Autor: Vortex Cultural

  • Resenha | Sherlock Holmes: O Cão dos Baskervilles – Arthur Conan Doyle

    Resenha | Sherlock Holmes: O Cão dos Baskervilles – Arthur Conan Doyle

    Publicada originalmente em 1902, O Cão dos Baskervilles é uma das mais conhecidas histórias do famosíssimo detetive criado por Sir Arthur Conan Doyle. Dentre as várias versões, traduções e até adaptações para outras mídias, esta resenha vai tratar da edição da Editora Melhoramentos, que conta com tradução de Antonio Carlos Vilela.

    A trama mescla um mistério aparentemente sobrenatural com o habitual suspense investigativo das aventuras de Sherlock Holmes. A família Baskerville convive há séculos com uma fama de azarada, proveniente da lenda envolvendo um terrível cão demoníaco que persegue seus membros. Lenda esta que volta à tona quando Charles Baskerville morre sob estranhas circunstâncias, e tudo indica que seu sobrinho e herdeiro esteja em perigo. Entram em cena Holmes e o fiel Dr. Watson, aplicando os métodos racionais de observação e dedução num cenário que desafia a razão.

    Complicado avaliar uma obra tão marcante e influente no seu gênero. Talvez O Cão dos Baskervilles compartilhe do problema de muitos clássicos, que, dependendo do momento em que são consumidos, tem muito pouco a surpreender quem já está familiarizado com o estilo. Outra possibilidade é que esta edição em si, nitidamente voltada ao público infanto-juvenil, tenha simplificado (ou até resumido) demais a linguagem e a história em si.

    O fato é que o livro se revelou burocrático, raso e pouco estimulante. A maior parte da trama é apresentada em relatórios resumidos e reflexivos de Watson (que narra em primeira pessoa). Ou então em diálogos calmos e especulativos entre os personagens. Ação, movimentação, senso de urgência ou de TEMPO PRESENTE praticamente inexistem. Tudo acontece de forma rápida, personagens surgem e cumprem seu papel tão imediatamente que não há tempo nem para se ter qualquer dúvida a respeito deles. A intenção (se é que existia) de instigar o leitor, criar uma atmosfera inquietante e misteriosa, falha miseravelmente.

    Para completar o desagrado da experiência, o livro apresenta algumas ilustrações que passam perto da vergonha alheia. A impressão é que imprimiram por engano os esboços não finalizados de um adolescente que mal começou a aprender a desenhar. Como aspectos positivos, infelizmente só é possível citar a fluidez da linguagem e o fato do livro ser curto (152 páginas). Até mesmo a célebre genialidade de Sherlock não consegue despertar um mínimo de diversão, devido ao modo frio e tedioso com o qual a resolução acontece.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | A Praça Tahrir

    Crítica | A Praça Tahrir

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    Karl Marx, em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, escreveu que a história se repete primeiro como tragédia e depois como farsa. Dentro deste espírito, a análise dos eventos históricos após a Revolução Francesa, marco da era contemporânea, sempre nos traz a elementos, conceitos e grupos políticos que tiveram origem nela e em suas ramificações, como a Revolução Russa de 1917. Portanto, não é a toa que a chamada Primavera Árabe (em referência a Primavera dos Povos, de 1848) ainda confunda tanta gente em relação a seus significados e grupos sociais na disputa pelo poder no Egito, Tunísia, Líbia, Síria, entre outros.

    Filmado in loco por participantes das manifestações que aconteceram em 2011 no Egito, A Praça Tahrir fornece raro material de análise da história enquanto acontece, semelhante ao que aconteceu com o livro de John ReedOs Dez Dias Que Abalaram o Mundo e o documentário venezuelano A Revolução Não Será Televisionada. Os protagonistas egípcios são Ahmed Hassan, Magdy Ashour, Khalid Abdalla, Ramy Essam, dentre outros.

    Tudo se inicia com uma manifestação contra o regime de Hosni Mubarak, ditador há 30 anos no comando do Egito, que instaurou uma sanguinária e violenta repressão a qualquer voz dissonante, com o apoio dos regimes ocidentais, como é comum na região. Formada basicamente por estudantes, jovens e demais camadas sociais sem ligação com partidos políticos ou experiência de luta política, os manifestantes se reuniram, aos milhões, na Praça Tahrir, exigindo a queda de Mubarak, o que aconteceu pouco tempo depois.

    Dali até então, o filme retrata de forma intensa e bem detalhada a sucessão de eventos e a instabilidade que tomou conta do Egito. Com a instauração de uma junta militar de pessoas ainda ligadas a Mubarak e que aumentaram a violência contra os manifestantes, até a aliança desses militares com a Irmandade Muçulmana, uma organização extremista que usa o Islã para obter ganhos políticos, onde juntos organizaram uma eleição de cartas marcadas, que garantiu a vitória do candidato da Irmandade, Mohamed Mursi, que se mostra também um ditador ao concentrar ainda mais poderes em si do que Mubarak havia feito. Mas a resiliência dos manifestantes garantiu também a sua queda.

    Porém, é importante citar também a grande consciência de vários manifestantes, em especial Ahmed, ao dizer que a revolução não estava pronta, e que não bastava a eles retirar presidentes, e sim propor algo para colocar no lugar, pois caso eles não o fizessem, alguém mais organizado o faria. Esse amadurecimento de ideias é raro de ver em embriões de revoluções.

    Todos os eventos descritos acima aconteceram em dois anos, que é o período retratado no filme. Nele, vemos o anseio de jovens empobrecidos que rejeitam a política tradicional, como Ahmed, ou jovens de classe média que estudaram fora, como Khalid, além de figuras ligadas ao extremismo da Irmandade Muçulmana, mas que ao mesmo tempo se divide ao concordar com os amigos independentes, como Magdy. Também vemos a distorção entre a cobertura da mídia oficial, pró-governo, sempre tentando desqualificar os manifestantes e justificar a brutal repressão que receberam, sendo inclusive alguns deles mortos por agentes do Estado. A relação entre Ahmed e Khalid com Magdy é, aliás, um dos pontos altos do filme, onde os dois primeiros, revolucionários independentes, criticam a Irmandade Muçulmana, do qual Magdy faz parte e tenta defender, mesmo quando o presidente era Mursi. Mais ou menos como os defensores do governo federal agem ao tentar defender a repressão aos manifestantes anti-Copa.

    Ao nos levar por toda a turbulência revolucionária do Egito, A Praça Tahrir nos ensina que nenhuma revolução é pronta, e que as mudanças são construídas na prática, disputando espaços, entendendo o contexto e buscando ações que saibam identificar o real inimigo e a melhor tática a ser usada a cada momento, pois um erro nesse cálculo pode favorecer a reação. E caso a força da revolução não seja grande, a reação vem em força geralmente maior que o regime anterior.

    Vendo o filme também dá para traçarmos um paralelo com as manifestações de junho no Brasil, que possui alguns elementos similares, como a desilusão com as instituições políticas tradicionais, a violência da repressão, o papel da mídia, etc. As diferenças vão no fervor revolucionário do povo egípcio, que não contaminou de forma eficiente a população brasileira.

    Obviamente que falta ao filme um trato profissional na qualidade da captação e na edição do filme. Porém, tudo isso fica reduzido perto da importância histórica de pessoas terem registrado esse evento naquele momento, e que provavelmente servirá, por muitos anos, para tentarmos entender toda a avalanche de eventos que ocorreram no Oriente Médio desde 2011. Ainda mais se quisermos entender daqui a alguns anos o que terá acontecido com esses países e esses jovens.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Solarpunk

    Resenha | Solarpunk

    Solarpunk, após os volumes de VaporpunkDieselpunk, é o último lançamento da trilogia de ficção especulativa organizada por Gerson Lodi-Ribeiro. Tanto a literatura vaporpunk quanto a dieselpunk englobam histórias que se passam num futuro em que se utiliza tecnologia “do passado” — respectivamente maquinário a vapor, do século XIX, e maquinário a diesel, do início do século XX.

    Neste volume, o salto temporal é um pouco mais amplo. A proposta deste é abordar um futuro em que o mundo funciona à base de energia limpa e renovável. Ou seja, ao invés de retrofuturismo, a temática se volta totalmente para o futuro. Não um futuro alternativo, mas um possível futuro. Um porvir otimista, já que considera que a tecnologia terá avançado o suficiente para garantir um mundo sustentável. Contudo, nem tudo são flores. A maioria das histórias pende mais para a distopia do que para a utopia — a balança pende mais para o lado “punk” do que para o “solar”. Mas isso de forma alguma prejudica o conteúdo.

    Mais difícil que falar sobre um romance considerado complexo é falar sobre uma coletânea, pois qualquer comentário um pouco mais detalhado pode inadvertidamente entregar parte da história naturalmente não muito extensa. A maioria das tramas, mesmo ambientadas nesse futuro dito autossustentável, poderia prescindir desse ambiente, já que a tecnologia não chega a ter um papel essencial na história. Ou seja, é possível transportar o enredo para outro ponto no tempo e no espaço sem qualquer prejuízo da trama. Não é uma falha gravíssima, mas a história certamente seria beneficiada se trama e tecnologia estivessem mais interligadas.

    Outra falha que aparece em menor ou maior grau em quase todos os contos é o excesso de explicações. Excessivas descrições tecnológicas e/ou extensas cronologias elucidando como se chegou ao momento atual da história são perfeitamente aceitáveis num romance de 300 ou 400 páginas. Mas num conto ou noveleta de menos de 20 páginas, além de cansativas, acabam por ocupar um espaço do texto que poderia ter sido usado para desenvolver trama e personagens.

    Gerson Lodi-Ribeiro está acompanhado de outros oito autores já conhecidos no cenário de ficção científica nacional:

    Soylent Green is People!, de Carlos Orsi Martinho, é uma noveleta policial noir que se passa num futuro em que a tecnologia para obtenção de energia baseia-se em biocombustíveis, reciclagem e energia solar. O protagonista é uma espécie de Sam Spade pós-século XXI. O autor conduz habilmente o leitor até o final pouco óbvio. É um dos poucos em que a tecnologia tem papel fundamental na trama e em que as explicações técnicas estão bem diluídas no decorrer da narrativa.

    Confronto dos Reinos, de Telmo Marçal, autor português, também é um policial, sem a sutileza do noir, bem mais cru e violento. É ambientado num futuro em que os humanos se dividiram em Folhas de Couve (realizam fotossíntese) e Neandertais. O conflito entre as minorias é o estopim da trama.

    E Atenção: Notícia Urgente!, de Romeu Martins, romanceia um evento real ocorrido em 2006. Cerca de 2 mil mulheres da Vila Campesina invadiram o horto florestal da Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro (RS), para protestar contra o monocultivo de eucaliptos e suas conseqüências sociais e ambientais. O conto, dividido em duas partes, é narrado de formas distintas. Na primeira emula-se um registro jornalístico do evento, o que dá bastante intensidade à narrativa. A segunda é narrada em terceira pessoa e não consegue ser tão envolvente, além de conduzir a um desfecho que deixa o leitor com aquela impressão de “Ué! Acabou?”.

    Era uma Vez um Mundo, de Antonio Luiz M.C. Costa, é de certa forma uma sequência da noveleta Ao Perdedor, As Baratas da antologia Dieselpunk. Narra a história de uma repórter convidada a visitar um centro de pesquisas sobre energia nuclear. Sua localização no tempo é que dá o tom diferenciado. É como se a tecnologia tivesse avançado vertiginosamente e, já no início do século, as pessoas estivessem vivendo numa economia socialista estável e sustentável. Assim, os personagens são personalidades da década de 20 — Pagu, Luís Carlos Prestes, Filippo Marinetti — em papéis coerentes a essa nova realidade.

    Fuga, de Gabriel Cantareira, é sobre uma mulher que furta documentos importantes de uma grande corporação. Tenta ser um thriller de perseguição, mas tropeça na obviedade da narrativa e no excesso de discursos políticos simplistas e carentes de clareza.

    Gary Johnson, de Daniel Dutra, é narrado pelo bisneto de um suposto amigo de Landell de Moura — padre católico, cientista e inventor brasileiro, considerado o Patrono dos Radioamadores do Brasil, e pioneiro em experimentos com ondas eletromagnéticas. A história é baseada em diários de seu bisavô que, por sua vez, documentou neles a parceria do padre com um físico americano racista na busca de uma fonte de energia renovável. Esse estratagema deixa a narrativa bastante envolvente, apesar de alguns percalços.

    Xibalba Sonha com o Oeste, de André Soares Silva, é sobre uma professora cujo pai foi executado como traidor e se passa num mundo em que nações indígenas (tupis e astecas) governam as Américas sob o jugo da China Imperialista. É, sem dúvida, o conto mais confuso, tanto pelos nomes dos locais e personagens quanto pela descrição do universo criado, pouco coesa e carente de autenticidade. Sem contar o desenvolvimento falho da narrativa, que segue rumo a um clímax que não acontece.

    Sol no Coração, de Roberta Spindler, aborda o mesmo tema de Confronto dos Reinos: humanos obtendo energia a partir do sol. Neste, ao invés da fotossíntese, a energia é gerada a partir de tatuagens feitas com nanodispositivos, que funcionam como os painéis solares atuais. Talvez a solução tecnológica mais criativa entre todas as histórias. A trama gira em torno de um homem em dúvida quanto ao melhor momento de fazer a primeira tatuagem no próprio filho. Aborda o tema sem enrolação, fazendo o texto fluir com habilidade.

    Azul Cobalto e o Enigma, do próprio Lodi-Ribeiro, é uma noveleta que dá continuação a uma série de textos do mesmo autor (um deles publicado em Vaporpunk, Consciência de Ébano) em que uma nação, Reino de Palmares, liderado por descendentes de Ganga Zumba, é inimiga do Brasil. Apesar da narrativa muito bem construída, assim como os personagens bem desenvolvidos, poderia ser transposta para outro contexto sem perda de qualidade da trama, já que a “tecnologia” não tem papel essencial. Diferente das demais, é uma estória de espionagem/contra-espionagem que vale a leitura, apesar da pouca proximidade com a temática da coletânea.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | 300: A Ascensão do Império

    Crítica | 300: A Ascensão do Império

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    Dirigido por Noam Murro, com roteiro escrito por Zack Snyder e Kurt Johnstad, o filme, assim como o anterior, é “baseado” numa graphic novel de Frank Miller, Xerxes. “Baseado” é modo de dizer, já que a HQ sequer tem previsão de lançamento. Miller finalizou apenas as duas primeiras edições, entregues para a Dark Horse Comics no início de 2011. Deve retomar o trabalho assim que terminar sua colaboração com Robert Rodriguez nas filmagens de Sin City 2.

    O filme não é uma sequência de 300, nem uma prequel. A história se passa concomitantemente à Batalha das Termópilas, onde está Leônidas (Gerard Butler) e seus espartanos. A trama se inicia 10 anos antes de 300, na Batalha de Maratona, que foi perdida pelos persas liderados por Dario (Igal Naor), pai de Xerxes (Rodrigo Santoro). Após a morte de Dario, Xerxes quer retaliar os gregos pela humilhação sofrida em Maratona. Auxiliado por Artemísia (Eva Green), rainha de Halicarnasso, investe pelo mar contra os gregos liderados por Temístocles (Sullivan Stapleton), general reconhecido por suas estratégias de guerra. O clímax ocorre na Batalha de Salamina, que ocorreu no estreito que separa Salamina da Ática.

    Está explícito na tela que praticamente toda a ambientação do filme foi feita em computação gráfica. Contudo, diferentemente de 300, a fotografia não é tão estilizada, não é tão semelhante à estética dos quadrinhos. Fica de lado a intenção de reproduzir fielmente os quadros da graphic novel – objetivo plenamente atingido em 300 – e apesar de tantos efeitos em CGI, ganha-se em realismo. Ambas são soluções satisfatórias.

    Não é um documentário, é uma obra de ficção, portanto deve-se relevar as imprecisões históricas e a liberdade criativa do roteiro. Em linhas gerais, o filme não distorce demais os fatos em prol da trama. A mistura entre História e ficção, realidade e fantasia, está bem equilibrada. Mas isso nem tem tanta importância, pois percebe-se que interessa mais a ação do que a trama em si. E, enquanto 300 foca a ação numa luta em terra firme, neste o ponto alto são os embates marítimos. Não apenas os confrontos entre naus persas e gregas, mas as lutas homem a homem nos conveses.

    Para os fãs do gênero, há espadas, escudos, lanças, flechas, sangue e membros decepados de sobra. E muito, muito slow motion. Tanto que chega a enjoar. As lutas são muito bem estruturadas e executadas, disso não há dúvida. Mas o uso excessivo da câmera lenta deixa-as enfadonhas em muitos momentos. O ritmo das cenas seria bastante beneficiado com uma montagem mais “uniforme”. Pois se todos os momentos são destacados com slow motion, nenhum deles efetivamente mereceria destaque.

    Supostamente, Temístocles é o protagonista, mas o personagem é tão insosso que fica difícil de se sustentar. Aliás, mesmo pouco desenvolvida como os demais personagens, é Artemísia quem consegue prender a atenção do espectador. Eva Green a interpreta com “sangue nos olhos”. Qualquer sequência – exceto as de batalha – que não a tenha em cena é extremamente tediosa.

    Se a história é simples, os personagens pouco elaborados, o mesmo não se pode dizer das batalhas marítimas. São todas grandiosas, com manobras navais literalmente de encher os olhos. E quando o confronto parece que será apenas mais do mesmo, algum estratagema incomum surge como elemento surpresa, mantendo a atenção e deixando a ação ainda mais interessante. Alguns expedientes utilizados nos embates parecem inverossímeis, beirando o exagero. Mas quem se importa? O espetáculo é tão bem coreografado que esses pequenos detalhes se perdem no quadro geral e não atrapalham em nada. É divertido, com cenas de ação bem feitas, o 3D não trapalha. Como entretenimento cumpre sua função satisfatoriamente.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Pompeia

    Crítica | Pompeia

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    Filmes de tragédias anunciadas, isto é, cujo final já é de conhecimento público precisam ter um mínimo de criatividade para prender a atenção do público, já que saber como termina não é o foco. Não é o caso de Pompeia. Dirigido por Paul W.S. Anderson, conhecido por alguns filmes da franquia Resident Evil, não nega a fama do diretor que costuma preterir a narrativa em favor do visual.

    Milo, o Celta (Kit Harrington) – o Jon Snow de Game of Thrones – é de uma “tribo de bárbaros” que foi dizimada por uma horda romana. É capturado e feito escravo. Cresce e se torna um gladiador. Levado a Pompeia para lutar, conhece uma moça, Cassia (Emily Browning), filha de Aurelia (Carrie-Ann Moss) e Severus (Jared Harris), um comerciante rico. Durante a erupção do Vesúvio, o Celta precisa salvar Cassia das mãos do senador Corvus (Kiefer Sutherland).

    A junção de filme-catástrofe com épico romano dificilmente escaparia de estar repleta de clichês. Nada contra clichês, desde que bem utilizados. Mas um pouco de criatividade é sempre bem-vindo. No entanto, o roteiro parece uma colcha de retalhos de outros filmes. O início remete a Conan. O envolvimento do Celta e Cassia – com o antagonismo de Corvus – lembra Jack, Rose e Cal Hockney em Titanic, sem contar a catástrofe já esperada. E o “retalho” maior cabe a Gladiador. A quantidade de cenas similares é tamanha que tem-se a impressão de estar assistindo a uma versão para TV do filme de Ridley Scott. O escravo que se torna gladiador. O amigo do protagonista é outro gladiador negro, Atticus (Adewale Akinnuoye-Agbaje) – o eterno Mr. Eko de Lost. No anfiteatro da cidade, ocorre uma luta entre gladiadores simulando uma batalha real, em que o grupo que deveria perder – onde está o protagonista – se organiza e vence. Em suma, mesmo que as cenas de luta sejam interessantes, a falta de originalidade e a sensação de déjà-vu atrapalham.

    Os aspectos políticos e históricos são apenas tangenciados. O que é uma pena, pois poderiam dar uma “encorpada” na trama. Os personagens são rasos e pouco carismáticos. A mocinha é insossa. Seus pais seguem um modelo bem comum – pai justo e compreensivo, mãe dedicada. O mocinho, que deveria ser estereótipo do bravo lutador, passa boa parte do tempo com cara de cachorro perdido. O romance entre os dois não convence, não se percebe qualquer atração ou tensão entre eles. Nem se pode culpar os atores pela bidimensionalidade dos personagens. Ao menos o vilão, apesar de caricato, é vivido de forma enérgica – e quase divertida – por Sutherland.

    A fotografia não faz feio. Mas boa parte da violência – e do sangue – não aparecem em cena, para permitir que o filme seja PG-13, classificado para maiores de 13 anos. O 3D neste filme, que felizmente não é convertido, consegue fazer alguma diferença, com grandes planos abertos repletos de detalhes ao fundo dando realmente a impressão de profundidade – não apenas nas legendas.

    E já que é tudo bastante previsível e quase nada consegue surpreender o espectador, resta aguardar pelo cataclisma final, torcendo para que seja grandioso e espetacular. E não decepciona. Como todo bom filme-catástrofe há multidões em correria, pessoas pisoteadas, uma criança perdida resgatada por um dos mocinhos, bolas de fogo, prédios desmoronando, cinzas voando, enquanto o casal central se esforça para escapar do vilão e do desastre. Enfim, polegar para cima para fotografia e efeitos especiais; e polegar para baixo para roteiro e personagens.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Batman: Xamã

    Resenha | Batman: Xamã

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    O maior problema com os periódicos reboots e reformulações dos heróis dos quadrinhos é a indefinição provocada na cronologia. Histórias passadas são invalidadas, retro-modificadas ou simplesmente empurradas com a barriga, de acordo com a conveniência dos roteiristas e editores. Os Novos 52 da DC Comics foram o ápice disso tudo. No meio dessa bagunça, que confunde os leitores inexperientes e irrita os de longa data, a solução é simples: não esquentar a cabeça. Curtir cada aventura pelo seu valor intrínseco deve ser a postura diante de materiais antigos, como o encadernado Batman: Xamã, lançado recentemente pela Panini.

    O arco foi publicado originalmente nos cinco primeiros números da revista mensal Batman: Legends of the Dark Knight, entre 1989 e 1990. Este título tinha a proposta de mostrar histórias do passado do Homem-Morcego, nebuloso após a reformulação provocada por Crise nas Infinitas Terras – situação muito parecida com o momento atual do herói. O primeiro conto veio com a pouco modesta intenção de “complementar” o clássico Batman Ano Um, lançado anos antes. O trabalho ficou por conta de Dennis O’Neil, célebre escritor responsável por dezenas de histórias do Batman e da DC em geral, acompanhado por Edward Hannigan, que faz os desenhos, e John Beaty, a arte-final.

    A trama inicia-se no período de treinamento de Bruce Wayne ao redor do mundo. Durante a caçada a um assassino no Alasca, ele é salvo da morte no gelo por uma tribo local. O xamã executa um ritual de cura cuja essência é narrar a fábula/lenda de como o Morcego ganhou suas asas. De volta a Gotham, a história cruza a de Ano Um, inclusive reproduzindo alguns quadros desta, e depois acontece um salto temporal, mostrando um Batman já com certa experiência, forçado a encarar um caso que sugere algo sobrenatural, e com raízes em seu passado.

    Batman: Xamã é composto de altos e baixos, apresentando ideias que são, curiosamente, boas e ruins ao mesmo tempo. Adicionar uma camada de misticismo à formação da figura do Batman é a maior delas. Faz todo o sentido, considerando todo o conceito de lenda urbana e teatralidade sempre marcantes no herói. Porém, incomoda a coincidência gigantesca que é a figura do Morcego praticamente perseguir Bruce Wayne onde quer que ele esteja. Apelar pra conveniências do tipo é sempre um recurso que enfraquece qualquer narrativa. E sugerir algo como “destino” ou forças efetivamente sobrenaturais na criação do Batman, um personagem marcadamente humano e urbano, não combina nem um pouco.

    Por sinal, O’Neil trabalha justamente a humanidade do herói muito bem. A figura do detetive infalível ficou tão marcada nas últimas décadas que é quase uma agradável surpresa se deparar com um Bruce Wayne iniciante e ainda com dúvidas sobre sua missão. Muito melhor do que a versão de sempre, de um garotinho de oito anos fazendo um juramento inabalável. Aqui, ele chega ao ponto de cogitar uma aposentadoria simplesmente por sofrer uma derrota, o que revela insegurança mas ao mesmo tempo uma arrogância bem juvenil.

    Seguindo entre erros e acertos, a conclusão deixa a desejar. Foram apresentadas várias pontas, que no final não se conectam. A solução foi transformar o que parecia ser uma única história em duas. E, de novo, uma enorme coincidência as duas envolverem rituais e figuras místicas, permitindo que o Batman use o aprendizado de uma para resolver a outra. Em relação à arte, parece brincadeira, mas irregularidade também é a palavra. Hannigan segue algo que se pode chamar de “estilo anos 80”, até parecendo emular o que David Mazzuchelli fez em Ano Um – o uso de cores chapadas só reforça essa impressão. Simplicidade em anatomia e composição dos quadros, mas com atenção especial para os detalhes dos cenários, especialmente aqueles retratando a degradação urbana.

    Em resumo, Batman: Xamã não é de forma alguma uma leitura indispensável, mas vale a pena para fãs do Morcego ou para quem simplesmente quer conferir ou relembrar como eram os quadrinhos naquela época, uma das mais celebradas até hoje. Com um acabamento bom sem ser luxuoso (nada de capa dura, graças a deus) e 140 páginas, o encadernado custa razoáveis R$ 14,90.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | Mass Effect: Revelação – Drew Karpyshyn

    Resenha | Mass Effect: Revelação – Drew Karpyshyn

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    Sucesso entre o público, a trilogia de jogos Mass Effect revolucionou o gênero RPG/sci-fi e criou uma geração de fãs ao redor do mundo, mesmo após as críticas ao terceiro jogo da série. Sendo assim, o principal criador do jogo, Drew Karpyshyn (Star Wars: Knights of the Old Republic), resolveu aproveitar a onda de livros baseados em games (como Battlefield e Assassin’s Creed) e lançar suas próprias histórias paralelas que se passam dentro do universo Mass Effect, contando com a participação de personagens novos e secundários, (como o universo expandido de Star Wars também tentou fazer), e o primeiro dessa empreitada é “Revelação”.

    A história do livro se passa antes dos jogos, logo após a descoberta dos Mass Relays pelos terráqueos e pela descoberta de todo um universo a ser explorados por estes, junto de novas espécies de seres, e consequentemente, novos problemas. Os seres humanos ganharam a galáxia, mas não o respeito dessas raças. Quando uma base de pesquisa no planeta Sidon é atacada e seus ocupantes são brutalmente assassinados, o tenente David Anderson é designado para investigar o evento. Kahlee Sanders, única sobrevivente da base, se tornou uma fugitiva e Anderson precisa encontrá-la antes que Saren, um questionável Espectro turian, o faça primeiro.

    No que diz respeito à história e seu desenrolar, o livro é simples, às vezes até demais. A narrativa linear intercalando personagens e eventos faz a leitura ser muito rápida, e o excesso de descrição da ação, que tenta imitar o jogo, torna por vezes o livro um pouco arrastado em seu final, pois Mass Effect é sobre seus personagens, motivações e conflitos, e menos sobre ação. Obviamente que não sobra espaço no livro para aprendermos tudo sobre os personagens como aprendemos nos jogos, mas terminada a leitura, fica a sensação de que não passamos a conhecer muito bem aquelas pessoas, diferentemente de quando termina o jogo, onde cada morte é sentida de forma muito próxima.

    Destinado especialmente para quem já está familiarizado com o jogo, esse leitor não sentirá dificuldades para se adaptar a narrativa intrincada com tantos nomes de raças, planetas e conflitos políticos. Muito pelo contrário, após o final do jogo sobrou em praticamente todos os fãs aquela sensação de orfandade de universo tão bem composto, e o livro consegue suprir essa demanda puramente emocional. Porém, quem quiser começar a se inteirar a respeito do universo pelo livro perderá parte importante de seu conteúdo.

    De qualquer forma, apesar de não ser um livro genial, “Revelação” serve ao propósito de dar ao fã da trilogia Mass Effect um sentimento de voltar àquele universo e de fazer parte de novo das aventuras dos humanos na descoberta de universo tão complexo. E por isso vale a conferida.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | RoboCop (2014)

    Crítica | RoboCop (2014)

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    O cineasta holandês Paul Verhoeven marcou uma geração de jovens dos anos 90 com suas produções marcadas pela violência gráfica e distopias futuristas. Com três clássicos nas mãos (Robocop, Vingador do Futuro e Tropas Estelares), o diretor estabeleceu uma linguagem própria e uma base considerável de fãs mesmo dentro da crítica, mas não resistiu à modernização e ao crescimento da “caretice” de Hollywood no final da década. Tanto é que Verhoeven acabou voltando desiludido para a Holanda e lá produziu o excelente A Espiã e, o ainda não lançado no Brasil, Steekspel. Como já era de se esperar, a onda de remakes atingiu seu legado, e em 2012 foi refilmado O Vingador do Futuro, fracasso retumbante e totalmente esquecido pelo público.

    Agora é a vez de Robocop, considerado por muitos seu melhor filme nos EUA. A MGM já tentou refazer o filme algumas vezes, mas não encontrava a pessoa certa. Após ver o sucesso dos dois Tropa de Elite, acabaram-se as dúvidas. A visão política e social de José Padilha, combinada a intensas cenas de guerra urbana das autoridades contra os “inimigos”, assemelhava-se bastante à proposta de Verhoeven. Logo, o brasileiro foi chamado para dirigir o projeto.

    A história se passa em torno do incorruptível e incansável detetive Alex Murphy (Joel Kinnaman), que investiga, na cidade de Detroit, crimes que sobem cada vez mais na escala de poder. Após seu parceiro Jack Lewis (Michael K. Williams) ser baleado em uma operação, ele decide investigar sozinho a rede de corrupção da cidade, mas sofre um atentado que quase tira sua vida. Nisso entra a Omnicorp e o plano de trazer para o mercado doméstico a produção de soldados robôs com a função de proteger o país. O presidente da companhia, Raymond Sellars (Michael Keaton), empenha-se arduamente com a ajuda do apresentador de TV Pat Novak (Samuel L. Jackson). Assim, decidem transformar o moribundo Murphy em uma máquina, porém os planos da empresa não saem como planejados.

    As comparações com a obra original serão inevitáveis, mas ao contrário dos remakes/reboots lançados atualmente no mercado, o novo Robocop possui história própria a ser contada de forma singular. Esse mérito podemos dar a Padilha, que não caiu na tentativa de recriar o filme de Verhoeven, tampouco de inovar completamente retirando a essência política da história. Porém, faltam ao remake a originalidade e a anarquia criativa do original justamente como sátira de um universo policialesco e anestesiado, sofrendo com a violência endêmica sem conseguir reagir dentro dos moldes de uma sociedade democrática. Dessa forma, Robocop surge como a união dos traços marcantes da modernidade: a automatização robótica e o discurso policial como salvador da pátria. E, neste aspecto, Padilha flerta timidamente com esses temas, sem causar nenhum tipo de reação ao espectador.

    A Detroit do filme de 1987 era realmente suja, decadente e claramente violenta, em uma previsão profética do que se tornaria a cidade hoje. Porém, no remake ela é uma cidade moderna, com policiais honestos morando em bairros de classe média alta sem nenhuma preocupação. Nem de longe passa a imagem falada na história de que Detroit estava entregue à violência.

    As inserções televisivas, e satirizadas ao extremo pelo diretor do original, foram diminuídas em um único personagem, Pat Novak, apresentador de algo como um programa da Fox News, ou mesmo um Datena ou Cidade Alerta no Brasil. Reacionarismo e discurso da ordem através da violência contaminando o debate, mas que não causam nenhum efeito além de informar friamente o espectador. A TV possui esse único papel: o jornalismo-marrom. Não vemos nenhuma propaganda contra a radiação solar ou programas de humor com bordões ridículos que pareciam entreter a todos, elementos que marcaram o tom humorístico televisivo de 1987, ausência essa que transparece sisudez.

    Os acertos do filme se dão pela visão política interna e global, que provavelmente teve o dedo de Padilha. A questão não é somente a segurança interna de uma cidade dos EUA, e sim como o império já se alastrou pelo mundo e os robôs e drones são usados pela máquina militar a fim de estabelecer seu poder, como mostra a cena inicial em Teerã, na qual um ED-209 executa um garoto. Também é interessante o papel da China na história. Murphy é transformado no Robocop em uma linha de montagem na Ásia, e quando foge, sai em uma linha de produção tão automatizada quanto ele, lembrando as fábricas da Samsung, Apple e outras multinacionais. Definitivamente, os EUA deixaram de concentrar todo o poderio industrial do planeta. Porém, isso poderia ter uma contradição, já que o crescimento econômico da China é acompanhado de crescimento político, e nesse contexto talvez uma invasão ao Irã não aconteceria ali tão perto dos chineses.

    O papel da família de Murphy também se tornou muito maior no remake. Enquanto no original sua família era uma simples lembrança distante, agora sua esposa, Clara Murphy (Abbie Cornish), possui participação ativa, na tentativa de humanizar o personagem. O que faria sentido se seu papel não fosse cada vez mais diminuído conforme o filme avança, até chegar a uma cena final um tanto quanto embaraçosa no heliporto. Seu filho então é praticamente um poste. Até o ator mirim de Homem de Ferro 3 foi mais importante.

    Também é menos impactante a figura do vilão. Enquanto Kurtwood Smith dá vida ao impressionante e odiável Clarence Boddicker, em cuja cena da morte de Murphy traumatizou uma geração de crianças, Antoine Vallon (Patrick Garrow) não cativa em momento algum, servindo somente para ser morto no final em estéril cena de tiroteio que causou um pouco de vertigem, tamanha velocidade e quantidade de cortes. Toda a gangue de Boddicker era marcante, enquanto a gangue de Vallon é representada somente por dois policias corruptos, personagens também unidimensionais e sem graça. Também é difícil estabelecer uma violência tão grande em um filme PG-13, a praga do cinema moderno, em que todos os filmes precisam ser “para a família”.

    Como era de se esperar, as cenas de ação do Robocop moderno não suportariam mais aquela velocidade lenta da década de 80, e o protagonista consegue pular e saltar a fim de cumprir objetivos, em cenas bem realizadas e que não incomodam, como era o medo de muita gente. Apesar de ser boa, a estética de videogame e FPS incomoda um pouco não só pela filmagem, mas também pela falta de uma ameaça realmente importante ao espectador. A cena de luta com os ED-209 foi bem feita, e 9 entre 10 espectadores esperaram uma referência ao fato de ED não conseguir descer escadas, o que infelizmente não ocorreu. A referência maior ficou na aparência do protagonista, com traços que lembram a “armadura” original, inclusive seu tom de cinza, que a deixou muito bonita. Depois transformada em preta, perde um pouco esse charme, lembrando mais os soldados do BOPE e a temática de “policialização” do debate político.

    Como elemento em desarmonia, a trilha sonora original, composta por Basil Poledouris, foi repaginada e usada em alguns momentos estranhos, não encaixando neles muito bem. As músicas de cenas de ação e principalmente dos créditos finais tampouco soaram como complemento ao filme, parecendo mais com o restante da produção, dando uma sensação de “faz sentido, mas tem algo errado aqui”.

    A ciência também possui um papel maior no filme de 2014. Explicações técnicas do cientista responsável pelo projeto, Dennett Norton (Gary Oldman), estão sempre presentes, seja em cena, seja em narração, o que se torna algo desnecessário. Também há a boa e velha ciência hollywoodiana com seus termos do tipo “queimadura de 4º grau em 80% do corpo” e “ele está sobrescrevendo as prioridades do sistema”, sempre usadas para justificar uma guinada fácil no roteiro. Como quando Murphy, inexplicavelmente, passa a sentir emoções novamente mesmo quando essa capacidade foi biologicamente retirada. O detalhe da mão humana também é complicado: apesar de eficiente dramaticamente, pois deixa Murphy ainda com toque humano, torna todo o projeto do robô mais difícil, afinal, basta uma queda da moto em alta velocidade, um pisão de ED-209 ou simplesmente um tiro para incapacitar sua mão.

    Robocop (2014) é um bom filme, mas possui os defeitos clássicos do cinema moderno: excesso de explicação, violência sem peso dramático, resoluções fáceis e rápidas e personagens unidimensionais. A impressão presente no final da projeção é que vimos um filme inteiro como robôs “com 2% dopamina” no sangue. A produção tem seus méritos e consegue trazer novos debates, mas sem brilho e empatia. Não será esquecido como o remake de O Vingador do Futuro, mas tampouco figurará entre os clássicos do gênero. Que sirva ao menos para Padilha conseguir se estabelecer no mercado norte-americano e produzir obras melhores por lá.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Selvagens – Don Winslow

    Resenha | Selvagens – Don Winslow

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    Em Kings of Cool, Don Winslow contou como Ben e Chon começaram a produzir a melhor maconha do sul da Califórnia e assim, aos vinte cinco anos, tornaram-se milionários e inventores de seu próprio modelo de negócios. O livro não era só uma explicação da origem dos personagens, mas uma história da rede que formava o comércio de drogas na Califórnia, desde o início, com hippies dos anos 70, a chegada dos carteis mexicanos.

    Selvagens é o livro para o qual a prequel foi escrita. Assim, ao começar, o que o leitor encontra são dois jovens misteriosos e a menina que convive com eles. Ben é pacífico, essencialmente anti-violência, budista hippie de shopping center e tenta expurgar sua culpa por flertar com o mundo do crime investido boa parte do dinheiro em ONGs para construção de poços no Myanmar. Chon é um veterano da guerra do Afeganistão que não tem a menor fé na decência básica de seres humanos e portanto acredita que a única maneira de lidar com eles é a violência.

    O. é a amiga, eventual ajudante e namorada conjunta deles. Ela tem cabelos azuis, tatuagens, um cartão de crédito ilimitado e sabe que sua incapacidade de se comprometer com qualquer coisa é um sintoma de uma tristeza profunda, mas não quer pensar nisso agora.

    O maior mérito de Winslow é sua mistura de sensibilidade e cinismo: ao mesmo tempo que ele compreende seus personagens e retrata-os com dificuldades bastante reais e humanas, ele não enxerga saída para tudo aquilo. Selvagens é, mais do que tudo, um livro onde não há saída, embora o leitor, e os protagonistas, queiram desesperadamente encontrar uma.

    A história começa quando advogados do cartel da Baja Califórnia (região norte do México que faz fronteira com a Califórnia) propõe a Ben e Chon que vendam seu negócio para eles, mantenham-se no comando da produção, afinal apenas eles conhecem o segredo da erva que vendem e tem a confiança de seus clientes, e recebam uma porcentagem mensal. Propor não é exatamente a palavra correta, mas, ainda assim, os meninos recusam. E ao recusar declaram uma guerra com uma estrutura gigantesca de poder e conexões. Selvagens é, de certa forma, a história de idealistas de um sistema mais pessoal, seguro, limpo, contra uma máquina lucrativa.

    O primeiro movimento do cartel da Baja nessa guerra é sequestrar O. e enviar aos amigos um vídeo de cabeças de inimigos sendo cortadas com um aviso: eles tem um prazo, ou isso acontecerá com ela. O livro é um relato da corrida de Ben e Chon para salva-la, dos diversos planos e reviravoltas e dos diversos persongens envolvidos. A escrita de Winslow é tensa, rápida, repleta de frases breves e parágrafos curtos que dão a narrativa um ritmo acelerado e criam no leitor a tensão e expectativas necessários para a história.

    Da mesma forma como seu livro se situa em algum lugar entre simples romance policial e reflexão amarga a respeito do estado das coisas, sua linguagem também é uma mistura de experimentalismo e coloquialidade. Winslow é sem dúvidas experimental, sua narrativa se interrompe e um pedaço de roteiro entra no meio, ele brinca com a diagramação e povoa páginas inteiras com apenas uma palavra. Mas sua experimentação se apropria de elementos de cinema e tem o tom da fala cotidiana. Winslow experimenta, mas de uma forma extremamente pop.

    Além da habilidade para criar tensão, seu livro torna-se memorável principalmente pela habilidade de construir personagens interessantes e reais ao mesmo tempo. Ben, Chon e O. podem pareces estereótipos, mas há uma vulnerabilidade neles que faz com que tudo faça sentido, são jovens falhos, profundamente conscientes e, por isso mesmo, profundamente tristes. Não é difícil se identificar com eles, ou com a forte conexão que tem um com o outro.

    O amor entre os três personagens é o verdadeiro motor da história. Chon e Ben amam tanto sua menina que farão qualquer coisa, arriscarão suas vidas sem hesitar, para salva-las. Ela os ama tanto que aguenta o que parecia impossível para não piorar sua situação. E eles mesmo amam-se tanto que não poderiam brigar por causa de uma menina. E não veem por que. A dinâmica entre os personagens funciona e O. é exatamente a ponta de um triângulo que parece não poder existir sem uma de suas pernas.

    Os personagens secundários, mesmo os vilões do cartel da Baja, também são apresentados como pessoas com motivações, valores, medos, vontades. Egoístas, sem dúvidas, todos os personagens de Winslow são um tanto egoístas, mas humanos. E é o respeito a construção de seus personagens e a história que começou a contar que tornam o livro memorável: o escritor poderia forçar uma solução otimista, um final que deixasse o leitor leve e contente, mas ele não o faz, ele respeita até o fim a tragédia de seus personagens e seu próprio cinismo.

    Como eu já havia notado em Kings of Cool, Don Winslow é um autor de livros cujo melhor adjetivo pra descrever seria “legal”. Ele é pop, divertido e tenso, conta uma ótima história sem cair no vazio. Entretanto, suas reflexões são acessíveis, revestidas de um pessimismo descolado que dá a tudo um humor irônico e amargo. Selvagens não é um livro bobo, muito pelo contrário, é um livro denso e extremamente divertido.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Caçadores de Obras-Primas

    Crítica | Caçadores de Obras-Primas

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    Depois do excelente Tudo pelo Poder, de 2011, a expectativa pelo novo filme dirigido por George Clooney era grande. Com uma temática interessante e um elenco carismático, poucos afirmariam que o filme fosse um fracasso. E aqueles que afirmaram, acertaram.

    Caçadores de Obras-Primas se passa no final da 2ª Guerra Mundial, quando um especialista em arte chamado Frank Stokes (Clooney) convence o então presidente Roosevelt a enviar uma força-tarefa para a Europa com o objetivo de evitar o saque, comandado por Hitler, de obras de arte guardadas em museus europeus. Para isso, ele conta com a ajuda de alguns amigos também especialistas nos mais variados ramos da arte, como James Granger (Matt Damon), Richard Campbell (Bill Murray), Walter Garfield (John Goodman), Jean Claude Clermont (Jean Dujardin), Donald Jeffries (Hugh Bonneville), Preston Savitz (Bob Balaban) e o tradutor de alemão Sam Epstein (Dimitri Leonidas). Também está presente a especialista francesa em arte Claire Simone (Cate Blanchett).

    Tentando trabalhar com grande sensibilidade um tema sobre a importância da arte em meio à guerra, o filme se utiliza de discursos em vários momentos, com músicas enaltecedoras de fundo a fim de dar um clima heroico aos personagens; isso causa embaraço no espectador, pois a função de resguardar a arte é um sentimento além de heroísmos baratos tão comuns em filmes que retratam o militarismo americano – que também recebe carta branca em relação aos tempos atuais ao mostrar como o exército dos EUA salvou o planeta dos nazistas.

    Também rasa é a construção dos personagens, todos retratados em situações cômicas e munidos de frases feitas fora de contexto, aparentando terem saído de um programa de TV da época retratada no filme.  Desta forma, torna-se dúbia a mensagem séria que a narrativa tenta impor, visto que é quebrada com piadas em toda a película.

    O retrato feito dos russos lembra os filmes de James Bond do auge da Guerra Fria, com seus vilões caricatos de cara amarrada, dando a entender que os soviéticos não foram os reais responsáveis por conter a máquina de guerra alemã. São tratados como estorvo no caminho americano de libertação e sua participação é citada apenas como um  “eles perderam vinte milhões de pessoas”, em uma afirmação também estranha de se fazer antes de terminar a guerra, quando esses cálculos só foram divulgados com certeza alguns anos depois do final do conflito. O russo retratado no filme tem tamanha importância dramática que não diz uma única palavra.

    No final, o que sobra do filme é uma ode à importância da arte como memória coletiva dos avanços da humanidade, mostrando como o papel desses homens foi importante para salvar essas obras do confinamento nazista, evitando-se uma destruição muito maior – já que, ainda assim, muitos trabalhos artísticos foram destruídos, em especial os de arte moderna e de artistas judeus. Porém, esse grupo de soldados corajosos merecia uma homenagem melhor do que esse pastiche transfigurado de drama.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Menina Que Roubava Livros

    Crítica | A Menina Que Roubava Livros

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    O livro de Markus Zusak, em que se baseia o filme, é muito, muito bom. É um daqueles que dá vontade de reler. Seu grande trunfo é ser narrado pela própria morte, o que confere à trama um ponto de vista único, incomum. Além do narrador, o mais interessante do livro é o contraponto entre o encantamento de Liesel pela leitura e suas experiências com a morte. Há nele um quê de Fahrenheit 451 e de Preciosa, ao focar no poder transformador, libertador, redentor da leitura e da escrita. Contudo, devido a um roteiro que se preocupou apenas em pinçar os eventos – mas não as reflexões – que ocorrem no livro, esse enfoque se perdeu totalmente. E o filme se tornou apenas mais um (melo)drama de guerra. Uma pena. E mesmo o ato de “roubar livros” é vazio de significado, já que pouco se explora a motivação das personagens, tampouco a evolução do relacionamento entre elas – a ladra, Liesel, e a proprietária dos livros, Ilsa Hermann.

    A direção é bastante burocrática, com poucos arroubos e nenhuma inovação. A falta de criatividade confirma-se na previsibilidade do desfecho de algumas cenas, mesmo para os que não leram o livro. E, apesar de o ritmo ser arrastado, o final é abrupto. Como se, de repente, o diretor se desse conta de que não tinha mais tempo e precisava concluir tudo em menos de 10 minutos. O que, obviamente, acaba deixando o espectador com a impressão de que perdeu um trecho da história.

    Do elenco, vale destacar a atriz Emily Watson como Rosa Hubermann, mãe de Liesel. Apesar de sua performance não ter grandes momentos, é, sem dúvida, a personagem com o arco dramático melhor escrito e desenvolvido. Geoffrey Rush – Hans Hubermann – como sempre não decepciona e consegue uma boa interação com Sophie Nélisse – Liesel.

    É um detalhe, mas incomoda bastante se o espectador começar a reparar: o sotaque alemão dos personagens, que vai e vem indiscriminadamente. Todo mundo já está habituado a assistir filmes ambientados em países “não-ingleses” e falados em inglês. Ninguém mais questiona por que em Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, que se passa na Suécia, todos falam inglês. Tarantino, em Bastardos Inglórios, optou por colocar os personagens falando em seu idioma nativo. São duas boas opções amplamente aceitas pelo público. Então, por que optar por utilizar um sotaque alemão? E por que abrir mão disso temporariamente e colocar o prefeito da cidade discursando em alemão?

    Mais uma adaptação de livro que decepcionou. Como filme “independente” é apenas mediano – a melhor nota seria 2,5. Como adaptação fica bem aquém das expectativas dos leitores. Quem não leu o livro, talvez aprecie um pouco mais.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Uma Aventura LEGO

    Crítica | Uma Aventura LEGO

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    Onde mais que não num universo Lego seria possível reunir Batman, Gandalf, Superman, Han Solo e As Tartarugas Ninjas e ainda achar plausível que eles estejam juntos na mesma história? Depois de tantos videogames usando os amados bonecos como protagonistas de aventuras mil, já estava mais que na hora de irem para a “telona”. Era justamente a mobilidade vista nos consoles que a maioria dos espectadores esperava ver no filme. E as expectativas não só se cumpriram, como se superaram. Mesmo sendo todo digital, a animação remete aos filmes de stop-motion, o que contribui para o saudosismo do público adulto.

    A história é banal, e não precisava ser complexa mesmo, afinal é um filme voltado mais aos pequenos. E em certos momentos, dá a impressão de estar se perdendo no meio de tantas possibilidades dadas pelos inúmeros “universos” Lego. Parece um tanto non-sense os personagens irem do Velho Oeste ao céu, e depois ao fundo mar. Porém, o que pode parecer apenas uma muleta do roteiro para exibir na tela o máximo de produtos Lego, acaba se revelando totalmente coerente com o desfecho.

    Se, para a criançada, é a aventura de um boneco “padrão” Lego que precisa derrotar um vilão, para os adultos a história traz embutidas, além das referências pop, críticas ao status quo sócio-político-econômico atual. Leva a reflexões sobre o consumismo desenfreado, o monopólio – tanto de bens quanto de informações – e, principalmente, sobre a alienação e a supressão da individualidade e do livre-arbítrio. O “mundo comum” do protagonista é assustadoramente semelhante aos mundos distópicos de 1984, de George Orwell, e de Admirável mundo novo, de Aldous Huxley. Parece muito um filme infantil, mas como já disse, para as crianças, é uma aventura multicolorida e muito, muito divertida.

    Interessante notar que mesmo os menores detalhes são feitos com peças Lego. Fogo, água, tiroteios, explosões, fumaça – tudo foi feito “juntando” pecinhas. É óbvio que o filme tem um atrativo a mais para aqueles que passaram a infância brincando com Lego, construindo coisas e reclamando da falta de peças da mesma cor para construir uma casa que não fosse toda listrada. Mas o filme se sustenta e consegue agradar mesmo àqueles que não tiveram essa oportunidade.

    Apenas algumas ressalvas. No último terço, a “bagunça” cresce exponencialmente e o roteiro parece não ter certeza de qual caminho seguir. E a dublagem… Além de se perderem as vozes originais – e muitas das piadas eram feitas sobre os atores donos das vozes – em alguns momentos os dubladores nacionais soam tão artificiais que conseguem fazer o espectador “sair” do filme. Os distribuidores parecem não se importar com a penca de marmanjos que se interessam por assistir o filme com o som original.

    Há, nesta animação, um quê das animações da Pixar. Tem aquela capacidade, difícil de atingir, de ao mesmo tempo agradar gregos e troianos, adultos e crianças. As piadas, as gags, os diálogos são compreensíveis em diferentes níveis a cada um dos espectadores. Se a criança vai se divertir por causa do jeito engraçado de um personagem falar algo, alguns dos adultos irão se divertir tanto pela piada quanto pela referência a algum filme, livro ou HQ. Consegue ser abrangente sem ser superficial. O que, convenhamos, atualmente é uma qualidade e tanto.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Melhores filmes de 2013, segundo Jackson Good

    Melhores filmes de 2013, segundo Jackson Good

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    Obrigação contratual, chibata do Coronel assobiando, vontade de polemizar, ou simplesmente pra sacanear o Aoshi, que achou que seria o único a fazer um top 10 esse ano? Tanto faz o motivo, razão ou circunstância, o fato é que, pela terceira vez consecutiva, estamos aqui listando os destaques cinematográficos da última temporada. O ano de Nosso Senhor 2013 foi deveras complicado para quem entende “cinema” praticamente como sinônimo de “blockbuster massa véio tiro porrada e bomba”. Muita coisa ruim, poucos filmes realmente bons, e um mar de “mais ou menos, mais ou menos” (sim, seguindo a modinha de imitar o Poderoso Castiga).

    A seleção ficou um pouco (bem pouco) diversificada, no sentido de não ter só filmes de ação, e um elemento comum a várias das escolhas é um fator de homenagem a algo do passado. Falta de criatividade da indústria cinematográfica atual? Momento nostálgico da sociedade? Este redator está ficando velho? Quem se importa com esses questionamentos? Enfim, rápidas menções honrosas: Django Livre, que mostrou um Tarantino mais preocupado em se divertir do que qualquer outra coisa, resultando numa bela comédia western; Guerra Mundial Z: vale a lembrança pelo ritmo, tensão e por contar um história de zumbi diferente da estrutura clássica de “desinformados lutando pela sobrevivência”; Jogos Vorazes – Em Chamas, haters gonna hate, mas essa sequência surpreendeu ao mergulhar mais na crítica social e evoluir absurdamente em relação ao primeiro filme; Sem Dor, Sem Ganho, com o grande cineasta Michael Bay extraindo o melhor dos talentos de Mark Wahlberg e Dwayne “The Rock” Johnson.

    Também não poderia faltar a clássica menção desonrosa. Não é necessariamente o pior, mas o filme mais decepcionante do ano não poderia ser outro que não Homem de Ferro 3. O Troféu Depressão 2013 nos brindou com o pior timing cômico já visto na história do cinema, vilões bipolares, criança inteligente, um roteirista que odeia o fato de Tony Stark usar uma armadura… coisas que não serão esquecidas tão cedo. Chega de enrolação e vamos finalmente para a lista, lembrando sempre que o choro é livre.

    10. Se Beber, Não Case! – Parte III
    Uma grata surpresa o capítulo final da trilogia do wolfpack. Diferente do segundo, um dispensável mais do mesmo, este apresentou uma estrutura diferente. Um misto de road movie com filme de ação, mas pautado na zoeira sem limites. Alan (Zach Galifianakis) faz uma jornada de amadurecimento, ou o mais perto disso que é possível pra ele, porém quem rouba a cena é sem dúvida o surtado Chow (Ken Jeong). Ainda que os outros personagens estejam mais apagados, as piadas hilárias garantem que o filme se destaque enquanto comédia.

    9. O Último Desafio
    Não podia faltar um representante dos brucutus da velha guarda nessa lista. Arnold Schwarzenegger protagonizando um filme depois de um longo tempo, naturalmente produz expectativa e O Último Desafio não decepcionou. Divertido, seguindo um pouco a linha de Os Mercenários, a ação divide espaço com o humor. Brinca-se com a idade avançada do herói, mas confirma-se que, na hora do vamos ver, ele ainda é o cara. Também vale mencionar as presenças do orgulho nacional Rodrigo Santoro (com provavelmente seu recorde de falas em Hollywood) e da belezinha Jamie Alexander.

    8. O Hobbit: A Desolação de Smaug
    Peter Jackson e sua jornada épica de transformar um livro de 300 páginas em três filmes de quase três horas cada. Altos e baixos marcaram este segundo capítulo, que sofre brutalmente da maldição do “filme do meio”. O ritmo ficou bem mais ágil, mas o final anticlimático e as diversas inserções na história original irritaram até os fãs que defenderam Uma Jornada Inesperada. Mas é preciso frisar que a primeira parte já deixava bem claro que a intenção sempre foi a de construir uma “Nova Trilogia”, muito mais do que adaptar o livro O Hobbit. Dessa forma, Legolas e Tauriel ajudaram a conferir recheio à trama e renderam ótimas sequências de luta. E o fator “curtir uma viagem pela Terra-Média” ainda é forte e garante uma posição neste Top 10.

    7. Gravidade
    Desorientador, angustiante, imersivo, reflexivo… Gravidade foi uma das produções mais elogiadas do ano, com todo o merecimento. Uma mulher lutando pela sobrevivência e no processo recuperando, de fato, a vontade de VIVER. Um roteiro extremamente simples engrandecido pela direção fabulosa de Alfonso Cuarón. Todo o visual do espaço é muito bonito, e as longas sequências sem cortes são qualquer coisa de SENSACIONAL. E Sandra Bullock faz um ótimo trabalho, é justo mencionar. Agora, é um absurdo Gravidade não estar numa posição melhor? Amigo, um filme de Oscar presente nesta lista, isso sim é surpreendente.

    6. Rush – No Limite da Emoção
    Uma pena este ter passado um tanto despercebido. Filmes sobre esporte/competição já tendem a ser empolgantes, e Rush vai além, preocupando-se em desenvolver os personagens antes da disputa propriamente dita. No caso, a célebre rivalidade entre os pilotos James Hunt e Niki Lauda, culminando na briga pelo Mundial de Fórmula 1 de 1976. A reconstrução de época (em que o sexo era seguro e as corridas eram perigosas) é impecável, as cenas nas pistas são incríveis e os atores Chris Hemsworth e Daniel Brühl mandam muito bem, dentro das exigências de cada personagem. Mas o coração do filme é mesmo a mensagem de que rivalidade não é sinônimo de inimizade, e que pessoas completamente diferentes podem ter algo em comum e compreender umas às outras.

    5. Detona Ralph
    Animações não são muito minha praia; quando uma realmente me chama a atenção, é porque ela possui algo de especial. Detona Ralph sofreu algumas críticas injustas, de marmanjos que aparentemente esperavam ver um documentário com citações detalhadas e minuciosas dos games de suas infâncias. Eles esqueceram que o público principal eram as crianças de hoje, e o filme precisava ser feito primeiramente para elas. Além do fato de que a história tinha de ser sobre os personagens do filme e seus universos. O resultado foi mais do que satisfatório. Para a galera mais velha, há vários easter eggs sobre games clássicos que já valem o filme. Além disso, vimos personagens muito carismáticos e uma trama divertida, emocionante, e com boas mensagens para a garotada, no melhor estilo Disney. Detona Ralph não deve absolutamente nada aos tão celebrados filmes da Pixar.

    4. A Morte do Demônio
    Se apresentou como remake, assumiu uma postura de reboot e acabou sendo uma continuação (olha o spoiler). Independente de como seja classificado, A Morte do Demônio revelou-se como uma das mais gratificantes experiências cinematográficas de 2013. Dirigido pelo novato uruguaio Fede Alvarez (com o produtor/mestre Sam Raimi fungando em seu cangote, com certeza), o filme atingiu um equilíbrio que poucas produções nessa situação conseguem. Absoluto respeito e reverência pelo original, mas com uma sólida identidade própria. O humor galhofa que marcou a franquia foi deixado de lado, com a abordagem da história em si ficando mais séria. Mas o terror gore, trash, de filme B permaneceu, com litros e litros de sangue, mutilações, MOTOSSERRA. Em tempos de politicamente correto, PG-13, militância de todos os tipos imagináveis, ver um filmes desse no cinema não tem preço.

    3. Além da Escuridão – Star Trek
    Seu nome já está desgastado quando o assunto é televisão, mas no cinema J. J. Abrams tem toda a moral possível. Depois de ter transformado Jornada nas Estrelas em um blockbuster, ele volta para fazer a sua versão do filme mais querido da franquia. Talvez alguns fãs mais xiitas tenham se decepcionado, mas é inegável que mais uma vez tivemos um grande filme. A história é tão bem amarrada que o ritmo não cai nem nos momentos mais calmos, em que a tensão permanece. Visual fantástico, cenas de ação de tirar o fôlego, alívios cômicos bem colocados e um elenco muito inspirado. Destaque, claro, para o vilão vivido por Benedict Cumberbatch. Um universo tão bem estabelecido (herança do filme anterior) que os personagens acabam sendo familiares, velhos amigos. Diante do foco em Kirk e no vilão, o resto do elenco, e até mesmo Spock, teve participação reduzida.

    2. O Homem de Aço
    Você percebe que 2013 foi um ano muito errado quando se dá conta de que nenhum dos quatro filmes baseados em personagens da Marvel aparece nesta lista. E que a DC levou a medalha de prata. Expectativas e controvérsia marcaram o novo filme do Superman, que se preocupou em reformular consideravelmente o herói, encaixando-o nos novos tempos cínicos e sombrios. Saiu o modelo de perfeição, o Jesus Cristo que desce dos céus para nos salvar sem cometer nenhum erro, e entrou um cara com poderes quase divinos, mas com mentalidade humana. Inexperiente, falho e hesitante, tentando ser o melhor possível e descobrindo a dificuldade disso. Mais um caso em que alguns fãs se espernearam (sem razão), pagando de desinformados ou esperando outro Superman Returns. Ainda bem que a ideia era o oposto: cenas de luta e destruição lindamente executadas, mostrando as reais consequências de superseres daquele nível se esmurrando num ambiente urbano. Alguns deslizes de roteiro, mas de maneira geral é um filme excelente dentro do que ele propôs.

    1. Círculo de Fogo
    Oh, que surpresa #soquenao. Mais um exemplo em que a palavrinha mágica “proposta” é a chave. Um drama não pode ser avaliado pelos mesmos critérios que uma comédia. Trocam-se os gêneros por quaisquer outros e essa afirmação continua válida. “Cinema” é algo muito amplo e diversificado, não pode ser enquadrado em normas rígidas e absolutas. Nesse sentido, Pacific Rim se assemelha a Os Mercenários. Analisados sob perspectivas comuns de atuações, profundidade, originalidade, lógica, ambos seriam filmes muito falhos. Mas é aqui que se separam aqueles que têm alma daqueles que apenas caminham sobre a Terra. Guillermo Del Toro entregou uma maravilhosa homenagem, uma declaração de amor a um gênero muito específico, com raízes japonesas, da cultura pop. Robôs gigantes descendo a porrada em monstros gigantes, tudo com um visual fantástico e uma trilha sonora fora de série. E um roteiro não ruim ou inexistente, mas muito preciso e competente. Clichês e previsibilidade são parte da brincadeira. Me repetindo mais que episódio do Chaves (homenagem mexicana, sacaram?), pois empolgação é sempre o fator supremo desta lista: em 2013 os jaegers e kaijus esmagaram fácil qualquer concorrência.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Melhores Animes de 2013

    Melhores Animes de 2013

    melhores-2013

    Como de costume, segue o apanhado do que, em minha opinião, se sobressaiu ao longo do ano de 2013 na indústria japonesa de animação. Vale lembrar que apenas considero nesta lista séries que estrearam em 2013, e que longa-metragens não são comentados. Tá, vamos lá:

    10 – Toaru Kagaku no Railgun S

    10

    O que se convém chamar de franquia Toaru é sem dúvida uma das mais rentáveis iniciativas transmidiáticas da atualidade. Tendo feito sua estreia nos cinemas também em 2013, com o dispensável Toaru Majutsu no Index: Endymion no Kiseki, esse universo, ramificado em light novels, animes, mangás, games e áudio dramas, tem provado ser uma verdadeira fábrica de dinheiro. E, como é comum nesses casos, nem tudo, ou melhor, quase nada do que se produz com o nome da franquia verdadeiramente vale a pena. Toaru Kagaku no Railgun S, segunda animação a adaptar o mangá homônimo escrito pelo criador original da série, Kazuma Kamachi, é uma dessas exceções.

    Propondo uma mudança total de clima e abordagem em seu primeiro arco, que transcreve de forma literal o que é até então o ponto alto do mangá, Railgun S consegue se distanciar da baboseira sem fim que marcou toda a primeira temporada. A trama, surpreendentemente elaborada, apresenta fatos e personagens que virão a ser relevantes em momentos futuros da linha principal da franquia, além de trazer batalhas de alto nível, fatores que, juntos, poderiam já justificar sua indicação como um dos destaques do ano. Mas a sempre segura direção de Tatsuyuki Nagai (Toradora!; Honey and Clover II), que não falha em expressar de modo audiovisual a proposta mais séria dessa fase, utilizando uma palheta de cores escuras e uma trilha sonora de todo melancólica, surge para torna-la ainda mais interessante. É uma pena que o segundo e último arco do anime, um filler criado apenas para completar o número-chave de 24 episódios dessa animação da J.C. Staff, quebre a uniformidade deste bom lançamento.

    9 – White Album 2

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    Falando em exceções, White Album 2 talvez seja um caso não apenas raro, mas verdadeiramente único no marketing dessa indústria: abertamente promocional, idealizado para impulsionar o relançamento dessa visual novel aclamada por público e crítica em uma nova plataforma, o anime não só foi financiado pela produtora do jogo, como também foi roteirizado pelo criador deste – dois fatos curiosos, uma vez que adaptações poucas vezes contam com participação ativa da equipe responsável pelo original. Essa peculiar proximidade pode ser apontada como responsável pela fidelidade e, por que não dizer, qualidade deste que, sem dúvida, é o romance do ano.

    O grande atrativo de WA2 é tratar o drama adolescente, essa temática já exaurida, com força poucas vezes vista em animações. Traição, dor e angústia não são aqui artifícios paliativos de algum quase conto de fadas com colegiais, o que, devido a paradoxal delicadeza do roteiro – sem dúvida o forte da série, vide que sua animação, produto de um orçamento limitadíssimo concedido ao estúdio Satelight, só pode ser descrita com adjetivos que começam com ruim e vão descendo –, destaca-o em meio a uma vastidão de estórias amorosas que, cada vez mais, soam iguais.

    8 – Gin no Saji

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    Fullmetal Alchemist é uma daquelas poucas obras que consegue vencer preconceitos de diversas parcelas de leitores e espectadores e arrancar elogios mesmo do público não ligado às produções nipônicas. Após seu término em idos de 2010, a curiosidade passou a girar em torno do futuro da carreira de Hiromu Arakawa, autora responsável por esse mega hit da Shounen Gangan. Tal curiosidade foi sanada poucos meses depois, em março de 2011, quando Gin no Saji começou a ser publicado semanalmente na Shounen Sunday.

    A drástica passagem de uma eletrizante série de fantasia para uma comedia focada na vida rural (repleta de toques autobiográficos, já que a própria Arakawa foi criada no campo) chocou alguns e decepcionou outros. Mas, mostrando que sua especialidade é vencer preconceitos, a atora não tardou a mostrar o quão divertido poderia ser seguir o cotidiano de um grupo de jovens em um escola agrícola, tornando o mangá um dos carros-chefes da revista. Sua adaptação animada, que estreou em julho de 2013 e já conta com uma temporada de 11 episódios finalizada e outra ainda em exibição, segue à risca o quadrinho, e, assim como este, só pode ser compreendida após ser vista.

    7 – Kyousougiga

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    O nome Izumi Todo, ao qual são vinculadas a criação de séries bem-sucedidas como Ashita no Nadja e muitos títulos da franquia Precure!, na verdade não pertence a nenhum indivíduo. Trata-se de um pseudônimo coletivo usado por membros do Toei Animation. Um dos recentes e mais interessantes trabalhos desse time foi Kyousougiga, a princípio um ONA (Original Net Animation) de 26 minutos vinculado no Nico Nico Douga e, pouco depois, no Youtube, ainda em 2011. Esse especial algo cartunesco, repleto de cores, chamou atenção a ponto de receber uma série de cinco episódios complementares, cada qual com menos de 10 minutos, no ano seguinte. Por fim um anime televisivo de 10 episódios, que contou também com 3 extras, estreou em outubro do último ano.

    A animação revisita e reinterpretar de uma única vez os dois escritos mais importantes de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho, de modo tão imprevisível que a elaboração de uma sinopse se faz difícil e, afinal, inútil. Além da grande qualidade técnica, seu lugar na lista se justifica por mostrar que um projeto pequeno e de certo modo autoral pode ainda encontrar seu lugar ao sol.

    6 – Monogatari Serie Second Session

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    Quando Bakemonogatari começou a ser exibido, em meados do já longínquo ano de 2009, nem mesmo o mais otimista dos membros do estúdio Shaft poderia imaginar o que estava por vir. De forma explosiva, essa animação de baixo custo, pouco movimentada, que consistia basicamente em ambíguos e aparentemente intermináveis diálogos, se tornou um dos grandes sucessos comerciais do século XXI. Os recursos inusitados que o diretor Akiyuki Shinbo (Puella Magi Madoka Magica; Arakawa Under The Bridge) empregou para adaptar essa série de novels de Nisio Isin (Death Note – Another Note: O Caso dos Assassinatos em Los Angeles; Zaregoto Series; Medaka Box), dentre os quais se destacam os cortes rápidos e a forte presença de texto escrito intercalado com as vozes dos personagens, certamente ajudaram a criar certo fascínio, mas o número astronômico de vendas se deve em especial ao forte elenco feminino do programa.

    Nisemonogatari e Nekomonogatari (Kuro), ambos de 2012, deram continuidade aos feitos da primeira série, mas foi somente em 2013, com o ambicioso Monogatari Series Second Season, título que cobre cinco dos volumes da obra original (mesmo número dos três animes anteriores juntos), que a franquia mostrou ser algo diferente de tudo já visto. Numa escalada de mistérios cada vez mais densos e conclusões cada vez mais inusitadas e violentas, a animação conseguiu, ao término de seus 26 episódios, deixar todos os fãs contanto os minutos para Hanamonogatari, que irá ao ar ainda em 2014, assim como para qualquer outro de seus produtos.

    5 – Uchouten Kazoku

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    Uchouten Kazoku pode ser literalmente traduzido como A Família Excêntrica, título que, em si, expõem a alma do enredo – uma história que, apesar de lançar mão de elementos de fantasia, nada mais propõe que narrar história de um grupo familiar complicado. Baseada em um romance de Tomihiko Morimi, autor do também já animado The Tatami Galaxy, a série é um ponto fora da curva na trajetória do P.A. Works, que jamais havia realizado algo de tamanha sensibilidade, e provavelmente não tornará a fazê-lo.

    Reunindo ainda muitos méritos na parte técnica, como uma trilha sonora de arrancar lágrimas do talentoso iniciante Yoshiaki Fujisawa, cenários que mesclam fotografia e ilustração e um character design do gênio do humor Kouji Kumeta (mangaká que deu vida à Sayonara Zetsubou Sensei e Joshiraku), essa dramédia, que investe pesado em ambos os elementos que compõem o termo, é um dos animes essenciais de 2013.

    4 – Shingeki no Kyojin

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    Se estivéssemos falando de popularidade, Shingeki no Kyojin seria o campeão inconteste do ano passado. A adaptação animada do desde sempre muito comentado mangá de Hajime Isayama consolidou uma verdadeira febre mundial, resultando em spin-offs, jogos de videogame e, claro, no licenciamento do mangá em diversos países do mundo, entre eles o Brasil, que, em um dos raros acertos de timing da Panini, disponibilizou o título ainda em 2013.

    E o conteúdo faz jus ao impacto causado. Ação, mistério e mesmo algumas pitadas de terror se unem de modo eficaz nesse mundo medieval com traços de steampunk, em que uma humanidade acuada enfrenta colossais criaturas que estão além de seu poder e de sua compreensão. Embora o Production I.G não tenha dado tudo de sim em 100% dos episódios, castigando-nos com algumas cenas toscamente animadas, a constantemente frenética, e, por conta disso, muitas vezes criticada direção de Tetsurou Araki (Death Note; Highschool of the Dead) ainda dá conta do recado, conferindo à série a emoção necessária.

    3 – Chihayafuru 2

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    O há muito capenga estúdio Madhouse tem tido sua morte decretada ano após anos por diversos comentadores. Em 2012, muitas afirmavam ser o fim da excelente primeira temporada de Chihayafuru o último suspiro de qualidade da companhia. Fracasso de vendas, poucas acreditavam que o título (adaptação de um mangá josei que, paradoxalmente, figura entre os mais vendidos do Japão) pudesse ter uma continuação. Para surpresa e alegria dos fãs, essas previsões provaram estar erradas, assim como as sentenças de óbito emitidas a todo o momento para o Madhouse.

    A segunda temporada começa exatamente onde terminou a anterior, porém é marcada por uma perceptível mudança de foco, que acaba voltando-se quase que inteiramente para as competições em que os personagens se envolvem, ao passo que na primeira temporada treinamentos e momentos do cotidiano eram visivelmente mais presentes. Essa evolução, embora natural, pode incomodar em alguns momentos, mas não é nada que tire o brilho desse que, contra todas as expectativas, é um dos melhores animes de esporte dos últimos anos. Uma terceira temporada é algo extremamente improvável, entretanto, como a produção de uma segunda já o era, ainda se pode alimentar esperanças.

    2 – Kill la Kill

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    “Novo Gainax”! Assim muitos definiram o estúdio Trigger, fundado em 2011 por Hiroyuki Imaishi e Masahiko Ohtsuka, ex-membros da empresa que gravou seu nome na história da animação ao entregar obras-primas como Neon Genesis Evangelion e FLCL. A afirmação é inegavelmente pretensiosa, mas Kill la Kill, primeira série televisiva do estúdio, tem provado que não é de todo falaz, ao menos não no tocante a imprevisibilidade, quebra de expectativas e qualidade técnica, fatores que tornaram célebre seu predecessor espiritual.

    Com direção do co-fundador Imaishi e roteiro de  Kazuki Nakashima, dupla responsável pelo neoclássico Tengen Toppa Gurren Lagann, a série começa como uma trama de vingança aparentemente banal, que evolui semana após semana até se tornar algo completamente indefinível, ainda que mantendo sempre doses homeopáticas de humor e cenas de ação de tirar o fôlego. Retendo características do movimento superflat, e levando ao extremo a exposição de certas superfícies de sua estrutura, Kill la Kill é um espetáculo visual que tem causado paixão e revolta, sobretudo por conta da ultra-sexualização de suas personagens femininas. Amando ou odiando, é algo que precisa ser visto.

    1 – Ghost in The Shell – Arise

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    Apreensão era o sentimento geral entre os fãs de Ghost in the Shell quando o Production I.G anunciou que quatro OVAs seriam feitos para repaginar o título. Os nomes da equipe, em especial o do roteirista Tow Ubukata, criador do medíocre Mardock Scramble, preocupavam. O pessimismo prévio, no entanto, apenas ajudou a intensificar o impacto da surpresa que se aproximava. Assim como fez Ghost in the Shell: Stand Alone Complex em 2002, o novo elo da franquia venceu preconceitos e mostrou o porquê de carregar o nome que carrega.

    Do mesmo modo que a série anterior, Ghost in The Shell – Arise deve ser encarado como um universo alternativo, uma historia que em nada se relaciona com a magnum opus de Mamoru Oshii, lançada em 1995. Fugindo das questões existenciais levantadas pelos longa-metragens e do modelo de procedural urbano do anime televisivo, essa reinterpretação do universo criado por Masamune Shirow volta-se mais abertamente para o gênero de ação, ainda que investigação e jogos mentais e tecnológicos permeiem toda a trama. Tudo em Arise é novo, inclusive o cast de dubladores, que, havendo sido mantido nos dois projetos passados, foi inteiramente substituído para melhor se adequar à nova proposta, que inclui também mostrar a formação da Seção 9, explicando, assim, a aparência rejuvenescida dos personagens. Mas algumas coisas não mudaram tanto – o alto orçamento e primor técnico, por exemplo, continuam a acompanhar a produção.

    Notem que apenas outras duas animações originais estão listadas este ano, sendo todas as demais adaptações de mídias distintas. Em uma indústria na qual cada vez menos series de qualidade são pensadas diretamente para o formato animístico, Ghost in The Shell – Arise surge como um verdadeiro fantasma, um arrebatador eco de outros tempos que, embora tenha tido apenas metade de seus episódios exibidos, merece o título de anime do ano por tudo que representa.

    Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

  • Crítica | Frankenstein: Entre Anjos e Demônios

    Crítica | Frankenstein: Entre Anjos e Demônios

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    Stuart Beattie, responsável pelos roteiro de Austrália e das franquias Piratas do Caribe, G.I. Joe, assume a direção desta versão moderna da história do monstro de Victor Frankenstein. A trama é baseada na HQ escrita por Kevin Grevioux, co-criador de Underworld: Anjos da Noite. Talvez por isso tem-se a impressão de que a história está ambientada num universo semelhante ao de Underworld. Ou seja, em vez de vampiros versus lobisomens, o embate é entre demônios e gárgulas.

    E, assim como na história de vampiros e lobos, a humanidade ignora totalmente a existência de tais criaturas e o confronto entre elas – apesar de ser difícil acreditar que sejam tão despercebidos a ponto de nenhum transeunte notar esses seres estranhos e assustadores com olhos vermelhos nos céus duma metrópole. Mas enfim, se é necessário ignorar esse fato para mergulhar no universo da história, que assim seja.

    Desse “mergulho” advém o principal problema do filme: a falta de profundidade tanto da história quanto dos personagens – não há “onde” mergulhar. A luta entre anjos e demônios é enfocada de modo tão superficial que o espectador sequer se sente compelido a tomar partido de um dos lados. Ambos são tão insossos em suas motivações que parece não fazer muita diferença quem leva a melhor na disputa. Soma-se a isso o fato de que temas centrais da história do monstro de Frankenstein – criatura versus criador, homens brincando de deus – são apenas ligeiramente pinceladas, sem nunca serem exploradas devidamente, o que enriqueceria bastante a trama.

    Nem a presença de alguns bons atores no elenco consegue prender o espectador. Bill Nighy não faz feio, como sempre, mas dá a impressão de ter atuado em modo automático. Miranda Otto, como líder dos gárgulas, dispara algumas das piores falas do filme. Aaron Eckhart até tenta dar mais peso a Adam, mas não há muito o que se fazer com um personagem mal construído.

    Ao menos, o filme não é longo – 93 minutos – e mantém o ritmo com sucessivas cenas de ação. Consegue entreter, se o público não for ao cinema esperando uma nova versão do personagem já que, do clássico personagem criado por Mary Shelley, sobrou apenas o nome no título.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Review | The Wire

    Review | The Wire

    wireAtenção, este review contém spoilers de toda a série. Siga por sua conta e risco.

    Segundo o livro Homens Difíceis, de Brett Martin, The Wire entrou para o seleto grupo das cinco séries dramáticas que mudaram a televisão americana atual e a fizeram entrar em uma nova era de ouro. Ao lado de The Sopranos e Six Feet Under da HBO, e Breaking Bad e Mad Men da AMC, a série criada por David Simon, sem nenhum exagero, conseguiu atingir o nível de excelência de roteiro através dos seus 60 episódios divididos em 5 temporadas. Entretanto, com uma peculiaridade que se tornou uma das identidades da série e a diferenciam de todas as citadas: o realismo.

    Sinopse: todas as possíveis ramificações do tráfico de drogas na cidade de Baltimore são mostradas tanto sob o ângulo dos vários traficantes e seus subordinados, quanto da polícia, principalmente da equipe especial de inteligência responsável pelos grampos.

    Pela densidade do roteiro de uma hora que contém muitas informações, seguindo o padrão HBO de qualidade, The Wire pode ser considerada uma das melhores séries policiais de todos os tempos. As cinco temporadas se dividem entre os vários casos que vão surgindo e suas investigações decorrentes, conforme o tráfico de drogas vai se adequando as novas realidades, gerando uma interação curiosa entre os dois lados.

    A primeira temporada consolida uma parte do elenco fixo da série, focando principalmente no detetive de homicídios Jimmy McNulty, e os policiais que farão parte da primeira equipe formada com o intuito de perseguir os traficantes sob a forma de grampos telefônicos, a Major Crimes Unit, chefiados pelo superior Cedric Daniels e liderados pelo principal investigador da equipe, Lester Freamon. Como os traficantes usam pagers para se comunicar, eles acabam percebendo o padrão utilizado pelos bandidos. É aqui também que se inicia também a investigação pelo dinheiro gerado pelo tráfico, para mostrar o quanto o comércio ilegal das drogas está intrínseco na sociedade, fato recorrente durante toda a série.

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    A Major Crimes Unit

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    Stringer Bell e Avon Barksdale

    É aqui que vemos também toda a politicagem nos bastidores dos mais diversos escalões de poder da polícia, que dificultam ou ajudam a formação da equipe, com os coronéis, tenentes e outros chefes tentando subir na hierarquia a qualquer custo. Em toda a temporada da série algum chefe de polícia se destaca, nesta primeira é o caso do comandante Burrell e do Major Raws.

    A outra parte do elenco fixo se centra no outro lado, a rua, e, claro, as drogas. O traficante Avon Barksdale, junto com seu braço direito Stringer Bell e seu sobrinho atrapalhado D’Angelo com seus vários subordinados, se tornam o alvo da investigação policial. Todas as séries costumam ter um personagem que se torna especial de alguma forma, seja pelo carisma do ator ou pelo roteiro que lhe permite essa possibilidade. Em Deadwood é Al Swarengen e em The Wire é o caso de Omar Little, o bandido que rouba outros bandidos. Ele aparece de vez em quando durante a série, e proporciona os pontos altos dos episódios.

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    Michael K. Williams como Omar Little

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    D’Angelo Barksdale com os seus soldados

    Na segunda temporada há um novo caso para ser investigado. O porto de Baltimore é dominado por imigrantes poloneses, chefiados pelo líder sindical Frank Sobotka. Eles encobrem seus esquemas ilegais operando dentro da lei, se diferenciando do tráfico nas ruas a céu aberto. Nesta temporada o superior da polícia que se destaca é o Major Valchek, também descendente de poloneses e adversário de Sobotka. É ele quem age nos bastidores para o retorno da equipe de investigação com o objetivo de ir atrás de seu desafeto. Não demora muito para que a Major Crimes Unit, agora uma unidade fixa dentro da polícia, descubra o padrão utilizado pelo sindicato dos estivadores.

    Como a investigação mudou de rumo, há um novo olhar sobre o tráfico, agora internacional. O sistema operado no porto permite a entrada de matéria prima para a fabricação da droga fornecida pelo Grego para o traficante Proposition Joe, adversário de Barksdale. Continuamos a ver o que aconteceu a Avon e seu sobrinho D’Angelo na prisão, e Stringer Bell operando seu esquema do lado de fora. Stringer, sem conseguir manter a área conquistada com tanto custo por ele e Avon com um produto de baixa qualidade, mas com uma força ainda grande, começa a maquinar uma espécie de parceria com Prop Joe.

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    Frank Sobotka e seu sobrinho Nick

    Na terceira temporada acontece um fato extraordinário. A princípio instigado em abaixar as estatísticas de assassinato no Distrito do Oeste, o Major Colvin opta por tentar combater o tráfico de uma maneira diferente. Colvin faz com “Hamsterdam”, o que se torna um ensaio sócio-econômico-político-cultural sobre o que aconteceria se o tráfico de drogas fosse legalizado em uma grande cidade dos Estados Unidos. É, de longe, uma das maiores contribuições da série para o debate a cerca do tema.

    Em paralelo, há uma espécie de retorno à primeira temporada, pois a unidade de escuta de grampo volta as atenções para os traficantes na rua. Eles agora vão atrás de Stringer Bell e Prop Joe, mas a princípio não conseguem nada. Se os pagers antes eram a base para o grampo, o foco muda para os celulares pré-pagos descartáveis. Também vemos a formação de uma Cooperativa. Liderados por Stringer e Joe, os traficantes percebem que se não há corpos nas ruas, diminui o risco do negócio com menos investigações policiais. Marlo Stanfield e sua gangue também surgem nesta temporada; ele declina participar na Cooperativa em função da sua própria força e poder, e o seu estranhamento com Avon gera uma das melhores guerras de tráfico da série.

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    Marlo Stanfield e sua gangue

    Ainda na terceira temporada, David Simon nos apresenta mais um foco de debate na guerra ao tráfico: os políticos. Se antes as maquinações se atinha aos bastidores nas esferas do poder policial, agora com a nomeação de Burrell como comissário, chegamos diretamente ao prefeito Clarence Royce e o ambicioso líder da câmara dos vereadores Thomas Cercetti.

    Na penúltima temporada quase não há escuta. Por ser ano eleitoral, todas as grandes investigações cessam em função da disputa pela prefeitura, principalmente as que iam atrás do dinheiro sujo. Agora, Baltimore vai decidir entre o atual prefeito, o negro Royce ou o branco Cercetti. As discussões que surgem em torno da questão racial, além do uso político da polícia são mais uma visão sobre os problemas do tráfico de drogas que David Simon nos fornece. No final, a vitória de Cercetti mostra que um novo horizonte se abre para a polícia, pois o novo prefeito quer mostrar serviço.

    The Wire consegue nos fornecer ainda outro foco sobre a questão: o momento anterior da ida dos traficantes para as ruas, a sua infância. Durante toda a temporada acompanhamos, ao lado do ex-Major Colvin, um estudo sociológico sobre um grupo de pré-adolescentes que um dia vão se tornar traficantes. Além de discutir a falta de perspectivas sobre o seu futuro e a veneração que as ruas geram pelo poder do tráfico, também vemos a politicagem dentro da própria escola com as notas dos alunos, provando que qualquer sistema público que vive em função de estatísticas para eleger ou reeleger políticos é cruel.

    Se o objetivo da Cooperativa era evitar mortes entre os traficantes para não atrair investigação policial, Marlo Stanfield resolve isto nesta quarta temporada de uma forma curiosa: deixando os cadáveres em casas vazias e abandonadas pela cidade. É aqui que o escritor policial Dennis Lehane começa a participar do roteiro da série.

    image2Os futuros traficantes

    Na última temporada não há mais escuta, porque o novo prefeito eleito optou por cortar muito da verba da polícia em função da educação. Como estava muito próximo de conseguir pegar Stanfield, Lester e McNulty decidem arriscar a volta da escuta realizando algo extraordinário como no arco de Hamsterdam da terceira temporada. É aqui que novamente há uma quebra do realismo da série, ainda que tentando manter o máximo de plausibilidade para o espectador.

    Esta quinta temporada opta por mostrar agora um dos últimos ângulos que faltava: a mídia. Agora a redação do Baltimore Sun entra em destaque para fornecer novos debates sobre o tráfico que só enriquecem a discussão, além de dar mais sustentação ao evento curioso que ocorre nesta última parte. Este evento, inclusive, acaba dando um final digno para a série, e vemos como terminou a história de cada personagem.

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    O Major ‘Bunny’ Colvin, interpretado por Robert Wisdom, responsável por Hamsterdam

    Uma característica é a presença maciça de atores negros na série. Baltimore, como é dito algumas vezes durante os episódios, é uma cidade americana com 75% da população afro-descendente. Além de conferir mais realismo, felizmente não há a utilização pelo autor de premissas com enfoque racial. O que existe é simplesmente uma adequação ao real: em uma cidade onde a maioria da população pertence a uma etnia, esta mesma etnia domina todas as formas de representação social. Existem detetives, chefes de polícia, traficantes, advogados, repórteres, políticos e professores negros e brancos. É diferente de uma certa novela brasileira ambientada na cidade de São Paulo em que boa parte da população é negra, mas no hospital só há médicos brancos por “decisão artística”, porém, quando um casal gay decide adotar um menino cuja a mãe morreu por causa de crack, ela é negra.

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    A redação do Baltimore Sun, retratada na quinta temporada

    Diferente de Breaking Bad, que apresentou vários episódios muito bem dirigidos e fotografados, com câmeras POV e ótimas decupagens, o principal em The Wire é o roteiro, e tudo acaba ficando em segundo plano, desde a edição e a fotografia, até o som e a direção. A direção, inclusive, é padronizada, com planos médios, americanos e closes comuns, que não acrescentam muito na dramaticidade da série. O enquadramento pode causar estranheza nas televisões de tela plana de hoje em dia, já que a série usou o tempo todo o 4 x 3 padrão das TVs de tubo da época. Entretanto, o roteiro não é igual a The Sopranos, que inovou ao criar situações cotidianas das mais variadas possíveis para os mafiosos, ou Deadwood que permitiu a reconstrução de personagens históricos no velho oeste, o diferencial em The Wire é primar pelo realismo. E o realismo na série é tanto que algumas vezes chega a quebrar o clímax construído nos episódios anteriores, se distanciando assim de uma dramaturgia tradicional como Breaking Bad ou Dexter. David Simon, inclusive, era conhecido como “non-fiction man” na HBO por reclamar que algumas situações se distanciavam da realidade por causa da dramaturgia.

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    Outra marca da série são as epígrafes no início de cada episódio

    O que também ajuda a manter o realismo na série é a falta de música. Só a abertura e os créditos finais são musicados. Outro momento em que aparece música são nos clipes no final dos episódios que fecham cada temporada, dando um resumo visual do que aconteceu. Sobre a falta de música na série tem uma discussão interessante aqui.

    Todas as entradas da série, que mudavam a cada temporada

    A atuação em The Wire é outro ponto forte da série. Como não é dramaturgia tradicional, os atores estão mais soltos com pouca ou nenhuma marcação de cena, e já que a ideia de David Simon é primar pelo realismo, o improviso se torna praticamente uma regra para criar a mise-en-scene nas locações. Michael K. Williams cria o melhor personagem da série, Omar Little; Idris Elba encarna de forma fantástica o estrategista Stringer Bell; Dominic West é o detetive caótico descendente de irlandeses Jimmy McNulty; Wendell Pierce atua magistralmente como o detetive ‘Bunk‘ Moreland, seu melhor amigo; Clarke Peters interpreta a mente por trás da Major Crimes Unit Lester Freamon; Wood Harris personifica o traficante Avon Barksdale; Sonja Sohn se torna a detetive ‘Kima’ Greggs; Andre Royo é o viciado Bubbles, outro ótimo personagem; Lance Reddick vive o tenente Cedric Daniels; Deirdre Lovejoy é a assistente da promotoria Rhonda Pearlman; Jim True-Frost interpreta o detetive e professor maluco Roland ‘Prez’ Pryzbylewski; Hassan Johnson se torna um dos tenentes de Avon, Wee-Bee; Lawrence Gilliard Jr é o sobrinho maluco D’Angelo Barksdale; J.D. Williams como Bodie, um dos seus soldados; Chris Bauer dá vida ao líder sindical Frank Sobotka; James Ransone é Chester ‘Ziggy’ Sobotka, seu filho porra-louca; Pablo Schreiber vive Nick Sobotka, seu sobrinho e também um dos estivadores; o limitado Jamie Hector é o traficante sedento por poder Marlo Stanfield; Gbenga Akinnagbe vira Chris Partlow, seu braço direito; Felicia Person é Snoop, o outro braço direito de Marlo; Robert Chew interpretou o traficante Proposition ‘Prop’ Joe; Anwan Glover como o tenente do tráfico ‘Slim’ Charles; Glynn Turman é o prefeito Clarence Royce; Aiden Gillen, o mindinho de Game of Thrones, magistralmente interpreta o vereador Thomas Cercetti; Frankie Faison dá show quando encarna o comissário Ervin Burell; John Doman vive o chefe de polícia Bill Rawls; Al Brown é o Major Valchek; Tristan Wilds é Michael Lee, a criança que mais se destaca da quarta temporada; Jarmaine Crawford se torna Duquan, um dos seus melhores amigos; Maestro Harell vive Randy Wagstaff; Julito McCullum é Namond Brice, filho de Wee-Bee e outra criança que também se destaca; Robert Wisdom dá vida ao controverso Major ‘Bunny’ Colvin; Domenick Lombardozzi encarna Herc; Seth Gilliam é o detetive Carver, seu parceiro na polícia; Reg Cathey como Norman, o assistente de Cercetti; Clark Johnson, que dirigiu alguns episódios da série, é o editor do Baltimore Sun, Gus Haynes; Thomas McCarthy encarna o repórter ambicioso e atrapalhado Scott Templeton; David Costabile, o Gale Boetticher de Breaking Bad, é Thomas Blebanow, editor chefe do Baltimore Sun. Ainda vale uma menção a Isiah Whitlock, que compôs o Senador Clay ‘Sheeeet’ Davis; o rapper Method Man que deu vida ao traficante Cheese, sobrinho de Proposition Joe; além de Michael Kostroff, que se tornou Maurice Levy, o advogado preferido dos traficantes.

    The Wire Alignment Chart

    Uma das melhores definições para os personagens da série

    The Wire merece ser vista, não só porque se encontra no distinto grupo das séries que revolucionaram a televisão americana moderna, mas também para quem quiser ver uma boa história contada de forma magistral. Para aqueles consumidores que sempre criticam clichês e a estrutura narrativa, o realismo da série é outro incentivo. Quem quiser também pode se aventurar pela wiki da série.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | O Lobo de Wall Street

    Crítica | O Lobo de Wall Street

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    O cinema, como todo tipo de arte, é influenciado pelo contexto político de sua época. No auge da depressão pós-1929, tivemos vários filmes de monstro onde a urgência era o homem comum vencê-lo. Na paranoia da guerra fria, filmes de ficção científica com mutações genéticas causadas por radiação nuclear até invasões alienígenas onde ninguém sabia dizer quem era quem e o inimigo poderia ser qualquer um. Na Guerra do Vietnã, a espetaculização e a brutalidade ao vivo da guerra trouxe uma nova geração de cineastas tanto trazendo a realidade depressiva quanto buscando escapes dela.

    Atualmente, a história se repete no contexto pós 2008, com filmes e documentários a respeito da ganância de Wall Street e as origens e consequências da crise especulativa se proliferam no mercado. Apesar de já termos sintomas em produções anteriores como Wall Street – Poder e Cobiça (Oliver Stone, 1987), Loucuras de Dick e Jane (Dean Parisot, 2005) e Enron – Os Mais Espertos da Sala (Alex Gibney, 2005), somente a partir de 2008 vemos uma produção em massa nesse sentido, tanto condenando quanto imergindo no universo especulativo para compreender seu funcionamento, e é nessa categoria que o novo filme de Martin Scorsese, O Lobo de Wall Street se encaixa.

    Baseado no livro homônimo de Jordan Belfort e com roteiro de Terence Winter (Boardwalk Empire e Família Soprano), o filme conta a história de um corretor de ações fraudulento que ganhou milhões explorando brechas no sistema, além de enganar milhares de pessoas a investirem em ações sem valor e assim lucrar nas comissões. Contando com um elenco afiado, Scorsese imprime uma narrativa aliada a velocidade e a loucura da cocaína tão usada no filme e faz com que os 180 minutos de exibição passem voando, tamanho seu controle da história e dos personagens.

    Interpretando Belfort está Leonardo Dicaprio, em uma atuação que renderá muitos elogios. Também está o excelente Jonah Hill (que aguardamos por um filme onde seja mais do que o coadjuvante engraçado) como seu amigo e braço direito Donnie Azoff, além de pequenas participações de Matthew McConaughey como Mark Hannah, um corretor experiente que dá dicas ao jovem Belfort, Jon Favreau como Manny Riskin, seu advogado, e Jean Dujardin como o banqueiro suíço Jean Jacques Saurel. Também participa do filme Kyle Chandler como o Agente do FBI Patrick Denham, incansável e incorruptível funcionário público dedicado a caçar criminosos financeiros como Belfort.

    O que difere o tom de Scorsese dos filmes anteriores, em especial a Stone e ao cinema político de Costa-Gavras é a clara compreensão de que antes de serem bandidos desalmados e predadores do sistema, os corretores de Wall Street são seres humanos com pai, mãe, filhos e que precisam justificar seu comportamento para si mesmo e para os outros a todo instante a fim de evitar uma possível crise existencial e dar sentido aquilo tudo. Eles precisam se convencer de que estão fazendo algo normal, e que todos ali fariam o mesmo. Ao também usar da narração como metalinguagem e brincar a todo instante com o fato de o próprio Belfort contar sua própria história, o filme ganha uma leveza essencial para manter a atenção do público. Também é um mérito o fato de não se perder tempo em explicar os tortuosos caminhos e práticas financeiras de Wall Street, porque ali não interessa e nem cabe.

    Partindo dessa premissa, Scorsese consegue produzir uma história com conteúdo ao mesmo tempo explanatório sem ser piegas, e crítico sem ser panfletário. A mensagem ali é clara: o sistema está quebrado, e quanto mais antiético e desprovido de qualquer senso de moralidade a pessoa for, melhor ela se dará no mercado financeiro. Mas ao retratar isso de forma frenética como as festas e o consumo de drogas (no que lembra o também excelente Os Bons Companheiros), além de dar um toque de comédia na medida certa, o filme consegue produzir uma narrativa que não emperra e flui naturalmente, conduzindo o espectador a compreender e fenômeno ocorrido e a indagar como, em uma sociedade considerada democrática, pessoas podem jogar com o dinheiro dos outros, ganhar com isso, e ainda saírem impunes. Também é mostrado a todo instante como Belfort é ovacionado por seus pares, pois nenhum ser humano sozinho é capaz de tal feito. Ou seja, toda a sociedade é cúmplice de seus atos.

    Quando Belfort diz que o sonho de começar do nada e vencer na vida é o sonho americano, dizendo isso em uma empresa corrupta, que se utiliza dos vícios do sistema e da desregulamentação do mercado financeiro iniciada por Nixon e aprofundada por Reagan e Clinton, para enriquecer às custas do trabalhador honesto, mas que acredita na mensagem desse sonho, não é pura coincidência. É o que embala o desenvolvimento do país. Mas quando esse desenvolvimento sai das ferrovias e da metalurgia e passa para os escritórios regados a cocaína, a lógica funciona, mas o sonho continua permanecendo um sonho, e os Rockefeller de ontem se tornam os Belfort de hoje, embalando o povo americano em uma cantiga enquanto puxa sua carteira por trás.

    No final, sem abusar do panfletarismo tão batido nos nossos dias, o filme termina com a simples mensagem de que o sistema está pronto e foi feito para enriquecer apenas alguns com o trabalho de outros. O trabalhador honesto não consegue mais uma vida digna enquanto os “1% de cima” fazem exatamente o inverso. O corretor fraudulento tem quadra de tênis na prisão enquanto a população carcerária americana, composta majoritariamente por negros, explode junto ao desemprego e a violência. Mas nada disso é mostrado em tela, porque é desnecessária a superexposição de elementos políticos que fora do filme já são debatidos. Aqui, o que interessa é a face de Jordan Belfort e como ele personificou o sonho americano, enganou e enriqueceu milhões, usou quilos de drogas, foi condenado, preso, e hoje está solto dando palestras motivacionais. Pouco consegue personificar mais o atual estado de decadência moral de uma civilização.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Alabama Monroe

    Crítica | Alabama Monroe

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    O sul dos EUA, a parte do racismo, pobreza, fanatismo religioso e outros problemas, possui uma produção cultural riquíssima, digna de atenção do mundo todo, e não são poucos os músicos e outros artistas que foram influenciados por suas invenções, mesclas de cultura dos africanos e europeus, como o blues, country (com todas as suas variações) e depois, o rock. Essa aura musical é pano de fundo para o longa belga The Broken Circle Breakdown (Alabama Monroe), de Felix Van Groeningen, indicado ao Oscar 2014 de Melhor filme estrangeiro.

    O filme conta a história do casal Elise (Veerle Baetens) e Didier (Johan Heldenbergh). Ela, uma tatuadora com toque pin-up e ele um fanático pela cultura hillbilly e bluegrass do sul dos EUA, tendo inclusive um grupo musical que toca músicas do estilo… na Bélgica. Ambos possuem uma filha pequena, Maybelle (Nell Cattrysse) que fica gravemente doente, colocando em risco toda a relação entre eles.

    Uma das razões para o filme funcionar tão bem, e ter a carga dramática, pesada, tão bem medida, é a montagem. Ao alternar cenas fortes como da filha doente com cenas do passado, do casamento, do nascimento de Maybelle e seus pequenos momentos de descoberta, o espectador consegue dosar a brutalidade de uma doença terrível como o câncer infantil e lidar melhor com os sentimentos. Quando Maybelle morre, somos apresentados ao momento em que Didier e Elise se conhecem. Não fosse isso, provavelmente a experiência de ver o filme se tornaria provavelmente insuportável.

    Outro destaque vai para a trilha sonora, composta por canções originais e regravações de clássicos de bluegrass, executadas pelos protagonistas Heldenbergh, Baetens e Bjorn Eriksson no grupo The Broken Circle Breakdown, que dá nome ao filme. As músicas, reconhecidas por melodias simples e muitas vezes melancólicas, conduz a história quase como um personagem a parte, mais ou menos como os irmãos Coen fizeram em E Aí, Meu Irmão, Cadê Você, inclusive com a repetição de uma música já usada no filme protagonizado por Clooney, “Didn’t Leave Nobody But The Baby”, em um belo, mas trágico momento do filme.

    Trágico, inclusive, é o que melhor traduz o avanço da história, ao mostrar como um casal, por mais conectado que seja, dificilmente consegue superar a perda de um filho. E essa dor traduz em agressões verbais entre Didier e Elise, que apesar de se amarem, não sabem o que fazer com aqueles sentimentos, explodindo para fora.

    A trama, pessoal até então, derrapa um pouco ao tornar Didier porta-voz de um discurso político pró-ciência e anti-religião. Ao se passar no momento em que o presidente Bush proibia as pesquisas com células-tronco nos EUA, há uma mudança pouco natural na temática e que torna o sentimento de Didier artificial, apesar de ser clara a tentativa de mostrar um homem racional tentando lidar, a sua forma, com uma dor tão grande.

    O contraponto interessante nessa parte se dá justamente ao colocar uma figura clássica do sul dos EUA, o presidente George W. Bush, notável conservador e representante da ideologia da maior parte da população da região, vai contra uma pesquisa de células-tronco por motivos religiosos, uma pesquisa que, com a contribuição dos EUA poderia estar mais adiantada e ter salvado a filha do casal. Ou seja, a mesma cultura capaz de produzir uma musicalidade tão formidável produz seres como Bush, responsáveis por desgraças imensas. Didier e Elise aprendem, do jeito mais duro, de que a cultura não é inseparável, e que o sul dos EUA trazem uma carga pesada junto a música.

    Essencial também é notar como Didier, ao melhor estilo da música sulista em sua origem, não é um simples produto de consumo como em nossa sociedade, mas sim uma manifestação artística que une pessoas e as ajuda a passar por momentos difíceis, o que a população negra da região sabe muito bem. Portanto, ao utilizar a música nos momentos mais trágicos do filme, há essa lembrança essencial da real função da arte, a de nos trazer uma reflexão sobre as pessoas, o planeta, e principalmente, sobre nós mesmos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Tarzan: A Evolução da Lenda

    Crítica | Tarzan: A Evolução da Lenda

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    Esta é a “enegésima” adaptação da obra literária de Edgar Rice Burroughs. E, tal como num telefone sem fio, alguns aspectos da história se perderam ou se truncaram durante a “transmissão”. Sabe-se lá em que momento Greystoke e Clayton deixaram de ser a mesma pessoa. Originalmente, John Clayton (o nome “inglês” de Tarzan) é o Visconde – ou Lorde – Greystoke. Em algum ponto, nesse mar de adaptações teatrais, cinematográficas e de animação, John Clayton deixou de ser o nome do mocinho e passou a ser o do vilão. Isso, além de outros elementos, leva-nos a concluir que as versões mais recentes não são uma adaptação da obra de Burroughs, mas sim, uma adaptação de uma das adaptações que (espero) tenha sido bem sucedida. Desse modo, não é possível julgar como um erro de roteiro se essa imprecisão está presente. Infelizmente, outros tantos problemas narrativos impedem o espectador de sair satisfeito da sala de cinema.

    No início do filme, situações improváveis se sucedem numa quantidade surpreendente. Verdade que é um filme voltado ao público infantil, mas isso não justifica que os eventos não precisem fazer sentido. A rota do helicóptero, que ao fazer um trajeto rotineiro passa por um lugar nunca antes avistado; a atitude imprudente e duvidosa primeiro do pai de John – ao resolver explorar o local – e depois da mãe – ao ir, com o filho, em busca do marido; a “reação” inexplicável da montanha; a queda e subsequente explosão do helicóptero, violenta o suficiente para destruir o aparelho, mas não o bastante para causar a morte de todos os passageiros. Apenas para citar alguns exemplos sem contar demais da história.

    Chamar o filme de “A evolução da lenda” é um eufemismo para justificar a adição de elementos estranhos ao original e, a meu ver, totalmente dispensáveis. Qual a necessidade de incluir dinossauros e substâncias alienígenas? Nesse contexto, transformar o vilão no representante de uma corporação em vez de ser apenas um homem ganancioso, talvez seja o menor dos problemas.

    O que provavelmente mais incomoda o público é a tentativa (infrutífera) de copiar alguns elementos da animação da Disney – referência para a maioria dos espectadores. Posicionamentos dos personagens – principalmente do protagonista -, alguns trechos em que Tarzan “cresce” enquanto atravessa a selva, algumas cenas de ação, tudo isso deixa o espectador com aquela sensação de déjà-vu constante e incômoda. Um tiro no pé, nada mais. Além disso, seria ingenuidade acreditar ser possível cativar o público do mesmo modo como o fez a Disney e a trilha sonora de Phil Collins.

    Aliás, na trilha sonora, registra-se mais um ponto falho. No trecho idílico em que Tarzan mostra a selva à sua amada Jane, a música que toca é “Paradise”, do Coldplay. Ok, tem a ver com a situação, já que reflete a percepção dos personagens. Mas incluir uma música que virou marca registrada de um blockbuster recente – As Aventuras de Pi – é, no mínimo, uma escolha equivocada, pois automaticamente o espectador é “levado” ao outro filme pela melodia.

    Sobre a parte técnica, mais especificamente sobre a animação por computador, há pouco a dizer. Não é ruim, mas fica aquém de algumas produções anteriores – Avatar, ou mesmo alguns mais caricatos, tipo Como treinar seu dragão. Os personagens, para um desenho animado, são bem críveis – até abrirem a boca para falar. E se por um lado percebe-se preocupação com pormenores – os cabelos meio “grudados” e a pele do Tarzan, levemente manchada de terra e sujeira – por outro, há detalhes que dariam mais credibilidade ao personagem mas que foram deixados de lado – um homem da selva com unhas limpas e bem aparadas? Não faz sentido. Pode parecer preciosismo, mas se deram atenção à pele ligeiramente suja, por que não fazer o mesmo com as unhas? E sobre o 3D, não há nada a comentar, já que não foi explorado de modo a contribuir com a experiência de assistir ao filme. Um ou outro outro elemento pulando da tela e nada mais.

    Talvez o público infantil curta o filme, pelas cores, pelos animais, pelas cenas de ação. Mas infelizmente o adulto que levar as crianças ao cinema não irá se divertir tanto. Na certa, ao sair da sessão estará saudoso da versão Disney, não vendo a hora de chegar em casa, colocar o blu-ray no player e cantarolar “You’ll be in my heart” junto com Phil Collins.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Os Suspeitos

    Crítica | Os Suspeitos

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    Novo filme do cultuado diretor canadense Dennis Villeneuve, Os Suspeitos é um bom suspense de grande tensão: a procura de um pai por uma filha desaparecida, gerando grande conflito e envolvimento emocional em diferentes escalas dentro de um grupo de pessoas próximas.

    Situado na fria e chuvosa cidade de Boston, Keller Dover (Hugh Jackman) leva uma vida feliz ao lado da esposa Grace (Maria Bello) e os filhos Ralph (Dylan Minnette) e Anna (Erin Gerasimovich). Em visita a casa dos amigos e vizinhos Franklin (Terrence Howard) e Nancy Birch (Viola Davis), sua filha, a pequena Anna (Kyla Drew Simmons), desaparece. As famílias logo procuram a polícia e o caso cai nas mãos do detetive Loki (Jake Gyllenhaal) que prende um suspeito, Alex (Paul Dano), que logo é solto devido à ausência de provas. Alex é um adulto problemático e com sintomas de deficiência cognitiva, mas que parece ser o culpado para Dover, que irá ultrapassar os limites de tudo o que acredita para encontrar sua filha.

    Começando já na escolha do tema (desaparecimento de crianças) o diretor acerta no objetivo de mobilizar uma plateia da mesma forma que qualquer um desses casos mobiliza a opinião pública. O infalível aspecto de pureza e inocência de uma criança torna qualquer ato contra ela abominável e irá aglutinar na comoção e condenação desse ato e seus realizadores grande parcela da sociedade, da mesma forma que acontece com o público do filme, que embarca na história e se pergunta a toda hora se faria algo diferente do que lhe é mostrado.

    Emocionalmente falando, o filme então consegue compreender a dimensão devastadora de um caso como este, que não é incomum em nenhum lugar no mundo, e que mostra como toda a dimensão da tecnologia não é capaz de nos proteger dos terrores da própria humanidade. A sensação de impotência dos protagonistas é destacada a todo instante, assim como as brigas internas dos adultos, evidenciando em todo instante a frustração de não conseguir fazer nada. Também neste aspecto somos apresentados ao detetive Loki, que é deixado claro ser um policial típico de filmes de investigação: solitário, sem vida, obcecado pelo trabalho e empático com as injustiças sofridas pelas vítimas dos crimes que investiga. Loki e Dover são personagens interessantes, que por vezes se antagonizam, mas ambos buscam o mesmo objetivo, um dentro e outro a margem da lei, simbolizando o eterno conflito de “civilização x selva” que sempre vem à tona quando o assunto é a violência humana.

    Também é interessante a construção de Alex, um personagem que é a todo instante tratado como culpado, e que parece culpado realmente. Em todo o calor gerado por comoções públicas, faltou ao diretor movimentar a história mais nesse sentido, e tornar a vingança egoísta e personalista de Dover como também parte da opinião pública, e não só pessoal. No entanto, faltou ao filme um trabalho melhor no que tratou da parte policial e investigativa. Ao contrário de outros clássicos do gênero, como “O Silêncio dos inocentes”, Os Suspeitos em alguns momentos falha em manter a expectativa da resolução do crime, e as pistas oferecidas dão ao espectador a chance de desvendar pedaços da história antes de Loki, enfraquecendo seu personagem, como na cena onde é utilizado o velho clichê da mesa destruída pela frustração e ali uma pista crucial é desvendada, quando um espectador mais atento teria reconhecido aquela pista vários momentos antes.

    O mesmo se repete na cena final, quando detalhes importantes são ignorados a fim de se encerrar a história em um clímax instigante e que deixa no ar o que poderia ter acontecido, mas não a ponto de não responder exatamente isso ao “acostumado às respostas” público americano. Caso não se focasse na investigação policial em si, detalhes como estes poderiam ser relevados (Dover vai a casa da tia de Alex com mala, ferramentas e deixa várias pistas, que são ignoradas pela história quando a casa é invadida e revirada por policiais, e nenhuma resposta a essas pistas é dada), mas nesse caso, enfraquece a narrativa investigativa sob a perspectiva policial.

    Apesar de uma fotografia muito bem construída, e também atuações dignas de grandes atores (talvez a melhor de Jackman), Os Suspeitos se alonga por muito tempo em redemoinhos narrativos (como a tortura de Alex por Dover) e que desgastam o choque inicial, travando o desenvolvimento da história. Quando o filme acaba, sobra uma sensação de “ainda bem” misturada a outra de satisfação com uma história que traz à tona discussões interessantes sobre paternidade, violência e sociedade, mas que poderiam ter sido levadas por um caminho mais ousado, questionando mais o valor da mídia e das decisões pessoais nesses casos, como faz magistralmente o longa dirigido por Ben Affleck, “Medo da Verdade” (Gone Baby Gone).

    Os Suspeitos é capaz de entreter e tem uma crueza e aspereza condizentes com o tema retratado, mas que falha em desenvolver objetivamente seu ritmo e conduzir os protagonistas em um desenvolvimento que justifique o tempo de tela, assim como em produzir pistas e recompensas que causem mais do que um certo “eu já suspeitava” ao seu final, enquanto prometia algo além. É um bom filme, mas que não acrescenta muita coisa ao gênero, recheado de clássicos mais completos.

    * Detalhe para a horrível tradução do título em português. Prisioneiros traduziria perfeitamente o que o filme quer passar, quando pais são prisioneiros dos captores de seus filhos. Os Suspeitos além de genérico e vazio, entrega que já há mais de um suspeito do crime.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | A Trilogia Nikopol

    Resenha | A Trilogia Nikopol

    A Trilogia Nikopol - Bilal

    Lembro de ter assistido a um filme que se tratava, em uma França futurista no ano de 2023, de um homem coagido pelo deus egípcio Horus a ajudá-lo a se vingar de Anubis e outros deuses imortais. Pouco me lembro deste filme, mal sabia que ele era baseado em uma trilogia de histórias escritas pelo artista e cineasta Enki Bilal. O francês foi convidado frequentemente a publicar histórias na revista Heavy Metal entre outras editoras, inclusive as duas primeiras que constituem a trilogia da personagem Alcide Nikopol. A habilidade e talento de Enki para a criação e elaboração detalhadas de cenários em quadrinhos, feitos totalmente à mão, são tão magníficos quanto grandiosos, fazendo-nos imaginar que tenha se inspirado nos trabalhos de Ralph McQuarrie e Hayao Miyazaki.

    A primeira história da trilogia Nikopol, A Feira dos imortais, de 1980, mostra como o personagem de Alcide Nikopol, um astronauta que foi condenado a vagar no espaço durante 30 anos em uma câmara criogênica, retorna ao caótico cenário de uma sociedade desajustada à mercê de uma nova ditadura fascista em Paris, no ano de 2023.

    Ao acordar, Nikopol descobre-se em posse de Horus, deus imortal e renegado de seus iguais, que traçava um plano de vingança contra outros imortais. O decorrer da história mostra quão modificada estava Paris enquanto o astronauta estava desacordado, inclusive com a existência de um filho, nascido em sua ausência, com a mesma idade de quando foi enviado ao espaço. Viajantes alienígenas são parte da nova miscigenação; ainda há sinais de contaminação e doença causados por duas guerras atômicas; além da separação de habitantes pobres e ignorantes, totalmente desprezados pela elite comandada por homens, enquanto mulheres eram aprisionadas e condenadas a repopular a nação.

    O governador de Paris, Jean-Ferdinand Choublanc, é atacado e comparado, pelo autor, a ditadores da história mundial, principalmente a Mussolini. Tudo é apresentado aos poucos enquanto admiramos os cenários ao estilo steam punk criados por Enki. No fim, Nikopol se rende a Horus e juntos tramam a abdicação de Choublanc para assumir o controle de Paris e livrar a população do governo fascista. Além de conseguir a vingança contra os imortais em uma viagem para se opor aos poderes corruptos dos megalomaníacos do século 21. Infelizmente, o final não é dos mais adequados a ambas as partes.

    A Mulher Armadilha, escrita em 1986, nos leva à futura Londres e apresenta uma nova personagem, Jill Bioskop, uma espécie de repórter investigativa que está em crise após os acontecimentos com seu atual contato e amante. Se passaram dois anos desde a última história e, apesar de sua aparência nada convencional (Jill tem a pele branca com cabelos, lábios e lágrimas azuis), nada disso é explorado na história. Nikopol desperta de sua nova prisão em um asilo psiquiátrico ao mesmo tempo em que um grupo de astronautas liberta Horus, preso em uma pedra no espaço (mais tarde é revelado que, na verdade, a pedra era uma parte da nave dos Deuses Imortais).

    Jill, em um surto, ingere drogas para esquecer seus problemas e tentar se concentrar no trabalho, porém nada ajuda. Ao se dirigir a Berlim, na tentativa de mudar o foco de suas preocupações, a mulher azul se torna cada vez mais perturbada, principalmente ao se deparar com Horus. Após sair à procura do Deus Imortal, Nikopol, que saiu do hospital com a ajuda de seu filho, torna-se Imortal. Os dois personagens principais se unem novamente, mas desta vez com uma condição estipulada por Nikopol, a de aproveitar a vida e deixar o passado para trás. Os três passam a conviver juntos até o futuro retorno dos Imortais.

    Em Frio Equador, escrito em 1992, o francês termina a trilogia de forma inusitada. 18 anos após os acontecimentos de A Mulher Armadilha, Nikopol, Horus e Jill se reencontram. Um filho surge, mas nada se sabe sobre ele. Jill desaparece enquanto Nikopol e Horus continuam a viver juntos. Sob o pseudônimo de Loopkin, anagrama de seu próprio nome, Nikopol se torna profissional no jogo de Chess-Boxing, uma mistura cômica e sem sentido de xadrez e boxe.

    A segunda história é dedicada ao filho de Nikopol que está à procura de seu pai por motivos de autoesclarecimento. Nessa história, os casos políticos voltam às atenções ao ambiente particularmente estranho no Equador devido a um grupo anarcoterrorista que controla a cidade. Com a reaparição da pirâmide nos céus do mundo inteiro, Outros Deuses Imortais procuram por Horus para cessar seus atos de rebeldia, pondo um fim definitivo. A história se completa formando um ciclo que promete continuar no ano de 2064, segundo a nota do autor. A parceria entre o deus e o homem tem um fim no reencontro acidental entre Nikopol e sua amada Jill.

    Para uma história de ficção científica, Enki Bilal insere elementos bem diferentes do comum. A aparição de deuses egípcios, em contraponto com o governador na primeira história, destaca a veia cômica do autor, mostrando como esta visão futurista está rendida à moda e aparência a tal ponto de desumanizar-nos. Ainda que haja a inclusão de personagens alienígenas, os pobres decadentes não são base da história, são apenas um apelo ou crítica política às questões raciais e sociais renegadas, expostas de forma fria e particular pelo autor para mostrar o quanto a sociedade ruiu com o passar do tempo.

    Na segunda parte da terceira história, vemos um futuro menos colorido e mais cinza do que o primeiro, perdendo o tom sarcástico das cores de roupas e maquiagens e ganhando maior liberdade, principalmente as mulheres. A sociedade se encontra mais miscigenada, porém a história é ainda mais centrada em mostrar o que acontece com os personagens principais, desta vez com uma mensagem diferente que a anterior. Apesar de retornar com possíveis críticas a empresas que se dizem benfeitoras e munidas de recursos, mas que não fazem nada que não seja para bem próprio, a história do último ato é como um final feliz, talvez com um plot twist no final para alguns.

    O final mostra brevemente o quanto os personagens principais se gostavam a ponto de ter que se separarem para continuarem a viver em paz. Mas também volta com um pouco mais de humor, principalmente com a questão do Chess-Boxing, ausente na segunda parte. É uma história bem psicodélica, cheia de formas Kafkianas. Um belo thriller no estilo de Blade Runner.

    Lançada em volume único com capa dura pela editora Nemo, a Trilogia Nikopol também traz artes extras de Enki, além de algumas notas extras ao final de cada edição. Quanto ao filme, bem, terei de vê-lo novamente, pois a história da qual me lembro era um pouco diferente, como um apanhado destas três histórias. O filme foi escrito e dirigido pelo próprio Enki Bilal e com toda a certeza vale a pena conferir.

    Texto de Autoria de Bruno Gaspar.

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