“Nunca aceite o ‘sim’ como resposta”.
Esse é o lema de um jornalista britânico, que como todo intelectual no Mundo Ocidental, sofre dos males do cinismo frente a uma Sociedade emocionalmente auto-destrutiva. Em um lado da moeda temos as pessoas alienadas da realidade, e em outro, aquelas que são esmagadas pela contemplação de um mundo construído sobre mentiras repetidas e falsas promessas. Acredito que o Bob Dylan uma vez disse: “Anúncios publicitários que te tapeiam em pensar que você é aquele que pode fazer o que nunca foi feito, que pode ganhar o que nunca foi ganho, enquanto isso, lá fora , toda a vida continua ao seu redor” (traduzido).
É exatamente disso que esse livro se trata: sobre a prisão que acabamos construindo pra nós mesmos dentro das nossas cabeças. Aldous Huxley nos conta em 300 páginas a história de um povo que conseguiu achar outra saída, tendo a consciência de que a nossa inteligência evolutiva não precisa ser um fardo e tampouco fonte de sofrimento constante. Sua receita é simples, embora o resultado possa não ser assim tão fácil de engolir. Seguem algumas passagens curtas do livro que podem servir pra ilustrar o que quero dizer:
“O ‘eu’ que penso ser e o ‘eu’ que realmente sou. Em outros termos, o sofrimento e o fim do sofrimento.”
“Define-se como ‘fé perfeita’ algo que traz uma completa paz de espírito. Mas a paz de espírito integral é coisa que praticamente ninguém possui e, sendo assim, a fé perfeita não existe. Consequentemente, todos nós estamos de antemão condenados à punição eterna. Quod erat demonstrandum.”
“Na escola que eu freqüentava não aprendíamos coisas. Só nos ensinavam palavras.”
“Os povos são ao mesmo tempo os beneficiários e as vítimas das suas próprias culturas.”
“No fundo, todos vocês não passam de platônicos que adoram as palavras e detestam os fatos.”
Em seu último romance escrito, Aldous Huxley (famoso por sua fantástica fábula futurista “Admirável Mundo Novo”, referência na ficção científica-política) conta a história de Will Farnaby e sua libertação espiritual e filosófica em Pala, um refúgio paralelo a um cenário bipolar durante a Guerra Fria. Will viaja o mundo como repórter correspondente, exercendo secretamente o papel de intermediário nas negociações do dono do Jornal em que trabalha, um poderoso magnata do petróleo. É assim que ele acaba naufragando próximo a pequena ilha de Pala, onde na manhã seguinte, depois de ser acordado por gritos incessantes e desumanos de “Atenção” (um dos mais importantes recursos de Simbolismo presentes na história), é resgatado pelos nativos. Ainda traumatizado com a experiência de se ver subitamente rodeado de animais selvagens em um lugar desconhecido e com uma das pernas quebrada, Will passa por um tratamento psicológico que até então desconhecia, e se surpreende com sua eficácia. Sua curiosidade em relação aos métodos adotados por aquele povo é incitada e, durante sua recuperação, ele passa a conhecer muitos dos habitantes de Pala. Um deles é o Dr. MacPhail, descendente direto de um médico escocês que chegou a ilha já fazia mais de um século, inaugurando a influência Ocidental na cultura de Pala. Conforme o seu envolvimento com os nativos se torna mais íntimo, Will começa a absorver os conceitos apresentados a ele, descobrindo assim uma sociedade quase utópica, onde uma impressionante fusão entre o conhecimento científico Ocidental e a Espiritualidade Oriental dita todos os aspectos da vida da população. Deslumbrando-se com os longos e esclarecedores discursos de seus mais influentes habitantes, Will passa a hesitar sobre a intenção de seu chefe de, juntamente com os renegados do regime, promover a industrialização da ilha através do petróleo.
Alternando entre discussões sobre Ciência, Religião, Filosofia, Sexo, Hipnose e Psicologia, Huxley nos apresenta um Estado Ideal, em que o foco é a plena satisfação de todos os potenciais de cada ser humano, em contraste com a realidade cruel de um mundo segregado entre um consumismo desenfreado e ditadores totalitários. Diferentemente de seu romance mais famoso, em que o enredo flui em uma história dinâmica envolvendo diversos personagens distintos, “A Ilha” é uma jornada individual em que o leitor é exposto a análises incrivelmente detalhadas e fulminantes de toda a estrutura da cultura a que foi condicionado. Huxley levanta questionamentos que sempre estiveram presentes em qualquer mente inquiridora e nos faz pensar sobre como encaramos nossa vida, o mundo ao nosso redor e a existência em si.
Pra quem está preparado pra esse tipo de aventura, o romance pode servir como pontapé inicial de uma revolução em seu modo de pensar e de viver. Nenhuma questão é deixada sem resposta e o final transcende qualquer senso comum de auto-compreensão.
Certamente vale a pena conferir a viagem, se o leitor for aberto a novas ideias e, acima de tudo, a morte das ideias antigas.
Compre: A Ilha – Aldous Huxley.
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Texto de Thiago Debiazi.