade, já que Gumb foi recusado na triagem pelos médicos justamente por ter agredido um deles, o que denota uma personalidade violenta.

    Tal é a confusão psicológica do antagonista que as mariposas em sua vida interpretam papel fundamental. A mariposa se metamorfoseia em fases distintas, assim como ele sonha se transformar em outro alguém. Na sua mente a ideia de fazer um traje com a pele das vítimas – e vesti-lo – é a maneira de aproximá-lo à natureza exuberante do inseto, um bizarro fetiche explicado pelo comportamento narcisista e, contrariamente, pela sua falta de aceitação como pessoa. Além disso, Gumb age somente à noite, o que também é explicado pelo hábito noturno das mariposas. A escolha em colecioná-las não é um acaso sem explicação lógica, mas sim definidora.

    A procura pelo maníaco propicia também uma percepção maior sobre os personagens principais, os quais agem de maneira distinta na narrativa ao mesmo tempo em que são unidos por uma força maior. Clarice é a figura central do romance e agente que realiza as ações, e Hannibal, a cabeça pensante, ainda que tenha papel secundário. Essa diferença produz uma duplicidade antagônica que se completa e provoca tensão. A falta de contato físico entre eles, em razão da segurança máxima a qual o canibal foi submetido, com celas que não permitem o mínimo toque, é balanceada por uma espécie de contrato mútuo, uma relação estranha que reverbera na alta intimidade e na possível compreensão dos atos de cada um. Starling tem a confiança de Lecter porque se deixa levar por ele, pelo seu talento de adentrar na mente das pessoas e brincar com elas; ao mesmo tempo, o canibal transparece um tipo de confiança na agente federal, por esta ser uma novata esforçada, além da atração física que sente por sua presença. Juntos possuem o que toda dupla necessita em uma investigação: a química.

    A adaptação do livro para os cinemas, lançada em 1991, dirigida por Jonathan Demme e estrelada por Jodie Foster e Anthony Hopkins, além de Ted Levine como Gumb, é soberba ao captar esta química tão bem. Os olhares que Clarice troca com o psiquiatra, amplificados pelas cenas em close, expressam a confiança mútua sem o uso de palavras. A cena em que Starling conta seus sonhos dos quais é acordada pelo barulho de cordeiros – o que leva ao nome do título original – gera a mesma carga dramática do livro, mostrando que suas memórias podem ser tão aterrorizantes quanto a realidade das vítimas de Buffalo Bill. O filme capta todas as nuances do texto escrito, intensificando-as por meio de interpretações primorosas. Não à toa foi o vencedor das cinco principais categorias do Oscar de 1991 (Melhor Atriz, Melhor Ator, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Filme e Melhor Diretor), a terceira e última película da história do cinema a conquistar o feito, depois de Aconteceu Naquela Noite, de 1934 e dirigido por Frank Capra, e Um Estranho no Ninho, de 1976, realizado por Miloš Forman.

    Jodie Foster, Anthony Hopkins e Scott Glenn em foto de divulgação do filme

    O Silêncio dos Inocentes é um dos thrillers psicológicos mais importantes para o gênero. Um exercício narrativo exemplar que conduz com maestria os aspectos da narrativa policial – drama, suspense e investigação –, dosados de maneira ímpar e intensificados pelo horror que projeta nos personagens, mostrando a essência do que há de pior no ser humano. Mais do que buscar o culpado, a narrativa procura entendê-lo. O resultado é uma leitura fluida e intrigante, equilibrando densidade e tensão até as últimas páginas.

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    Texto de autoria de Karina Audi.

  • Review | A História Não Contada dos Estados Unidos

    Review | A História Não Contada dos Estados Unidos

    a-historia-nao-contada-dos-estados-unidosNão é de hoje que o diretor Oliver Stone, famoso por filmes como Platoon, Nascido em Quatro de Julho e Wall Street, obtém mais notoriedade por sua militância política do que suas últimas produções cinematográficas. O diretor nova-iorquino sempre teve uma forte veia questionadora ao establishment norte-americano, porém, funcionava em prol de uma narrativa, para mostrar situações, geralmente em um protagonista, e as contradições dos EUA frente ao mundo. Porém, ultimamente, as bandeiras políticas se tornaram prioridade, o que não seria nenhum problema, caso isso não estivesse ligado a uma queda vertiginosa na qualidade de seus filmes, que se não chegam ao extremo fracasso de Alexandre, mantém uma mediocridade silenciosa, como em W. e Selvagens.

    A vontade do diretor em atuar diretamente com a política deixando a ficção de lado trouxe às telas uma série produzida para o canal Showtime, em dez episódios, chamada A história não contada dos Estados Unidos, onde o objetivo seria mostrar para o grande público a formação dos mitos tão difundidos entre os americanos que nunca foram questionados, e desconstruí-los através de uma grande busca por fontes e especialistas em cada época tratada. Cada episódio aborda mais ou menos um ou dois presidentes, geralmente com algum tema específico do momento, seja a 2ª Guerra Mundial, a Guerra da Coreia, do Vietnã e do Golfo, ou simplesmente algum conceito que marcou determinado período.

    Iniciando com o presidente Franklin D. Roosevelt, pai do New Deal e expoente da chamada “esquerda democrata” (a qual o diretor faz uma clara defesa), Stone mostra como Roosevelt, com sua habilidade política, conseguiu não só reconstruir a economia dos EUA arrasada pela crise de 1929 como também forjar uma aliança tão heterogênea quanto impensável nos dias de hoje, com Churchill e Stalin, contra o nazi-fascismo europeu. Outro grande personagem, esquecido pela história (o que Stone faz questão de dizer várias e várias vezes) é Alfred Wallace, amigo e também um radical democrata, que pregava liberdades individuais, democracia, distribuição de renda, felicidade, e outras ideias para serem o guia moral dos EUA ao invés do medo e da paranoia armamentista, em uma incômoda previsão do que seria o futuro dos EUA no século XX.

    Passando também por Harry Truman, a série desfaz eficientemente o mito da dúvida e da angústia do presidente ao decidir usar a bomba nuclear contra o Japão, mostrando que ele estava decidido a fazê-lo desde sempre para intimidar a URSS e o mundo, contra o argumento falacioso de salvar vidas americanas em uma invasão, mostrando que o Japão em breve se renderia, pois já estava em seus últimos esforços de guerra.

    Outros grandes momentos da série são o crescimento e aprendizado de Kennedy e sua habilidade ao lidar com a crise dos mísseis em Cuba e mostrar que, caso não tivesse sido morto, a história dos EUA (e da América Latina) fatalmente seria diferente, pois seu vice, Lyndon Johnson, não tinha a mesma sensibilidade política e social de JFK; a importância da URSS na vitória da 2ª Guerra e como os EUA e sua direita radical foram os responsáveis pelo recrudescimento da guerra fria, que não interessava muito aos soviéticos; o papel importante também de Kruschev na manutenção da paz em um período conturbado; a ascensão de uma direita cada vez mais radical e intransigente, que optava pelo discurso do medo do comunismo, do belicismo e do investimento maciço em armamentos e que contaminava cada vez mais a política, tornando o debate político algo quase ultrapassado e dispensável, senão antiamericano, frente a tamanha histeria, usada conscientemente como tática de controle.

    Por fim, a série faz um retrato fiel do que foi a administração Reagan: desastrosa para os trabalhadores, ao remover direitos, aumentar impostos para os ricos e financiar ditaduras cruéis a fim de sabotar revoluções ou movimentos nacionalistas em vários locais no mundo, o que contribuiu para o surgimento de movimentos ainda piores, como o caso de Osama Bin Laden no Afeganistão. Não poupa também críticas a Bush pai, a Clinton (que seria a nova face do partido Democrata, não mais um questionador, e sim um fiel seguidor da agenda republicana, com intervenções militares questionáveis pelo mundo), George W. Bush, criador da atual “guerra ao terror” e ainda mais desastroso para o mundo, para a democracia, para as liberdades individuais, para a diversidade e para todos em geral, até chegar em Obama, também retratado de forma crua, como outro agente dos EUA bélico e intervencionista, refém de Wall Street e do Tea Party.

    Em épocas de pouco debate, de congelamento político e muitas mudanças, questionamentos como os da série são extremamente importantes para tentar mobilizar as pessoas e mostrar como as mais profundas crenças são frutos de criações de determinadas pessoas em determinadas épocas (já que Stone não poupa a participação da mídia em nenhum momento), e da mesma forma que são criadas, podem ser mudadas.

    A série utilizou um grande acervo de documentos, imagens, vídeos e consultou diversos especialistas para fundamentar bem os conceitos ali mostrados. Para um espectador não muito familiarizado com o tema, muita coisa pode parecer nova ou até mesmo absurda, mas é justamente esse espectador, o indeciso e menos informado, que deve ser o público-alvo desse programa, cujo objetivo é claramente conscientizar o cidadão comum, o alvo preferencial dos poderosos de todo o mundo.

    Claro que a história é também um pouco mais complicada do que Stone parece mostrar, mas ela também se constrói com a diversidade de fontes e narrativas. Dessa forma, A história não contada dos Estados Unidos colabora para trazer uma voz dissonante e ser aquela voz que ninguém quer falar, mas que é necessário ouvirmos. Stone não costuma ser sutil, mas aqui talvez nem devesse ser. O importante é lembrar que os EUA surgiram como país com uma base de ideias bem diferente deste monstro que hoje existe. Surgiu defendendo ideias de liberdade, igualdade, justiça e solidariedade, que mesmo com suas limitações, foi um avanço para a época, e é um retorno a esses ideais que Stone, a seu jeito característico, defende.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Copa de Elite

    Crítica | Copa de Elite

    Copa de Elite

    Dirigido por Vítor Brandt, diretor da série Vida de Estagiário exibida pela Warner, esta comédia faz paródia com uma série de filmes nacionais, entre eles: Tropa de Elite, Bruna Surfistinha, Dois Filhos de Francisco, Se Eu Fosse Você, Nosso Lar, Minha Mãe é uma Peça De Pernas Para o Ar.

    O filme conta a história do capitão do BOPE Jorge Capitão (Marcos Veras), que passa de herói nacional a inimigo público número 1 após salvar o maior craque argentino de um sequestro às vésperas da Copa. Enquanto amarga a decepção por ter sido expulso da corporação e execrado pelo povo, fica sabendo por Bruno de Luca (ele mesmo) sobre a existência de um plano para assassinar o Papa durante a final da Copa. Para evitar o atentado, precisa reaprender a trabalhar em equipe e é auxiliado pela proprietária de um sex shop, Bia Alpinistinha (Julia Rabello); dois soldados, caricaturas de Matias e Neto de Tropa de Elite; um médium (Bento Ribeiro); além de sua mãe (Alexandre Frota).

    Impossível não pensar no personagem Frank Drebin, interpretado por Leslie Nielsen, tentando salvar a rainha da Inglaterra no primeiro Corra Que a Polícia Vem Aí. Mas a semelhança acaba aí, pois a qualidade do humor escrachado deste filme está anos-luz à frente de Copa de Elite, assim como o carisma tanto do protagonista quanto do ator que o interpreta. Os personagens secundários quase conseguem ser tão marcantes quanto o batalhão de Drebin, com destaque para Julia Rabello e Rafinha Bastos (Haters gona hate), lógico, mas se o espectador não tiver birra contra o humorista poderá se divertir bastante toda vez que seu personagem, René Rodrigues, estiver em cena.

    O roteiro nonsense consegue amarrar bem todas as referências aos filmes parodiados. Mesmo quem não assistiu a eles, entende as piadas. Logicamente que conhecê-los ou tê-los visto potencializa o efeito, apesar de não causar gargalhadas desbragadas no espectador. Em termos técnicos, a película não deixa nada a desejar para comédias americanas. Até mesmo os efeitos especiais conseguem não fazer (muito) feio.

    Talvez o filme seja um bom indício de uma aproximação entre a produção youtuber e o cinema, uma tentativa de colocar num formato mais extenso o humor rápido e conciso dos canais de esquetes, como o Porta dos Fundos. Mas ainda há muito chão pela frente até conseguir arrancar gargalhadas do público com a mesma eficiência dos vídeos da internet.

    Um parênteses: na cabine de imprensa, o único momento que fez a plateia rir para valer foi uma brincadeira com uma estatueta do Oscar “disfarçada” de Kikito. No restante do tempo, apenas uma ou outra risada esparsa.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Comandante: A Venezuela de Hugo Chávez – Rory Carroll

    Resenha | Comandante: A Venezuela de Hugo Chávez – Rory Carroll

    Os 14 anos do governo de Hugo Chávez certamente ainda serão foco de discussões por longos anos, mas, quer o vejam como um herói libertador, quer o encarem como um reles ditador, parece ser consenso entre simpatizantes e críticos que sua ascensão ao poder foi um dos fatos políticos mais importantes não só da história recente da Venezuela, como também de toda a América Latina. Passado pouco mais de um ano desde o anúncio da morte do Comandante, como era chamado por seus partidários, momento em que seu sucessor enfrenta protestos e revoltas populares, os sentidos do chavismo e seu impacto a longo prazo geram incerteza. Tudo de que dispomos até agora são recortes e interpretações desse período. Rory Carroll, jornalista do The Guardian que cobriu de perto a situação venezuelana de 2006 a 2012, apresenta um dos mais valiosos desses recortes em seu Comandante – A Venezuela de Hugo Chávez.

    Lançado no Brasil pela Editora Intrínseca poucos meses após sua publicação original, o livro-reportagem faz uso da típica linguagem documental, rica em locais, datas e nomes, que poderia, à primeira vista, afastar o leitor mais casual. Entretanto, Carroll demonstra habilidade em juntar o factual (que, ao fim e a cabo, é onde está o verdadeiro valor da obra) a narrativas particulares e episódios interessantes, que o permitem fugir do maçante para se criar uma leitura instigante. Logo no prólogo o autor faz uso de um traquejo literário, contando um episódio ocorrido em 1999 – após a primeira vitória de Chávez nas urnas. Ele e o prêmio Nobel de Literatura Gabriel Garcia Márquez viajaram juntos para Cuba a convite de Fidel Castro. Fora o primeiro encontro do político com o aclamado escritor, e este último posteriormente escreveu sobre a ocasião que “enquanto ele se retirava com seus guarda-costas, oficiais condecorados e amigos íntimos, fui tomado pelo sentimento de que acabara de viajar e ter uma conversa agradável com dois homens opostos. Um a quem os caprichos do destino deram a oportunidade de salvar seu país. O outro, um ilusionista que poderia entrar para os livros da história como apenas mais um déspota”. Essa ideia permeia as quase 300 páginas do volume, ao longo das quais o jornalista irlandês aponta tanto o salvador quanto o ilusionista, tentando descobrir, enfim, qual deles fora Chávez.

    A fim de cumprir a tarefa, Carroll traça um detalhado perfil do líder político, desde a infância pobre (embora nem de longe tão pobre como ele quis fazer crer em seus discursos) até a aparição no cenário político (iniciada em âmbito nacional por uma malfadada tentativa de golpe militar promovido por ele e por outros conspiradores que, anos depois, seriam presenteados com postos de destaque), passando por sua conturbada carreira militar, por sua idolatria por Jesus Cristo, Karl Marx e Simón Bolívar, entre outros aspectos de sua pitoresca persona. O soldado e o intelectual, o homem das tradições e o revolucionário, todas as facetas da complexa, por vezes esquizofrênica, porém inegavelmente carismática figura de Chávez estão presentes no livro – cada uma delas, por mais que contradiga todas as outras, respaldada por relatos e entrevistas que o autor, num primoroso exercício de um das mais básicas funções do jornalista, a de dar voz à população, recolheu às centenas.

    Ministros, operários, fazendeiros, taxistas, traficantes; relatos de toda a sorte de indivíduos acerca do presidente foram recolhidos, e até o mais ferrenho de seus detratores demonstra, talvez por medo, certo respeito por sua pessoa. Mesmo o autor não escapa à regra, deixando transparecer, em mais de um momento, algo que se assemelha à admiração, o que rendeu algumas críticas a seu trabalho, ainda que esse sentimento indefinido esteja soterrado sob linhas e mais linhas de avaliações negativas quanto à rápida precarização dos serviços e da indústria. O desenvolvimento de um culto de personalidade, apoiado pela massiva utilização da televisão e do rádio, é similar ao das ditaduras sanguinárias do século passado, com o palatino aumento dos índices de criminalidade, entre outros retrocessos trazidos pelo Partido Socialista Unido da Venezuela.

    A despeito de qualquer simpatia que pudesse nutrir por Chávez, conforme avança o escrito, Rory Carroll assume um tom cada vez mais pessimista, concluindo, após narrar a novela dos últimos dias do Comandante, com uma sombria avaliação de seu legado e do futuro do país, conforme deixa claro já no título do capítulo que encerra a obra, O Ilusionista, no qual resgata o comentário de Garcia Márquez. Avaliação esta que, à luz dos eventos recentes, parece bastante acertada. Em um texto que possui valor não apenas documental, mas também literário, o jornalista apresenta um consistente olhar sobre uma das mais importantes personalidades de nossos tempos, que merece ser lido pelos que o amaram e também pelos que o desprezaram.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

  • Resenha | A Intimação – John Grisham

    Resenha | A Intimação – John Grisham

    Reuben Atlee, um velho juiz da pequena cidade de Clanton, Mississipi, envia uma intimação aos filhos, Ray e Forrest, convocando-os para uma reunião de família em Maple Run, a mansão decadente em que passa os dias recluso desde que perdeu as eleições para um candidato mais jovem. Ray, o filho mais velho e formado em Direito, é professor universitário e mora em Charlottesville, Virgínia. Forrest, o mais novo, é um ex-viciado que salta de um emprego a outro. Ray é o primeiro a chegar para a reunião, e encontra o pai morto no sofá e um testamento recém-escrito na escrivaninha. Ao vasculhar os armários em busca de documentos, encontra dezenas de caixas repletas de dinheiro em espécie. E a decisão sobre o que fazer com o dinheiro definirá o que acontecerá com Ray dali em diante.

    Exceto pelo fato de pai e filho serem formados em Direito, a trama não explora muito os meandros do mundo da advocacia, diferentemente da maioria das obras de Grisham. Não há grandes batalhas travadas dentro e fora dos tribunais, nem discursos inflamados dos advogados, nem estratégias explorando brechas nas leis. Mas nem por isso a intriga e o mistério que cercam os personagens são menos interessantes. Aliás, talvez por isso o livro consiga ser mais atraente para aqueles que não se interessam por thrillers jurídicos.

    O suspense do livro é criado por dois mistérios. O primeiro — “de onde veio o dinheiro?” — é bem explorado e se desenrola aos poucos. Afinal, a renda de um juiz, ainda mais um juiz aposentado, não justificaria aquela fortuna. E o leitor, assim como Ray, vai recebendo e seguindo algumas pistas falsas até finalmente encontrar o fio da meada. O outro mistério, o clássico “whodunnit”  — quem está perseguindo e ameaçando Ray — revela-se bem menos interessante e de resolução quase óbvia a partir de certo ponto da narrativa.

    Apesar de pouco explorada no livro, a questão sobre o que fazer ao encontrar tal montante de dinheiro naquelas circunstâncias é bastante cativante. Impossível não parar alguns minutos, várias vezes durante a leitura, e ponderar sobre qual seria nossa reação. Possivelmente daí advenha o maior atrativo do livro, já que em termos de suspense e originalidade da trama ele fica bem aquém de outros romances do autor.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Walt nos Bastidores de Mary Poppins

    Crítica | Walt nos Bastidores de Mary Poppins

    saving mr banks

    Durante 20 anos, Walt Disney (Tom Hanks) tentou adquirir os direitos de Mary Poppins, da escritora australiana P.L. Travers (Emma Thompson), que sempre se recusou a vendê-los receando que Disney fizesse “um de seus desenhos bobos”. Entretanto, a crise financeira faz com que ela tenha que negociar. Desta forma, Travers viaja até os Estados Unidos e passa a trabalhar juntamente com a equipe escolhida por Walt Disney para que Mary Poppins chegue às telas. Minuciosa e com muita má vontade, ela começa a encontrar problemas de todo o tipo. Como o contrato lhe dá o direito de cancelar a cessão dos direitos caso não concorde com a adaptação, Disney e sua equipe precisam aceitar seus caprichos para que a produção saia do papel.

    O título nacional não poderia ser mais impreciso. Provavelmente no intuito de facilitar a vida da maioria dos espectadores que não faz ideia de quem seja Mr. Banks — personagem de Mary Poppins —, conseguiram errar duplamente ao rebatizar o filme. Primeiro porque Walt Disney não é o protagonista, como o título faz pensar; segundo porque não se passa nos bastidores de Mary Poppins, mas sim antes do início de sua produção, mais especificamente durante a escrita do roteiro adaptado. No entanto, esse é o menor dos problemas do filme.

    O excesso de licença poética é, sem dúvida, o maior problema. Ao contrário do que é mostrado, Disney e Travers nunca tiveram um relacionamento amigável. Na realidade se odiavam publicamente, não só antes, mas principalmente após o lançamento do filme — não, Travers não aprovou o resultado final, diferentemente do que o desfecho lacrimoso do filme quer fazer acreditar. Ela odiou o filme e se arrependeu pelo resto da vida por ter cedido os direitos a Disney.

    Tom Hanks encarna o papel de um senhor simpático porém muito diferente da realidade, já que Disney sempre foi conhecido por seu temperamento competitivo, quase hostil. Travers, reconhecidamente uma senhora de temperamento difícil, é retratada como uma solteirona ranzinza e “do contra”, bem menos amarga e intragável do que como definiam seus próprios familiares, e mais humanizada pela interpretação de Emma Thomson. Percebe-se aí o “efeito Disney” dos personagens, minimizando tanto os aspectos negativos de suas personalidades quanto o conflito entre dois temperamentos difíceis.

    As conversas entre Travers, o roteirista Don DaGradi (Bradley Whitford) e os músicos Richard e Robert Sherman (Jason Schwartzman e B.J. Novak) certamente não tiveram o mesmo tom divertido e quase gracioso mostrado no filme. Além disso, o roteiro quer induzir o espectador a acreditar que a intransigência de Travers quanto à cessão dos direitos não se devia às suas reservas quanto à padronização da indústria cinematográfica — a autora não queria que Mary Poppins fosse apenas mais um filme padrão Disney. Com uma quantidade excessiva — e irritante — de flashbacks, o roteiro insiste que sua intransigência tinha algo a ver com um trauma do passado. Os trechos da infância de Travers, que se alternam com sua estadia em Los Angeles, são por vezes confusos e comprometem a fluidez da narrativa, e parecem nitidamente escritos com a intenção de emocionar o público a cada dez minutos.

    Enfim, o filme serve mais como um lembrete de que Mary Poppins está prestes a comemorar 50 anos do que como uma obra comemorativa dessa data, já que essa nova produção não é nem marcante nem memorável.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Capitão América 2: O Soldado Invernal

    Crítica | Capitão América 2: O Soldado Invernal

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    Apreensão. Medo. Angústia. A situação não era confortável após as duas derrapadas da Marvel Studios em sua Fase 2. Thor: O Mundo Sombrio e principalmente Homem de Ferro 3 sinalizavam que o estúdio perdia a mão após todos os acertos da Fase 1, os quais conduziram ao evento chamado Os Vingadores. Para a alegria dos decenautas recalcados, que finalmente tinham certa razão em sua ladainha de que a Marvel só faz filmes medianos e/ou para crianças. Pois bem: beijinho no ombro para os invejosos de plantão, pois o segundo filme do Sentinela da Liberdade se mostrou não apenas uma volta aos trilhos, mas também uma das melhores produções do gênero.

    Não havia espaço em Os Vingadores para focar o desenvolvimento da luta de Steve Rogers para adaptar-se ao mundo atual. Desta vez, naturalmente, sua jornada pessoal assume o centro da trama. Ele está vivendo em Washington e estudando incansavelmente para situar-se na História e cultura mundiais das últimas décadas. Mas como herói não tem vida mansa, o Capitão está trabalhando para a SHIELD, em missões secretas ao lado da Viúva Negra e de uma equipe especial chamada S.T.R.I.K.E.R. Porém, para um cara que lutava por uma idealizada liberdade, não é fácil aceitar nossos cínicos tempos de vigilância massiva e ataques preventivos, o que o leva a alguns atritos com Nick Fury. E as coisas se complicam de vez quando uma gigantesca conspiração dentro da agência é revelada, e mais de um elemento do passado de Steve voltam à tona.

    O Capitão América é um super-herói com um leve diferencial. Idealizado como um soldado, não faria sentido vê-lo, hoje em dia, simplesmente patrulhando um cenário urbano, como Batman ou Homem-Aranha. E pegaria muito mal colocá-lo na linha de frente do Iraque ou Afeganistão — até porque, convenhamos, lá não há tanta ação que justifique a presença de um supersoldado. A abordagem mais coerente para o personagem é aquela trabalhada com maestria pelo roteirista Ed Brubaker numa fase recente dos quadrinhos: espionagem, black ops, terrorismo. A partir dela, o filme não adapta uma história específica, mas transpõe todo o clima, ambientação e estilo narrativo. O próprio Soldado Invernal — com visual emocionalmente idêntico ao das hqs —, ao contrário do que o título do filme faz pensar, não é o coração da trama, mas sim uma peça de uma engrenagem muito maior. O que funciona muito bem, aliás.

    O roteiro é muito equilibrado, alterna de forma bastante orgânica os momentos calmos e expositivos e aqueles mais movimentados e frenéticos. Mas o que chama realmente a atenção é o bom uso dos vários personagens, em suas diferentes escalas de importância, mesmo os que aparecem bem pouco, como Batroc, Agente 13 e Maria Hill. Para os fãs, é ótimo ver nomes conhecidos dos quadrinhos em vez de figuras genéricas. Ajuda na sensação de que o universo do herói, e não apenas ele próprio, está sendo transposto. Ainda nesse campo, o filme destroça aquele velho e simplório argumento de que vários inimigos numa mesma história nunca dá certo. O problema é querer criar um arco individual para todos — abraço para Homem-Aranha 3. Sabendo dosar a importância e o espaço de cada um, Capitão América 2 emprega nada menos do que cinco vilões.

    Sempre massacrado, Chris Evans mostrou de novo que quase toda a implicância pra cima dele é injusta. Sua performance pode não emocionar ou ser tão marcante quanto a do colega Robert “Tony Stark” Downey Jr, mas o cara está inegavelmente mais maduro e confortável no papel. É possível, sim, enxergar Steve Rogers nele. Quem é limitado de fato é Sebastian Stan — isso é spoiler? sinto muito —, o que não atrapalha a construção do Soldado Invernal como figura ameaçadora. Mesmo quando a máscara cai, o ar de drogado cansado, que Stan já tem por natureza, ironicamente se encaixa no personagem. Como dito antes, ele acaba tendo uma participação pequena, mas sua introdução para uso futuro foi bem realizada. E o nome Soldado Invernal é legal sim, muito mais estiloso que “do inverno”, parem de reclamar.

    Os aliados do herói também receberam merecida atenção; todos têm seu lugar ao sol. Nick Fury é uma espécie de gatilho para movimentar a trama, e em relação a ele — e à própria SHIELD — o filme empresta argumentos de outra hq recente, Guerreiros Secretos, escrita por Jonathan Hickman. E falar qualquer coisa de Samuel L. Jackson seria chover no molhado: ele É o personagem e pronto. Scarlett Johansson não consegue ser menos que maravilhosa, e surpresa nenhuma, mantém muito bem o posto de co-protagonista. Interessante ver um lado mais humano e espirituoso da Viúva Negra, além de aparecerem mais migalhas sobre seu passado. Ela menciona ter desertado da KGB, o que por consequência confirma que é também mais velha do que aparenta. Mas o filme não se importa em explicar isso — filme solo da Viúva, quando quiserem, viu.

    O Falcão vivido por Anthony Mackie é um ótimo coadjuvante e responsável por boa parte do humor do filme sem ser um alívio cômico — aliás, a comédia está presente mas bem dosada, voltando ao velho estilo da Marvel e corrigindo a principal falha da Fase 2, ALELUIA SENHOR. Nos quadrinhos, Sam Wilson é um dos melhores amigos do Capitão, e isso ficou bem retratado. A rápida e total fidelidade dele para com Steve, quase um bromance, pode parecer meio exagerada. Mas isso é perdoável, pois Sam é um militar, e se o Capitão é um ídolo geral da nação, imagine para essa classe. Alexander Pierce, vivido com elegância por Robert Redford, tem um papel importantíssimo, mas nesse caso é melhor evitar spoilers. Só vale dizer que faltou coragem: seria épico e coerente se certo boato tivesse se confirmado e outro conceito de Brubaker fosse aproveitado.

    Em relação a aspectos visuais, o longa merece todos os elogios e mais alguns. Não quanto aos efeitos, isso já é o básico do básico que se espera de grandes produções. Também não necessariamente às cenas de ação, que são maravilhosas. Chega a emocionar as perseguições no trânsito nas quais é possível VER com clareza os carros batendo e se destruindo, fugindo da maldita estética Bourne de câmera fechada e tremida. Não: o ponto mais satisfatório de Capitão América 2 são as lutas. Os realizadores normalmente esquecem que em filmes de super-heróis a “ação” não pode ser resumida apenas em correria, tiroteio, explosões. Tem que ter o combate. O mano-a-mano. PORRADA. Nele esse elemento foi trabalhado com perfeição, coreografias dignas de filmes orientais de artes marciais. O Capitão está mais ágil e fodão do que nunca. A luta contra Batroc é qualquer coisa de sensacional, e sempre que o Soldado Invernal aparece, dá vontade de mandar o projetor repetir a cena.

    Esse nível elevado acaba conduzindo a um dos pontos fracos do filme, que é a sequência final. Após tanta criatividade, decepciona um pouco a resolução genérica de “apertar um botão”, com explosões e destruições que já viraram carne de vaca no cinema blockbuster. Fica também um sentimento de que a Viúva e o vilão principal poderiam ter um papel mais grandioso no final. Finalizando o trabalho ingrato de apontar os defeitos, fica muito vago o que será a SHIELD daqui pra frente. Esse ponto acabou sendo explicado na série Agents of Shield, num episódio altamente conectado com Capitão América 2. Em termos de universo expandido, a conexão entre as mídias e valorização do seriado dão nota 10. Mas não deixa de ser uma falha do filme.

    Fugindo desse mundo mesquinho onde tudo funciona na base da comparação, cabe dizer apenas que Capitão América 2: O Soldado Invernal não deve nada aos melhores exemplares do gênero. Muitíssimo bem executado, é o filme que a Marvel e os fãs precisavam nesse momento. Os diretores Joe e Anthony Russo já estão confirmados na terceira parte aguardada para 2016, o que só comprova a confiança e satisfação com esse projeto. Antes, porém, como a ótima cena pós-créditos nos faz lembrar, o Capitão marca presença num tal de Vingadores: A Era de Ultron.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • [Friamente Calculado] De Nada

    [Friamente Calculado] De Nada

    [INÍCIO DE TRANSMISSÃO]

    Olá, meus novos súditos.

    Como alguns de vocês devem ter percebido, agora faço parte da Família Vortex Cultural. E não me orgulho nem um pouco disso. Mas isso é assunto para outro momento.

    Ganhei minha fama na Internet, e no mundo, com meu fanfic especial de Natal chamado Tesões Enrustidos. Foi algo inovador na história desse site e na história do Brasil. Desde o começo eu sabia que estava brincando com forças Arcanas além dos limites conhecidos pela Mente Humana e que, no final, eu estaria abrindo portas proibidas nos cérebros dos leitores que nunca mais poderiam ser fechadas… E eu nunca me importei.

    Depois do sucesso estrondoso do fanfic, Flávio Vieira (hoje casado com Rafael Moreira e pai de dois filhos) me implorou para fazer parte da equipe do Vortex Cultural. E eu, é claro, recusei. Mas sua insistência foi tanta que depois da quinquagésima terceira vez eu decidi dar uma chance ao site.

    Ingressei há pouco tempo com o conto Pela Graça do Senhor, o que deveria ter me garantido um Pulitzer e um Nobel, mas me foram negados por causa da inveja de algumas pessoas que desejo não citar aqui.

    De qualquer maneira, fiz algumas pequenas exigências para escrever no site e agora sou o Rei/Chefe/Ditador desse pequeno pedaço de excremento virtual. E, como figura política, faço as seguintes promessas:

    – Vou transformar o Vortcast em um podcast de qualidade superior. Com conteúdo suficiente para fazer frente à Biblioteca de Alexandria, e entretenimento o bastante para competir com um puteiro de beira de estrada.

    – Está declarada guerra contra os sites que levam o entretenimento a sério. JovemNerd, Omelete, MRG, etc, seus dias de mediocridade estão contados, filhos-da-puta. Faço questão de estar presente na futura execução de cada um de vocês.

    – Vou usar todo o meu poder para destruir essa doença que vêm se espalhando pelo Vortex Cultural: Pablo (Villaça?) Grilo e seu servo otaku, Nicolau Aoshi. Tenho plena certeza de que nenhum progresso é possível em um Universo em que essas duas criaturas existam.

    E podem ficar tranquilos, tenho experiência em sumir com pessoas indesejáveis. Lembre-se de Pedro Lobato. “Quem?”, você pergunta. Exatamente.

    – O ensaio fotográfico com Isadora Sinay vai sair. Pode apostar a vida da sua mãe nisso.

    – [CENSURADO]

    – Como o bom filantropo que sou, vou dedicar parte do meu precioso tempo para alfabetizar Jackson Good e Filipe Pereira. Porque ninguém deve sofrer preconceito em nossa sociedade civilizada… Por mais burra que essa pessoa seja.

    E quanto a vocês, caros comentaristas, é melhor se comportarem… Ou eu mato vocês! Hahahaha!

    Mas falando sério: eu sei onde cada um de vocês mora.

    A Era da Zoeira começa agora.

    [FIM DE TRANSMISSÃO]

    Texto de autoria de “The Nindja”.

  • Resenha | Hannibal: A Origem do Mal – Thomas Harris

    Resenha | Hannibal: A Origem do Mal – Thomas Harris

    Hannibal - A Origem do Mal - Thomas Harris

    Thomas Harris, escritor conhecido por ter criado a série sobre o mais famoso canibal da ficção, o psiquiatra Hannibal Lecter, dedicou grande parte de sua vida ao personagem. Escreveu ao todo cinco livros, sendo Domingo Negro, de 1975, com relativo sucesso nos Estados Unidos, o único sem o personagem mais célebre. No livro um terrorista planeja um atentado no maior evento esportivo americano, o Super Bowl; em 1981, Dragão Vermelho, traduzido para o português no mesmo ano de seu lançamento, é o primeiro em que aparece o personagem; O Silêncio dos Inocentes, de 1988, lançado no país um ano depois, fundamenta a mais famosa adaptação para o cinema, sendo vencedora das cinco principais categorias do Oscar; Hannibal, de 1999, foi importado para cá neste mesmo ano; e Hannibal – A Origem Do Mal, lançado em 2007, é o último livro, mas o primeiro em ordem cronológica sobre a vida do criminoso. Toda a série foi publicada no país pela Editora Record em boas edições.

    Hannibal – A Origem Do Mal procura traçar os meandros da infância do personagem na Lituânia, em plena Segunda Guerra Mundial, e sua juventude na França, em meio a uma busca pela punição dos inimigos que assassinaram as pessoas que amava.

    Na trama Hannibal é um garoto de oito anos que presencia a morte de seus pais e dos empregados do Castelo Lecter em uma incursão de insurgentes russos e soldados alemães que o invadem e o saqueiam. Como reféns em um celeiro, o menino e Mischa, sua irmã, sobrevivem ao inverno europeu, porém logo a menina é morta e usada como alimento pelos malfeitores canibais. Suas lembranças se tornam cada vez mais atrozes à medida que a vingança toma forma no menino. A dor do luto o faz perder a fala, ao mesmo tempo em que é levado de volta a sua antiga morada, agora transformada em um orfanato, onde as demais crianças o destratam. Ao ser encontrado por Robert Lecter, seu tio, e a esposa Lady Murasaki, passa a morar com eles na França. Um lar feliz, se não fosse o dano já causado em sua alma.

    A história extremamente simplista mal parece ter sido escrita por Harris, que fez de Dragão Vermelho e O Silêncio dos Inocentes dois thrillers instigantes de muito sucesso nos anos 80. A narrativa nada mais é que um amontoado de cenas pouco climáticas e de clichês formuláveis que têm normalmente uma situação-limite (a morte dos pais), em que o protagonista perde a sua essência, passa por uma tentativa de adaptação a esse mundo já estranho, e, no final, comete a vingança que o redime. Uma fórmula usada à exaustão e pouco atrativa caso não seja bem trabalhada, ainda mais se utilizarmos como parâmetro o leitor não esporádico de hoje, exigente com os textos que recebe em mãos.

    A trama é rasa por também reduzir Hannibal a um papel determinista, com um futuro o qual não pode fugir. A impressão que se tem ao fazer a leitura deste romance é que o narrador parece tentar explicar a origem do comportamento sociopata e doentio do protagonista, procurando encontrar razões que o levaram à prática do canibalismo. No entanto, falha ao delimitar suas impressões utilizando simbologias dos demais personagens e ações dos inimigos que internalizam em Lecter pensamentos antissociais. A enfermidade mental do garoto, a partir da ideia passada no texto, parece ser explicada por um elemento comportamental, o que por si só não garante que pessoas com histórico familiar e social problemático se tornem assassinas comedoras de gente. Psiquiatras atualmente dividem suas opiniões, que acabam sempre convergindo no fator genético associado à influência do meio, mas ainda sem comprovações científicas suficientes para se afirmar a predominância de um sobre a outra. Se Harris focasse, em qualquer parte do livro, na herança familiar das Casas de Sforza e de Visconti, ascendentes da mãe do personagem e conhecidas por seus atos cruéis na Idade Média, a história teria um pouco mais de concretude, mas esse fato é mal citado no início da história.

    Os demais personagens são também mal construídos. Mischa é uma criança idiotizada e a relação com o irmão é pouco aprofundada, a ponto de nem lembrarmos ao final da história que a menina existiu de fato. Para uma figura muito importante para o destino do protagonista, é imperdoável que ela pereça na memória dos leitores, já que sua morte é o elemento traumático que modifica a personagem central. Lady Murasaki é também muito pouco explorada. Talvez a ideia fosse a de mostrar uma mulher sensual e misteriosa que seduz Hannibal, no entanto essa caracterização é falha e pouco empática. O Inspetor Popil, que também tem uma queda pela mulher, limita-se a ser um tolo investigador que apenas interroga o rapaz, não agindo em momento algum, mesmo que tenha uma arguta intuição sobre as suas ações. Os assassinos e saqueadores russos do Castelo Lecter, especialmente Grutas, são caricatos a ponto de adivinharmos seus destinos. Por fim, o personagem-título não oferece medo. Ainda que o pequeno assassino seja apenas um iniciante na arte dos crimes e não tenha atingido o status de um dos grandes vilões da ficção, os assassinatos, narrados de maneira implícita, perdem a força e se tornam anticlimáticos, quase passando despercebidos numa leitura pouco atenta. Não há horror que se sustente sem essa base.

    Apesar de parecer um desastre completo, podemos encontrar no livro alguns acertos. A cena de sexo entre Hannibal e Lady Murasaki é cheia de simbologias e literariamente bonita e sugestiva. Interessante também é a forma como a narração, em terceira pessoa, passa a externar, em itálico, os pensamentos do futuro antropófago, dando-nos a sensação de adentrar em sua mente perversa. O final alinha-se com o que já vimos nos livros anteriores, nas adaptações para o cinema e, mais recentemente, na ótima série da NBC, com Hannibal já nos Estados Unidos viajando de trem para Nova Iorque, dando a grande dimensão do futuro, e de Will Graham, que o esperam.

    Escrito concomitantemente com o roteiro cinematográfico — de mesmo nome —, também feito por Harris, o romance parece ter sido concebido às pressas, como se o autor não quisesse passar sua criação para outros escritores e preferisse manter seu nome no projeto. A prosa fluida e prazerosa de seus outros romances não é reconhecida neste livro. Um início indigno para um dos maiores vilões da ficção.

    Texto de autoria de Karina Audi.

  • Crítica | O Ato de Matar

    Crítica | O Ato de Matar

    Act-of-Killing

    Nos últimos anos, a produção de documentários sobre a 2ª Guerra Mundial mostrando os horrores do nazismo se multiplicaram na TV. Alguns tentando fazer uma análise séria sobre a psicologia do fascismo alemão, como Arquitetura da Destruição, até produções genéricas do History Channel que fazem análises sobre os tipos de metal usados na solda dos tanques de guerra.

    No entanto, o que une todos esses documentários é a distância fria com que somos seguramente apresentados aos protagonistas de tamanho horror, o que de certa forma desumaniza todo o período, transformando-o em um ato de “loucos” que nada teriam a ver com a gente ou com a nossa organização social.

    Nesse sentido, o maior mérito do documentário de Joshua Oppenheimer (com produção de Werner Herzog e Errol Morris) é justamente o de tirar essa distância entre os acontecimentos e o espectador, colocando-os em contato direto com alguns dos responsáveis pela sanguinária perseguição a acusados de “comunismo” no regime de Suharto na Indonésia da década de 1960 em plena Guerra Fria, e como o filme diz claramente, sob a velada aprovação do Ocidente. “Eu me senti como se estivesse na Alemanha 40 anos após o Holocausto e os nazistas ainda estivessem no poder”, afirmou o diretor em uma entrevista, o que resume bem o sentimento do filme.

    Ao mesmo tempo em que entrevistava os autores de um genocídio, calculado entre 500 mil e 2 milhões de mortes, Oppenheimer mostrava uma reencenação dos métodos de assassinato daquela época sendo feitos como filmes pelos próprios autores de forma despreocupada com o conteúdo, tentando copiar o estilo dos filmes de ação americanos. E em momento algum mostra remorso ou mesmo vergonha pelos atos cometidos, agora detalhadamente narrados e filmados através de histórias tradicionais ou mesmo imitando estética de videoclipes musicais com cachoeiras ao fundo.

    Contando até hoje com o apoio dos EUA, o governo indonésio não fez nenhum tipo de retratação, e as famílias das vítimas, além da população comum, ainda vivem sob temor de que aquela época volte. Tanto que é difícil para os personagens principais arrumarem atores para serem “extras” e atuarem como os tais “comunistas”, com medo de serem confundidos realmente com eles.

    Todo o terror dos brutais métodos de execução são mostrados passo a passo em meio a piadas e risadas sobre a situação. Comentários anedóticos são misturados a um sentimento de orgulho por ter servido à pátria, e a doutrinação da juventude sob a mesma ideologia de combate a esse suposto inimigo externo se mantém viva como nunca. Todos, sem exceção, acreditam que salvaram o país.

    No entanto, apesar de toda a brutalidade, um dos personagens do documentário, Anwar Congo, mostra que toda violência contra o outro é uma violência também contra si próprio, e essa conta um dia chega. Após ele fazer o papel de vítima em uma sequência de tortura ridiculamente encenada no estilo dos filmes de máfia dos anos 40, Congo desaba emocionalmente e não consegue mais se recompor, questionando se era daquele jeito que as vítimas se sentiam. Quando confrontado com a informação de que elas se sentiam pior porque sabiam que iriam morrer, ele ainda demora a processar toda essa variedade de sentimentos, e grande parte da culpa aflora, até mesmo fisicamente, em cenas angustiantes de se ver.

    O Ato de Matar é brutal na medida certa ao mostrar que a humanidade está longe de atingir qualquer status de civilização, como o Ocidente propaga que atingiu. Na Indonésia do filme, ONU, Convenção de Genebra e o Tribunal de Haia são ridicularizados, como se não tivessem a menor importância, e toda a ideologia moderna dos direitos humanos ali naquele universo, simplesmente não existe. Não é ignorada ou descumprida, não existe a compreensão de que o outro ser humano possui o mesmo valor e direito de viver que o seu, independentemente das crenças que professa. Em uma sociedade em que até hoje os executores de tamanhos crimes contra a humanidade gozam de privilégios econômicos e sociais perante o caos de uma sociedade desajustada, que louva seu passado violento, o filme torna-se necessário para nos fazer refletir como o mundo é maior, e pior, do que pensamos ou gostaríamos de acreditar.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | A Casa de Avis – Marcelo Mússuri

    Resenha | A Casa de Avis – Marcelo Mússuri

    Em nossa cultura, a figura do português é invariavelmente satirizada. Não tem jeito, as piadas sobre a pouca inteligência dos lusitanos e as inúmeras representações humorísticas de D. João VI e sua corte fazem com que não levemos nossos colonizadores a sério. Nesse contexto, é fácil esquecer que Portugal é uma nação milenar e tem também sua cota de grandes acontecimentos históricos, em especial o período das Grandes Navegações. O livro A Casa de Avis, escrito por Marcelo Mússuri, surge então como uma grata surpresa, mostrando que o passado da pátria de Camões pode ser tão épico quanto o de outros países europeus.

    Publicado pelo selo Novos Talentos da Literatura Brasileira, da Editora Novo Século, A Casa de Avis é a primeira parte da Trilogia Calicute. Trata-se de uma ficção histórica em seu formato tradicional, de misturar fatos e personagens reais com elementos inventados. Romantiza-se a aventura sem deixar de lado uma interessante aula de História. A trama foca principalmente em dois personagens: o navegador Bartolomeu Dias e o pequeno Jaime, filho do terceiro Duque de Bragança. Ambos existiram realmente, mas seus caminhos só se cruzaram nesta obra ficcional.

    Dias é reconhecido como o primeiro a cruzar o Cabo da Boa Esperança, mas historicamente acabou à sombra de Vasco da Gama, que foi o primeiro a chegar às Índias. O autor aborda não apenas isso, mas coloca Dias também como pioneiro na chegada ao Brasil, nisso também perdendo o crédito. Quanto a Jaime, com apenas 6 anos de idade ele viu seu pai ser executado por traição, e foi exilado até o final da idade adulta. Mússuri aproveita esse período de exílio para inserir o personagem na tripulação das primeiras navegações de Dias, como um jovem grumete.

    Desde o início, nota-se que a obra é bastante ambiciosa. Ela procura trabalhar tantos aspectos que acaba até se dividindo em múltiplos estilos de aventura: temos intrigas e politicagens da realeza medieval-renascentista (impossível não lembrar do recente seriado The Borgias); navegações, perigos em alto-mar e descoberta de terras exóticas; e até mesmo um trecho “aventura na África”, com os inevitáveis choques culturais. Cada um desses momentos, individualmente, é muito satisfatório. O cuidado com a pesquisa histórica é notável, e as descrições são detalhadas sem se tornarem maçantes. A violência das batalhas, por sinal, é impressionante. Sem dúvida, o grande destaque do livro.

    O problema é a conexão entre esses momentos. A narrativa fica truncada nas transições, pois acontecem saltos de tempo, cenário e até de personagens, de maneira brusca, sem grandes explicações. Logo no início do livro, após Dias e seu irmão Diogo resgatarem Jaime, a história volta repentinamente décadas no passado e dedica-se a outros personagens, sem ligação evidente com o tempo presente da trama. O leitor fica confuso, pois são muitos nomes (repetidos em diferentes pessoas, inclusive). Mesmo adiante, quando os protagonistas voltam à cena, um salto de cerca de dez anos acontece sem aviso.

    Talvez por conta disso, ou por simples falta de espaço para tal, o desenvolvimento dos personagens também sai prejudicado. A competência e determinação inabaláveis de Dias, a fidelidade para com ele por parte de Diogo e do colega navegador João Lopo, o crescimento de Jaime e sua amizade com o negro capturado Zuberi; aspectos interessantíssimos captados apenas nas entrelinhas, mereciam maior destaque.

    Mesmo com esses problemas, A Casa de Avis sai com saldo positivo e digna de uma recomendação segura, especialmente para os interessados em História. Aplausos merecidos por dedicar-se a um período tão ligado a nós brasileiros, mas pouco explorado em obras ficcionais, e fazer disso uma aventura empolgante.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Um Estranho no Lago

    Crítica | Um Estranho no Lago

    Um Estranho no Lago

    Frank (Pierre Deladonchamps) passa suas tardes de verão numa praia à beira de um lago, ponto de encontro de homossexuais. Conhece e torna-se amigo de Henri (Patrick d’Assumçao), recém-separado que vai ao local apenas para desfrutar do sossego. Mas envolve-se fisicamente e se apaixona por Michel (Christophe Paou), o macho-alfa da praia, atraente e misterioso, cujo ex-namorado é encontrado afogado no lago. Frank, que presenciou o afogamento, aproxima-se do culpado com um misto de atração sexual e fascínio pelo perigo.

    Tudo se passa nessa única locação – a praia e seus arredores. Apesar de ser ao ar livre, tem-se a impressão de que os personagens estão confinados numa “casa” com alguns cômodos que incluem a área de estacionamento, a praia, o lago e o bosque que circunda o lago. O roteirista / diretor Alain Guiraudie é bem-sucedido ao estabelecer limites invisíveis entre os cenários dando a entender que o que se passa num dos “cômodos” não é visto dos demais – com exceção da praia e do lago, óbvio, por serem geograficamente indissociáveis. Sob esse aspecto, entre outros, assemelha-se bastante a uma peça de teatro.

    A história é simples. O espectador acompanha dia após dia os homens se encontrando na praia. A passagem do tempo é percebida a cada vez que Frank chega e estaciona seu Renault antigo sempre no mesmo local, apesar de não existirem vagas demarcadas. Lembra ligeiramente Feitiço do Tempo, mas lembra bastante The Rebirth – em que a rotina se repete ad aeternum e um evento inesperado perturba o cotidiano do(s) personagem(ns). Com essa perturbação, surge mais um personagem, o inspetor Damroder (Jérôme Chappatte), totalmente alheio a esse ambiente. E, justamente por ser “de fora”, invade a vida dos personagens sem parecer se importar em incomodá-los com perguntas. Questiona os frequentadores da praia a respeito do afogamento, nas entrelinhas tentando entender como funciona aquele microcosmo. E, à procura de pistas, atravessa o local de ponta a ponta sem diferenciá-lo, como se os limites insinuados pelo diretor não existissem para ele.

    Minimalismo é o que melhor descreve todos os aspectos do filme. Toda a trama é construída e desenvolvida baseada nos detalhes. O código de convivência pré-estabelecido entre os frequentadores; os olhares trocados – alguns discretos, outros nem tanto – combinando um encontro no bosque; a convenção de ver sem reparar, quebrada apenas por Eric (Mathieu Vervisch), o voyeur; o local afastado em que Henri se senta e a forma recorrente como cruza os braços enquanto conversa. E a tensão crescente entre Frank e Michel é percebida em pequenos gestos, mínimas alterações no tom de voz, ligeiras mudanças no teor das conversas.

    Cada um dos personagens materializa diferentes aspectos do relacionamento sexual, indo do desejo inseparável do sexo ao desapego total. Frank é sexual e sentimental. Michel, o garanhão que não quer muito envolvimento. Henri desfruta de seu “bromance” platônico com Frank. E Eric é o eterno frustrado. Apesar dos papéis serem facilmente identificáveis, não quer dizer que sejam caricaturas. Assim como no restante, não há excessos. A caracterização é concisa, justa e nunca condescendente.

    Em muitas prateleiras – reais e virtuais – este filme provavelmente estará na seção erótica e/ou gay. Contudo, da mesma forma que Azul é a Cor Mais Quente não é um filme lésbico, mas sim um drama – ou romance, como preferir -, Um Estranho no Lago não é um filme gay, mas um thriller.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | O Cliente – John Grisham

    Resenha | O Cliente – John Grisham

    Um garoto de 11 anos, Mark Sway, vai para o bosque próximo ao trailer onde mora para fumar escondido com o irmão mais novo, Ricky. Estão no lugar errado, na hora errada, e acabam presenciando algo que não deveriam: o suicídio de um homem. O suicida, um advogado de New Orleans, Jerome Clifford, conta a Mark detalhes sobre o caso em que estava trabalhando. Pressionado tanto pelo FBI quanto pela Máfia, contrata uma advogada cinquentona, Reggie Love, para ajudá-lo a se esquivar da obrigatoriedade de contar o que viu e conseguir proteger sua família.

    Muito antes de Dan Brown, John Grisham já conquistava os leitores com thrillers instigantes praticamente impossíveis de largá-los antes de se chegar ao final. Pode-se dizer que Grisham é especialista em thrillers jurídicos. Não de tribunais, visto que apenas ocasionalmente aborda julgamentos. O que ele explora com desenvoltura são os meandros da lei e a atuação dos advogados. Formado em Direito e especializado em defesa criminal e processos por danos físicos, em seus livros consegue mesclar ao suspense uma boa dose de críticas ao sistema judiciário e às grandes “firmas” de advocacia.

    E este livro não é diferente. E talvez por ter um protagonista de apenas 11 anos, a tensão é amplificada. Apesar de em alguns trechos Mark não agir ou pensar, exatamente como uma criança de sua idade, é sua fragilidade, o fato de estar indefeso frente a adultos manipuladores, que faz o leitor se importar ainda mais com o personagem. Porém, o dramalhão passa longe, não há exagero nas tintas pelo fato de Mark estar sozinho, enquanto a mãe está no hospital acompanhando o irmão mais novo.

    Mark e Reggie são responsáveis pelas respostas mais sarcásticas e divertidas de todo o livro. E esse contraponto é essencial para manter o equilíbrio entre o drama do garoto e o suspense gerado pelas ações de seus perseguidores. Não é de roer as unhas, mas consegue manter um bom ritmo.

    Assim como outros livros do autor, O Cliente teve uma adaptação cinematográfica lançada em 1994. Com roteiro de Akiva Goldsman e dirigido por Joel Schumacher, tem Brad Renfro no papel de Mark Sway e Susan Sarandon como Reggie Love. Bastante fiel ao livro, peca apenas ao não conseguir transpôr o suspense e a tensão do livro para o filme.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Toque de Mestre

    Crítica | Toque de Mestre

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    Produção espanhola de baixo orçamento, escrito por Damien Chazelle (de Agnosia), Toque de Mestre conta a história de Tom Selznic (Elijah Wood), um talentoso pianista que sofre de medo do palco, retornando às salas de concerto após cinco anos de afastamento, depois de uma performance desastrosa. Momentos antes da apresentação que marca seu retorno, recebe uma ameaça, afirmando que deve fazer o melhor concerto de sua vida, sem errar uma única nota caso queira salvar a si próprio e à sua esposa, Emma (Kerry Bishé). Sem sair do piano – ou quase – tenta descobrir o autor da ameaça e como conseguir ajuda.

    Não há como não pensar em O Homem Que Sabia Demais de Hitchcock devido à ambientação da trama. Utiliza-se o mesmo conceito: uma situação dramática que se desenrola enquanto a orquestra executa uma obra. Neste, diferente da produção de Hitchcock, a ação do filme se passa toda dentro do teatro – com exceção dos primeiros minutos em que o público é apresentado ao protagonista (em pânico) e seu piano. Personagens confinados em apenas um local costumam render boas histórias, com bons momentos de suspense. Com este não é diferente, apesar de não conseguir manter um nível de tensão suficiente para evitar um eventual bocejo do espectador.

    Se, no seu primeiro terço, o filme se sustenta bem, o mesmo não ocorre no restante do tempo. No início, o suspense se mantém, pois, junto com Tom, o espectador tenta entender a extensão da ameaça ao mesmo tempo em que se pergunta por que raios o vilão está fazendo aquilo. Do segundo terço em diante vai se tornando cada vez mais irregular. A começar pelo momento em que “descobrimos” quem é o vilão – poderiam ao menos ter tido o cuidado de suprimir o nome do ator dos créditos iniciais – e em que é revelada a motivação do vilão – um tremendo anti-clímax. Impossível não pensar “Mas era só isso?”. Dali em diante, a trama se torna errática. As ameaças a Tom se tornam repetitivas. O foco da ação é desviado para personagens sem qualquer função narrativa – algo similar ao Rodrigo Santoro em Lost (entendedores entenderão). O filme vai perdendo fôlego e se encaminha para o desfecho sem muito entusiasmo.

    É preciso relevar vários detalhes para comprar a história, principalmente se o expectador tiver conhecimento, mesmo que mínimo, do universo de concertos de música erudita. Se o pianista sofre de ataques de pânico, por que não está em tratamento – terapia e/ou medicamentos? Que maestro correria o risco de fazer uma performance com esse pianista, que não se apresenta em público há anos – sem ao menos um ensaio? Que maestro não percebe que o pianista não está agindo normalmente? E, se percebe, por que não o procura durante o intermezzo? Aliás, como não perceber, e o pianista deveria estar polidamente sentado ao piano ao invés de sair do palco sucessivas vezes enquanto a orquestra executa a peça? Para o espectador que já tenha tocado algum instrumento, fica a dúvida: por mais virtuoso que seja o músico, é humanamente impossível tocar passagens complexas como aquelas, tão excepcionalmente bem quanto ele as toca e ainda conversar com um desconhecido que o ameaça. E como é possível que o vilão tenha se preparado por três anos e não ter controle total sobre toda e qualquer ação de Tom? E ainda, se o vilão apenas queria a chave, havia várias outras possibilidades de obtê-la que não envolveriam um plano tão mirabolante e tão suscetível a falhas como o que foi engendrado.

    O elenco está bem, nenhuma atuação excepcional nem nada terrível demais. A fotografia está ok, exceto nos momentos em que tenta ser inovadora e usa certas angulações sem qualquer justificativa. Se praticamente não há sangue no filme, isso é compensado pelo vermelho carmim do cenário, tão excessivo que chega a enjoar. Há algumas boas sacadas na montagem, que na maior parte do tempo se aproveita do ritmo da música. Quanto à trilha sonora, pode não agradar a todos pelo caráter atonal das composições, mas casa bem com o clima de suspense do filme.

    Mesmo estando longe de ser um Hitchcock em termos de estrutura narrativa e desenvolvimento da tensão, ainda assim consegue ser um filme de suspense ‘assistível’. Não é inovador, mas cumpre o que se propõe – entreter o espectador e deixá-lo (um pouco) tenso durante 90 minutos.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Walt Disney: O Triunfo da Imaginação Americana – Neal Gabler

    Resenha | Walt Disney: O Triunfo da Imaginação Americana – Neal Gabler

    Artista visionário e subversivo que revolucionou para sempre o entretenimento mundial, ao mesmo tempo um conservador reacionário e tradicional. A biografia de Walt Disney, escrita por Neal Gabler, nos apresenta a complexa figura de um dos maiores nomes do entretenimento de todos os tempos, senão o maior.

    O autor narra a história de vida do artista de forma linear desde seu nascimento, em 1901, em Chicago; passando pela infância pobre, mas alegre em Marceline no Missouri; voltando para Chicago e tendo uma adolescência difícil e cheia de privações, onde inclusive chegou, uma vez, a pegar comida do lixo; quando foi a Los Angeles e montou seu estúdio na Hyperion com o irmão Roy no meio dos anos 20, produzindo as Comédias de Alice e Oswald, o Coelho Sortudo; suas várias idas a Nova Iorque nos anos 30 passando pelas mãos de agentes inescrupulosos no início do sucesso do Mickey Mouse e das Silly Symphonies (Sinfonias Ingênuas); sua época mais criativa e visionária como artista nos primeiros longas metragens do estúdio, como Branca de Neve, Fantasia, Pinóquio, Dumbo e Bambi; o grande hiato da Segunda Guerra Mundial e a produção em massa de filmes de guerra; os bastidores do relacionamento com os canais de televisão; a abertura da Disneylândia em 1955; e a sua morte em um hospital de Los Angeles, em 1966.

    É difícil dissociar Walt Disney de sua criação mais famosa, Mickey Mouse; os dois inclusive estampam a capa brasileira do livro. Ao longo da biografia, o culto ao rato é bem discutido por Neal Gabler, que analisa o impacto do personagem na sociedade americana, tanto como herói subversivo, durante a depressão, quanto pelos produtos licenciados que vendeu (fenômeno iniciado com o Gato Félix alguns anos antes). De acordo com o autor, a personalidade anárquica dos primeiros curtas se encaixou no espírito difícil da época, e as adversidades que Mickey precisava enfrentar nos filmes o transformou em ícone de sobrevivência.


    Steamboat Willie (1928), o primeiro desenho do Mickey Mouse


    O revolucionário Skeleton Dance (1929)

    Não à toa a posterior domesticação do rato nos anos seguintes gerou duas curiosas criações: Pato Donald, para suprir a energia anárquica, e a dupla Pernalonga e Patolino do estúdio Warner Bros. Donald não teve o mesmo impacto que Mickey, e, nesta época, final dos anos 30, Disney perdia popularidade para os personagens do Merrie Melodies, uma das várias cópias de Silly Symphonies.

    Gabler também ressalta a importância dos cinco primeiros longas, os melhores segundo o autor, pois foram os que Walt Disney se envolveu diretamente: Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Pinóquio (1940), Fantasia (1940), Dumbo (1941) e Bambi (1942). De acordo com Neal Gabler, a premissa dos filmes é a mesma: amadurecimento; eles dialogavam com a fase de realização profissional e pessoal de Walt na época.

    Branca de Neve foi a primeira animação longa metragem do cinema. Como eram pioneiros, os animadores foram evoluindo o processo de erro e acerto da época dentro da principal característica de Walt Disney: a busca pelo perfeccionismo. O filme poderia ter sido muito mais barato se houvesse maior planejamento e se Disney não interferisse no cronograma, mas ainda assim serviu de molde para os demais.

    Sua próxima ambição artística era Bambi, porém, para fazer da maneira que gostaria e imaginando o futuro da animação com maior realismo ao invés de estilizada e caracterizada, demorou mais para treinar os animadores. Enquanto isso, ele produziu Pinóquio e Dumbo em paralelo, até que resolveu transformar a Silly Symphony – Aprendiz de Feiticeiro em um projeto ambicioso no que veio a se tornar Fantasia, em parceria com o maestro Leopold Stokowski. Assim que lançou Dumbo, Walt teve que finalizar Bambi no meio da famosa greve de 1941, e, assim, em 1942, terminou sua fase mais criativa dentro da animação, segundo o autor.

    Acusado de ser racista por The Song of The South (1946) e antissemita pela criação do Mickey Mouse nos anos 30 ao associar ratos a judeus, Neal Gabler analisa Walt Disney mais como parte de uma geração branca e protestante com pouca ou nenhuma sensibilidade racial do que efetivamente racista e antissemita. Isso contribuiu para aumentar ainda mais a controvérsia em torno de si, deixando a sua personalidade muito mais distinta: como um artista subversivo criador dos primeiros desenhos como Steamboat Willie e Skeleton Dance se tornou um anticomunista e macartista dedo-duro? Como pode um visionário que concebeu o mundo do futuro EPCOT ser, ao mesmo tempo, um conservador em razão da domesticação que Mickey sofreu no final dos anos 30?

    O autor tenta responder a estas e outras perguntas desvendando a famosa greve que o estúdio sofreu em 1941. Como pode Walt Disney se sentir traído por seus funcionários que buscavam justas reivindicações mesmo após a imposição de um regime, o qual durou anos, de profundo desrespeito às mínimas condições dignas de trabalho?

    De acordo com o autor, Disney, por muitos anos, buscava construir uma utopia em volta de si, e, finalmente, quando a conseguiu por meio do estúdio da Hyperion produzindo seus filmes, sentiu que ela foi ameaçada ao ser boicotada pelos papéis que seus funcionários deveriam desempenhar. Ele é um artista lutador e visionário até o momento em que se concretiza sua utopia, mas se torna um conservador reacionário quando a protege de quem tenta destruí-la. Não à toa Walt Disney não se envolveu tanto com os filmes posteriores a Bambi, em 1942, passando pelo grande hiato dos filmes de guerra que invadiram o estúdio para que a produção não cessasse, sendo essa sua pior fase. O artista só voltou a ter paixão profissional anos depois com a inauguração da Disneylândia, em 1955, um sonho literalmente recriado.

    Se Walt Disney já havia mudado o entretenimento com Mickey Mouse elevando as possibilidades de licenciamento que o rato permitiu, a construção do parque temático misturando passado e futuro mudou novamente o conceito de entretenimento. Não somente as mídias convergiam agora com os longas e curtas metragens do estúdio como temas das atrações no parque, mas outra inovação trazida pela Disneylândia foi o próprio conceito de ambientação do local. A ideia de Walt era a imersão completa, e para isto ele precisava atingir duas ideias: o de isolar fisicamente o parque de qualquer contato externo; e o conceito arquitetônico que ficou conhecido como “disneyficação da realidade”, que seria a transformação física do tamanho de ruas, calçadas, bancos e parques que visam deixar o local com uma representação não tão realista. De acordo com Neal Gabler, a ideia dos parques foi uma tentativa de retorno ao saudosismo, mais precisamente ao da infância.

    Por incrível que possa parecer, Walt Disney não era rico como executivo de estúdio na época. Todo o dinheiro que ganhavam, os irmãos Walt e Roy reinvestiam no próprio estúdio para manter a alta qualidade das animações. O lucro gerado pelo licenciamento de produtos era pouco, e não havia como vender novamente o filme para outras mídias, algo que acontece hoje em dia. Isso mudou um pouco com a chegada da televisão e com as novas receitas dos filmes clássicos reexibidos, mas ainda assim a produção dos programas para a ABC era custosa.

    O dinheiro adquirido com a televisão proporcionou a construção da Disneylândia, e a receita do parque aliada à da TV viabilizaram o outro complexo de parques na Flórida: o Walt Disney World. Só posteriormente a Walt Disney Company cresceu e virou uma das maiores corporações midiáticas do mundo, não ironicamente muito depois da morte de seu mais famoso fundador, ajudando a consolidar seu nome na história.

    Outro trunfo da biografia é que o autor sempre apresenta um panorama da época narrada, criando assim uma rica ambientação em que tenta desvendar o motivo das escolhas de Walt diante de situações eventualmente difíceis. Por causa disso, Neal Gabler acaba indo e voltando algumas vezes na narrativa, podendo deixar um pouco confuso um leitor não muito atento. Outro grande acerto é a quantidade de fotos das mais variadas épocas, enriquecendo ainda mais o livro. As 700 páginas têm muita informação, o que requer um tempo maior de leitura que um romance do mesmo tamanho levaria, ainda mais se o leitor optar pela recomendação de ver e/ou rever os principais clássicos enquanto lê o livro.

    A tradução de Ana Maria Mandim é boa, ajuda no ritmo fluente do livro, apesar de conter algumas esquisitices, como “legendário” em vez de “lendário”, em partes da biografia.

    Ler sobre a controversa personalidade de Walt Disney não é somente tentar entender sua figura distinta, mas também olhar para a importante inovação que os curtas do Mickey e das Silly Symphonies trouxeram; reconhecer a importância de Branca de Neve e Os Sete Anões para a história do cinema; é desvendar o alcance do licenciamento de produtos que o fenômeno Mickey Mouse trouxe; é ver como um executivo de estúdio se tornou pioneiro ao se associar aos canais de televisão; é tentar descobrir o sucesso da Disneylândia e do complexo de parques na Flórida; e, principalmente, ver como o nome de alguém se tornou uma das maiores marcas registradas do século XX e, posteriormente, uma das maiores corporações midiáticas do planeta.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Linha de Frente

    Crítica | Linha de Frente

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    Uma produção que carrega os nomes de Jason Statham como protagonista e Sylvester Stallone como roteirista sem dúvida chama a atenção. O mínimo que se espera é um filme de ação razoavelmente divertido, apoiado em clichês do gênero, e, talvez, com uma dose de auto-ironia  tendo em vista a parceria dos dois brucutus na franquia Os Mercenários. Uma pena, então, que Linha de Frente fique abaixo do mediano, comprometido por um roteiro muito confuso e uma direção pouco inspirada.

    O eterno Frank Martin/Chev Chelios desta vez vive Phil Broker, um ex-policial que se muda para uma pequena cidade da Luisiana. Viúvo há pouco tempo, ele só quer ficar na moita e criar sua filha em paz, mas é óbvio que os problemas o perseguem. A escalada é quase surreal: a pequena Maddy, treinada pelo papai, defende-se de um bully na escola. A mãe do garoto (Kate Bosworth) é uma viciada maluca que pede vingança ao irmão traficante, Gator Bodine (James Franco). Ele, por sua vez, descobre o passado de Broker e o “vende” para antigos desafetos. Parece muito forçado? Calma, que a coisa ainda piora.

    É possível dar um desconto para Statham, que, bem, é sempre ele mesmo, e para a estreante Izabela Vidovic, muito carismática como Maddy. Todos os outros personagens são mal definidos e mal aproveitados, configurando-se como o problema maior do filme. Suas atitudes são contraditórias, seus objetivos e índoles parecem mudar de acordo com a necessidade da trama. A personagem de Bosworth surge como uma megera cuja reação é muito exagerada diante de uma situação pequena. E, do nada, cria consciência e se redime. Bodine (com direito a Franco caricato até dizer chega) indica que vai ser o vilão principal, mas é reduzido a um papel acessório, e termina enlouquecendo e decidindo ser o malvadão-mor, de maneira nem um pouco convincente.

    A trama limita-se a criar problemas para o herói, resolvê-los rapidamente e partir pra outra situação de perigo, sem muita preocupação com lógica e coesão narrativa. Fica gritante a indecisão entre destacar Bodine ou os vilões do passado de Broker (que acabam sendo um subplot mal encaixado). Além de vários personagens que aparecem e somem aleatoriamente, como a professorinha/interesse amoroso (Rachelle Lefevre), o xerife talvez corrupto, mas gente boa (Clancy Brown), e a namorada do vilão (Winona Ryder). Triste dizer, mas Linha de Frente é o velho Sly num de seus piores momentos criativos.

    Nem visualmente o filme consegue ganhar muitos pontos. O diretor é Gary Fleder, que, dos trabalhos mais relevantes, fez O Júri e Beijos Que Matam. Aqui ele apela pra cansativa estética da câmera tremida, que, aliada à fotografia escura nos momentos mais climáticos, resultam em sequências de ação pouco interessantes. As cenas que mostram as habilidades marciais do protagonista à luz do dia até empolgam, mas são poucas. O desfecho traz tiroteios e perseguições automobilísticas genéricas e filmadas à noite, sacramentando mais um capítulo esquecível da extensa filmografia de Jason Statham. Ele ainda é o cara, mas tá devendo.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Quando Explode a Vingança

    Crítica | Quando Explode a Vingança

    quando explode a vingança

    O italiano Sergio Leone se tornou um dos principais nomes no faroeste, não só por dirigir alguns dos filmes clássicos como a Trilogia dos Dólares ou Era Uma Vez No Oeste, mas também por ser um dos principais cineastas que ajudou a modernizar o gênero. É o que ele fez neste Quando Explode a Vingança.

    Sinopse: um irlandês perito em explosivos e ex-membro do IRA se alia a um bandido mexicano e acabam sendo jogados no meio da revolução mexicana e acabam ajudando na luta.

    O filme começa com um impressionante assalto à uma diligência por Juan Miranda, interpretado por Rod Steiger, e logo depois promove um encontro explosivo entre os dois protagonistas que se estranham, dando a entender que se trataria de mais um filme com história similar à da trilogia dos dólares. Felizmente, o diretor segue por outro caminho ao escolher uni-los em favor da revolução mexicana, trazendo algo diferente ao espectador.

    Os traços da direção de Sergio Leone, que o acompanham desde Por Um Punhado de Dólares (1964), mostram porque ele se tornou um dos principais nomes do faroeste: os closes e planos detalhes, além dos característicos zooms, são filmados para tornar a edição fluida nos momentos de tensão; a direção de atores com pouca ou nenhuma marcação, aliado as improvisações deixa os atores soltos para construir os personagens e tornar a mise-en-scene mais realista, menos conservadora, sem as interpretações teatrais dos filmes clássicos. No entanto, Leone também filma demais algumas das cenas, elas acabam sendo mais longas do que deveriam. O filme de 2 horas e meia poderia ter menos 40 ou 50 minutos que não faria muita diferença para a narrativa.

    James Coburn interpreta o irlandês John Mallory, enquanto Rod Steiger faz com que o bandido mexicano Juan Miranda ganhe vida. Ambos os atores fazem o que é exigido deles, no entanto, sem tornar nenhuma cena memorável ou digna de nota para a história do cinema do ponto de vista da atuação.

    Já do ponto de vista do roteiro a coisa muda de figura. O filme é bem escrito, e, fugindo um pouco da tradição dos faroestes do diretor, aqui temos constantes flashbacks em pontos chaves do filme que fazem o cruzamento entre a narrativa atual e passada, ajudando a criar a personalidade de Mallory e o seu passado revolucionário, o que dá ao espectador motivo suficiente para que o personagem participe da revolução mexicana quase que por vontade própria, diferente um pouco do mexicano Juan Miranda, que só pensa em tirar proveito próprio de situações da guerra. Este, até então resoluto em participar, muda de lado na impressionante cena de revelação da caverna.

    A fotografia realista mais uma vez denota o cuidado de Sergio Leone com uma mise-en-scene menos fantasiosa. Os constantes tons de marrom criam contraste com a filmagem no deserto, além dos figurinos igualmente marrons de quase todos os atores e figurantes. A decupagem das cenas é outro ponto alto: os já citados zooms, os closes e os planos americanos são recorrentes, no entanto, quase não há câmera na mão, recurso que alguns diretores de vanguarda passaram a usar nos anos 60 e 70 para quebrar com o cinema clássico. O resultado são as impressionantes cenas de batalhas que Leone ainda filma de forma conservadora, com a câmera no tripé.

    A edição do filme, como já dito, reforça a importância de Sergio Leone para o cinema e principalmente para o gênero do faroeste. Ela se utiliza dos inúmeros closes para aumentar a tensão do espectador nas cenas de conflito. No mais, o editor Nino Baraglia seguiu o roteiro e a direção mantendo as principais características do diretor. Ennio Morricone empresta o seu talento na criação da identidade musical do filme, que apesar de bonita, também passa batido no geral.

    Para finalizar, quem se interessa pelo gênero ou principalmente pelos filmes do Sergio Leone, este filme é obrigatório.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.