Resenha | O Eterno Barnes – Salustiano Luiz de Souza

capa

O primeiro romance de Salustiano Luiz de Souza parte de uma premissa bastante interessante: um médico e cientista, o Doutor Barnes, pesquisa uma maneira de transferir lembranças, vivências, toda a informação armazenada em um cérebro para outro corpo, criando imortalidade.

A ideia de burlar a morte do corpo com a transferência do “cérebro” não é nova: Michel Houllebecq a utiliza em seu amargo A Possibilidade de Uma Ilha e Cory Doctorow, nome famoso da ficção científica atual, em “Down And Out In The Magic Kingdom”. A questão óbvia é: o que torna um indivíduo ele mesmo? Podemos trocar de corpo infinitamente e ainda assim ser a mesma pessoa? O que é a imortalidade?

Salustiano toca em todas essas questões e seu protagonista, o obcecado Doutor Barnes, é fascinante. Barnes navega entre a ambição, a paixão pela ciência e um egoísmo desenfreado. Entretanto, e infelizmente, ele é o único personagem tão multidimensional do romance. A trama acompanha a obsessão de Barnes em se tornar imortal e todos os envolvidos com sua loucura: a médica que ele namora, uma secretária alpinista social, o professor do departamento de informática que o ajuda e, por último, o diretor do hospital. Condenado a morte por um câncer, Barnes não se move apenas para vencer a morte, mas para escapar a própria morte e acaba alcançando um final perturbador.

O problema começa com as personagens femininas, ambas são estereotipadas e vazias. Tatiana, a secretária ambiciosa que acaba sem querer envolvida na história, é racional, fria, extremamente sexualizada e desprovida de sentimentos. Por outro lado, Lourdes, a namorada de Barnes, cai no estereótipo da médica “sentimental e humana” que se opõe aos homens mecanicistas e racionais. Os homens indicam sentimentos conflitantes (ainda que esses não sejam desenvolvidos) e uma certa profundidade que nunca aparece, mas as duas personagens femininas são repetição de clichês.

Também é clichê a prosa do autor: O Eterno Barnes não é um livro mal escrito, mas se beneficiaria imensamente de um editor que cortasse expressões lugar comum como “pedaço de mau caminho” e repetições . Souza se perde entre emular a fala coloquial e escrever de forma correta e assim seus diálogos soam falsos e a narração do livro não encontra seu tom. Incomoda também a mania do autor de citar frases famosas com a fórmula “como já dizia o poeta/filósofo”, isso, aliada ao excesso de termos técnicos, faz com o que o livro às vezes pareça uma exibição de erudição. Falta inserir as influências no texto, digeri-las, ao invés de cita-las como em um trabalho acadêmico.

O Eterno Barnes toca em questões éticas delicadas e as explora de forma satisfatória. Seu protagonista é um homem interessante e bem desenvolvido, no entanto, ao joga-lo em um mar de personagens mornos e uma escrita cheia de clichês o autor retira sua força e perde o que poderia ser um livro excelente. A história é imaginativa e contundente e vem como uma boa novidade para um país com pouca tradição em ficção científica, mas se perde na falta de controle da escrita.

Texto de autoria de Isadora Sinay.

Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *