Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Pietá

    Crítica | Pietá

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    Embora o cinema coreano seja conhecido por filmes de terror e uma violência bastante gráfica, Kim Ki-Duk tornou-se um de seus nomes mais conhecidos fazendo o que parecia o oposto. Filmes como Primavera, Verão, Outono, Inverno… Primavera e Casa Vazia são extremamente líricos e habitados por uma violência que é mais psicológica e subjetiva. No entanto, em seu mais novo filme, Kim Ki-Duk abandona a delicadeza e se aproxima do conterrâneo Park Chan-Wook.

    O filme, ganhador do Leão de Ouro em Veneza, se centra em Gang-Do, um cobrador de dívidas extremamente violento e na mulher que aparece de repente afirmando ser a mãe que o abandonou.

    No início, Gang-Do é quase um animal: ele come, dorme, se masturba e cumpre seu trabalho com uma crueldade que, descobriremos mais tarde, é desnecessária. Quando um dia, uma mulher afirma ser sua mãe, ele reage com violência e rancor, mas aos poucos percebemos que sua dor e raiva são imensos e esses sentimentos serão o motor do filme.

    Dor, raiva e vingança são o que movem o filme de Kim Ki-Duk, mas tudo acontece em um nível visceral, quase primitivo. Há poucos diálogos, mas muito sangue e gritos de dor e o diretor nunca enquadra seus personagens por inteiro, reforçando a incomunicabilidade e desumanização das pessoas retratadas ali. A direção de arte coloca tudo em tons de cinza, exceto por Mi-Son, a mulher misteriosa.

    Mi-Son aparece para Gang-Do com uma echarpe verde viva e batom vermelho e todos os seus objetos possuem cores gritantes, se opondo à frieza cinza do resto do filme. A princípio, Mi-Son parece a única possibilidade de humanidade, afeto, piedade que o filme apresenta. Sua permanência ao lado do filho perturbado nos faz acreditar em um amor incondicional e um arrependimento genuíno. Contudo, para Kim Ki-Duk, não há escape, ou piedade.

    Mi-Son é realmente um símbolo do amor maternal e abnegado, profundo ao ponto da insanidade, ela é a única personagem verdadeiramente humana do filme, mas sua humanidade é, como se espera, falha, enviesada e cruel. Ainda assim, sua presença humaniza Gang-Do, seu amor torna-o finalmente um ser humano (ainda que perturbado) e coloca o dilema moral que, no final do filme, o espectador não é capaz de resolver.

    Pietá é um filme extremamente incômodo e, por mais gráfica que seja sua violência, é a força dos sentimentos demonstrados que fere quem assiste. Kim Ki-Duk foi estudante de artes plásticas e cada plano seu é de uma beleza incrível, que, quando a serviço de tal roteiro, aumenta o desconforto e o choque. No entanto, apesar de toda excelência plástica do filme, o roteiro de Pietá parece pálido perto de Oldboy, filme do mesmo país e que trata dos mesmos temas, mas de um diretor que parece mais disposto a colocar as mãos na lama.

    Kim Ki-Duk faz um filme limpo demais para seu tema, ascético quando quer falar de descontrole. É um bom filme, mas quando o diretor soube casar sua forma e seu roteiro (por exemplo em Casa Vazia) ele foi extraordinário.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Resenha | Supernova: O Encantador de Flechas – Renan Carvalho

    Resenha | Supernova: O Encantador de Flechas – Renan Carvalho

    Publicado pela editora Novo Século, sob o selo Novos Talentos da Literatura Brasileira, O Encantador de Flechas é o primeiro livro da trilogia Supernova, de autoria de Renan Carvalho. Somos apresentados a um mundo onde a humanidade e seu avanço tecnológico floresceram atrelados ao estudo da Ciência das Energias. Em essência, o controle dos elementos da natureza (luz, trevas, fogo, água, terra e ar), vulgarmente chamado de magia. Contudo, as coisas são diferentes em Acigam, palco deste início da saga. Atrasada em relação ao resto do mundo, a cidade vive isolada, há 15 anos ninguém entra ou sai de seus muros. A magia é expressamente proibida, e seus praticantes são impiedosamente perseguidos pelo governo opressor. Reunidos em segredo numa Guilda de Comerciantes, os magos travam um movimento de resistência, oculto da população geral, que gradativamente caminha para uma aberta guerra civil. Quando o destino o arrasta para o conflito, o jovem Leran Yandel terá que enfrentar vários desafios para não apenas sobreviver e proteger sua família, mas também para defender seus ideais.

    A literatura de fantasia é um gênero cada vez mais forte no mercado nacional. Existem diversos bons trabalhos e esta obra não foge à regra. Após um começo que pode ser chamado de moroso – porém necessário para situar o cenário através da limitada visão inicial do protagonista, o livro adquire cada vez mais corpo conforme a trama se desenvolve. Um universo muito rico, detalhado, é apresentado aos poucos. História, política, configuração social, tudo isso tem seu espaço, mostrando um grande cuidado na elaboração não apenas de uma aventura, mas do mundo onde ela acontece.

    Um dos aspectos mais divertidos durante a leitura de O Encantador de Flechas é perceber as influências da cultura pop presentes no livro. De uma forma, aliás, perfeitamente intrínseca, revelando que o autor é alguém cuja formação se deu consumindo esse tipo de produto, e não está só sendo oportunista e seguindo a modinha. O exemplo mais claro é a estrutura de rpg na criação dos personagens: cada um tem uma habilidade física e um “poder mágico”, e combina os dois para desenvolver técnicas particulares. Além disso, os coadjuvantes têm sua personalidade trabalhada a partir dos poderes (o amigo/rival esquentado controla o fogo, a curandeira é calma e associada a luz, etc.). Outra associação muito interessante é a dinâmica inicial do conflito entre os Silenciadores (assassinos de elite do governo) e os membros da Guilda (com diferentes gerações das famílias). Pra quem leu Harry Potter, lembra muito os Comensais da Morte e a Ordem da Fênix.

    Em relação aos personagens, a maioria deles é estabelecida rapidamente, e mais pela sua função na trama do que por outra coisa (dentro de tal proposta, todos são muito interessantes). Aqueles que são mais desenvolvidos são Leran, Luana e Judra. O protagonista segue a clássica jornada do herói, com os elementos facilmente identificáveis: vida comum, chamado à ação, figura do mentor, aprendizado e crescimento, provas de fogo e tragédias, etc. Porém, faltou uma percepção na sua evolução. No começo ele se destaca por sua habilidade com arco e flechas, mas ainda tem dificuldades com a magia. Num salto da trama, ele diz que treinou intensamente e já é um guerreiro calejado. Claro, mostrar pequenas missões poderia comprometer a agilidade da trama, mas é algo que fez falta, ainda mais dentro da já citada estrutura de rpg.

    Luana, irmã de Leran, cativa por seu jeito diferente, gótico. Ainda que não tenha tanto espaço, pois a história avança pela visão do irmão que a enxerga simplesmente como alguém a ser protegida (uma ótima sacada do autor). Por fim, Judra, de longe a personagem mais interessante do livro. Surgindo inicialmente como um simples interesse romântico, ela é responsável pelos melhores momentos de reviravolta. Além de ser muitíssimo bem trabalhada como a definição do CINZA, alguém sempre no fio da navalha entre bem e mal, e o mais louvável, sem cair numa redenção completa e purificadora.

    A narrativa de Renan Carvalho incomoda no início, pelo pouco usual formato adotado. A história é contada em primeira pessoa por Leran, mas não falando no passado, e sim numa espécie de narração em tempo real. Quando ele está em alguma reflexão, ou falando de outras pessoas, ou mesmo descrevendo os combates (que são vários, e empolgantes em nível épico), problema nenhum. Mas em alguns momentos, principalmente no começo do livro, chama a atenção o fato de ele estar detalhando, PARA SI MESMO, aquilo que está fazendo. Algo mais ou menos assim: “Acordo. Olho pela janela, o dia está bonito. Desço até a cozinha, coloco sucrilhos numa tigela, em seguida o leite. Nossa, estou mesmo faminto”. Felizmente, isso é algo deixado de lado, ou que passa despercebido, conforme a história avança e o foco passa para eventos mais importantes. Quando a história engrena, a escrita (simples, mas de forma alguma pobre) flui de forma muito ágil.

    Sendo um livro curto (360 páginas), mas recheado de conteúdo, O Encantador de Flechas surge como uma ótima recomendação, na linha de A Companhia Negra. Quer você seja fã de literatura de fantasia, mas está cansado da enrolação tão presente no gênero, ou principalmente se você não suporta tal enrolação mas gosta de histórias com pano de fundo bem trabalhado. Fica, inclusive, uma positiva expectativa para a continuação de Supernova.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Indomável Sonhadora

    Crítica | Indomável Sonhadora

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    Indicado ao Oscar de melhor filme e melhor atriz, Indomável Sonhadora, do diretor Benh Zeitlin, é uma daquelas produções pequenas que aos poucos vai conquistando seu espaço dentro da indústria, e que talvez sirva para que mais uma enxurrada de produções similares venha na esteira.

    Misturando ficção, realidade e a mais pura imaginação, a história passada durante o furacão Katrina, em 2005 no sul dos EUA, nos mostra um lado deste país que raramente vemos no cinema, o que às vezes até nos leva a duvidar se aquilo é realmente um retrato de sua realidade. Durante boa parte do início da história, não seria surpresa se algum espectador desavisado pensasse que aquela história fosse passada em um local que não existisse de fato.

    Mas ele existe, e nele vive uma pequena população que se recusa em integrar-se a “sociedade moderna” e vive do seu jeito, ao melhor estilo “bom selvagem”, com suas regras, códigos de conduta e aprendizagem, que nos faz a todo tempo sentir raiva e compaixão por eles, que por vezes agem como animais, totalmente irracionais frente a obviedades que o estudo da ciência nos proporciona, mas que ao mesmo tempo sabem desfrutar melhor do que qualquer “civilizado” os momentos simples que a natureza pode dar.

    Em meio ao apocalipse criado pelo Katrina, passamos a conhecer Hushpuppy, uma criança que só conhece aquele mundo e o entende através das alegorias às quais foi apresentada, como uma história a respeito dos homens das cavernas e como eles se relacionavam com os animais que caçavam, o que daí gera na personagem uma série de questionamentos sobre as relações dos homens e da natureza.

    A história é basicamente a visão de Hushpuppy a respeito de tudo o que está acontecendo, portanto devemos deixar o nosso “vício da realidade” um pouco de lado para absorvermos todo o espectro da imaginação da criança, que por ter sua única fonte de conhecimento um pai por vezes ignorante e alguns amigos sem instrução, acaba por interpretar de seu jeito a realidade que vê e fazer sentido em tudo o que acontece, como faríamos todos em seu lugar. O próprio título original, “bestas do sul selvagem”, nos traz uma alegoria que remete tanto aos moradores deste sul remoto, quanto aos animais que Hushpuppy vê, e como ambos se relacionam.

    Brutalmente simples e sem glorificar, santificar ou usar a pobreza como panfleto político, “Indomável Sonhadora” nos traz diversas mensagens, que cada pessoa, com sua bagagem, poderá interpretar de um jeito. Mas acredito que a mensagem principal é a de que as relações humanas e nossas formas de pensar são universais, de que nossas crianças são as mesmas, independentemente se estão abandonadas no meio de um grande centro urbano ou em uma vila de pescadores, e sempre tentarão interpretar a realidade de uma forma mágica, buscando elementos em seu contexto, interpretando-os de sua forma para criar sua própria realidade a fim de facilitar a dura experiência do cotidiano.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Ajuste Final

    Crítica | Ajuste Final

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    Ajuste Final (Miller’s Crossing) destoa do filme anterior dos Coen, a comédia Arizona Nunca Mais, e retorna ao clima sombrio e tenso de Gosto de Sangue. Situado nos EUA durante a proibição do álcool, o filme trata dos problemas de relacionamento entre gangsteres pelas mais diversas razões, em uma trama que no começo parece simples, mas que vai se tornando cada vez mais complexa, até o clímax.

    A história começa nos apresentando Leo (Albert Finney), um gangster irlandês e líder político que comanda o lado leste da cidade com a ajuda de Tom (Gabriel Byrne), seu homem de confiança e conselheiro. Mas seu controle da cidade é desafiado por um ganancioso subchefe italiano, Johnny Caspar (Jon Polito) e seu braço direito Eddie Dane (J.E. Freeman). Com uma bela cena inicial que remete ao O Poderoso Chefão (quando alguém pede um favor a Don Corleone, que senta atrás de uma mesa apenas ouvindo a história), o motivo da discórdia entre Leo e Caspar nos é entregue logo no início, e envolve Bernie (John Turturro), um apostador que está pegando dinheiro indevidamente de Caspar. Bernie é irmão de Verna (Marcia Gay Harden), que é a namorada de Leo, mas que tem um caso com Tom. Parece confuso? E é. Por isso o filme demora um pouco para embalar, mas quando conseguimos acompanhar seu ritmo, ele não falha em momento algum.

    O conselheiro Tom foge totalmente do papel representando por Robert Duvall em “O Poderoso Chefão”, pois se lá o conselheiro era alguém quase infalível e intocável, aqui, ele tem problemas com dívidas de jogo que só vão aumentando, além de se envolver com a mulher do chefe, apanhar em vários momentos e ainda ser enganado, por mais inteligente que seja, por Bernie, em uma excelente cena. Apesar de todos os contratempos, Tom mostra toda sua perspicácia e sagacidade ao manipular as peças do tabuleiro a seu favor, mesmo que isso lhe custe algo no momento. Tudo em prol do objetivo maior. Um estrategista nato, que faz o que pode para conseguir o que quer. E é nele que reside o toque de humor característico dos Coen, que apesar de ser um drama pesado e escuro, ainda consegue encontrar espaço para tiradas sarcásticas extremamente bem colocadas.

    Tecnicamente o filme também é impecável. Lançado em 1990, não é nem um pouco datado. O figurino é excelente, assim como as locações e até os mínimos detalhes, como as armas e seus efeitos sonoros explosivos e como os gângsteres as manejavam, de tão pesadas e violentas que eram. A fotografia também é excelente, com tomadas sempre precisas de cenas belíssimas, como as rodadas no lugar chamado “Miller’s Crossing”, um pedaço de floresta que serve de local de execução e despejo dos corpos (e que dá o título original ao longa), além de retratar, com uma tonalidade escura, uma era extremamente violenta e depressiva. As cenas de execução são de um realismo também impressionante de tão bem executadas.

    Sem os típicos exageros hollywoodianos de corpos explodindo e voando para trás, tudo soa tão real que o mínimo dano parece impactar muito mais, e é essa noção de realidade que permeia todo o filme, pois sabemos que todos são mortais e numa época de extrema violência, lidando com o crime organizado, a morte se torna algo muito próximo.

    Conforme a história vai caminhando, Tom vai costurando tudo a ser favor, e na resolução, fica a dúvida se aquele era realmente seu objetivo ou se foi ajudado por circunstâncias externas, tanto que após tudo aquilo ele resolve não voltar a trabalhar como antes. Além dessa e de outras interpretações, fica a vontade de rever para tentar pegar mais e mais detalhes da história, prova de que ela funciona, e de como os irmãos Coen sabem contar uma história.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Killer Joe: Matador de Aluguel

    Crítica | Killer Joe: Matador de Aluguel

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    Este é o tipo de filme que, ao seu término, deixa o espectador na dúvida. Não dá para dizer se gostou ou não, porém não dá para negar que causa uma impressão que custa a se dissipar. O humor negro que permeia todo o filme, a sensação de conhecer talvez a família mais estúpida e desajustada da história do cinema, a certeza de ver a melhor atuação de Matthew McConaughey até hoje e uma sequência final de tirar o fôlego são apenas alguns dos elementos que fazem deste um filme difícil de descrever em palavras.

    Há nudez, violência física e verbal, falta de escrúpulos e de expectativas num universo obscuro e deprimente em que as pessoas moram em trailers, com um cão ladrando acorrentado durante toda a noite, com uma TV ligada todo o tempo passando aparentemente sempre a mesma programação. E William Friedkin apresenta isso logo na sequência de abertura, à noite e sob a chuva, esfregando – quase literalmente – na cara do espectador a depravação do mundo em que vivem os personagens.

    A trama em que os personagens estão enredados é praticamente uma tragédia anunciada. O público assiste sabendo que algo ruim irá acontecer. E acontece. Mas acontece muito mais do que era esperado. No último terço do filme, através da expressão truculenta e insana de Killer Joe, Friedkin parece se dirigir ao espectador: “Você estava esperando violência? Estava aguardando a tragédia? Então, agora aguenta aí.” E o espectador não é poupado de cenas cada vez mais perturbadoras, daquelas que dão vontade de desviar o olhar.

    A história é bem estruturada, apesar de sua simplicidade. Mas a força está mesmo nos personagens, complexos e bem desenvolvidos. Apesar do aparente exagero nas tintas, a ótima performance do elenco torna-os totalmente verossímeis. Há Chris Smith (Emile Hirsch), o jovem traficante, totalmente gauche na vida, que já foi expulso de casa pela mãe por tê-la agredido. Seu pai, Ansel Smith (Thomas Haden Church), tão bronco e ignorante, cuja preocupação maior ao conversar com a atual esposa sobre a filha caçula é não esquecer o dinheiro para a cerveja. Sua irmã mais nova, Dottie (Juno Temple), ingênua e totalmente alienada da realidade ao redor, cujo corpo adolescente é um misto de inocência e sensualidade. Sua madrasta, Sharla (Gina Gershon), uma quarentona enxuta (?), habituada a usar o corpo e o sexo para conseguir o que quer.

    E, finalmente, há Joe Cooper (McConaughey), o assassino de aluguel, detentor de um código de ética próprio e muito, muito educado. Mas educado de um modo assustador. A própria Dottie lhe diz: “Your eyes hurt” (“teus olhos machucam”). Contido, tem-se a impressão de que a qualquer momento ele irá surtar. E surta. E o mais assustador é que, quando ele surta, apesar de parecer descontrolado, percebe-se que suas ações não são impulsivas, que ele ainda é senhor de seus atos. Enfim, uma atuação sem precedentes de McConaughey, que consegue revelar aos poucos a psicopatia do personagem.

    E, dessa mistura entre humor negro e insanidade, emerge uma comédia de erros de tons mórbidos que causa um estranhamento no espectador, mas que valida toda a excentricidade do filme.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Invasão à Casa Branca

    Crítica | Invasão à Casa Branca

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    Filmes com temas quase idênticos sendo lançados na mesma época. Uma tendência que Hollywood sempre repete, e o mais recente exemplo é a dobradinha que mostra a Casa Branca sendo invadida. Olympus Has Fallen, batizado por aqui como, hã, Invasão à Casa Branca, foi esperto e se antecipou a White House Down (O Ataque), que tem estreia prevista pra setembro. Neste longa dirigido por Antoine Fuqua, acompanhamos Mike Banning, agente do serviço secreto que chefia a equipe de proteção do presidente. Afastado do cargo quando falha em salvar a vida da primeira-dama, ele tem a chance de redenção meses depois: terroristas norte-coreanos (sempre eles, hoje em dia) conseguem dominar a residência oficial do líder norte-americano, tomando ele e boa parte de seu gabinete como reféns. Mike, o cara certo no lugar errado, é o único capaz de, literalmente, salvar a pátria.

    Com essa premissa, não precisa ser nenhum gênio pra perceber que teremos altas doses do velho patriotismo exacerbado, tipicamente estadunidense. Com direito inclusive a simbolismos nada discretos, por exemplo, câmera lenta e música dramática quando os vilões retiram do mastro a bandeira dos EUA e a jogam fora. Ainda mais sendo um filme de ação, Invasão à Casa Branca entrega esse e outros clichês (central de comando que serve só pra explicar a trama pro espectador, garotinho espertoetc.), perfeitamente esperados. Então não cabem reclamações comunistinhas de faculdade style quanto a isso. O que na verdade prejudica o filme é seu roteiro indeciso entre se levar a sério, como um thriller político, ou se assumir como diversão descerebrada.

    A tensão entre as Coreias do Sul e do Norte é usada como pano de fundo e estopim para a ação dos terroristas, mas nada além disso. Não são feitas críticas políticas a ninguém, muito menos ao papel dos Estados Unidos. Até aí, passável. Mas a indefinição de tom afeta também o protagonista. Inicialmente inseguro, duvidando de si mesmo, basta entrar em ação para ele imediatamente virar o herói clássico, infalível. Problema que vem se repetindo em várias produções do gênero: tenta-se humanizar o personagem, mas falta o senso de dificuldade naquilo por que ele está passando. Um direcionamento diferente, mais descompromissado, ajudaria inclusive o ator. Gerard Butler se mostra bem mais à vontade proferindo frases de efeito e posando de fodão.

    Apesar desses problemas, com boa vontade dá pra embarcar na história e curtir as boas cenas de ação (o ataque inicial, em plena luz do dia, é sensacional) e a tensão bem construída ao longo do filme. O plano dos invasores é razoavelmente aceitável, e as interações entre eles e os reféns mostram uma crueza muito bem vinda nestes tempos em que o PG-13 suaviza quase tudo. Há que se lamentar, porém, que o presidente vivido por Aaron Eckhart não tenha um grande momento, limitando-se a fazer cara de mau enquanto espera o resgate. E também que o embate entre o herói e o ameaçador vilão-chefe fique aquém do que poderia ter sido. De resto, diversos atores conhecidos (Morgan Freeman, Dylan McDermott, Angela Bassett, Melissa Leo, Radha Mitchell, Robert Foster e até Ashley Judd, direto do túnel do tempo) servindo apenas como acessórios pra movimentar a trama.

    Em essência um meio-termo entre Duro de Matar e 24 Horas, Invasão à Casa Branca poderia ter sido melhor caso escolhesse um desses lados. Mas, em tempos sem Jack Bauer e com John McClane decepcionando, Mike Banning é o que tem pra hoje.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | A Grande Criação de Nicolas – Dennis Vinicius

    Resenha | A Grande Criação de Nicolas – Dennis Vinicius

    A Grande Criação de Nicolas

    Neste livro, o autor demonstra o quanto a literatura fantástica nacional cresceu nos últimos tempos. Com uma narrativa que nos leva através de uma São Paulo atual em um misto de realidade e uma boa dose de fantasia, Dennis Vinicius nos guia nessa história concisa, rica nos detalhes e com uma atmosfera sinuosa entre o sombrio e o heróico. Definitivamente, um dos melhores exemplares que já li.

    Confesso que não me senti muito inclinado a lê-lo, apesar de sua capa excelente, quando recebi, na Primeira Odisséia de Literatura Fantástica, um pequeno panfleto em formato de mini-livro contendo o primeiro capítulo de A Grande Criação de Nicolas. No entanto, em um momento de tédio, resolvi pegar e ler o conteúdo que ali havia, e certamente foi o que me fez comprar o livro. Afinal, somos puxados desde o primeiro capítulo para essa história, que segue rapidamente conforme você devora as palavras que ali estão e nos leva até um acontecimento inesperado e, para o personagem, completamente desolador. É muito difícil não se envolver nos sentimentos de Nicolas, e praticamente impossível não sentir simpatia pelo mesmo.

    Porém, apesar de gostar do personagem, preciso dizer que não existe – pelo menos no meu caso – algum a que você se apegue realmente. Mesmo torcendo por um desfecho feliz e sentindo-se motivado pelas características únicas de alguns personagens, não tem aquele que você simplesmente adore e queira guardar para sempre na memória (como Hermione de Harry Potter, no meu caso) – ou no coração, caso você tenha isso, ainda que sejam bastante consistentes nos papéis em que atuam.

    A narrativa usada me lembrou muito de alguns livros de André Vianco, mesmo que Dennis Vinicius tenha um mérito especial pelas suas características únicas como contador de histórias, tanto pela atmosfera única que é capaz de passar quanto pelos mistérios que esconde. Sem contar, é claro, o emaranhado de “coincidências” que se explicam e se juntam no final, formando uma única teia e revelando a ligação entre todos os fatos. É mais do que simplesmente desdobrar a história e apresentá-la como é: o autor consegue contá-la da melhor maneira que ela poderia ser contada – sem contar que nele há uma das melhores cenas de perseguição que eu já vi.

    Seu desfecho, quando tudo se conecta, é repleto de emoções e, quando se aproxima, a leitura flui rapidamente, devorando o livro com uma velocidade absurda. No entanto, preciso dizer que não gostei do final, e essa é uma opinião inteiramente pessoal de alguém que não curte finais felizes demais, se é que isso é possível. De alguma forma, fiquei esperando algo mais sombrio e um pouco mais cruel por parte do autor. Mas, ainda assim, não foi o suficiente para que me impedisse de gostar muito desse livro. Portanto, recomendo muito para todos aqueles que desejam conhecer uma excelente história de literatura fantástica e um dos meus livros nacionais favoritos.

    Texto de autoria de Thiago Suniga.

  • Resenha | StarCraft II: Ponto Crítico – Christie Golden

    Resenha | StarCraft II: Ponto Crítico – Christie Golden

    Capa StarCraft II: Ponto Crítico

    Com uma narrativa agradável, mas com pouco ritmo (exceto nas cenas de ação), StarCraft II: Ponto Crítico não apresenta muitos eventos especialmente significativos ou uma reviravolta de acontecimentos que fazem o queixo cair, mas ainda assim elementos indispensáveis para todos aqueles que desejam saber um pouco mais sobre a Rainha das Lâminas e seu relacionamento com Jim Raynor.

    Não posso dizer que se trata de um livro impactante, mas devo afirmar que a história contada nos apresenta um “miolo” e passa a impressão de ser apenas uma ligação – e, pelo que pesquisei, a intenção era exatamente essa, ligando os acontecimentos do primeiro jogo StarCraft II: Wings of Liberty com o que será vivido em StarCraft II: Heart of the Swarm – não tendo necessariamente um começo ou um fim (tanto que, a princípio, a impressão é de ter começado um livro pela sua metade), mas uma série de acontecimentos que vai levar a algo muito além – que, infelizmente, não é retratado na obra, mas te deixa com uma boa margem para teorias sobre o futuro.

    Nunca tive muito contato com o mundo de StarCraft – seja nos jogos ou nos romances feitos utilizando esse universo – e deixo claro que meu julgamento se baseia apenas nesse livro e algumas poucas referências que fui capaz de pesquisar. No entanto, preciso afirmar que Ponto Crítico não falha quando a questão é contextualizar o leitor. Além de contar com uma prestativa linha do tempo ao fim onde estão relatados inúmeros acontecimentos desse universo em ordem cronológica, a narrativa em si é bem clara e explicativa quanto as referências e a situação atual (assim como sua ligação com o que aconteceu anteriormente, por mais que você não tenha jogado o Wings of Liberty), não deixando o leitor perdido em momento algum. Portanto, recomendo até mesmo para aqueles que não tenham se familiarizado com os jogos.

    Um dos pontos negativos do livro (ainda que eu não seja capaz de julgar quão negativo isso seja) é que ele pouco se foca nos relacionamentos intergaláticos, nos avanços tecnológicos ou  nas descrições sobre a maneira que a sociedade (se é que pode se chamar assim quando estamos falando sobre vários planetas) está organizada, mesmo que deixem claro o quão poderosos alguns personagens são, não cheguei a ter certeza do nível de sua influência (ou se até mesmo fazem parte de um governo único para toda a galáxia ou então se são entidades independentes). O livro foca-se principalmente na descrição dos acontecimentos, sentimentos e relacionamentos entre os personagens, não deixando muito espaço para descrições impessoais sobre o universo em si.

    Outro ponto negativo (esse eu estou mais convicto do que o anterior), é a impressão de que os acontecimentos se repetem. As traições, as reviravoltas, as soluções, todas elas parecem ser as mesmas em todos os momentos mais importantes envolvendo a trama do livro. Sim, é claro que carregam algumas peculiaridades únicas, mas ainda assim deixam aquela sensação de que não são muito diferentes daquelas que já vivenciamos mais cedo naquela leitura. Porém, não digo que é incoerente – pelo contrário, a insistência do antagonista é evidente e se encaixa perfeitamente no perfil do personagem -, mas que faz com que passe uma sensação de fraqueza na hora de bolar os acontecimentos, o que é um pouco frustrante para quem está lendo.

    Agora, um dos principais pontos positivos é a narração na hora dos momentos de ação. Ainda que a narrativa seja fluída fora desses cenários caóticos, o ritmo melhora muito quando os personagens citados encontram-se em situações que exijam muito esforço ou atitudes badass, guiando de maneira excelente através das batalhas que acontecem, assim como o que está passando pela cabeça dos personagens nesse momento, deixando claro o motivo de suas decisões e até mesmo o quanto a experiência vale naquele determinado momento. Nos momentos mais intensos a leitura se torna voraz, incentivando a imaginação e empolgando o leitor em uma aventura extraordinária, principalmente nas cenas em que a antiga Rainha das Lâminas está envolvida por uma fúria incontrolável e sedenta por vingança, decidida a destruir qualquer um que se coloque em seu caminho.

    Outro aspecto positivo é que gostei bastante dos personagens. Tendo um número razoavelmente grande deles, a autora fez um ótimo trabalho ao estruturá-los e personificá-los (acredito que, por mais que alguns deles já tivessem alguma base pronta, foram adicionados vários aspectos únicos para todos eles), cedendo ao leitor diálogos divertidos e pessoais nos momentos amigáveis e falas ameaçadoras com atmosferas tensas quando há desconfiança e atrito entre dois personagens. Sem contar, claro, que os flashbacks contendo detalhes sobre o relacionamento de Sarah e Jim assim como o momento da traição de Arcturus são particularmente agradáveis e servem muito bem para aumentar a ligação entre leitor-personagens, fazendo com que você seja capaz de entender um pouco mais sobre as motivações e convicções dos protagonista e fazer com que o leitor seja realmente capaz de torcer por eles.

    Afora isso, só houve alguns momentos e acontecimentos que me pareceram desnecessários, mas creio que tenham sido necessários para fazer com que tudo desse certo, ainda que aparentam ser meio jogados no colo do leitor, sem realmente ganhar muita ênfase. No entanto, nada que desmereça essa obra além de tudo que já foi citado. Dessa forma, peço apenas para que joguem Wings of Liberty antes de ler o livro para evitar spoilers. No entanto, se não tiverem a intenção de jogar, então apenas leiam o livro e procurem jogar sua continuação. Só que, de qualquer forma (e independente de qualquer coisa), aproveitem a leitura.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Thiago Suniga.

  • Crítica | Sunshine: Alerta Solar

    Crítica | Sunshine: Alerta Solar

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    Sunshine – Alerta Solar é uma ficção científica de 2007, dirigido por Danny Boyle (dos excelentes Extermínio e Cova Rasa). Já tinha ouvido falar bem do filme, e por ser fã do gênero sci-fi, resolvi conferir.

    Na trama, a Terra do futuro corre o risco de ter toda a vida extinta, pois o sol está para desaparecer. A última esperança é a nave espacial Icarus II e sua tripulação de 8 pessoas (Michelle Yeoh, Cillian Murphy, Chris Evans, Rose Byrne, Cliff Curtis, Troy Garity, Hiroyuki Sanada e Benedict Wong), que transporta uma bomba atômica do tamanho da ilha de Manhattan, que teoricamente alimentará uma nova vida dentro do Sol. Porém, durante a viagem e sem contato com a Terra, eles descobrem o sinal de S.O.S. da Icarus I, a nave enviada 7 anos antes com o mesmo objetivo e cuja causa do fracasso é desconhecida. A tripulação fica dividida entre alterar a trajetória da missão, de forma a obter a bomba existente na Icarus I, o que traria à missão mais uma chance de sucesso, ou seguir o plano original. A decisão recai sobre Capa (Murphy), o físico da tripulação, que decide ir à outra nave. Porém a mudança de trajetória causa avarias à Icarus II, iniciando uma série de problemas enfrentados na reta final da missão.

    A princípio, o filme começa bem, falando sem explicar muito que, num futuro mais ou menos distante, o sol brilha menos, a terra é um lugar congelado, e uma segunda missão (já que a primeira sumiu sem deixar rastro) foi enviada para tentar detonar uma mega-bomba atômica no sol na tentativa de fazê-lo voltar a brilhar.

    As explicações sutis de como a nave funciona, as razões pelas quais estão ali, algumas neuras de personagens a tanto tempo isolados no espaço são bem encaixadas, e a falta de explicações tão comuns no gênero não incomoda, por realmente não importar, naquele momento, as razões pelas quais o sol está acabando. O problema é que, a partir do 2º ato, a história passa de uma ficção científica bem construída para um terror-espacial ao estilo Alien um pouco pobre, com alguns toques de 2001 – Uma Odisséia no Espaço.

    Está tudo lá. A nave antiga abandonada sem razão aparente, a tensão gerada pelo silêncio, a Inteligência Artificial que é desligada, o ocupante misterioso que caça cada um dos tripulantes e tudo mais. Porém, no meio de todos os fatores conhecidos, o espectador ainda consegue se perder em meio a tantos acontecimentos. A escolha do uso expressivo da cor amarela em tantas cenas (para demonstrar a força e potência do sol) é boa e causa um impacto interessante, mas prejudica a narrativa pois nos impede, também pelo trabalho precário de câmera, de entendermos realmente o que está acontecendo. O filme também peca ao abordar diálogos grandiosos sobre Deus e o Homem, e a tentativa de negarmos o nosso destino, de uma forma um pouco infantil e clichê, em um “deus ex machina” que não traz muita coisa de novo a quem conhece bem o gênero.

    Apesar de toda a virtuosidade técnica e do excelente início, o que marca o filme é o seu final, deixando no espectador essa marca, fazendo-o esquecer um pouco dos conflitos e motivações de cada personagem, deixando o drama de lado e favorecendo mais as cenas de ação e tensão, que também poderiam ter sido melhor construídas se respeitassem a premissa inicial.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Arizona Nunca Mais

    Crítica | Arizona Nunca Mais

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    Segundo filme dos irmãos Coen, Arizona Nunca Mais (Raising Arizona) surpreende em vários aspectos. Primeiro porque é um filme que sempre via em todos os lugares que passava, desde locadoras até as lojas de DVD, e nunca tive interesse em vê-lo até pouco tempo atrás. Por essas e outras que é sempre bom rever conceitos…

    Nicolas Cage interpreta H.I. McDonnough (ou apenas Hi), um ladrão de lojas de conveniências que acaba se casando com Edwina (Holly Hunter), a policial que sempre tirava suas fotos de fichamento na polícia (uma sequência bem engraçada no início do filme). Depois de um período de felicidade imensa, o casal resolve ter um filho. O problema é quando descobrem que Edwina não pode ter filhos. A partir daí, suas vidas começam a perder o brilho e a felicidade de antes. Ed larga a polícia, Hi volta a pensar em assaltar lojas e por aí vai. Porém, quando Nathan Arizona, o dono de uma cadeia local de lojas de móveis, e sua esposa Florence têm quíntuplos, Ed e Hi, naturalmente, resolvem que a coisa mais natural a fazer é tomar um dos bebês para si, pois “seria injusto alguns terem muito e outros tão pouco”.

    Novamente o roteiro e a direção dos Coen mostra um primor e uma elegância visual incrivelmente competentes, mesmo ao retratar um cartunesco e caipira sul dos EUA, onde os diálogos (curtos e longos), sotaques e analogias são propositadamente exageradas a fim de enriquecer a cultura dos personagens e estabelecer o universo fantasioso (que logo percebemos não ser exatamente igual ao nosso). Talvez um dos pecados do filme esteja aí, nessa demora, pois ao espectador menos paciente, a sucessão cômica e irrealista de eventos do filme pode provocar uma reação de descrédito e fazê-lo abandonar a experiência, o que seria uma pena, mas compreensível.

    Porém, os pontos positivos, como os diálogos secos entre alguns personagens (como na cena do assalto a banco, onde nem mesmo os bandidos, com um bebê, conseguem assustar o incauto senhor típico do sul) superam os negativos, e as interpretações são excelentes. Nicolas Cage faz um brilhante bandido de bom coração, e exagera na medida certa o sotaque e as caretas a fim de enriquecer o ridículo da história. Artifício este que o ator usará cada vez mais desproporcionalmente com o passar dos anos, até chegar ao ridículo de sua carreira nos anos atuais.

    O que sobra da experiência é uma sensação boa de leveza, de diversão sem compromissos com a realidade, inteligente e que tira do espectador risadas naturais e espontâneas, com um humor honesto e difícil de vermos hoje em dia.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Essential Killing

    Crítica | Essential Killing

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    Essential Killing é um daqueles filmes cujo título traduzido não consegue passar toda a complexidade de seu título original. Não por culpa da tradução, mas sim do idioma. Recheado de simbolismos e praticamente sem diálogos, cabe ao espectador tentar traduzir e compreender tudo o que se passa na tela.

    Vincent Gallo interpreta (e muito bem) um terrorista afegão que após matar três americanos em seu país natal, é preso, torturado e transportado de prisão em prisão, até que, após um acidente, consegue fugir. E é aí que seu martírio pela sobrevivência realmente começa.

    Contrastando com a violência desproposital dos métodos da “guerra ao terror” dos EUA, o fugitivo Mohammed tenta fugir no meio da neve (que parece ser ao norte da Europa, já que não é dito em momento algum) e em meio a essa fuga, passará por diversas privações e desafios, tendo que matar homens e animais, de qualquer meio possível, para conseguir escapar.

    Porém, como diz o título, suas mortes são “essenciais” a sua sobrevivência, desprovidas de violência por violência ou de um sadismo, mas cheias de medo, desespero e tristeza por estar fazendo aquilo, já que a todo momento ele tem flashes de memória de sua vida em seu país, ou como ele queria estar longe daquilo tudo. Somos também contrastados com a violência profissional do exército americano, pois todos estão ali, “cumprindo o dever”, e um deles é morto enquanto recebe a notícia de que teve gêmeos, o que nos faz pensar em como pessoas comuns, país de família, conseguem separar a crueldade do seu dia-a-dia no trabalho da vida particular. O impacto da violência desenfreada no mundo atinge todos os níveis de pessoas, em todos os países.

    Conforme o personagem se adapta a cada situação, vemos também suas roupas mudando, como se a cada nova peça de roupa, de cor diferente, um pouco do antigo ser deixa de existir, e um novo toma lugar, sem deixar opção ao dono.

    Com uma duração curta, de 1h24, Essential Killing nos mostra de forma simples e direta a diferença básica entre os tipos diferentes de natureza, e dentro da natureza humana, e como nos relacionamos entre si e com ela, nas diferentes situações, onde o próprio protagonista vira, no final, parte da “matança necessária” (ou seria nesse caso desnecessária?) no ciclo da vida.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Level E – Vol. 1

    Resenha | Level E – Vol. 1

    Do mesmo autor de Hunter x Hunter e Yu Yu Hakusho, Level E é um mangá repleto com os traços característicos desse autor, que cria histórias carregadas de densidade em uma trama séria que prende a atenção e simultaneamente divertem, com vários elementos de humor que aliviam e equilibram muito bem essa história entre humanos e alienígenas. Publicado pela Shonen Jump pela primeira vez de 1995 a 1997 (acredito que um pouco depois de ter terminado Yu Yu Hakusho) e sendo lançado atualmente pela editora JBC em três volumes.

    Com pouca ênfase no desenho dos cenários (ainda que os que apareçam sejam muito detalhados) e nas cenas de luta, o foco é completo nos personagens que, por mais que os traços não sejam inteiramente únicos (ou incrivelmente incomuns), é evidente o empenho do mangaká ao dar ênfase nos sentimentos e nas expressões de cada um deles. Poucos mangás que já passaram pela minha mão foram capazes de passar de maneira tão precisa os detalhes faciais de cada personagem, seja quando estão irritados, indiferentes, tristes ou preocupados. Sem contar, claro, que desde Hunter x Hunter eu tenho certeza de que não existe alguém capaz de desenhar rostos tão ameaçadores quanto a dos personagens de Togashi:

    Level E

    Afora isso, gostaria de comentar também sobre seus personagens. Com bases e personalidades consistentes, todos eles carregam características únicas e, algumas vezes, inusitadas. Seja o personagem briguento que entende dos assuntos de marginais, mas que no fundo é uma boa pessoa ou o príncipe dos alienígenas que age feito uma criança mimada e é uma dor de cabeça para todo mundo. Todos eles carregam peculiaridades que divertem (ou irritam). Sem contar a inevitável atribuição de um misto de humano e excêntrico presente nos E.T.s da história que muito provavelmente te faz duvidar qual deles é o que tem mais sentimentos.

    Outro aspecto interessante é uma linha muito tênue posta entre o bem e o mal. Afinal, os alienígenas estão na Terra e é nela que a história se passa. Nesse contexto, muitos não são realmente criaturas agradáveis ou até mesmo amigáveis, mas a principio o autor deixa claro que, às vezes, certos acontecimentos não são guiados pela maldade – ou pela loucura -, mas sim por algo incontrolável e a falta de escolhas, descobrindo que alguém que muitas vezes você acha que é o vilão da história é, na verdade, apenas mais uma vítima de algo que vai muito além.

    Para finalizar, devo dizer que o primeiro volume mostra dois aspectos de um mesmo universo e nos apresenta uma história rica que promete muito para os dois volumes seguintes. Um mangá repleto de detalhes que lidam com a coexistência entre duas naturezas discrepantes, mas que ainda assim carregam similaridades. Sem contar, claro, que o único motivo de uma das raças alienígenas mais perigosas que já destruíram inúmeros outros planetas viverem pacificamente na Terra é: baseball. Com isso dito, deixo minha recomendação para todos que procurem um ótimo e curto mangá para acompanhar.

    Texto de autoria de Thiago Suniga.

  • Crítica | Gosto de Sangue

    Crítica | Gosto de Sangue

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    Primeiro longa dos irmãos Coen, com roteiro de ambos e Joel na direção, Gosto de Sangue (Blood Simple) é um filme de 1984, praticamente ignorado no Brasil e relativamente desconhecido nos EUA, mas que começa a ser descoberto e cultuado pelo recente sucesso de Onde os Fracos Não Têm Vez e Bravura Indômita.

    O filme conta a história de um dono de bar, Marty (Dan Hedaya), casado com Abby (Frances McDormand), que por sua vez, tem um relacionamento extraconjugal com o funcionário do bar, Ray (John Getz). Com um clima noir e cenas referenciais a clássicos desse gênero, que passam também por Hitchcock, o filme se estabelece desde muito cedo como um suspense, mas tendo também leves toques de humor negro. Aqui ainda podemos ver vários elementos da narrativa dos Coen que serão melhor desenvolvidos e utilizados nos próximos filmes, como posicionamentos de câmeras estáticos e/ou muito lentos, que escondem certos detalhes, trabalhando com o som a fim de criar uma expectativa maior, diálogos (que muitas vezes criam tensão) com sotaques e palavreados locais, closes, etc.

    Por ser um baixo orçamento e um filme de estréia, a qualidade técnica e narrativa impressiona. Claro que por vezes o som parece ficar abafado, mas nada que comprometa a qualidade geral do filme. A cena onde o assassino fica preso com a faca na mão na janela é um exemplo de construção de tensão, onde acompanhamos lentamente a progressão dos eventos com uma apreensão quase como da vítima, que naquele instante não nos dá nenhuma pista a respeito do que está fazendo e o que irá fazer em breve.

    O tom escuro, fatalístico e irônico de uma história trágica é outro ponto positivo, pois os atos dos protagonistas nos chocam a todo instante, mas a sucessão de acontecimentos que fazem esses atos escalarem em uma jornada de horror dá a história o traço de “comédia de erros”, que pautará boa parte dos filmes da dupla nos anos seguintes, sendo cada vez melhor elaborada, como em Fargo.

    Em épocas onde superproduções atingem orçamentos estratosféricos, com histórias de 180 minutos tediosas e com personagens rasos, é bom descobrir obras menores como essa, que passam desapercebidas, mas que nos fazem renovar a fé em um cinema de qualidade, com algo a dizer além do óbvio.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Homem de Ferro 3

    Crítica | Homem de Ferro 3

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    Atenção, texto contendo spoilers.

    Para muitos, a questão primordial era pra onde ir após Os Vingadores. A grandiosidade alcançada pelo grupo não poderia ser repetida nos filmes solo dos heróis, mas isso não é um problema. Boas histórias sempre podem ser contadas, em diferentes escalas. Além do mais, o anúncio da chamada Fase 2 da Marvel no cinema indicava mais uma vez um planejamento bem controlado sobre as futuras produções, conduzindo a Vingadores 2 em 2015. Porém, tudo isso parece ter sido deixado completamente de lado. Entre uma ânsia incontrolável em dar um “fechamento” à trilogia (não deveria ser um reinício?), e questionáveis direcionamentos de roteiro, Homem de Ferro 3 na verdade deveria se chamar “As Aventuras de Tony Stark”. E não, isso não é uma coisa boa.

    A intenção básica de Shane Black, que assumiu a direção no lugar de Jon Favreau e também co-assina o roteiro, foi de humanizar Tony Stark. O que começa muito bem, mostrando o bilionário sofrendo uma espécie de estresse pós-traumático devido aos eventos de Nova York. Entre pesadelos, privação de sono e ataques de pânico, ele se dedica a aperfeiçoar suas armaduras, para estar preparado pra qualquer coisa que o mundo jogar contra ele ou seu amor agora assumido, Pepper Potts. E o próximo perigo já desponta no horizonte: o terrorista Mandarim, com seus ataques sem deixar pistas e seus vídeos ameaçando os EUA. Também entram na jogada dois cientistas presentes no passado de Tony, Aldrich Killian e Maya Hansen, trazendo o projeto Extremis, uma espécie de terapia genética capaz de dar superpoderes a humanos normais.

    A partir do ataque à mansão de Stark é que as coisas começam a desandar. O ritmo fica confuso, cria-se uma barriga na história (nada no universo explica ou justifica a presença a daquele garotinho), surgem furos gritantes no roteiro, como os planos e ações do vilão que se contradizem e parecem mudar de uma hora pra outra. Porém, o erro fatal do filme acaba sendo mesmo a velha mania de TIRAR A ARMADURA. Entende-se a necessidade de usar Robert Downey Jr ao máximo, até pra fazer valer o milionário cachê que ele está levando. Mas é forçado demais ver Stark transformado num James Bond, invadindo locais e combatendo bandidos com apenas alguns apetrechos, demonstrando incríveis habilidades físicas. As cenas de ação envolvendo as armaduras são ótimas, o resgate dos passageiros do avião e a batalha final quase valem o ingresso. Mas é pouco, ainda mais quando se esperava que esse terceiro capítulo redimisse o maior defeito dos dois anteriores. Se ficava um gostinho de quero mais em relação às lutas, principalmente no segundo, pelo menos as histórias eram bem amarradas. Neste, nem isso.

    Outro fator prejudicado foi o humor. Como o trailer sugeria, a trama tentou ser mais séria, densa. Contudo, não quiseram deixar as piadinhas de lado, e o resultado é que elas ficaram parecendo mais bobinhas do que o habitual, e com um timing terrível. A cada momento pretensamente dramático, entrava alguma gracinha pra quebrar o clima. O destaque foi perto do clímax do filme, onde isso ficou inacreditavelmente ruim. Até por conta disso, a tal humanização não convenceu, pois não houve drama ou perigo real. Tudo se resolve facilmente para Tony Stark, com ou sem armadura. Aliás, ele ter que se virar sem seus trajes por tanto tempo também acaba se revelando uma forçada de barra incoerente, em grande parte por Jarvis ser retratado cada vez mais como uma entidade onipresente e onisciente, e não como uma inteligência artificial.

    Citando algo positivo, os aspectos técnicos são impecáveis como sempre. Ficou bacana o visual dos soldados Extremis, apesar de meio genérico, pareceu ameaçador. O trabalho de Shane Black enquanto diretor não compromete. Se a menos a Marvel o tivesse controlado melhor enquanto roteirista… os atores também fazem um bom trabalho. Nada de novo a ser dito sobre O CARA, nem sobre Gwyneth Paltrow. Já Don Cheadle, coitado, esse sofreu. A marqueteira “atualização” do Máquina de Combate para Patriota de Ferro até rendeu uma zoada legal. Mas Rhodes também foi vítima do ódio dos realizadores contra armaduras, e só fez pose até perder a sua também. A ele restou uma curta participação como o sidekick que combate o mal usando camisa polo. Rebecca Hall não teve muito a fazer com sua personagem sem muita utilidade na trama, enquanto Guy Pearce mandou bem fazendo o seu canastrão habitual.

    Já o Mandarim merece uma análise a parte. Ele parece estar concentrando quase toda a polêmica sobre o filme, cegando as pessoas para os problemas muito mais graves. Este vilão não é, MESMO, o temível nemesis do Homem de Ferro que é nos quadrinhos. Mas embora o fã tenha razão em bradar “nãããooo, o Mandarim é muito mais foda do que isso”, foi uma adaptação interessante. Coerente na proposta do filme de criticar (ainda que de forma rasa) a indústria armamentista e a manipulação da mídia, além de um sensacional tapa na cara de quem diz que os trailers entregam tudo e não existem mais surpresas guardadas para o cinema. E Ben Kingsley merece aplausos.

    Por outro lado, houve incoerência no modo como o filme tratou a postura do protagonista diante do Extremis. Na ótima saga de Warren Ellis e Adi Granov, Tony usa o vírus aprimorado em si mesmo, para adquirir maior controle sobre armadura e poder vencer o inimigo. Faria todo o sentido do mundo ver algo parecido no cinema, ainda mais no cenário criado do herói passando a temer ameaças desconhecidas. E nem precisou de algo cósmico, mágico, nada disso, ele viu surgir em seu próprio mundinho científico um adversário que não poderia superar só com suas armaduras tradicionais. Mas eis que então, indo na contramão de absolutamente tudo que o próprio filme havia plantado, Stark segue outro caminho.

    Que$tõe$ contratuais e a vontade de Downey Jr em si (ainda indefinida, é bom que se diga) são possíveis explicações, claro. Mas nada de bom resultou disso: Homem de Ferro 3 contradiz a si mesmo, se coloca fora da Fase 2 e nada faz para introduzi-la, e ainda prejudica monstruosamente Vingadores 2. Fica a expectativa que esse tropeço, o primeiro, não tire a Marvel Studios dos trilhos, e que os próximos filmes voltem a acertar a mão. E que essa não seja a última vez que vemos o Homem de Ferro/Tony Stark/Robert Downey Jr nos cinemas, pois seria uma despedida melancólica, ao som de uma marcha fúnebre ao invés do bom e velho AC/DC. Aliás, caramba, até isso faltou…

    Ps: cena pós-créditos fazendo ligação com os próximos filmes, tendo alguma relevância? Pra quê, né?

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | As Pequenas Mortes – Wesley Peres

    Resenha | As Pequenas Mortes – Wesley Peres

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    Wesley Peres é psicanalista e escritor. Embora relativamente desconhecido, seu primeiro romance, Casa Entre Vértebras, foi indicado ao Prêmio São Paulo de literatura e ao Portugal Telecom e venceu o Prêmio Sesc de melhor romance, três prêmios relevantes para a literatura em língua portuguesa (Cristovão Tezza, por exemplo, venceu todos eles com seu O Filho Eterno e virou uma estrela para os padrões da literatura nacional).

    Seu segundo romance, As Pequenas Mortes, tira o título da palavra (ou metáfora) francesa para orgasmo e marca desde a capa que sua maior influência é Georges Bataille. O protagonista é Felipe Werle, um músico obcecado com o câncer (que jura ter contraído na contaminação de césio 137 que ocorreu em Goiânia em 1987) e com Ana, a mulher por quem é apaixonado.

    Extremamente metalinguístico, o livro não possui exatamente um enredo, é mais uma longa divagação, uma forma do narrador/personagem/escritor do livro dentro do livro expurgar seus demônios. O tom alucinatório poderia ser cansativo ou soar pretensioso, mas Peres mantém seu livro curto e ironiza seu próprio protagonista: Werle é um esnobe, um obcecado e um homem detestável e a consciência que o autor parece ter disso tornam o livro mais palatável e fazem com que o pedantismo beire o ridículo e acabe funcionando como ironia.

    Em oposição ao tom muito etéreo também se coloca a influência de Bataille e aquilo que talvez seja o verdadeiro personagem principal do livro: o corpo. As obsessões e os fantasma de Felipe Werle todos giram em torno do corpo concreto: câncer, morte, sexo. O corpo de Ana é extremamente presente, enquanto sua personalidade se apresenta como fragmentos, cacos, algo de menor importância. Werle não vê qualquer consolo para a mortalidade em sua música, na arte, na posteridade como um todo, só lhe interessa a vida do corpo.

    Além de Bataille o livro se enche de referências que vão de Ingmar Bergman à Charles Dickens. Em alguns momentos é difícil saber se o que o autor busca é uma colagem ao estilo Tarantino, um roubo deliberado, ou se ele apenas tem dificuldade em digerir suas influências e joga nomes como credenciais. De qualquer forma, mesmo nos momentos em que as citações soam artificiais elas acabam se harmonizando com o tom metalinguístico e quase irônico.

    No fim, As Pequenas Mortes tem consciência de sua falta de voz própria e transforma isso em linguagem. É um recurso válido e que constroi um bom livro, mas os momentos em que Peres parece mais livre de suas influências indicam um escritor que ganharia muito se desvestisse a armadura de referências. Apesar disso é um livro original, inventivo, que explora a linguagem de um jeito interessante e é auxiliado por um ótimo projeto gráfico, com páginas manchadas de azuis, como o césio 137 que tanto assombra Felipe Werle.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Somos Tão Jovens

    Crítica | Somos Tão Jovens

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    Não há dúvida que o Somos Tão Jovens ganha um prestígio maior por ter uma “trilha sonora” tão conhecida. E, segundo informações da própria produtora do filme, todo o som foi captado no momento das gravações, ou seja, ao vivo. O que confere a verossimilhança necessária para fazer o espectador mergulhar no filme e curtir o som e a estória. Mas nem tudo são flores. Apesar do roteiro ser bem amarrado, não ter “barrigas” e balancear bem trama e música, a tentativa canhestra de inserir frases das letras da Legião nos diálogos não caiu nada bem. As falas parecem forçadas, como se os atores estivessem recitando um soneto de Camões. À parte isso, quando não tentam ser líricos e artificialmente poéticos, os papos entre os adolescentes têm naturalidade e um bom ritmo.

    Vale destacar a reconstrução da época, detalhada e bastante cuidadosa. Não só nos figurinos, penteados e cenários. Mas também os carros (placas inclusive), eletrodomésticos, bebidas, cigarros, até logomarcas de empresas que existem até hoje mas que tinham um layout diferente do atual – o caminhão de uma marca de sorvetes bem conhecida, cujo logo era amarelo, branco e azul marinho, despertou boas lembranças. Pode parecer pouco importante, mas o cuidado com esses pequenos detalhes garante que o espectador não se veja saindo do universo do filme ao perceber algo “mais moderno” que a época retratada.

    A escolha do elenco também foi cuidadosa. Thiago Mendonça, de forma quase assustadora, lembra demais Renato Russo. Em certo momento do filme em que o ator está barbado, a semelhança é ainda mais impressionante. E não é apenas física. Os maneirismos, o jeito de andar, de mexer nos óculos, de falar – está tudo lá. Mas nem todos os atores são sósias de seus personagens, mas nem por isso menos identificáveis. Edu Moraes, por exemplo, está longe de parecer Herbert Vianna. Porém os óculos são inconfundíveis, e Moraes consegue reproduzir a maneira de falar e os trejeitos de Herbert de modo bastante fiel. O restante do elenco também tem boas atuações, com exceção de Sérgio Dalcin (como Petrus) que não consegue dar credibilidade ao personagem ao não se decidir o quão carregado deve ser seu sotaque gringo. Contudo, sua participação é curta, e não chega a prejudicar muito.

    Mais que acertada a decisão de não retratar a vida de Renato Russo, mas sim a de Renato Manfredini Júnior. Acompanhar a gestação de uma das melhores bandas dos anos 80 é algo que prende a atenção do público, sendo ele fã ou não da banda. Afinal, gostando ou não, difícil algum espectador que não tenha ouvido, ao menos uma vez, alguma música da Legião Urbana. E, para os leigos, ou melhor, para os menos fanáticos, é interessante descobrir que os primeiros grandes sucessos da banda vieram dessa fase pré-Legião. E mais interessante ainda, perceber de onde veio o ímpeto criativo de Renato, a habilidade de contar estórias numa letra de música e, ao mesmo tempo, refletir os pensamentos e conflitos da sua geração.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Review | Spartacus: War of the Damned – 3ª Temporada

    Review | Spartacus: War of the Damned – 3ª Temporada

    spartacus-war-of-the-damned-3a-temporada“Melhor morrer pela espada do que pelo chicote de um mestre” – Spartacus.

    No fim das contas, sempre se tratou disso, por mais triste que seja. Não existem spoilers quando se trata da História, então já sabíamos como acabaria a saga do gladiador que liderou uma revolta contra a poderosa República de Roma. A graça sem dúvida estava na viagem, não no destino. E, após três temporadas e meia, a jornada chegou ao fim. Spartacus – War of the Damned concluiu em grande estilo a produção do canal Starz iniciada em 2010.

    O anúncio de que esta terceira temporada seria a última veio logo após o final da segunda. Assim, ao longo dos dez episódios finais, a sensação foi bem diferente em relação ao ano anterior, que teve alguns momentos de enrolação. Desta vez pareceu que estavam indo rápido demais, que alguns pontos poderiam ser melhor explorados, talvez prolongando a série por pelo menos mais uma temporada. Simples desejo de fã, talvez. Mas é fato que coisas como a liderança de Spartacus sobre um povo, não apenas um bando de guerreiros, ou até o personagem Caesar, tinham potencial pra render muito mais.

    A trama começou meses após a morte de Claudius Glaber. Conforme a fama de Spartacus cresce, mais e mais escravos fogem para se juntar aos rebeldes, que já somam mais de 30 mil pessoas. O fato de muitos serem mulheres e crianças torna cada vez mais difícil se mover com rapidez, conseguir abrigo e alimento. Pra não citar o fato de que “alimentar bocas que não são capazes de lutar” é apenas um dos fatores a gerar conflitos entre as lideranças do grupo. Em Roma, Spartacus já é visto como a uma ameaça séria, não apenas um incômodo. Após várias milícias serem derrotadas, o senado designa o poderoso, mas pouco amado, Marcus Crassus, o “homem mais rico da República”, para acabar com a rebelião. Ao seu lado, um jovem de família nobre e que já conta com grande reputação como guerreiro: Julius Caesar.

    A exemplo do que foi feito em Vengeance, tivemos de novo uma temporada dividida em dois momentos, com uma espécie de mid-season finale no quinto episódio. A primeira metade dedicou-se a apresentar os antagonistas romanos da vez, além de mostrar os rebeldes tentando se estabelecer em uma cidade, entre desavenças administrativas e dilemas morais sobre como tratar os cidadãos aprisionados. Já do meio para o fim, intensificou-se o duelo estratégico entre Spartacus e Crassus, com os ex-escravos gradativamente tomando consciência do inevitável, e buscando uma redefinição de “vitória” para fazer tudo aquilo valer a pena (e dar alguma consolação ao espectador).

    Nesse aspecto, todos os méritos do mundo para Liam McIntyre. Desta vez ele se mostrou perfeitamente seguro no papel de Spartacus, dominou todas as cenas e tornou muito mais crível a faceta de grande líder que se iniciou na temporada passada. O herói se deparou com as dificuldades internas de um governo, muitas vezes mais traiçoeiras que uma guerra. E, desde o início e cada vez mais, foi ponderado ao priorizar a segurança de seu povo ao invés de se atirar cegamente às batalhas. Isso o colocou em rota de colisão com Crixus. O Gaulês Invicto oscilou entre irmão e rival ferrenho de Spartacus, meio que numa homenagem à trajetória dele ao longo de toda a saga. Personagem mais presente na série (mais até que o protagonista, se contarmos o prequel), Crixus representou muito bem até o fim o espírito de um verdadeiro gladiador. Sempre ao lado dele, Naevia parou de chorar o tempo todo e teve uma atuação um pouco melhor, consolidada como guerreira.

    Ainda entre os rebeldes, Agron e Nasir foram os mais fiéis tenentes de Spartacus. Pena que, além disso, o arco dos dois concentrou-se num tedioso triângulo amoroso. Finalmente, Gannicus, o Senhor Fodão. No início, ele continuava lutando por lutar, em memória de Oenomaus e recusando-se a assumir uma responsabilidade maior. Sua descoberta do amor verdadeiro foi o caminho pra sua aceitação plena dos ideais de Spartacus. Entretanto, faltou um grande momento para ele na temporada. Em meio aos demais personagens e eventos, sua participação ficou um tanto apagada. O Deus da Arena certamente merecia mais.

    No núcleo romano, a primeira coisa a se destacar é que Ilithyia e Lucretia fizeram falta. A série perdeu tanto em tramoias e conspirações quanto em personagens femininas marcantes (Laeta quase chegou lá). Por outro lado, Crassus foi um ótimo inimigo: já em sua apresentação mostrou que Spartacus não teria vida fácil. Treinando com um famoso ex-gladiador (e garantindo o momento mais épico da temporada quando colocou o treinamento em prática), ele mostrou seu diferencial em relação aos outros romanos: arrogante, sim, muito, mas não estúpido. Respeitando o adversário, procurando compreendê-lo, para assim poder vencê-lo. Seu filho e segundo em comando, Tiberius, começou como um merdinha e evoluiu pra um vilão detestável. Como ponto negativo, grande parte do desenvolvimento dos dois se apoiou na escrava Kore, numa trama arrastada e sem graça na maior parte do tempo.

    Por fim, Caesar. Sua presença foi uma liberdade criativa dos produtores, pois não há qualquer registro de que ele tenha se envolvido na caça a Spartacus. Antes da temporada começar, surgiu um boato (até agora não confirmado) de que havia a ideia de um spin off estrelado por ele. O personagem até iniciou tendo destaque e sendo bem trabalhado, com sua infiltração no grupo rebelde. Inclusive, sua cena com a romana violentada sugeriu uma intenção de torná-lo mais heroico, ou pelo menos alguém não totalmente maligno. Mas isso acabou sendo deixado de lado, e Caesar foi se apagando até virar um mero coadjuvante de Crassus e seu filho. Até mesmo a tentativa de criar uma rivalidade sua com Gannicus acabou não sendo tão bem explorada.

    Se no desenvolvimento de personagens a série deixou um pouco a desejar, nada pode ser questionado em relação à ação e efeitos visuais. Já acostumados a não contar mais com arenas (ainda assim rolou uma bela homenagem a isso no penúltimo episódio), os produtores se empenharam em fazer combates cada vez melhores e mais grandiosos, culminando na incrível batalha campal mostrada no capítulo final. Quando se fez necessário mostrar os NÚMEROS envolvidos, a produção surpreendeu e foi muito além do que se espera na televisão.

    Num mundo onde tantos seriados começam legais e se desgastam ao se prolongar além do necessário (alô, Supernatural), um fim prematuro, ainda que em alta qualidade, é uma vitória com gosto amargo. Será uma pena se não houver um spin-off ou mesmo outra série similar (o que parece ainda mais improvável). Consistente em sua proposta, bem escrito, empolgante e visualmente espetacular, mas ainda assim subestimado e vítima de muito preconceito, Spartacus ficará marcado como um dos produtos mais diferenciados já vistos no meio televisivo.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Oblivion

    Crítica | Oblivion

    Mesmo não sendo o suprassumo do gênero, este é um filme de sci-fi para fãs de sci-fi. Não só pela história em si – felizmente, não apenas um mundo pós-apocalíptico como pretexto para cenas de ação -, mas também pela infinidade de referências a outras obras de ficção científica que fãs mais aficionados certamente se divertirão identificando. E a quantidade de referências chega a ser, ao mesmo tempo, qualidade e defeito, já que em vários momentos faz o espectador “sair” do filme ao tentar lembrar a qual obra remete aquela cena, diálogo ou cenário. Numa contagem rápida e rasteira, há referências a oito filmes, sendo Wall-E e 2001 – Uma odisseia no espaço as mais óbvias – algumas das demais é preferível não citar, pois configuraria spoiler.

    O roteiro foi baseado numa graphic novel homônima do próprio Joseph Kosinski, com desenhos de Arvid Nelson. E, assim como em seu filme anterior – Tron: o legado – Kosinski apresenta ao espectador um ambiente visualmente interessante, bem menos grandioso mas totalmente condizente com a realidade do futuro não muito distante em que se passa a história. A “casa” acima das nuvens em que vivem Jack Harper (Tom Cruise) e sua parceira, Victoria (Andrea Riseborough), com seu visual clean e asséptico – em branco e prata, além de muitas transparências – faz o contraponto na medida com o ambiente inóspito da “superfície”.

    Interessante notar que os personagens também refletem essa dicotomia. Enquanto Vika parece fazer parte da residência – tão arrumada e estéril, sem nenhum fio de cabelo fora do lugar – Harper parece deslocado ali dentro, menos à vontade do que quando exposto à poeira da superfície devastada. Em vários momentos, o comportamento de Vika – condicionado, irredutível, robótico até – faz pairar uma dúvida sobre sua humanidade. Em contrapartida, apesar dos trejeitos de Ethan Hunt, Harper é nitidamente mais “gente como a gente”, saudoso do planeta que conhecia antes do ataque alienígena. Completam a galeria de personagens Beech (Morgan Freeman) e Sykes (Nikolaj Coster-Waldau, o Príncipe Jaime de Game of Thrones).

    A primeira meia hora do filme é bastante lenta, com vários trechos que, se suprimidos, não fariam falta – inclusive a introdução inicial com narração em off, já que Harper repete toda a história para Julia Kusakova (Olga Kurylenko) após resgatá-la. Além disso, várias cenas contemplativas, embora agradavelmente embaladas por Led Zeppelin, poderiam ser encurtadas sem prejuízo algum. Ao contrário, certamente o ritmo da narrativa se beneficiaria, evitando tantas “barrigas” durante o filme. É nítida a intenção do roteirista/diretor de apresentar detalhes do universo do filme e de seus personagens. Porém isso poderia ter sido feito não necessariamente de uma maneira mais dinâmica, mas certamente mais enxuta. O ritmo da trama parece se ajustar após esses 30 minutos iniciais, conseguindo mesclar bem as cenas de ação e as de questionamento e/ou explanação dos eventos. Infelizmente, as várias perguntas, tanto de Harper quanto do espectador, vão se acumulando no decorrer do filme e o roteiro tenta respondê-las nos 20 minutos finais. O clímax não fica bem resolvido, explicações são dadas às pressas e de forma explícita – o que, de certa forma, presume que o espectador seria incapaz de perceber detalhes -, reafirmando a falta de consistência narrativa.

    A premissa é boa, os personagens são bons, o filme é visualmente impressionante, os efeitos especiais são bem feitos, abundantes mas pouco invasivos, a trama tem algumas reviravoltas interessantes. Pena que o roteiro não consiga amarrar isso tudo de uma forma melhor. Tem-se a impressão de que há muitas boas ideias, mas alguma falta de maturidade ao organizá-las. Mas também há indícios de que Kosinski está no caminho certo, se continuar evoluindo desse modo.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Fargo

    Crítica | Fargo

    fargo

    Faz tempo que tenho a mania de ver as filmografias de grandes diretorias na ordem, e recentemente quis ver a de Joel e Ethan Coen. Porém, com eles resolvi começar pelo meio. O que me fez pular a ordem cronológica de filmes dos irmãos Coen e começar por Fargo foi ter lido que eles colocam um aviso no início dizendo que a história foi baseada em um acontecimento real, quando na verdade não foi. Desde quando li isso, já fiquei intrigado, pois adoro subversões desse tipo, sem compromisso nenhum com a realidade. No entanto, apesar de não ter esse compromisso com a nossa realidade, Fargo tem compromisso com sua própria realidade, como todo grande filme deve ter. E, nesse aspecto, entrega tudo o que promete.

    O eixo da história deve ser familiar a todos. William H. Macy interpreta Jerry Lundegaard, um pai de família desesperado para arrumar dinheiro, pois estaria com problemas financeiros (o que se desenrolará em outra história posteriormente). Então, contrata dois bandidos, Grimsrud (Peter Stormare) e Showalter (Steve Buscemi) para sequestrarem sua mulher e assim dividirem o dinheiro do resgate, que seria pago pelo sogro rico e extremamente crítico em relação a Jerry. No entanto, uma sucessão de pequenos acontecimentos vai mudando a história, que vai aumentando e tomando proporções muito maiores do que as planejadas por Jerry, pois, na fuga, os bandidos matam três pessoas na estrada, sendo um policial e dois viajantes que deram azar de estarem ali naquela hora.

    Os assassinatos acontecem na pequena cidade do interior, no norte dos EUA, onde a policial Marge Gunderson (Frances McDormand) é encarregada de investigar o crime, mesmo estando grávida de sete meses. E é quando Marge entra na história que tudo passa a ficar ainda mais intrigante e emocionante. Sem deixar de passar a delicadeza e bondade de uma mulher do interior, Marge passa a firmeza, inteligência e obstinação de uma policial normal, não dos filmes americanos tradicionais, para resolver um crime baseando-se apenas na investigação.

    Conseguimos também ver os detalhes menores, que geralmente não vemos, quando Marge viaja de uma cidade a outra e chega a um hotel, telefonando para a polícia local avisando que chegou, quando estamos habituados a ver simplesmente policiais se teletransportando e estando em cidades diferentes em intervalos de minutos.

    Marge segue os passos dos bandidos e chega até a concessionária de carros administrada por Jerry, que logo começa a dar sinais claros de preocupação. Com uma investigação simples, calma e baseada apenas em instinto e interpretação, Marge vai, cada vez mais, se fortalecendo no filme, mesmo transbordando fragilidade com sua imensa barriga de grávida, o que nos deixa apreensivos em relação ao encontro dela com os sequestradores, que mostram várias vezes seu grau de violência no filme, principalmente no terceiro ato, cuja simplicidade da resolução nos deixa satisfeitos justamente pelo realismo da cena.

    Outro ponto positivo é a paisagem branca da neve do norte dos EUA, cobrindo estradas, ruas e casas. Funciona quase como um personagem à parte ao contrastar a homogeneidade e a paz do branco com o sangue derramado pela violência dos bandidos. No entanto, o forte mesmo do filme está nos diálogos, que emulam os sotaques do interior dos EUA, com palavreado local e frases feitas, dando o toque de humor negro, característico dos Coen, a cenas com potencial dramático intenso. Dessa forma, o principal mérito em seus filmes geralmente é a forma como eles a contam, e não a história em si, por mais que a história seja boa.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Morte do Demônio

    Crítica | A Morte do Demônio

    Evil-Dead-Poster

    Remakes podem ter diversas motivações para serem feitos: quando um filme europeu ou latino-americano faz um sucesso inesperado e Hollywood aproveita para vender a ideia ao público americano que não vê filmes com legendas, porque um diretor quer revisitar sua própria obra ou porque parece rentável atualizar um clássico de outras épocas e vende-lo para novas gerações. A Morte do Demônio é sem dúvida o último caso: o filme que lançou Sam Raimi não foi exatamente refeito, mas relido, adaptado ao paladar de uma geração acostumada a zumbis realistas e computação gráfica.

    A história sofreu algumas alterações: agora o filme se centra em Mia, uma jovem que decide largar as drogas e para isso convoca seu irmão e melhores amigos para se internar em uma cabana enquanto ela passa pela abstinência. A tentativa de tornar os personagens mais profundos, mais dramáticos, faz com que o filme comece clichê, mas é um acerto de Fede Alvarez (o estreante que dirige o filme, produzido pelo próprio Raimi) manter essa história apenas como pano de fundo e usa-la quando convém para amarrar a trama dos demônios.

    O que se segue é a mesma coisa: os jovens encontram um livro encapado em pele no porão, sem querer liberam os demônios que habitam a floresta e durante 40 minutos os sobreviventes lutam por suas vidas. A Morte do Demônio sem dúvidas começa fraco, uma explicação desnecessária para os demônios na floresta, a menina viciada, o drama entre ela e o irmão, as atuações ruins, tudo isso soa como Stigmata, Na Companhia do Medo, ou qualquer filme de terror supostamente profundo e sem graça, mas quando o sangue começa a jorrar na tela, Alvarez se encontra.

    Se havia algo de genuinamente perturbador na artificialidade do primeiro filme, aqui, ao menos em um primeiro momento, o terror vem por meio do realismo. As feridas e o sangue são realistas suficiente para que o espectador se incomode, a dor dos personagens causa uma reação real e por vezes a sala toda interage em expressões de nojo e aflição. Funciona, incomoda, mas falta charme, ironia, aquilo que tornou tão emblemático o original.

    Mas a violência escala rapidamente e o que era realista vai se tornando absurdo. Os personagens decepam os próprios membros sem qualquer apego e em jatos de sangue dignos de Tarantino, o filme assume definitivamente sua veia trash e demonstra porque é um remake que funciona.

    A Morte do Demônio não é fiel ao original, mas o tem sempre em mente: há pequenas referências divertidas, como um moletom da Michigan University, a personagem que desenha e mesmo a forma do colar que o irmão de Mia dá de presente a ela. E se por um lado existem alterações de roteiro, por outro Alvarez chega até a repetir planos de Raimi e toda sua decupagem é uma homenagem ao cineasta. A consciência que o diretor tem de seu trabalho e do objetivo de seu filme também ajudam.

    Alvarez sabe que precisa vender, sabe que o que está fazendo é tentar atrair uma audiência fascinada com The Walking Dead para os filmes de terror e quem sabe dar novo fôlego comercial ao gênero e ironiza suas próprias saídas fáceis. Ele dá uma trilha sonora brega e planos com cara de anos 80 a cena mais emocionalmente dramática do filme, faz sua protagonista arrancar o braço de baixo de um carro como se fosse borracha e termina tudo com uma chuva (literalmente) de sangue. É nojento, irreal e sim, ruim, mas é exatamente isso que se espera de A Morte do Demônio e funciona.

    No fim, o remake não é inventivo, ou original como o filme de Sam Raimi, mas não o perde de vista, honra sua memória e assume com dignidade o trabalho de atualiza-l0 e devolve-lo a vida. Cumpre sua função de incomodar, entrega a quantidade de sangue esperada e, mesmo sem a ironia fina do primeiro, diverte.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Resenha | A Corrente: Passe Adiante – Estevão Ribeiro (1)

    Resenha | A Corrente: Passe Adiante – Estevão Ribeiro (1)

    correntecapaUm livro nacional que, a princípio, não me chamou atenção alguma quando o vi e que não fez muito quanto a isso enquanto eu seguia na leitura. Porém, convencido de que poderia me surpreender, apostei e comprei. Dessa forma, me deparei com uma obra repleta de sangue, mortes criativas, pesadelos e cenários assombrados com descrições físicas muito boas, mas que se perde na intenção de apenas colocar medo, aparentando assim ser apenas um roteiro genérico de algum filme de terror.

    A leitura desse livro foi basicamente como assistir O Massacre da Serra Elétrica (a versão “nova”) quando o que você realmente desejava era ver Os Outros. As descrições físicas dos espaços, do sangue jorrando e das mortes grotescas são excelentes, mas senti que faltou aquela profundidade dos filmes de suspense que te deixam inteiramente tenso, com muito pouco foco naquilo que os personagens estão sentindo – medo, pavor, dedos trêmulos, silêncio opressor, visão turva, suor frio, calafrios, arrepios (e assim vai…) -, enquanto se prende mais no terror/horror das cenas, deixando de lado o suspense da atmosfera.

    Os personagens são interessantes, mas se você – assim como eu -, tiver um histórico razoável de filmes de terror, vai encontrar o desfecho do livro logo no começo. Pois, mesmo que a história seja diferente das outras, há muita similaridade na maneira que a história decorre, deixando assim uma sensação de que você já conhece aquilo, fazendo assim com que a empolgação se limite a certos pedaços da obra, ao invés de se estender por toda leitura. Muitas vezes tive a impressão de estar lendo a mesma coisa várias vezes, e isso foi um dos aspectos que mais me incomodou.

    O final não decepciona, mas também não surpreende. A parte mais interessante do livro é a história da antagonista, que é quando você realmente se perde na leitura e ela – enfim – começa a fluir, porque após isso você quer saber mais e mais sobre o que aconteceu e qual é o mistério que a envolve. Nesse aspecto, o autor soube muito bem como guiar os acontecimentos e manter esse mistério até o final.

    Dito isso, não posso afirmar que não gostei do livro, independente dos vários pontos negativos já citados. Não é uma história mal contada, nem com problemas de continuidade e acontecimentos contextualmente desagradáveis. Porém, me deixou com a evidente sensação de que esse é um livro para ser assistido ao invés de lido, seja pelo seu ritmo, pela história em si ou pela maneira que é contada.

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    Texto de autoria de Thiago Suniga.