Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Vocês Ainda Não Viram Nada!

    Crítica | Vocês Ainda Não Viram Nada!

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    Um filme, que na verdade é uma peça de teatro, dentro de outro filme em que os atores reproduzem a peça de teatro. Confuso? Nem tanto.

    O filme começa com vários atores – representando a si mesmos – recebendo um telefonema avisando do falecimento de um dramaturgo, Antoine d’Anthac (Denis Podalydès), autor da peça “Eurídice”, encenada por esses atores, em épocas diversas. O último desejo do falecido era reunir todos eles para que assistissem à filmagem da encenação dessa mesma peça por um grupo de teatro jovem, Compagnie de la Colombe, cabendo aos atores decidir se a nova companhia terá ou não autorização para apresentá-la.

    A peça baseia-se no mito de Orfeu, músico e poeta, que se casa com a belíssima Eurídice. A beleza dela atrai Aristeu, um apicultor, que, ao ter seus galanteios refutados, passa a persegui-la. Tentando escapar à perseguição de Aristeu, Eurídice pisa numa serpente, que a morde, causando sua morte. Inconformado com a morte da amada, Orfeu desce ao Inferno na tentativa de resgatá-la. Sua lira e suas súplicas emocionam Perséfone, que convence o esposo, Hades, a atender o pedido de Orfeu. A única condição é que Orfeu não olhe para Eurídice até que ela esteja novamente à luz do sol. Perto da saída do túnel, vira-se para confirmar que Eurídice o seguia. Ele a vê por um instante apenas antes de ela desaparecer para sempre. Orfeu passa então a vagar pelo mundo, sozinho, em total desespero.

    Durante a projeção, os atores presentes reencenam o que se passa na tela, mesclando teatro e cinema. A proposta é, a princípio, bastante original e criativa. Nos momentos iniciais, paira a dúvida sobre o que realmente está acontecendo. São os atores, representando a si mesmos, vivenciando aquelas situações ou são os personagens? Solucionado esse mistério, o interesse na trama vai decaindo. A reprodução das cenas por mais de um grupo de atores deixa o filme cansativo após a primeira meia hora, enquanto o espectador ainda está descobrindo o jogo metalinguístico proposto pelo diretor.

    Interessante notar o contraste entre os dois “cenários”. Enquanto a mansão de Anthac é ampla, grandiosa e ostensivamente elegante – lembra demais um palco de teatro – , o cenário usado pela Compagnie de la Colombe é um galpão meio sujo, despojado, com poucos elementos de cena. E, enquanto o espectador assiste ao filme da peça e é convidado a imaginar os ambientes, quando os atores veteranos reencenam, em muitos momentos Resnais os coloca em cenários “imaginários”, já que o salão em se encontram contém apenas os sofás em que estão sentados. Em vários momentos, o tom surrealista é reforçado pela iluminação e pelo jogo de luz e sombra, criando uma sensação de sonho.

    É nítida a intenção de homenagear o teatro e glorificar o ator como peça essencial ao dar vida aos personagens, mas o exagero das encenações poderia ter sido evitado. Some-se a isso a complexidade da estória de Orfeu, por si só bastante carregada, e tem-se um desenvolvimento lento que termina por desperdiçar uma boa premissa.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Frequência Global – Volume 1

    Resenha | Frequência Global – Volume 1

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    Frequência Global é uma graphic novel de sci-fi escrita por Warren Ellis, misturando o conceito de flash mobs – ou, melhor, ampliando o conceito para smart mobs – com super-heróis sem máscaras, capas esvoaçantes ou roupas colantes. Cada volume é composto por seis estórias, cada uma delas desenhada por um ilustrador diferente. As estórias são fechadas e independentes entre si, podendo ser lidas aleatoriamente.

    O roteiro traz um grupo de pessoas – 1001, a partir da primeira estória – espalhadas ao redor do mundo. Quando as soluções formais não funcionam, alguns deles são acionados para “salvar o dia”, de acordo com sua proximidade com a fonte do problema. Miranda Zero, líder do grupo, é a mulher responsável pelo recrutamento, escolhendo as pessoas de acordo com suas habilidades – soldados, engenheiros, mágicos, psicólogos, atletas, entre outros. Todos têm um celular especial, através do qual são contactados por Aleph, uma cyberpunk responsável por toda a comunicação do grupo. Tem um quê de Missão Impossível, aliás, tem o formato ideal para se tornar uma série de tv.

    1 – Bombista, ilustrada por Garry Leach

    Nesta estória, Miranda Zero recruta o milésimo primeiro membro do grupo, Ivan Alibekov, um físico soviético que irá ajudar os agentes no local – John Stark, ex-soldado, e Alison Fitzgerald, piloto de helicóptero – a neutralizar Janos Voydan – um paranormal com poderes telecinéticos, com um implante no crânio prestes a explodir.

    2 – Roda Gigante, ilustrada por Glenn Fabry

    Miranda Zero comanda um time formado por uma soldado, uma ex-agente com um braço robótico, um cientista e um atirador de elite a fim de resgatar pessoas de um complexo militar em que um homem biônico está descontrolado.

    3 – Invasão Ideal, ilustrada por Steve Dillon

    Dentre todas as estórias deste volume, esta é sem dúvida a mais interessante conceitualmente e a melhor explorada. As demais não são ruins mas apesar da maneira incomum como os problemas são solucionados, são ideias que estamos mais acostumados, que comumente vemos em filmes de espionagem e/ou de super heróis.
    Miranda Zero reúne uma especialista em neurolinguística, dois soldados e mais uma equipe de segurança a fim de conter uma infecção causada por um meme disseminado por uma transmissão de rádio.

    frequencia global #1

    4 – Cem Celestiais, ilustrada por Roy Martinez

    Aleph contata dois fora-da-lei, Danny Gulpilil e Jill Cabot, para evitar uma típica ameaça terrorista. Um grupo de fanáticos toma veneno com o intuito de atingir o “próximo mundo”, sequestram 30 pessoas e ameaçam detonar a bomba ligada a elas caso suas exigências não sejam atendidas. A propósito, a cena de invasão do prédio é muito Neo e Trinity resgatando Morpheus.

    5 – Céu Grande, ilustrada por David Lloyd

    A explicação científica de fenômenos ditos “sobrenaturais” é sempre muito interessante. Nesta estória, Miranda reúne um time bastante incomum – uma parapsicóloga e um mágico – para encontrar a causa e, consequentemente, o tratamento para a catatonia que acometeu os moradores de uma pequena cidade isolada, após o incêndio da igreja.

    6 – Na Corrida, ilustrada por David Baron

    Nesta, Aleph contata uma praticante de parkour para atravessar a cidade e chegar ao local em que um terrorista ameaça detonar, no centro de Londres, um dispositivo que contaminaria a cidade com o vírus Ebola. A estória é bem simples, mas as ilustrações sustentam bem a estória que praticamente acompanha apenas uma personagem.

    A edição da Panini é bastante caprichada, com capa dura e papel especial. Contém uma introdução escrita pelo jornalista Fábio Fernandes, contextualizando a obra de Ellis. A tradução poderia ter sido um pouco mais cuidadosa. Por vezes, a utilização de termos menos coloquiais acabam tirando o leitor do clima da estória. Enfim, uma leitura instigante e, ao mesmo tempo, divertida, que deixa aquele gostinho de “quero ler as outras estórias”.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

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  • Resenha | O Viajante: Contra o Tempo – Vol. 1

    Resenha | O Viajante: Contra o Tempo – Vol. 1

    Stan Lee é um nome que dispensa qualquer apresentação. O que muitos talvez não saibam, porém, é que ele tem estado bastante ativo nos últimos anos. Além das aparições nos filmes da Marvel, “The Man” esteve em alguns projetos para a televisão e nunca deixou de lado os quadrinhos. O Viajante, publicado originalmente nos EUA pela Boom! Studios como uma série em 12 números, chega agora ao Brasil com suas quatro primeiras edições reunidas em um encadernado. O lançamento é da Mythos Editora, pelo selo Mythos Books.

    A história mostra o surgimento de um misterioso super-herói denominado Viajante, que aparece para impedir que vítimas aparentemente aleatórias sejam assassinadas por seres superpoderosos chamados de Homens Nanossegundos. Com diversas habilidades ligadas à manipulação temporal, O Viajante parece saber exatamente onde e quando os vilões vão atacar, e demonstra ter objetivos próprios muito mais complexos do que simplesmente bancar o bom samaritano.

    Apesar de estar creditado somente como co-criador, e os roteiros propriamente ditos serem de Mark Waid (de O Reino do Amanhã e diversas outras histórias ao longo das últimas décadas), o estilo de Lee é curiosamente mais identificável que o de seu colega. A começar pelo didatismo bem anos 60, quando o Viajante explica seus poderes em longos discursos e monólogos. É algo que hoje gera uma estranheza, mas não chega exatamente a incomodar. Outro ponto é que o herói se mostra bem-humorado, faz piadas em vários momentos, mas esconde uma tragédia pessoal como motivação pra seus atos. Alguém aí pensou “Peter Parker”?

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    Mas aquilo que talvez seja o maior carimbo do lendário escritor seja fazer de O Viajante uma história de super-herói. Pois, analisando friamente, isso não era necessário. Tirando o herói e os vilões usarem uniformes estilosos (sem razão aparente ou estranheza por parte de um mundo, até aquele momento, normal), a trama é toda de ficção científica. O Viajante não salva ninguém só por salvar, não faz nenhum ato heroico que não seja perfeitamente calculado para preservar o fluxo temporal. Ele é, então, um verdadeiro “herói”?

    Talvez isso seja melhor explorado nas próximas edições. O que temos por enquanto é uma boa história, com ritmo ágil e conceitos interessantes de viagem no tempo, sugerindo algo cíclico mas ao mesmo tempo deixando em aberto a possibilidade de modificações. Além, é claro, das questões muito familiares envolvendo poder, responsabilidade, perda e sacrifício. Os desenhos são de Chad Hardin, ainda pouco conhecido apesar de ter feito alguns trabalhos para a Marvel e a DC. Aqui, sua arte é totalmente genérica dentro do que se vê em comics, mas pode ser elogiada por ser “fácil aos olhos”, ajuda na fluidez da narrativa.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Depois da Terra

    Crítica | Depois da Terra

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    Muitos anos depois de os humanos serem responsáveis por uma catástrofe de proporções suficientes para destruir as condições de sobrevida na Terra, obrigando-os a se retirar do planeta, a humanidade encontra-se estabelecida em Nova Prime. Cypher Raige (Will Smith), general lendário que foi peça importante na colonização do novo planeta, garante à sua esposa, Faia (Sophie Okonedo), que após mais uma missão irá se aposentar. Na tentativa de aproximar-se do filho de 13 anos, Kitai (Jaden Smith), leva-o junto na viagem. Ao ser atingida por uma tempestade de asteroides, a nave em que estão realiza um pouso forçado – ou, melhor, cai – num planeta perigoso que, por acaso, é a Terra.

    Aliás, acasos, ou pré-condições para a trama se desenrolar, não faltam. Vejamos. Por acaso, pai e filho são os únicos sobreviventes humanos. Por acaso, o dispositivo para acionar o resgate está destruído. Por acaso, existe outro, mas está na traseira da espaçonave que, por acaso, caiu a 100 km de distância. Por acaso, Cypher fraturou ambas as pernas na queda e não tem condições de acompanhar o filho na busca. E, por acaso, um monstro predador de humanos, um(a) Ursa, que estava sendo transportado na nave, conseguiu sobreviver à queda. E, também por acaso, Cypher foi um dos primeiros a dominar a técnica necessária para derrotá-los.

    E com essa introdução, não é muito difícil antever o que se segue. Aliás, o roteiro não decepciona nesse quesito, pois é totalmente previsível. Não há qualquer surpresa, ou reviravolta súbita durante todo o filme. Não há ousadia alguma. Os clichês se acumulam – o filho que tenta impressionar o pai, o pai que o julga culpado pela morte da irmã, a necessidade de interação, o confronto, e por aí vai. Há até uma frase de efeito – “Danger is real, fear is a choice”, dita por Cypher – que tenta sem sucesso transformar a corrida contra o tempo de Kitai numa espécie de jornada espiritual ou num ritual de passagem. Certamente, por esses motivos (e mais alguns), apesar de se desenrolar em pouco mais de uma hora e meia de filme, a trama dê a impressão de se arrastar por infindáveis minutos.

    Quanto aos absurdos, há vários, mas dois especificamente abusam da suspensão de descrença e fazem o espectador comentar irritado: “Isto não faz o menor sentido!”. Um deles refere-se a uma auto-cirurgia que Cypher faz em uma das pernas para reverter um problema circulatório devido à fratura. E outro é digno de um filme Disney, quando Kitai consegue um amigo/protetor improvável, durante a sua jornada. Se o espectador ainda estiver tentando levar a estória a sério, esses dois momentos se encarregam de fazê-lo desistir.

    Num filme em que o desenvolvimento da estória se apoia em apenas dois personagens, espera-se que ao menos as atuações sejam memoráveis. Contudo isso não ocorre. Will Smith passa praticamente todo o tempo tentando assumir um ar autoritário e arrogante, mas consegue apenas fazer cara de quem comeu e não gostou. Enquanto que Jaden Smith não vai muito além, e passa a maior parte do tempo com cara de cachorro perdido, se lamentando.

    Enfim, se o espectador abstrair a enorme quantidade de acasos e relevar os absurdos, o filme consegue cumprir a função de entreter. Mas apenas isso. M. Night Shyamalan, mais uma vez, decepciona.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Turistas (2012)

    Crítica | Turistas (2012)

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    O cinema britânico vem nos dando algumas ótimas comédias no últimos anos, principalmente aquelas encabeçadas pela dupla Edgar Wright e Simon Pegg. Apesar de ambos não serem os responsáveis diretos por Os Turistas (Sightseers), Wright é o produto deste longa, o que pode ser considerado um indicativo de um mínimo de qualidade.

    O diretor Ben Wheatley foge dos estereótipos clássicos, e cria outros um pouco fora do comum, ao retratar um casal de ingleses em uma viagem pelo interior do país a fim de conhecerem paisagens e lugares pitorescos da Inglaterra. Chris (Steve Oram) é o novo namorado de Tina (Alice Lowe). Ele quer levá-la nessa viagem e compartilhar suas experiências com ela, que é dominada por uma mãe ciumenta e possessiva em um nível doentio, que passa de uma gentileza a ofensa em segundos, causando desconfortos até no espectador.

    O longa se inicia na preparação da viagem, e podemos conhecer um pouco da personalidade de cada um, além do cotidiano da vida de pessoas simples da Inglaterra. Porém, um simples evento que parece acidente, transforma toda a narrativa do filme, que passa de um simples road movie a uma escalada de violência de Chris, que descobrimos ser um serial killer. Para nossa surpresa, o medo de rejeição de Tina a faz aceitar, abraçar e até compartilhar e tomar gosto das mortes de Chris conforme a viagem avança, tudo para agradar ao namorado.

    E a partir daí o filme adota um tom de uma comédia de humor negro ácida e seca, com doses às vezes exageradas de violência gráfica contrastando com situações bobas e inusitadas, bem ao estilo comedido inglês. Acostumados como estamos ao cinema policial norte-americano, o fato de os dois assassinos sempre escaparem ilesos e sem deixar pistas dos assassinatos causa estranheza, mas ao mesmo tempo é feito com um realismo que convence, pois sabemos que na vida real o trabalho policial é mais difícil do que seriados como CSI nos mostra.

    Os problemas começam quando Tina sente ciúmes de Chris e mata uma mulher sem os cuidados necessários, o que faz a polícia obter uma descrição de ambos. E aí podemos ver Chris justificar suas mortes: Ele só executa quem, de alguma forma, merece, como todo serial killer pensa fazer, enquanto ela matou por puro capricho. Isolados e fugindo da polícia, o casal pensa ter se encontrado e se entendido de tal forma que sugerem um pacto, e o final do filme nos mostra a evolução de Tina, que de uma personagem totalmente submissa e controlada, passa a ser a dominadora em uma relação doentia, nos fazendo perguntar a partir de que ponto ela deixou de ser dominada por Chris e passou a controlá-lo.

    Apesar de não garantir gargalhadas espalhafatosas, Os Turistas é um bom filme, que às vezes se perde em estabelecer o tom ou em abusar dos recursos gráficos para demonstrar a violência dos assassinos, porém, consegue manter o ritmo e diverte o espectador.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | O Eterno Barnes – Salustiano Luiz de Souza

    Resenha | O Eterno Barnes – Salustiano Luiz de Souza

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    O primeiro romance de Salustiano Luiz de Souza parte de uma premissa bastante interessante: um médico e cientista, o Doutor Barnes, pesquisa uma maneira de transferir lembranças, vivências, toda a informação armazenada em um cérebro para outro corpo, criando imortalidade.

    A ideia de burlar a morte do corpo com a transferência do “cérebro” não é nova: Michel Houllebecq a utiliza em seu amargo A Possibilidade de Uma Ilha e Cory Doctorow, nome famoso da ficção científica atual, em “Down And Out In The Magic Kingdom”. A questão óbvia é: o que torna um indivíduo ele mesmo? Podemos trocar de corpo infinitamente e ainda assim ser a mesma pessoa? O que é a imortalidade?

    Salustiano toca em todas essas questões e seu protagonista, o obcecado Doutor Barnes, é fascinante. Barnes navega entre a ambição, a paixão pela ciência e um egoísmo desenfreado. Entretanto, e infelizmente, ele é o único personagem tão multidimensional do romance. A trama acompanha a obsessão de Barnes em se tornar imortal e todos os envolvidos com sua loucura: a médica que ele namora, uma secretária alpinista social, o professor do departamento de informática que o ajuda e, por último, o diretor do hospital. Condenado a morte por um câncer, Barnes não se move apenas para vencer a morte, mas para escapar a própria morte e acaba alcançando um final perturbador.

    O problema começa com as personagens femininas, ambas são estereotipadas e vazias. Tatiana, a secretária ambiciosa que acaba sem querer envolvida na história, é racional, fria, extremamente sexualizada e desprovida de sentimentos. Por outro lado, Lourdes, a namorada de Barnes, cai no estereótipo da médica “sentimental e humana” que se opõe aos homens mecanicistas e racionais. Os homens indicam sentimentos conflitantes (ainda que esses não sejam desenvolvidos) e uma certa profundidade que nunca aparece, mas as duas personagens femininas são repetição de clichês.

    Também é clichê a prosa do autor: O Eterno Barnes não é um livro mal escrito, mas se beneficiaria imensamente de um editor que cortasse expressões lugar comum como “pedaço de mau caminho” e repetições . Souza se perde entre emular a fala coloquial e escrever de forma correta e assim seus diálogos soam falsos e a narração do livro não encontra seu tom. Incomoda também a mania do autor de citar frases famosas com a fórmula “como já dizia o poeta/filósofo”, isso, aliada ao excesso de termos técnicos, faz com o que o livro às vezes pareça uma exibição de erudição. Falta inserir as influências no texto, digeri-las, ao invés de cita-las como em um trabalho acadêmico.

    O Eterno Barnes toca em questões éticas delicadas e as explora de forma satisfatória. Seu protagonista é um homem interessante e bem desenvolvido, no entanto, ao joga-lo em um mar de personagens mornos e uma escrita cheia de clichês o autor retira sua força e perde o que poderia ser um livro excelente. A história é imaginativa e contundente e vem como uma boa novidade para um país com pouca tradição em ficção científica, mas se perde na falta de controle da escrita.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Vigaristas

    Crítica | Vigaristas

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    Após ter visto o bom filme Looper e o excelente A Ponta de um Crime, descobri que o diretor Rian Johnson tinha mais um filme, chamado Vigaristas (The Brothers Bloom), de 2008. Por ser o segundo filme de Johnson, o elenco famoso chega a impressionar, pois conta com Mark Ruffalo, Adrien Brody e Rachel Weisz como protagonistas.

    O filme conta a história de dois irmãos, Stephen (Ruffalo) e Bloom (Brody), que desde crianças, por serem órfãos e trocarem sempre de lar adotivo, aprendem a dar golpes e enganar pessoas, mas Stephen faz questão de, nestes golpes, usar uma teatralidade para maximizar o efeito e fazer com que a vítima não perceba que caiu no golpe. Ao mesmo tempo, o filme estabelece desde o início a relação conturbada de Stephen e Bloom, pois este último não se sente feliz ao ver que sua vida toda, desde criança, foi ser um personagem nos elaborados golpes do irmão, sem nunca poder ter tido uma experiência de vida real. Porém, tudo isso irá mudar quando os irmãos combinam em dar um último golpe na milionária e solitária Penélope (Weisz).

    A partir daí, o filme usa e abusa do recurso das camadas de histórias e de golpes em cima de golpes, que vão se desenrolando e tentam a todo instante confundir e instigar o espectador a tentar descobrir se aquela situação (e o risco envolvido nela) é real ou apenas mais uma parte do golpe dos irmãos. Essa estratégia, quando estabelecida, diverte, mas com o aprofundamento das camadas e a rapidez dos eventos, personagens e situações, o filme acaba perdendo a densidade e ficando confuso, nos fazendo prestar atenção mais nos pormenores da história do que nos personagens e suas nuances em si.

    Também com um ar nostálgico e um pouco noir, mas diferenciando do tom de A Ponta de um Crime, Vigaristas possui um toque de comédia dramática, flertando também com os filmes de assalto dos anos 70. Essa característica retrô do filme está muito presente nas roupas, penteados, acessórios e veículos usados pelos personagens, apesar de o filme se passar em nossa época. Pelo tom dos diálogos, trilha sonora e todo um universo indie, o filme chega a lembrar muito Wes Anderson e talvez por essa tentativa forçada de se encaixar nesse universo lúdico, falhe em aprofundar os personagens e suas relações de uma maneira mais real e arriscada, pois em momento algum sentimos que essas relações do filme estão em risco, pois pelo foco excessivo na trama e nas subcamadas dos golpes, os personagens acabam ficando em segundo plano, prejudicando o clímax, que seria justamente sobre eles.

    Porém, cada ator executa perfeitamente seu papel e apesar das falhas, o filme traz cenas memoráveis sem apelar para a infantilidade gratuita do cinema indie, como quando Penélope embaralha as cartas fazendo um truque e conta sua história de vida, pois são essas cenas que estabelecem os personagens e suas motivações. E o principal problema do filme foi, ao final, deixar isso de lado para se render a um final teatral e digno aos personagens, mas que não disse muito ao espectador, já que naquele momento da narrativa, a expectativa era tão grande que qualquer evento espetacular pareceria trivial, como de fato pareceu.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Marselhesa

    Crítica | A Marselhesa

    A Marselhesa

    “A Marselhesa” é o nome dado ao hino nacional da França, composto em 1792 como uma canção revolucionária e que ganhou popularidade entre as unidades militares dos Marselheses na Revolução Francesa. Jean Renoir, notório cineasta francês, também conhecido pelos seus trabalhos nas películas La Grande Illusion (1937) e The Rules of the Game (1939), vai realizar uma rigorosa pesquisa histórica para retratar um dos mais significativos fatos históricos do mundo.

    O filme, produzido entre os anos de 1937 e 1938, vai acompanhar um breve intervalo que se inicia com a tomada da Bastilha em 1789 e que segue até a marcha do exército revolucionário na defesa das fronteiras em 1793 e a deposição do rei Luís XVI, dando ênfase para pequenos grupos de revolucionários da região da Marselha, os quais se dirigiram para Paris, somando forças de guerra para lutar contra os monarquistas – apoiados por tropas prussianas.

    O primeiro ponto a ser destacado do filme de Jean Renoir é a frase com que se inicia o longa metragem: “Crônica de alguns fatos que contribuíram para a queda da monarquia”. Desde o começo, Renoir deixa claro que não possui pretensão de fazer um relato histórico definitivo do período retratado. Diz isso mesmo tendo declarado posteriormente que foi o único trabalho da carreira dele em que se propôs a fazer uma intensa pesquisa documental, tendo criado apenas 1/3 das falas do filme.

    Guardas do rei marcham dentro do castelo e trocam de formação. A disciplina dos soldados e a beleza do ambiente do castelo é a primeira cena do filme. O Duque de La Rochefoucauld-Liancourt (William Aguet) pede um encontro com o rei Luis XVI (Pierre Renoir), que o recebe enquanto ainda estava na cama, recém-acordado e comendo. “É uma revolta?”, pergunta o rei. “Não, senhor. É uma revolução”. Esse simples diálogo é suficiente pra mostrar que estava por vir o maior medo dos monarquistas à época. Já era uma realidade.

    Na sequência, somos apresentados a Anatole Roux, mais conhecido como o “Cabrito” (Édouard Delmon), um velho homem miserável que acabara de matar, com um estilingue improvisado, um pombo que estava devorando sua colheita. Subitamente, um guarda real, juntamente de seus soldados, o aborda declarando a ilegalidade do ato de matar um suposto “pombo real”. Os soldados o levam a júri, onde o Cabrito poderia pegar uma sentença de morte na forca, se não tivesse conseguido fugir antes disso. Renoir explora a cena de maneira sutilmente cômica ao mostrar os exageros da suposta lei, que obviamente protegia a aristocracia e não o povo francês. Aqui já somos apresentados aos dois lados de tratamento e à predominante desigualdade social vivida pelos franceses. De um lado, uma nobreza que esbaldava toda a riqueza e o luxo de uma nação, enquanto no seu jardim jaziam pessoas miseráveis, sofrendo da justiça unilateral.

    Fugindo para as montanhas, Cabrito se encontra com Jean-Joseph Bomier (Edmond Ardisson) e Honoré Arnaud (Andrex), dois cidadãos que estavam escondidos nas montanhas por estarem fugindo “da justiça dos aristocratas”, os quais vão se tornar parte fundamental da história contada por Renoir. A ênfase à “justiça dos aristrocratas” por Arnaud deixa claro o descontentamento de um povo que já não aceitava mais os atos de ostentamento e tirania vindos de uma pequena parcela da população, que representava a elite francesa.

    A partir desse ponto do filme, Renoir vai acompanhar o caminho desses dois patriotas, lutando pela liberdade dos seus iguais. A maneira como o cineasta direciona a narrativa, passando de uma figura a outra até chegar nos dois personagens, é sutil e mostra qual a maior preocupação do filme: narrar a história através das pequenas ações de pessoas ordinárias. Nas reuniões dos agrupamentos revolucionários, suas assembleias fervorosas de ideais democráticos e pacifistas e o espírito patriótico de um povo que preza pela liberdade. Inclusive temos o surgimento do futuro hino nacional francês, que serviu de inspiração ao esforço de todos os cidadãos em igualdade e na busca de um futuro justo.

    Jean Renoir é um pacifista. Imagina-se que, em um filme que retrata um período tão conflituoso como a Revolução Francesa, seria mais violento em sua representação gráfica. Porém, Renoir prefere explorar outro lado do movimento. Há apenas uma sequência de cenas em todo o filme que representa graficamente uma batalha armada. Ao invés disso, na maior parte do filme, temos a exploração do espírito democrático e de união de um povo. Renoir, por ter participado de uma guerra e visto de perto as consequências trazidas pela mesma, rechaça as ações voltadas diretamente para a violência. Valoriza a vida humana e sua dignidade, e a violência existe apenas em forma de resposta, no caso do filme, quando os monarquistas tentam tomar a liberdade do povo francês. Inclusive, a escolha do cineasta em terminar o filme em 1792, com os soldados indo para mais uma batalha, demonstra que a violência da guerra não era o mais importante na análise daquele momento histórico. Os sacrifícios foram, sim, importantes, mas mais do que isso foram as histórias de cada um dos homens que fez parte da história da França.

    Renoir queria que seu filme trouxesse rejuvenescimento ao orgulho nacional e à unidade dos cidadãos franceses em um contexto de crise que a França sofria à época. A Marselhesa não conta apenas a história de uma revolução, mas dos dilemas pelos quais a França passava também em um período de crise e quase dentro de mais uma grande guerra.

    Texto de  autoria Pedro Lobato.

  • Crítica | Eu Vi o Diabo

    Crítica | Eu Vi o Diabo

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    Eu Vi o Diabo (I Saw The Devil), ou em seu título original Akmareul Boatda é o sexto filme da carreira do diretor sul-coreano Jee-woon Kim, o mesmo de Medo (Janghwa, Hongryeon ou A Tale of Two Sisters) de 2003 e que recentemente se arriscou no mercado norte-americano com o filme O Último Desafio, com Arnold Schwarzenegger.

    O cinema oriental e sul-coreano estão na moda faz alguns anos, e boas produções têm sido feitas neste país, principalmente nos gêneros suspense e terror. Eu Vi o Diabo, de 2010, vêm nesta mesma toada. A sinopse é a seguinte: Um policial de uma agência de elite da Coréia do Sul (que não é especificada) tem sua esposa (filha de um policial local) assassinada brutalmente por um serial killer. O marido então jura vingança e, com a ajuda do sogro, parte em busca dos suspeitos até encontrar o assassino e dar a ele uma dose de seu próprio veneno, até as coisas saírem do planejado. Até aí a premissa flerta com o desejo secreto de praticamente todos os seres humanos: a vingança nua e crua que todos desejariam colocar em prática caso algum membro de nossas famílias sofresse o mesmo destino da mulher do policial.

    Com 2h23 de duração, o longa estabelece muito bem os personagens, o conflito e a trama logo na primeira meia hora. O que segue a partir daí é o plano do marido, Kim Soo-hyeon, em perseguir o assassino como ele persegue suas vítimas. Porém, apesar de no início a premissa ser empolgante, as sequências de perseguição e violência vão aumentando e causando um certo desconforto, não só pela apelação gráfica, mas sim pela falta de tensão. De um cenário de mundo real, o filme vai adquirindo contornos mais americanizados de super-policiais que conseguem fazer de tudo a toda hora, desde manejar vários tipos de armas até lutar de várias formas com várias pessoas ao mesmo tempo, o que faz o filme destoar da proposta inicial.

    A fotografia, que mostra uma moderna Coréia do Sul em pleno desenvolvimento em contraste a uma pobreza tradicionalista que teima em sobreviver frente ao furacão do capitalismo, é interessante e ajuda a entender o embate entre o comportamento brutal de um lado dessa sociedade com a civilização, que falhou em compreender e cooptar as contradições desse processo.

    As cenas brutais de violência no começo também conseguem chocar pela maneira crua e fria que são filmadas, mas este mesmo excesso causa, no decorrer do filme, uma banalização dessas cenas, que ao invés de chocar, passam a incomodar, pois deixam de acrescentar algo que faria diferença na história e soa mais como apelação do que efeito narrativo. A suposta lição dada ao policial pela sua hesitação tanto em resolver o caso por conta própria, quanto para abandoná-lo e deixar nas mãos dos policiais, soou infantil, além de mal resolvida, pois sua vingança contra o assassino passa a atingir outros níveis, mas em momento algum oferece redenção ou mesmo uma explicação para as ações do protagonista, que deixa de ser um justiceiro passional para ser outro fora-da-lei sem razão.

    Em geral o filme possui bons momentos e uma boa premissa, mas o fetiche sadístico do diretor acaba prejudicando a excelente ideia inicial e o foco de sua narrativa.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Grande Gatsby (2013)

    Crítica | O Grande Gatsby (2013)

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    Baz Luhrmann é um cineasta conhecido por seus filmes exuberantes: cenários barrocos, trilha sonora rica e cenas apoteóticas. Romeu + Julieta e Moulin Rouge, seus melhores filmes, são belos exercícios visuais onde a estética característica de Luhrmann reforça e ambienta a história contada. O Grande Gatsby é o oposto disso.

    O romance de Fitzgerald fornece uma história sutil, construída em detalhes e subtexto e cuja força está justamente naquilo que não é contado.  A trama é contada por Nick Carraway, jovem recém-saído de Yale com um emprego no mercado financeiro de Manhattan e um pequeno chalé em West Egg, região de Long Island onde vivem os novos ricos. Nick é vizinho de Jay Gatsby, o homem misterioso que dá festas homéricas, mas de quem ninguém sabe nada. Gatsby se aproxima de Nick para chegar em sua prima Daisy Buchanan, que vive com o marido em East Egg, o lado do dinheiro tradicional, e com quem Gatsby, anos antes, teve uma história.

    A história é simples, mas as relações entre os personagens, a relação deles com o dinheiro e o poder e a função desse dinheiro na identidade de um indivíduo são o que está realmente em questão Tudo isso presente apenas por baixo de diálogos ácidos e ações frívolas.

    No filme de Luhrmann não há nada por baixo. Ele constroi maravilhosamente a estética e o espírito dos anos loucos, seu filme não é apenas visualmente impressionante, é frenético e excessivo como foram os anos 20 e nisso o diretor acerta muito mais do que Jack Clayton, responsável pela morna adaptação de 1974.  A essa estética se alia a trilha sonora carregada de hip hop organizada por Jay Z: a estética de opulência do hip hop é quase a versão atual das festas desproporcionais do “novo rico” Jay Gatsby, é um paralelo interessante e uma ironia fina.

    Mas essa ironia é o único sinal de acidez, crítica ou descontrução em todo o filme. Luhrmann toma uma história sobre a podridão do sonho americano e as falsas promessas feita por ele e a transforma em ode à esperança. Gatsby não ama Daisy, ele a confunde com a identidade que deseja para si mesmo e o filme chega mesmo a explicar isso, de forma bastante didática, apenas para logo em seguida voltar a ser uma história de amor.

    O didatismo, aliás, é um dos maiores problemas do filme, comprovando mais uma vez o pouco talento de Baz Luhrmann para sutilezas. A narração em off é excessivamente presente e explica em detalhes o que os personagens pensam e sentem mesmo que os bons atores pudessem muito tem demonstrar isso de forma mais cinematográfica.  Essa necessidade de ser explícito e literal gera inclusive soluções feias e absurdamente clichês, como palavras surgindo na tela quando um personagem escreve uma carta.

    Por outro lado, enquanto o diretor retira toda sutileza e subtexto do filme, os atores injetam nuances em suas interpretações. A Daisy de Carey Mulligan é ao mesmo tempo frágil, vulnerável e sedutora, a sua consciência de si mesmo, exaustão e frivolidade convivem de forma ambígua e encantadora. Leonardo DiCaprio é um Gatsby artificial, duro, ansioso e pouco confiante e deixa o espectador vislumbrar todo o vazio de um personagem que tem muitas histórias.

    Há sem dúvida bons momentos em O Grande Gatsby, principalmente quando Luhrmann se afasta um pouco, dá tempo de respiro e deixa seus atores e o universo de Fitzgerald trabalharem. Entretanto, na maior parte do tempo tudo que vemos são milhões de planos muito curtos, uma montagem muito rápida e infinitos elementos em cena. É um videoclipe muito bonito, mas em que as cenas se sucedem tão rapidamente e há tantos elementos em tela que é impossível identificar, e mais ainda digerir, qualquer coisa.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | A Parte dos Anjos

    Crítica | A Parte dos Anjos

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    Robbie (Paul Brannigan), um jovem desempregado prestes a ser pai, é sentenciado a cumprir algumas horas de trabalho comunitário depois de espancar um rapaz na rua por um motivo banal. No grupo de infratores que cumprem pena ao mesmo tempo que Robbie, ele encontra outras pessoas com o mesmo problema dele – ter vivido sempre à margem da sociedade e ter dificuldade em arrumar emprego. Robbie encontra também, na figura do supervisor do serviço comunitário, um amigo e um mentor no conhecimento de algo até então ignorado por ele – a degustação e apreciação de uísque. E Robbie entrevê, nessa nova atividade, uma possibilidade de mudar de vida, de começar uma nova vida com a namorada, Leonie (Siobhan Reilly), e o filho recém-nascido.

    Para os abstêmios ou não apreciadores de destilados, vale uma explicação sobre o título. A parte dos anjos refere-se àquele percentual de uísque que evapora dos barris de carvalho durante o envelhecimento. Lógico, tem a ver com a bebida “descoberta” pelos personagens, porém tem mais a ver com algo que ocorre na segunda metade do filme, mas que me abstenho de contar para não tirar a graça da estória.

    É um filme singelo que talvez fosse lembrado como apenas mais um filme escocês sobre as dificuldades do ingresso na vida adulta não fosse pela guinada no roteiro que ocorre a partir da segunda metade da trama. O filme deixa de ser uma estória dolorosa sobre problemas sociais e jovens infratores para se tornar uma aventura no melhor estilo sessão da tarde, em que ideias mirabolantes são postas em prática e conseguem ser bem-sucedidas a não ser por um percalço ou outro. Esse novo rumo surpreende o espectador e é nele que reside a leveza do filme, apesar de todo o non-sense das situações vividas pelos personagens. A mudança de tom e a nova abordagem da estória fazem toda a diferença no resultado final.

    A trajetória de Robbie remete ao herói injustiçado que recebe um dom, que será responsável pela rendenção do personagem. Robbie consegue, usando sua aptidão recém descoberta, vislumbrar a possibilidade de sair da vida marginal e imersa em violência em que se encontrava até o momento. E, contrariando a máxima de que o ambiente molda o caráter, decide tomar as rédeas da sua vida nas próprias mãos. Mesmo tomando um atalho a princípio – que leva o espectador a questionar se os fins justificam os meios -, livra-se do passado e dá um novo rumo à sua vida junto à sua nova família.

    O filme não é longo, e assim consegue manter o ritmo do início ao fim, sem “barrigas”. Os diálogos ágeis e ácidos ganham o espectador principalmente nas cenas em que o grupo se inicia na degustação – que apreciador já não passou por isso? Ser ridicularizado ao afirmar que um vinho, cerveja, uísque tem determinado aroma ou sabor – e durante a excursão a uma destilaria, em que o uso dos kilts causa consequências desagradáveis. O elenco central, praticamente desconhecido, tem boa empatia e convence como gauches na vida que tentam de alguma forma dar certo.

    É um filme despretensioso cujo sucesso reside na ambiguidade entre drama e comédia e que se torna bem sucedido justamente por não tentar misturar os dois gêneros e ainda assim conseguir manter o estilo do diretor, Ken Loach, e não deixar de lado a crítica social.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Arqueiro Verde: Ano Um

    Resenha | Arqueiro Verde: Ano Um

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    A história todos já sabem: jovem rico não quer nada com a vida, até que naufraga e vai parar numa ilha onde aprende a sobreviver com arco e flecha, quando volta pra civilização se torna um herói. A origem de alguns personagens da DC já é banal e muito conhecida, então recontar e atualizar essas histórias sempre é um desafio.

    E este desafio dessa vez caiu para Andy Diggle, no roteiro, e Jock, nos desenhos, na HQ Arqueiro-Verde: Ano Um. Para recontar ele coloca Oliver Queen como um viciado em emoção, criando assim algo para diminuir a estranheza de ele ter força e destreza, afinal para fazer algumas coisas isso é necessário. O roteiro é bem simples e linear, não tem reviravoltas nem surpresas, mas nem por isso deixa de ser agradável, embora algumas vezes você sinta um diálogo mais forçado.

    Os desenhos de Jock são muito bons, a composição de quadros e estilo dão a obra algo prazeroso de se ler. Páginas com muito branco não incomodam. Elas ajudam você a gostar da revista.

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    São poucos os personagens na história, já que ela é realmente focada no Queen. Além dele o personagem que mais aparece é seu segurança Harcket, que o acompanha nas aventuras e depois o trai por dinheiro. Oliver é carismático, e você sente esse carisma. Não é difícil se apegar a esse protagonista, além de ser o narrador, ele te conquista nas situações que passa. E por isso você não sente falta de outros personagens, ali é pra vermos a construção do arqueiro verde, e é isso 100% do tempo, não importam outros pontos de vista, importa apenas ele.

    Simplicidade, é o que define essa HQ, uma simplicidade em tudo, no roteiro, no desenho, nos personagens. Mas isso não faz dela ruim, recomendado para os que gostam do personagem, ou querem saber mais sobre ele, ou apenas querem ler algo sem conexão com o resto, sem necessidade de ler algo antes.

    Texto de autoria de André Kirano.

  • Crítica | Máquina Mortífera 4

    Crítica | Máquina Mortífera 4

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    Em 1998, a popular trilogia se tornou uma quadrilogia. Seis anos após o terceiro capítulo, a “gangue” toda se reuniu para uma última rodada de aventura e muita confusão. Sempre sob o comando de Richard Donner, Mel Gibson, Danny Glover e companhia entregaram um digno fechamento da saga com Máquina Mortífera 4. Como não poderia deixar de ser, uma grande homenagem àquilo que marcou a franquia: uma comédia de ação onde, muito mais do que trama, o foco são os personagens, sua humanidade e o (mais martelado do que nunca) fator família.

    Acompanhando a evolução do cinema de ação, tanto tecnológica quanto conceitual, temos aqui as cenas mais grandiosas e exageradas da série. A começar pela sequência de abertura, onde Riggs e Murtaugh enfrentam um incendiário blindado. A solução? Atirar no tanque de napalm do cara, causando um efeito dominó que explode o bandido, um caminhão tanque e um posto de gasolina. Coisa de fazer Michael Bay aplaudir com lágrimas nos olhos. A consequência inacreditável do evento é a promoção dos dois sargentos para capitães da polícia de LA. A “explicação” é que eles precisam ser retirados das ruas, pois o seguro do departamento se recusa a cobrir as constantes destruições do patrimônio público que eles promovem.

    Tal promoção acaba não fazendo nenhuma diferença, pra variar. Eles vão trombar por acaso com a ameaça da vez, uma operação de tráfico de escravos vindos da China que se desenrola numa grande conspiração envolvendo a Tríade, famosa máfia chinesa, falsificação de dinheiro e corrupção do governo chinês. Um plot confuso, que visivelmente é apenas uma desculpa para movimentar a história e colocar os personagens pra resolver algum conflito. Nada muito diferente dos filmes anteriores, se pararmos pra pensar.

    Na vida pessoal dos dois parceiros, a novidade é que agora inclusive Riggs se pergunta se não está “velho demais para essa m…”. Prestes a ser pai, considerando casamento, em quase nada ele lembra o maluco suicida de outrora. Essa evolução pode ser creditada tanto ao seu relacionamento com Lorna (Rene Russo) quando a longa convivência com Murtaugh e sua família. Roger por sua vez, não fala mais sobre aposentadoria, mas vai se tornar avô – e não sabe disso. Sua filha mais velha casou-se em segredo com o detetive Butters (Chris Rock, deslocado por estar num papel não assumidamente cômico, mas não compromete). Completando a turma, o veterano Joe Pesci mais uma vez como o surtado Leo Getz.

    E, em seu primeiro papel em Hollywood, Jet Li nos brinda com o melhor vilão da franquia. Com pouquíssimas falas (todas em chinês) e uma agilidade impressionante, ele passa o filme arrebentando a cara de Riggs. Além de criar uma aura tão ameaçadora que rende um momento impagável na batalha final, quando a dupla de heróis se borra de medo do chinesinho que tem metade do tamanho deles.

    Apesar de exagerar em alguns momentos, como a prolongada batalha final e a sequência pastelão/final de novela na maternidade, o filme se manteve fiel à sua proposta. Uma aventura movimentada e muito divertida, com o merecido final feliz para nossos velhos conhecidos. E ainda bem que a franquia não teve uma revisita que poderia estragar tudo isso.

    Texto de autoria de Jackson Good.

    Ouça nosso podcast sobre Máquina Mortífera.

  • Crítica | Além da Escuridão: Star Trek

    Crítica | Além da Escuridão: Star Trek

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    O novo Além da Escuridão – Star Trek comprova que J.J. Abrams conseguiu o que parecia impossível: unir todo o universo da franquia sem atrair a ira dos fãs – que levam muito a sério o assunto e costumam não ser tolerantes com o que consideram infidelidade. J.J. fez uma reciclagem de temas, conflitos e personagens. E obteve o que muitos filmes recentes não alcançaram: pegar um universo incrustado na cultura pop, fortemente associado a atores diferentes dos que dispõe e, de alguma forma, fazer com que todos se importem como antes, colocando o entretenimento de qualidade para caminhar lado a lado com a inteligência.

    Se, no primeiro filme que assinou, o diretor introduziu personagens famosos da série, optando por contar de onde eles vieram e como se tornaram cadetes, até virarem heróis, neste, J.J. esmiúça como as relações de respeito, amizade e carinho entre eles foram pavimentadas. O diretor usa o passado para criar algo novo. Presta uma grande homenagem à série, aos filmes e aos personagens. Se já tinha adiantado isso em relação a Kirk e companhia, ele agora causa impressão com outro ícone da franquia, o vilão Khan, o mais famoso de Jornada nas Estrelas, que ganhou uma roupagem completamente diferente na ótima interpretação de Benedict Cumberbatch (o Sherlock Holmes do seriado homônimo atualmente no ar na TV). O caso é o mesmo do Coringa de Batman, que, quando feito por Jack Nicholson no filme de Tim Burton, em 1989, parecia imbatível, até que Heather Ledger se apossasse do personagem na trilogia criada por Christopher Nolan. Este, por sinal, também foi uma influencia para J.J., não só nos temas, mas também nas belas imagens capturadas em IMAX, depois que o diretor de Star Trek assistiu, a convite do próprio Nolan, a O Cavaleiro das Trevas Ressurge.

    Apesar das várias referências que vão emocionar os fãs de primeira hora, Into Darkness também foi concebido para entreter o público que nunca foi ligado a esse universo. É um filme de ação feito com habilidade – um filme em que a ação está sempre a serviço da trama. É interessante que J.J., junto com o diretor de fotografia Dan Mindel, use o mínimo possível de truques de CGI nas cenas que envolvem atores e movimento – e, com isso, obtenha uma boa dose de realismo, mesmo nas sequências mais fantasiosas. Percebe-se que há uma aura de tensão constante sem que ela seja gratuita ou interfira na trama.

    Um grande mérito é que o novo filme faz exatamente o que a série sempre fez: usar um cenário futurista para fazer um comentário contemporâneo sobre algum tema em voga na sociedade – no caso, o terrorismo; suas causas e consequências; a legitimidade, ou não, de se criar uma guerra com o objetivo de eliminar uma ameaça futura; a necessidade bélica do ser humano; os limites do militarismo; e os que servem à guerra ao terror. Into Darkness apresenta alguns conflitos morais complexos, como os bons roteiros de Star Trek sempre fizeram. Um dos questionamentos parte de uma intenção de se matar um homem sem um julgamento justo, sob a alegação de que ele é terrorista. O filme é, em última instância, uma alegoria transparente de uma reação desproporcional contra um ato de terror. Bem de acordo com as crenças de Gene Roddenberry, a narrativa se concentra nos valores humanos e no papel do indivíduo dentro da sociedade. E, mesmo com tudo de espinhoso que o filme retrata, a visão otimista de Roddenberry está presente. Em Star Trek, o futuro convive bem com o passado: naves sobrevoam a cidade de São Francisco, enquanto os nostálgicos bondinhos continuam lá servindo a população.

    J.J. demonstra que, até a chegada desse otimismo, não foi fácil e houve uma longa caminhada. O roteiro de Roberto Orci e Alex Kurtzman recebeu um tratamento de primeira de Damon Lindelof, parceiro de longa data do diretor e também um dos responsáveis pelo fenômeno Lost na TV. Outra característica desse estilo de roteiro, que também esteve presente em Os Vingadores, sucesso no ano passado, é o aprendizado de lições de vida por parte dos personagens icônicos, como a do papel de um líder, para Kirk, e a da complexa fronteira entre a lógica e a sensibilidade, para Spock, isso tudo entre outros temas que se prestam ao escrutínio, como a amizade, a lealdade, a ética e as regras. Por trás da mensagem de “explorar novos mundos”, existe o descobrir a si mesmo.

    A descoberta de Spock é um tema à parte. O ator e diretor Leonard Nimoy, apesar de muito grato à sua vida profissional e de ser um entusiasta de Jornada nas Estrelas, logo quando a série clássica foi cancelada, foi o que mais renegou seu passado a serviço de seu personagem (inclusive, com o livro Eu Não Sou Spock). Mas é ele a ponte para a chegada do novo elenco. Esta é sua oitava participação em um filme da franquia feito para o cinema. São as ironias do destino – que é altamente ilógico.

    O mestre de J.J., o cineasta Steven Spielberg, também recebe seu tributo, engendrado na cena inicial – uma clara homenagem ao começo de Caçadores da Arca Perdida. Não é à toa que a célebre revista Cahiers Du Cinéma aponta J.J. Abrams como legítimo sucessor de Spielberg. E J.J. Já deu mostras de pode ir além: onde nenhum diretor jamais esteve.

    Texto de autoria de Mario Abbade.

  • Crítica | Reality

    Crítica | Reality

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    Matteo Garrone ganhou projeção internacional  em 2008 com Gomorra. Sua adaptação do polêmico livro de Roberto Saviano foi elogiado em festivais como Cannes e Veneza, e celebrado como um retorno do cinema italiano ao neorrealismo: filmes voltados para a crítica social e tão comprometidos com um retrato acurado da realidade que diversas vezes utilizavam amadores em vez de atores profissionais.

    Gomorra é um filme cru e violento, um soco na cara do espectador que em momento nenhum pede desculpas ou tenta amenizar o terror daquilo que conta. Reality é exatamente o contrário. O novo trabalho de Garrone é novamente filmado com não atores, no sul da Itália e falado em napolitano, mas é uma comédia, uma sátira ácida e divertida, um filme agradável sobre um tema tão pertinente quanto a máfia italiana.

    Luciano é um pescador de Nápoles, querido no bairro. Ele vive com sua mulher e filhas, todas elas obcecadas com a versão italiana do Big Brother. Um dia, em um passeio pelo shopping, ele decide se inscrever para a seleção apenas para que elas fiquem felizes. Um tempo depois Luciano é chamado para uma segunda fase do processo de seleção e passa a ficar obcecado com a ideia de se tornar uma estrela de reality show.

    O filme acompanha o crescimento do delírio e da paranoia de Luciano enquanto espera a convocação para o programa. Ele vende a peixaria, compra roupas novas, age como se tornar-se uma celebridade fosse questão de tempo. Poderia ser ridículo e engraçado, e é, mas é também patético e dolorido e Garrone acerta ao balancear e explorar todos esses sentimentos.

    Aniello Arena, que interpreta Luciano, não é ator, mas seu carisma é um dos grandes trunfos do filme. O personagem é simpático, amável e extremamente humano. Luciano se veste de mulher no casamento dos amigos, diverte os clientes da peixaria, canta e dança nas festas locais. Em sua comunidade, Luciano é um homem especial e a queda que ele sofre é justamente a descoberta de que no fundo ele é apenas ordinário.

    Em oposição a Luciano, o filme apresenta Enzo, um desses ex-BBBs que acabam se tornando celebridades por um mês graças a uma mistura de beleza e clichês de auto-superação. Enzo tem apenas uma frase de efeito, nenhum carisma, nenhum talento, mas a televisão fez dele uma estrela. Enzo foi escolhido entre milhões de italianos e, portanto, deve ter algo de especial, algo que o destaca da multidão e é essa confirmação, a confirmação de estar destinado a grandes coisas que Luciano aguarda.

    Reality é uma comédia, Aniello e Garrone constroem um Luciano simpático e garantem que o espectador ria o tempo todo de seus delírios de grandeza. Ao mesmo tempo o diretor não poupa acidez e não hesita em desnudar o que realmente faz com que reality shows tenham tanto sucesso e causem tanto fascínio. Ao contrário de Gomorra, aqui o tema incômodo vem embalado em açúcar, mas isso não diminui em nada a sua força. Reality é um filme incômodo, forte e com um final maravilhoso.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Resenha | Amor é Prosa, Sexo é Poesia – Arnaldo Jabor

    Resenha | Amor é Prosa, Sexo é Poesia – Arnaldo Jabor

    Adoro livros de crônicas. Coletâneas de pequenos textos são ideais para ler no corre-corre diário de quem estuda, trabalha e nem sempre tem tanto tempo para se dedicar a grandes obras (não só na qualidade, mas também na quantidade de páginas).

    Amor é prosa, sexo é poesia é uma coletânea de cronicas de Arnaldo Jabor, muito conhecido por seus comentários na Rede Globo e na Rádio CBN. Confesso que gosto de ouvi-lo na CBN, ainda que não concorde com muito de sua visão política, mas isso é outro papo.

    Embora o título do livro seja bem sugestivo, não espere encontrar grandes histórias envolvendo conflitos amorosos e sexuais. Na obra, há de tudo um pouco: amor, sexo, nostalgia, família, política, mais nostalgia, mais política… O fato é que as crônicas são opiniões e constatações do autor em relação aos mais variados temas, e na esmagadora maioria das vezes essa opinião reflete a desilusão com a modernidade dos costumes, o desapontamento com a moral vigente nos dias atuais e o desencanto com a política de sempre.

    O autor utiliza-se, no texto, do que sabe fazer de melhor: humor, sarcasmo, linguagem afiada e sem medo de ser politicamente incorreto; porém, o nome do livro não faz jus ao seu conteúdo. Parece que se trata de reflexões afetivas, mas trata-se de reflexões sobre tudo e sobre o nada.

    Em suma, é uma obra divertida em algumas partes, fácil de ler, reflexiva, porém peca em outros momentos quando trata de política e algumas nostalgias com reflexões muito peculiares do autor, que às vezes tornam o texto bem maçante e chato.

    Recomendo não tentar ler a obra de uma vez, como um livro normal. O ideal é ler poucos textos naquele momento em que não há nada para fazer, como em um metrô lotado.

    Arnaldo Jabor às vezes é controverso, moderno demais, liberal demais em suas crônicas televisivas e radiofônicas; entretanto, vemos um Jabor bem diferente em suas reflexões neste livro, que não é um livro para ser de cabeceira, mas é ótimo para passar o tempo.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Robson Rossi.

  • Resenha | Acima de qualquer suspeita – Scott Turow

    Resenha | Acima de qualquer suspeita – Scott Turow

    Scott Turow é autor consagrado quando se trata de thrillers jurídicos, best-seller em vários países. O livro que iniciou todo esse sucesso do autor e o primeiro de ficção a ser publicado por ele é o Acima de Qualquer Suspeita (Presumed Innocent), que inclusive virou filme, em 1990.

    A obra trata de Rozat Sabich, conhecido como Rusty, advogado de sucesso e de carreira sólida que um dia é informado da morte de uma colega de trabalho chamada Carolyn Polhemus, que foi vítima de um estupro e depois assassinada. Rusty acaba por ter de investigar o crime, e logo se revela que ele não era só um colega de trabalho da vítima. Rusty e Carolyn tiveram um romance secreto, já que ele sempre foi casado.

    No decorrer da história, Rusty vê a si mesmo envolvido nas circunstâncias misteriosas do assassinato e então é obrigado a provar sua própria inocência, mesmo com todos os fatos, provas e opiniões de amigos dizendo o contrário.

    O livro é daqueles que não se consegue parar de ler, já que sempre há uma mini-reviravolta e tensão no ar. A leitura é fácil e a história é muito dinâmica, sem se prender a jargões e clichês jurídicos. Toda a obra de Turow é muito clara e acessível. Em várias partes da história, temos revelações sobre as personagens no passado e presente e suas intrincadas relações, que, ao passar das páginas, vão deixando o enredo bem mais complexo, o que motiva o leitor querer ler sem parar até o final.

    Por conta de toda o detalhismo do autor, que interliga as personagens e destrincha atos, falas e gestos dos mesmos para revelar suas motivações e suas personalidades, a leitura pode ser um pouco cansativa no começo, mas é parte essencial para o que autor propõe, que é muito mais que simplesmente contar uma história e fazer o leitor passar o tempo. O autor propõe que, com base na caracterização bastante humanizada das personagens, os leitores possam tirar suas próprias conclusões durante a história e descobrir o assassino, dentre aos vários suspeitos que aparecem ao longo do enredo.

    Então, se você quer uma ótima leitura e um ótimo exercício mental, Acima de qualquer suspeita é ideal para você.

    Texto de autoria de Robson Rossi.

  • Crítica | Deus da Carnificina

    Crítica | Deus da Carnificina

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    Dois casais, Penelope e Michael Longstreet (Jodie Foster e John C. Reilly) e Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz) encontram-se no apartamento dos Longstreet para conversar a respeito de uma briga em que os respectivos filhos se envolveram. E o encontro, comprovando o princípio entrópico, avança e degenera rumo ao caos, transformando-se na carnificina do título.

    A exemplo de Who’s Afraid of Virginia Woolf?, o filme é adaptado de uma peça de teatro em que dois casais estão confinados num único ambiente – casa ou apartamento. Contudo, diferente deste, em que os recém-casados Nick e Honey (George Segal e Sandy Dennis) presenciam a lavação de roupa suja do casal “mais veterano”, Martha e George (Elizabeth Taylor e Richard Burton), em Deus da carnificina os casais parecem ter mais ou menos o mesmo tempo de vida em comum e as batalhas verbais ocorrem entre todos. Mesmo assim, é difícil não traçar um paralelo, já que em ambos os casais usam o conhecimento advindo da intimidade para que suas palavras causem o maior dano possível. A ironia, o sarcasmo, a acidez de algumas falas revelam que cada um conhece o ponto fraco do outro e mira ali propositalmente. Contudo, o diferencial do filme de Roman Polanski é que as discussões vão além do relacionamento entre os casais – por exemplo, o capitalismo despudorado de Alan versus o idealismo esquerdista de Penelope.

    O fato de ser uma adaptação de uma peça poderia se tornar um complicômetro. Porém, o diretor soube usar a técnica cinematográfica a seu favor, fazendo algo que no teatro não seria possível e, assim, direcionando o olhar do espectador a seu bel-prazer. Os atores surgem em planos e contraplanos, aos pares, trio, quarteto, acompanhando, como num passo de dança, a intensidade dos diálogos. E, assim como Sidney Lumet em 12 Homens e uma Sentença (também baseado numa peça), Polanski usa a câmera para controlar o ponto de vista do público e intensificar sua reação ao que acontece em cena. É interessante notar que o confinamento dos casais nesse ambiente deve-se totalmente ao acaso – o café oferecido na hora de ir embora, o sinal do celular que falha a caminho do elevador, entre outros pequenos eventos que fazem o casal Cowan sempre voltar ao interior do apartamento.

    E, já que o desfecho não é inesperado (sabe-se desde o trailer para onde se encaminha a trama), o interessante é acompanhar como isso acontece. Ver a evolução dos personagens. A civilidade e as convenções sociais sendo deixadas de lado. A polidez dando lugar à sinceridade extrema. As máscaras caindo à medida que os ataques verbais se sucedem. Situações triviais deflagrando reações desmedidas e aparentemente irracionais. A conversa, que se inicia de forma trivial, evolui de tal forma que deixa o ambiente tenso. Comentários normalmente inofensivos tornam-se o estopim para uma saraivada de reclamações e observações sarcásticas. E as protagonistas das discussões vão se alternando – casal versus casal ou um contra um em todas as combinações possíveis.

    A tensão que se instaura desde o início gera até uma reação física em Nancy. É estranho lembrar-se de um filme e referenciar-se a ele por causa de uma cena de vômito. Mas a cena foi tão bem feita e encenada, tão verossímil – tem-se a impressão de sentir aquele odor acre característico – que fica difícil não citá-la. Principalmente por que é a partir daí que a situação degringola. Se o espectador fica ao mesmo tempo surpreso e chocado com a cena, o mesmo ocorre com os personagens. O vômito parece servir de gatilho para os bons modos serem abandonados enquanto todos se sentem no direito de, a partir desse momento, expressar livremente seus pensamentos.

    Kate Winslet está perfeita nesta cena. Mas não apenas nesta: destaque também para o declínio do seu grau de sobriedade após alguns goles de um ótimo scotch. Aliás, todo o elenco está acima da média. Mesmo não tendo mais nada a provar, há tempos não se via Jodie Foster tão bem num papel. Numa obra em que a trama é calcada em personagens e diálogos, a excelência das atuações é algo essencial e que garante a fluidez da narrativa. O espectador consegue acompanhar, em closes e planos-detalhe, os gestos, maneirismos, micro-expressões de cada um dos atores, nuances dos personagens que seriam impossíveis de observar num teatro.

    Não é o melhor filme de Polanski. Mas mesmo um filme menor do diretor consegue conceder ao espectador uma experiência cinematográfica gratificante, mesmo que incômoda. Afinal, enxergar-se nas atitudes dos personagens não é nada agradável.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Sem Proteção

    Crítica | Sem Proteção

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    O estopim da trama é nebuloso. Não fica muito claro qual a motivação de Sharon (Susan Sarandon) para escolher se entregar naquele momento, depois de tantos anos. Além de não ficar claro como o FBI chegou até Sharon exatamente no dia em que ela resolve se entregar. Sua conversa com o repórter, na prisão, dá algumas razões, mas nenhuma delas convence, nem é forte o suficiente para justificar o abandono de sua família – seu marido e seus filhos. Apesar de carregada de um idealismo meio caduco, a visão de Mimi Lurie (Julie Christie) – de continuar levando sua própria vida – é mais convincente e bem mais realista.

    Não bastasse isso, alguns esclarecimentos sobre o passado dos personagens não chegam a causar suspresa. O espectador atento consegue, sem muito esforço, entender o que houve antes mesmo que Ben Shepard, o repórter vivido por Shia LaBeouf, explique suas conclusões ao editor do jornal em que trabalha. Aliás, no que diz respeito às pesquisas conduzidas por Shepard, há outro problema no roteiro. As respostas surgem tão facilmente, que fica pairando a dúvida: “Como o FBI não tinha conseguido qualquer pista sobre o paradeiro de Grant antes?”.

    Apesar da estória interessante, que lembra um pouco O Fugitivo (com Harrison Ford), o filme perde intensidade na segunda metade, que basicamente se resume à fuga de Grant (Robert Redford), seu encontro com antigos companheiros de grupo e sua perseguição pelo FBI. Além da estrutura encontra parceiro/obtém informação/foge antes do FBI chegar se tornar repetitiva, os eventos se sucedem muito lentamente. Em vários momentos, o espectador tem a impressão de que Grant não tem urgência alguma em chegar seja-lá-onde-for. E isso enfraquece bastante o envolvimento com a trama e o interesse pelo destino do protagonista.

    E o sucesso do filme acaba se calcando quase exclusivamente na qualidade do elenco peso-pesado, repleto de figuras tarimbadas, além de Redford e os já citados, temos ainda Nick Nolte, Chris Cooper, Stanley Tucci. Até LaBeouf está bem como o repórter que corre atrás da notícia seguindo seus palpites e pesquisando no Google. Conseguindo aos poucos se livrar da figura de Transformer Boy, desempenha com competência a função de ser o olhar do espectador dentro da trama.

    É uma pena que uma boa premissa tenha se perdido assim. E o que poderia ser um excelente thriller acaba sendo apenas um filme morno e um pouco cansativo.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Quem Poderia Ser a Uma Hora Dessas? – Lemony Snicket

    Resenha | Quem Poderia Ser a Uma Hora Dessas? – Lemony Snicket

    Só Perguntas Erradas

    Antes de qualquer coisa, preciso dizer que, desde Desventuras em Série, não consigo ser imparcial com as obras de Lemony Snicket. Desde o primeiro daqueles treze livros, o considero um dos meus autores favoritos. Portanto, se você desejar ler um relato de um fã sobre um livro que contém todos os elementos típicos desse autor, sinta-se à vontade para continuar. Caso deseje encontrar uma resenha imparcial em que todos os fatos são analisados de maneira fria em todos os seus aspectos, não recomendo que continue lendo essa resenha. Pois, como disse, não consigo ser completamente racional quando estamos falando de Snicket.

    Sua narrativa é – como esperado – muito parecida com aquela presente em Desventuras em Série, por mais que dessa vez a história seja contada em primeira pessoa. É evidente a presença de seu sarcasmo ao criar personagens cuja estupidez evidente seja fruto de um ego mal controlado que, aparentemente, é muito típico de todos os adultos presentes no universo de Lemony. Ainda que o ponto de vista de um garoto de treze anos seja evidentemente infantil (da mesma forma que em Desventuras), seu raciocinio é completamente lógico e racional, enquanto o dos adultos que o rodeiam sempre parece limitado por uma sobriedade que, do ponto de vista do personagem, é simplesmente incoerente.

    – Eu falei pra não dizer nada – Sussurrou Theodora, bem quando a porta se abriu. Era um homem com roupão de banho e chinelos. Ele deu um enorme bocejo. Parecia pretender ficar vestido daquele jeito por um bom tempo.

    – Sim? – ele disse, quando terminou de bocejar.

    – Senhor Mallahan? – Perguntou Theodora.

    – Sou eu.

    – O senhor não me conhece – ela disse, forçando um tom amigável. – Eu e meu marido estamos aqui em lua de mel, e somos loucos por faróis. Será que poderíamos entrar e conversar por alguns minutos?

    Mallahan coçou a cabeça. Pensei em esconder as mãos nas costas, porque não estava usando uma aliança, mas me ocorreu que havia muitos outros motivos para alguém não acreditar que um garoto de quase treze anos se casara com uma mulher da idade de Theodora, então acabei deixando as mãos onde estavam.

    Os acontecimentos se desenrolam a partir da premissa de que o personagem, querendo ou não (e por ser apenas um garoto), deve obedecer àqueles que estão “acima” de sua posição. Portanto, não é incomum encontrá-lo em inúmeras situações em que ele não gostaria de estar, mas em que não tem escolha quanto a cumprir a ordem que lhe é dada. Ainda assim, quando surgem momentos de pura autonomia – e lógica – desse mesmo personagem, é que vemos um pedaço da mágica que é a narrativa dessa história. Pois, por mais infantil que o desenrolar da trama seja, é ao mesmo tempo tão cruel e sinistra que deixa aquela sensação de que é uma literatura muito importante tanto para adultos quanto para crianças, independente do quão simples e explicativa seja a maneira como a história é contada.

    – Você é apenas um aprendiz em experiência – disse Theodora, severa. – E você vai fazer tudo que a sua tutora disser. Agora, saia daqui. Mal consigo olhar pra você.

    – Mas Theodora…

    Saia! – Ela gritou e enfiou a cabeça na cama revirada. Seus ombros começaram a tremer por baixo da cabeleira. (…) Era a segunda pessoa que eu salvava no mesmo dia das garras do Tiro Furado, e nenhuma tinha me agradecido. Embora não bebesse café, eu compreendia o que Ellington tinha falado sobre a necessidade de coisas que nos restauram.

    Como é o primeiro volume de “Só Perguntas Erradas”, o que acontece é típico de Lemony e, por mais que responda a algumas perguntas que ficaram pendentes em Desventuras em Série, cria novas dúvidas sobre o que vai acontecer a seguir. Eu poderia aqui começar devaneios sobre todas as pontas soltas que estou certo que serão resolvidas com o tempo, mas não desejo fazer as perguntas erradas, por mais que soem certas enquanto eu as diga (para que só depois eu conclua que eram erradas).

    Dito isso, recomendo a todos que procuram uma leitura leve e empolgante, mas receio que devo afirmar que é uma leitura agradável para aqueles que vão até o final sem ter preconceito contra uma literatura que, a principio, aparenta ser inteiramente infantil (e, preciso dizer, aleatória e um pouco absurda), mas que de forma alguma procura subestimar seu leitor. É um livro direto e, do meu ponto de vista, conta com uma história repleta de astúcia e sarcasmo. Poderia dizer que muitas vezes é do feitio do autor soar como se estivesse criticando a maneira de agir dos adultos e da sociedade em geral, mas não quero entrar em assuntos polêmicos. Portanto, para finalizar, direi apenas o seguinte:

    Antes de decidir ler este livro, faça as seguintes perguntas a você mesmo:

    1. Quero saber o que se passa em uma cidade à beira-mar que não está mais na beira do mar?

    2. Estou interessado em conhecer a história do roubo de um objeto que não foi roubado?

    3. Isso tudo é realmente da minha conta? Por quê? Quem sou eu, afinal?

    4. Quem está parado bem atrás de mim?!

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    Texto de autoria de Thiago Suniga.

  • Crítica | Chumbo Grosso

    Crítica | Chumbo Grosso

    hotfuzz

    Quem é familiarizado com o cinema “nerd” britânico deve conhecer bem o trio Edgar Wright, Simon Pegg e Nick Frost, pois ao contrário das produções homogeneizadas dos EUA que vão de Kevin Smith a Big Bang Theory, na Inglaterra o humor de referência atinge níveis mais maduros e com resultados bem mais inteligentes.

    Chumbo Grosso está nesse patamar. Depois do já excelente Shaun of the Dead (Todo Mundo Quase Morto), que faz uma sátira dos filmes de zumbi, agora o trio vem com um filme satirizando de forma inteligente os gêneros de ação/policial e investigação-de-um-homem-só-que-decide-fazer-justiça-com-as-próprias-mãos.

    Nicholas Angel (Pegg) é um dos melhores policiais de Londres, sendo bom ao ponto de causar inveja nos demais homens da lei. Por causa disso, é transferido por seus superiores para a pequena cidade de Sandford, que possui o menor índice de criminalidade de toda Inglaterra. Chegando lá, forma parceria com o curioso Danny Butterman (Frost) e começa a achar estranho o fato de acontecerem muitos acidentes na cidade, além de ninguém ficar preso e muitas pessoas simplesmente desaparecerem. Como bom policial que é, resolve ir a fundo na investigação desses eventos.

    Os dois primeiros atos são relativamente monótonos e se preocupam mais em nos situar geograficamente em uma vila no interior da Inglaterra, quando um policial exemplar de Londres é transferido pra lá. Depois, são somente descobertas em cima de uma possível grande conspiração na cidade.

    Porém, toda essa discrição só serve para o clímax final, que ao mesmo tempo subverte e se condiciona aos clichês do gênero, pois se em um filme tradicional o policial ao menos pediria ajuda, aqui ele encarna o “policial oitentista” (referenciado em filmes como Caçadores de Emoção) e parte para a guerra armado até os dentes, aproveitando cada momento para fazer uma piada em cima de uma piada (quando por exemplo, ao derrotar um dos vilões em uma briga, Frost pergunta a Pegg se após deixa-lo no freezer desacordado, falou a frase “fica frio”, típico fim de cena de luta no cinema de ação americano). Basicamente é um cinema de fãs para fãs, respeitando a originalidade de se contar uma história clichê, mas divertida e não ofensiva. Destaque também para as várias participações especiais, como por exemplo, Timothy Dalton, Martin Freeman, Bill Nighy, entre outros.

    O único aspecto negativo que percebi foi a forma que algumas cenas de ação foram filmadas. Com muitos cortes, sempre rápidos, e focados de forma a nos desviar de perceber algum erro de coreografia na luta, às vezes fiquei confuso tentando entender quem estava batendo em quem e com o que. Porém, nada que tenha estragado a experiência final do filme, pois cenas assim se repetiram em torno de duas vezes durante todo o longa. No modo geral, é um bom filme para quem gosta de uma boa comédia policial.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.