Categoria: Cinema

  • Crítica | Hitman: Agente 47

    Crítica | Hitman: Agente 47

    Hitman- Agente 47

    Segunda versão cinematográfica baseada no jogo lançado pela IO Interactive em 2000, Hitman: Assassino 47 é uma nova tentativa da 20th Century Fox, mesma produtora do primeiro longa, de investir em uma franquia de sucesso nos consoles e PC. Uma fonte que sempre resultou em adaptações difíceis, sendo Resident Evil – Hóspede Maldito uma das versões mais conhecidas.

    O grande desafio de adaptar um jogo para os cinemas se deve à fidelidade necessária à história e à construção de uma narrativa que mantenha o mesmo conceito conhecido por seus jogadores e tenha um alcance universal para o público em geral. Muitos jogos se baseiam em um argumento base e se desenvolvem em missões, transitando por temas semelhantes, um estilo que pode abarcar o cinema mas nem sempre representá-lo com qualidade.

    Os preceitos fundamentais do game, sobre um assassino profissional clonado e modificado geneticamente, são estabelecidos nos minutos iniciais da produção, em uma narrativa em off. À semelhança da origem do herói Capitão América e o soro do Super Soldado (criado por uma equipe que morre logo após a experiência com Steve Rogers), o único homem capaz de reproduzir a experiência do Agente 47 está desaparecido e começa a ser caçado por uma agência para repetir a experiência e compor um exército.

    Com o diretor estreante Aleksander Bach e uma trama escrita pelo mesmo roteirista do primeiro longa-metragem, é evidente que a série não é tratada como um produto de primeira linha com possibilidade de alta rentabilidade. Mas sim uma narrativa voltada para um alcance médio de público, capaz de pagar seus gastos e obter algum lucro. Inicialmente, a personagem inicial  provavelmente seria de Paul Walker. Um provável desafio para o ator sorridente incorporar um papel fechado e normalmente inexpressivo, além de garantir um atrativo ao público. Infelizmente, Walker saiu de cena antes do início da produção e o britânico Rupert Friend assumiu o papel.

    Com uma figura naturalmente apática devido a sua programação para se tornar um assassino de aluguel, a identificação com a personagem é difícil. A trama é claramente voltada para a ação com uma miscelânea de estilos diversos vistos em outras produções na última década: lutas corporais com golpes brutais, cenas bem ensaiadas como balé, exageros que desafiam a lei da gravidade, câmeras que acompanham a movimentação das personagens e imagens cujo impacto visual, com uso de reflexos e cores quentes, em contraste com a fotografia azulada, se destacam.

    Objetivo ao extremo em sua narrativa, as cenas de ação ao menos se sustentam e seus personagens transitam de uma cena a outra sem muita evolução. Talvez se houvesse maior dedicação e elaboração no projeto, o produto seria melhor além de um filme de ação que peca pela falta de estilo próprio, mesmo que seu argumento base seja suficiente para ser bem trabalhado nas mãos de bons roteiristas. Como um encadeamento de cenas de ação, Hitman: Assassino 47 pode satisfazer e – de fato – sua bilheteria comprova que a produção foi capaz de pagar seu orçamento e ainda obter lucro. Porém, falta muito para que seja um filme minimamente considerável e, como a produção anterior, com Timothy Olyphant, será esquecido em breve, engolido por bons lançamentos do ano e, futuramente, adaptado por uma terceira vez ou sumariamente renegado aos bons jogos lançados até então.

  • Crítica | A Seita

    Crítica | A Seita

    A Seita 1

    Futurista, A Seita é o novo filme de André Antônio, realizador também de Canto de Outono. A trama gira em torno do personagem de Pedro Neves, que, no ano de 2040, decide retornar das colônias espaciais para viver no Recife, encontrando assim o cenário bastante parecido com o dito contemporâneo. Destacando cores, sabores e manias peculiares, a obra trata a questão da homo afetividade não como algo proibido pela sociedade, pressupondo ao menos em um primeiro momento que o social já não segrega mais o homossexual.

    Antonio não tem pudor em retratar um protagonista que age como um verdadeiro predador sexual, tampouco se furta em mostrar a nudez masculina de forma erotizada, sob um enfoque normalmente atribuído ao sexo feminino, com detalhes nas nádegas e em pernas desnudas, focalizando em marcas de sunga, em diálogos repletos de modernidade e gírias, típicas da parcela jovial da população.

    Driblando a monotonia que algumas vezes domina o folhetim, o roteiro usa dos ditames sci-fi para fazer alegorias básicas sobre o virtuosismo que a classe dominante julga ter unicamente por abraçar as classes menos favorecidas, comparando o Recife com colônias espaciais. O tema é atualíssimo, especialmente pela propensão de hipócritas que se julgam protagonistas de lutas sociais unicamente por defender valores justos, que são supostamente parte do comportamento obrigatório de qualquer progressista.

    No entanto, até esse conteúdo de contestação não é propriamente desenvolvido, e sim sugerido. A ideia de A Seita poderia ter sido muito mais, ao passo que esbarra em uma pretensão de produzir algo magnânimo, que resulta em um produto pouco inspirado e que tenciona arrotar uma erudição que claramente não é a sua, causando no espectador um incômodo não com os conceitos que tentou alcançar, mas sim com a execução trôpega a que é submetido.

  • Crítica | Mr. Turner

    Crítica | Mr. Turner

    mr. turner

    O Cinema está muito mais para a cozinha que para a pintura. É que assistir a um filme e analisá-lo remete, muito mais, ao exercício gourmet que as pinceladas e ao mero observar de um painel, até porque só observar Era Uma Vez no Oeste, por exemplo, não é o bastante: É preciso degustar a obra de Sergio Leone, aliás sua filmografia inteira se possível. Mas e o fazer Cinema? Nisso, talvez, seja possível juntar as duas artes. Cinema é tempero, é ponto certo, ou ponto propositalmente errado, pode ser ebulição, mas também é cor, é visual, é harmonia pictórica e o escambau. Tudo junto e misturado, no que compete aos grandes filmes, mas não no caso de Mr. Turner.

    O filme de Mike Leigh é de uma beleza acachapante, tanto que é possível até sentir o cheiro de uma direção de arte e belezas naturais que explodem na tela. Mas se o Van Gogh de Robert Altman se assemelha ao valor estético de uma obra do genial pintor dos girassóis, o filme de Leigh, no erro de separar o homem do seu ofício, não consegue se apropriar ou sequer plagiar a graça de A Erupção do Vesúvio, de 1817, um dos quadros mais célebres de um grande artista. Grande demais para ser estudado a partir do homem, e não da riqueza que se esconde por trás da obra.

    Quando Timothy Spall, soberbo e vencedor de Cannes pelo papel, olha pela janela de seu ateliê quente e terminal, em busca d’um raio de inspiração, a cena sintetiza, por ironia, a maior deficiência do filme: A incapacidade de olhar para dentro de si mesmo, do que comandava as mãos daquele pintor, e apontar a direção certa para o degustar de uma cinebiografia insegura, com muito para dizer, mas que se apoia mais na dialética não-crítica do mostrar. É o exato oposto de filmes como Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, que, por mais interesses que carregava, falou mais do que mostrou, e também naufragou, feito outro dos quadros de Turner. Cinema é equilíbrio.

    Já a encarnação de Van Gogh por Maurice Pialat, em 1991, seja, talvez, o melhor “filme de pintor”. Acontece num espaço-tempo quando uma leve fidelidade aos fatos reais encontra uma condução perfeita, sem agressividades de nenhum tipo às vericidades do que é original, a fim de realçar tons e dar a outros um caráter mais abstrato, inclusive libertino. O bom gosto jamais é afetado pela vida inquieta do artista, mas pela interpretação livre tanto do homem quanto do seu ambiente – um trabalho europeu dos mais eloquentes, na razão de que qualquer arte submetida ao Cinema é naturalmente subvertida a sétima-arte, dado o poder de uma câmera diante de pincéis ou instrumentos musicais.

    O filme de 2014 muitas vezes não resiste e entrega quadros em movimentos, tamanho o espetáculo dos planos guiando-nos por uma visita ao museu das vaidades. Sim, pois é triste ver como Leigh deixa suas presunções dominarem momentos onde a liberdade criativa confunde-se com a ostentação de um cineasta já experiente, inclusive de suas manias, mas que deixa o filme à mercê de suas pompas e outros vícios. Cineasta ama brincar de Deus, e Mr. Turner não tem tempo pra transar; ele precisa criar e pintar quem está na cama o esperando; o mesmo diz-se de Leigh: não há tempo oportuno para cozinhar propostas na exposição de uma vida bem vivida. O diretor de Segredos e Mentiras é rápido e foca no icônico, e quando gira sua câmera ao coração e às artérias do artista, o filme perde totalmente seu fôlego. Foca tanto no expôr, de novo e de novo, que esquece o sugerir, o caro e valioso elemento do “pode ser”. E do jeito que foi feito para ser, Mr. Turner só não é um filme acadêmico dos mais caros porque Leigh, sabiamente, deixa Turner falar mais do que fala por ele.

    Eis a maior qualidade de uma cinebiografia, bem representada aqui. Seja como for, a meia hora final é como assistir, em slow motion, a alguém jogar baldes de leite em quadros de cores quentes. Nada se decompõe, mas a percepção emocional do “quadro geral” avisa-nos que, no contraste com a vida do pintor, não há muita energia restante na linguagem perto do fim. Estimular percepções é trabalho de mestre, triunfo que artistas do nível de Leigh ou do pintor britânico já atingiram, sem comparações de habilidade, mas pelo tempo de serviço, cada um em sua arte, cada um na sua época. O Cinema deve muito a Pintura, em especial ao pós-impressionismo de Gogh e Cézanne, mas pelo que de mais imensurável habite os painéis (nada gratuitos nas intenções) do nosso conturbado William (e que de fato se esconde), o visualmente belo Mr. Turner, tal várias teorias de comunicação e o cubismo cafona de Romero Britto, já nasceu ultrapassado.

  • Crítica | Coração de Caçador

    Crítica | Coração de Caçador

    Coração de Caçador - capa dvd

    Começando por um comentário metalinguístico, focado em uma figura poderosa da indústria cinematográfica, mas com uma básica distância de estereótipo entre intérprete e personagem, Coração de Caçador conta a história do diretor de cinema John Wilson, que, com estilo excêntrico e esbanjador, se diferencia pelo tédio excessivo que o faz viajar para a África a fim de realizar o seu filme. Ou algo que o valha, já que tudo se torna pretexto para experiências “diferentes”.

    Wilson tem um estilo bon vivant, fazendo com que o estúdio tenha uma preocupação excessiva com seus métodos, aspecto que dificilmente se veria no cinema de Clint Eastwood, dada a sua maneira econômica de trabalhar atrás das câmeras. O processo de convencimento para realizar a produção aos chefões do estúdio, para liberar a verba necessária para as viagens ao continente, revela não só a resistência do cineasta em mudar de ideia, bem como referencia a obsessão que ocorreria ao finalmente adentrar o cenário de suas novas aventuras.

    O diretor é sempre acompanhado de seu amigo e roteirista Pete Verrill (Jeff Fahey), que se aproxima vagarosamente, perguntando sobre o projeto do filme, para logo se tornar o seu escudeiro em meio à jornada da realização cinematográfica. Quase todos os personagens no entorno do protagonista têm alguma ligação com a produção de filmes, fazendo lembrar os detalhes do ideário presente nas personagens da série televisiva Entourage, ainda que o caráter de ambas as propostas seja bem diferente.

    As atitudes da personagem mudam com o tempo, deixando-se de lado a curiosa pecha de playboy carismático, para tornar-se uma brutalização pessoal que se dá de modo gradual, retardando em alguns momentos, agindo como um adolescente em fúria, que busca qualquer motivo para encrencar-se. A prática da caça de animais selvagens torna-se cada vez mais frequente, servindo de alegoria à necessidade do homem de estabelecer contato com seu lado predatório.

    Seus desejos encontram eco nas atitudes de inúmeros diretores premiados e de outros artistas que superestimam seus talentos e seus produtos, inclusive em relação ao final, o qual menciona uma epifania – ou pseudo epifania – cujo significado ou é muito pessoal ou zerado de significado, alertando para os “mistérios” inventados na mente do artista entediado. O roteiro de Burt Kennedy, James Bridges e Peter Vierte é repleto de subtextos, mas já na sua camada superficial nota-se um paralelo com a urgência do homem em arrumar subterfúgios para dar vazão a sentimentos e sensações das mais básicas, usando a vaidade como ponto de partida de uma discussão sobre arte, vaidade e soberba.

  • Crítica | Operação Valquíria

    Crítica | Operação Valquíria

    Operação Valquiria - poster

    A história universal da humanidade se baseia, na medida do possível, na identificação de fatos e acontecimentos históricos. Conjecturas e possibilidades não se encaixam nesta linha, ainda que certas ações possibilitem a reflexão sobre se os rumos da história se modificariam caso certos planos fossem adequadamente executados.

    Operação Valquíria suscita tais questionamentos ao apresentar um plano, de parte dos militares alemães, para assassinar Hitler. Um acontecimento real, dentre os mais de 15 ataques contra a vida do ditador, em uma versão cinematográfica dirigida por Bryan Singer e com Tom Cruise no elenco. A produção talvez seja o filme mais dissonante de Singer. A bilheteria foi aquém do esperado, e o tema, diferente da narrativa usual do diretor. Ainda que as críticas feitas à produção devessem ser reconsideradas.

    Em um apoio fiel aos fatos históricos, a trama resgata um momento luminoso na história alemã em um bom thriller de guerra. As primeiras cenas feitas em língua alemã demonstram a intenção de fidelidade histórica. Quando a língua é modificada para o inglês, o público compreende que se trata de uma liberdade cinematográfica devido à origem de seus atores. Uma estratégia interessante que explicita a visão cinematográfica do acontecimento, um fator linguístico que foge das línguas-mãe de cada país e é motivo de reclamações por parte de críticos e público.

    A narrativa enfoca o plano de assassinato de Hitler considerando que o público compreende as bases fundamentadas na história da Segunda Guerra Mundial. Os militares perdem a visão uníssona devido a um grupo dissidente contra as ações do Führer , criando uma resistência interna que decide uma maneira radical de encerrar o conflito e reestruturar o país após a morte do líder.

    O general Stauffenberg se torna o personagem chave do grupo para desenvolver uma estratégia efetiva para matar Hitler. Vindo do front da África, após uma explosão que lhe custou as mãos e um olho, a personagem interpretada por Tom Cruise reconhece que a condução desta guerra adquiriu contornos exagerados. Apoiando-se em um plano de contingência desenvolvido pelo próprio ditador, surge a Operação Valquíria, uma manobra criada para caso o líder fosse abatido ou surgisse um conflito interno de poder. Mesmo que o público reconheça de antemão que a operação foi um fracasso, e que estendeu por mais nove meses a guerra até o suicídio de Hitler, o roteiro de Christopher McQuarrie e Nathan Alexander sustenta o suspense e a tensão, como se a revelação deste fato não fosse importante, intensificando a conspiração dentro dos frontes internos.

    No papel central, Tom Cruise se destaca com um personagem enérgico mas ponderado, demonstrando que brilha como ator fora de seus personagens habituais de galãs. Além de sua participação, o elenco é formado por grandes atores que se sobressaem em poucos papéis principais, como Bill Nighy (perfeitamente caracterizado como Friedrich Olbricht), Tom WilkinsonTerence Stamp e Kenneth Branagh. A reconstrução de época ajuda a enfatizar um momento da história mundial que boa parte conhece apenas por narrativas. A câmera de Singer abrange o esplendor da visão alemã em câmeras panorâmicas, apresentando toda a pompa pela qual o nacionalismo alemão foi sustentado.

    A operação foi o último atentado registrado contra Hitler e dá margem para uma reflexão: se o plano fosse bem-sucedido, mudaria de forma eficiente a transição do pós-guerra? De qualquer maneira, a estratégia demonstra que a visão de uma Alemanha apoiando seu líder de maneira cega é inadequada, destacando um bonito momento histórico de resistência interna de um grupo, considerado traidor e executado como tal, mas hoje símbolo de resistência contra um legado negro da humanidade.

  • Crítica | Atividade Paranormal

    Crítica | Atividade Paranormal

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    Com proposta humilde na direção, bem como no roteiro e dramaturgia, Oren Peli apresenta o primeiro episódio do que viria a ser uma franquia rentável, especialmente por todos os filmes terem orçamento ínfimo, condizentes com a proposta. Atividade Paranormal é somente mais uma produção que mistura dois tipos de clichês, primeiro o de casa mal assombrada, muito popularizado por Poltergeitst e Horror em Amityville, e depois pela temática de perseguição demoníaca, com uma estética em filmagem em primeira pessoa feita por amadores, ainda que os cortes entre cenas sejam semelhantes aos realizados por um editor experiente.

    Katie e Micah acabam de se mudar para uma nova casa, e o jovem interpretado por Micah Sloat resolve registrar as experiências como recém-casados através de uma inconveniente máquina filmadora, inclusive focando nas fartas carnes da personagem de Katie Featherston, subindo “sensualmente” pela escada. Os registros visuais são analisados em um programa qualquer de edição, até que o casal começa a observar acontecimentos estranhos durante o sono filmado.

    Os sinais esquisitos aumentam, com portas batendo sozinhas, lâmpadas queimando e outros mil aspectos frívolos e imbecis que não assustam nem o casal, conseguindo manter o público em absoluto tédio. A escolha por procurar um especialista ultrapassa a barreira do óbvio antes mesmo do fato ser concluído em ação, e a partir dali começa uma série de eventos bobos, que culminam em uma fórmula desgastada e infantil.

    O pouco nível de desafio intelectual proposto neste primeiro Atividade Paranormal serve para exemplificar dois aspectos interessantes, sendo o primeiro o já calejado conceito de que o cinema de horror está cada vez mais decadente; e o segundo mostra um público tão carente, que abraça qualquer besteira fílmica sem conteúdo, supervalorizando sustos genéricos, não notando que estão ingerindo refeições requentadas e sem inspiração, resvalando o nível intelectual da maioria dos que são aficionados pela franquia.

    A postura do homem é de brincadeira em relação a tal entidade espiritual, ao contrário do tremendo medo da sua esposa, razão pela qual é a vítima mais comum das ações incorpóreas: episódios com tábuas Ouija, bem como juramentos de não quebra de palavra, demonstram a total falta de confiança que a moça tem em seu cônjuge. Armadilhas semelhantes às realizadas nos filmes de Macaulay Culkin, tentando capturar as ações da zombeteira criatura através de manobras toscas.

    Incrível como mesmo após constatar o mau agouro, Micah ainda prossegue no intuito de documentar os fenômenos da vida do casal. Nem mesmo os conselhos de um pretenso padre servem para fazê-lo refletir sobre suas atitudes. Pior que toda a sequência de fatos é o exibicionismo da criatura maléfica, que faz questão de mostrar suas ações finais diante da lente da câmera. Quando lançado em home video, Atividade Paranormal tinha um final alternativo, tão ruim quanto o original, o que demonstra o quão sem criatividade e inspiração estavam Peli e seus produtores, que deram à luz uma fita mal feita e que gerou filhotes bastardos, prósperos até hoje.

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  • Crítica | Hacker

    Crítica | Hacker

    Hacker - Blackhat - Michael Mann

    Até os grandes erram. O interessante é que seus erros são tão grandiosos quanto os seus acertos. No caso de Hacker, o grande Michael Mann – responsável por obras como Fogo Contra Fogo, Colateral e O Último dos Moicanos – deu um tiro no próprio pé. Ainda que tenha uma temática bastante atual, o filme é bem ruim e está muito aquém do restante da filmografia do diretor.

    Na trama do filme, um ataque cibernético ao sistema de resfriamento de uma usina nuclear na China gera o derretimento de um reator e um grave acidente. No dia seguinte, o hacker por trás do ataque à usina provoca pânico na bolsa de valores de Chicago ao manipular o mercado de ações. Um oficial militar chinês que investiga o caso descobre que o hacker está usando um código que ele e um amigo escreveram há alguns anos enquanto estudavam no MIT. O amigo, vivido por Chris Hemsworth, é libertado da prisão onde estava confinado para poder auxiliar na captura do criminoso virtual.

    Existem dois pontos positivos na fita: a fotografia digital é muito bem utilizada pelo diretor Michael Mann, provocando um ótimo efeito em tela. O outro ponto é a maneira como algumas sequências de ação são filmadas. Mann filma de forma espetacular, porém nunca tira os pés do chão, mantendo sempre um grau de realismo. Entretanto, só isso não basta para tornar o filme bom. O roteiro é muito fraco e faz uso de algumas situações muito absurdas, tal como entrar em um reator nuclear que “vazou” para recuperar o disco rígido de um computador que poderia conter informações vitais para a investigação. Os personagens são pessimamente construídos, sendo unidimensionais e clichês ambulantes. O vilão do filme é algo de inexplicável, pois é um gênio durante grande parte do filme e uma besta quadrada no final. Fora o forçadíssimo romance entre dois protagonistas que não faz sentido nenhum.

    Esses problemas poderiam ter sido contornados caso o filme tivesse um ritmo alucinante, daqueles que prendem o espectador na poltrona. Porém, esse não é o caso. O ritmo é arrastado e chega a provocar sono. Em nenhum momento parece que os heróis estão enfrentando um vilão que pode desestabilizar ou destruir todo o planeta, tamanha a passividade que transmitem. Não há um senso de urgência. Algumas soluções do roteiro são risíveis e uma em especial debocha da inteligência do espectador.

    Quanto às atuações, não há muito o que se fazer quando os personagens são ruins. Chris Hemsworth defende com dignidade o seu papel, mesmo na inacreditável cena em que ele deixa de ser hacker e se transforma num cruzamento de MacGyver com Capitão América. Leehom Wang, o amigo chinês do personagem de Hemsworth, e Tang Wei, sua irmã, e o tal interesse romântico do protagonista, fazem o que podem de acordo com as suas limitações naturais e as de concepção dos personagens. Viola Davis está como sempre competente em cena, apesar de sua personagem também ser extremamente genérica.

    Enfim, fica uma sensação amarga quando sobem os créditos, já que Michael Mann costuma demorar entre um projeto e outro. Nesse caso, não foi nem caso de expectativa alta. O caso é de filme ruim mesmo.

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  • Crítica | Ponte dos Espiões

    Crítica | Ponte dos Espiões

    Ponte de Espiões 6

    Tencionando retornar ao misto de boa história dramática, esmero técnico eficaz e carisma de personagem e narrativa, Steven Spielberg traz à luz seu filme mais significativo e eclético dos últimos tempos. Ponte de Espiões é baseado em uma história ocorrida no auge da Guerra Fria, e mostra o drama de Jim Donovan, conduzido por um cineasta apaixonado pelo tema pecados de guerra e inspirado em expor as contradições do “quase” conflito.

    Donovan é vivido pelo antigo parceiro de Spielberg, Tom Hanks, que também estava ávido por qualquer papel que exigisse dele um trabalho maior de corpo e sentimentos. O advogado é quase paladínico, preso a uma moral justiceira que compreende nuances que não são facilmente admissíveis em uma época tão paranoica e cinza. Antes de sua apresentação, o diretor conduz sequências silenciosas que emulam o operar dos agentes de espionagem de ambos os lados, soviético e capitalista.

    Mark Rylance faz um Rudolf Abel que não se permite em momento algum sair da personagem ambígua que lhe é proposta, ocasionando uma performance magistral, à prova de qualquer aforismo sentimental que pudesse atrapalhá-lo em seu trabalho, sem deixar de lado um comportamento espirituoso e muito carismático. O trabalho de cores, em que predominam o cinza e o grafite, salienta a dubiedade do caráter geral do mundo.

    A junção de destinos, com Donovan assumindo o caso de Abel, é recebida com reprimenda por parte da opinião pública, com uma rejeição dos próximos – incluindo familiares – e olhares recriminadores dos populares na rua. Esses fatores ajudam Jim a perceber o acerto em prosseguir em direção aos seus conceitos do que é certo e errado, contrariando o lugar comum pseudo correto.

    A segunda metade do filme se passa em território europeu, em uma missão que o jurista recebe para tentar ajudar seu cliente que foi condenado, ocasionando uma tentativa de troca do prisioneiro por outros dois presos de guerra estadunidenses. A falta de comunicação, igual ao conto bíblico sobre a Torre de Babel, tenciona mais uma vez salientar a temerosa linha de equilíbrio que era posta entre as duas forças dominantes do mundo, fazendo inclusive da Alemanha uma vítima dessa incômoda dicotomia.

    Exceto por alguns pecados – como mostrar a ideologia socialista de forma muito mais selvagem do que a capitalista, com um recurso bastante didático em retratar as diferenças, como comparativos tendenciosos -, Ponte de Espiões, em vista do que poderia ter sido, não é tão panfletário quanto filmes recentes, a exemplo de Crimes Ocultos, e alcançou nuances que normalmente não se encontram nas fitas recentes sobre a época.

    Spielberg tem um belo retorno a histórias que abusam de tramas paralelas e que não perdem força ao serem exibidas lado a lado, mostrando que as más relações também acontecem por parte dos alemães que vivem do lado ocidental do muro, salientando que o destino é trágico durante a guerra, seja qual for o lado. A demonstração máxima de amizade, feita pelo roteiro de Matt Charman, Ethan e Joel Coen, acompanha uma relação que vai muito além do simplista interesse egocêntrico, pautando na justiça de aspectos legais primários uma lição de civilidade acima de ideologias e dogmas baratos, o que resulta em uma história real e parcial em um drama universal.

  • Crítica | Sicário: Terra de Ninguém

    Crítica | Sicário: Terra de Ninguém

    sicario

    O talentoso diretor canadense Denis Villeneuve retorna ao circuito estadunidense após executar seu belo O Homem Duplicado em sua terra, para executar o badalado Sicario: Terra de Ninguém, que explora um drama policial que tem seu protagonista dividido entre uma mulher e um homem latino, o que deveria ser o ponto de partida para uma trama equilibrada em relação às minorias, fato que não ocorre.

    O roteiro do iniciante Taylor Sheridan (um ator de series televisivas, como Sons of Anarchy, Veronica Mars e dois spin offs de CSI) explora a história de Kate Macer (Emily Blunt), uma agente do FBI que já no início se vê em uma situação de calamidade, ao encontrar os espólios de um cartel latino violentíssimo, que se escondia nos compartimentos de uma casa entre corpos putrefatos de seus inimigos.

    A trilha sonora, apesar de interessante, acaba por cortar a maior dose dos suspenses que se postam diante de Kate. Gradativamente, novos chamados à aventura são feitos a agente, que deixa sua confortável posição de chefia para acompanhar Alejandro (Benicio Del Toro) e Matt Graver (Josh Brolin). Os dois personagens masculinos exercem uma opressão emocional sobre ela, fazendo ficar ainda mais evidentes os descuidos da moça com a sua aparência, aspecto que serve de signo para o estado depressivo em que ela se encontra.

    No entanto, a postura debochada de Graver é completamente diferente do comportamento misterioso de Alejandro, que se enquadra no mesmo estereótipo dos heróis de western spaghetti: homem duro, cujo passado misterioso o credencia para ser o superior em qualquer aventura. Não fosse a entrega de Del Toro, tal repetição de bordão dramatúrgico seria um erro, mas não o é, especialmente se comparado a todo o resto. As motivações das personagens são mal construídas, tão rasas que não possuem credibilidade em qualquer de suas atitudes por serem somente reflexos de um péssimo clichê.

    A construção de ideário do que seria Juárez, uma província mexicana onde a violência explícita é a palavra definitiva, esbarra em mais uma retratação xenófoba por parte do script tipicamente hollywoodiano. Até as boas cenas de ação e a bela fotografia de Roger Deakins (que já havia trabalhado com Villeneuve em Os Suspeitos) são diluídas graças à desimportância que ocorre após tantas frases de efeito e repetições de padrões visuais toscos, como gângsteres tatuados, que têm na crueldade seu norte, conceito idêntico ao dos piores seriados policiais dos anos 1990.

    Nem mesmo a mudança tática entre o esquadrão do começo do filme e o novo modo de combate apresentado pelos agentes especiais serve de alento. A tentativa de gerar signos visuais que acarretem em situações de real discussão de ambiguidade esbarra nas péssimas construções de relacionamento, que primam pela insipidez, exceto no caso de Alejandro – exatamente por não se revelar quase nada de seu repertório.

    Apesar de tentar mostrar um universo enbrutecido, Sicario peca por não saber escolher entre a vontade de Kate em alcançar a onisciência e o cinismo caricato de Graver e seus homens, ao abordar um mundo sem esperanças. O final assume de vez a má construção do texto, entregando o protagonismo ao único personagem que não está mal justificado em tela, aludindo curiosamente a uma curiosa semelhança deste desfecho com o videogame que dá continuidade aos fatos ocorridos no jogo Scarface: The World is Yours, que punha Tony Montana de novo em ação, ainda que Del Toro seja muito menos histriônico que o traficante cubano. Curioso que um desfecho semelhante ao realizado em outra mídia seja um dos melhores momentos de um filme cujo potencial era imenso, mas que se perde em meio a um argumento descabido e desequilibrado, que torna banais até temas graves.

  • Crítica | De Volta para o Futuro

    Crítica | De Volta para o Futuro


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    O tão aguardado dia 21 de outubro de 2015 chegou. O dia da chegada de Marty McFly no futuro. Futuro que a partir de hoje se tornará passado. Meio paradoxal isso, mas paradoxos temporais são mencionados durante todo o tempo pelo Dr. Emmett Brown ao longo de toda a saga. Ainda bem que esse não é um daqueles que são capazes de destruir toda a existência. A galera do Vórtex me passou a missão de falar desse que é um dos clássicos do cinema contemporâneo. Vou ser bem honesto aqui: é impossível fazer uma análise minimamente imparcial desse que deve ser um dos preferidos de muita gente e que deu origem a uma das mais divertidas e importantes sagas de todos os tempos.

    Bob Gale idealizou o filme quando estava visitando seus pais e achou uma antiga caixa de recordações deles. Ao voltar dessa visita, encontrou-se com Robert Zemeckis, contou a ele sobre seu novo conceito e os dois passaram a desenvolver um roteiro sobre um garoto de 17 anos que volta no tempo e encontra seus pais na época do colégio. Os dois levaram a ideia para a Columbia Pictures que em 1980 financiou o desenvolvimento de um script para o cinema. Porém, a produtora colocou o filme em espera. Na época, o cinema americano era povoado por comédias adolescentes de temática sexual como Porky’s, e uma comédia mais “família” talvez não obtivesse grande sucesso comercial. Gale e Zemeckis peregrinaram por todos os grandes estúdios de Hollywood e bateram com a porta fechada em todas as oportunidades. Ninguém queria bancar o filme. Por último, eles tentaram a Disney. A galera do Mickey recusou o filme alegando que a sugestão de incesto que ocorre no filme, quando Lorraine se apaixona pelo seu filho Marty após este interferir no encontro dela com seu pai, não seria apropriado para o público do estúdio. É nesse ponto que temos que agradecer muito ao senhor Steven Spielberg. Spielberg, que fez com que a Universal bancasse o projeto após enviar um memorando que convenceu o presidente do estúdio na época.

    A produção do filme teve lá seus problemas. Michael J. Fox sempre foi a escolha inicial para viver Marty McFly, mas seus compromissos com a série de TV Family Ties (Caras & Caretas no Brasil) acabaram impedindo que ele fosse escalado. Eric Stoltz entrou em seu lugar. Com duas semanas de filmagens, Stoltz sentiu que não era adequado para o papel e pediu demissão. C. Thomas Howell de A Morte Pede Carona chegou a ser cogitado para o papel, mas Zemeckis chamou Fox de volta. O ator viveu uma verdadeira maratona para gravar o filme e a série simultaneamente. Christopher Lloyd só aceitou o papel de Doc Brown após sua esposa insistir demais para que ele aceitasse. A cidade de Hill Valley, onde a produção é ambientada, foi totalmente erguida nos estúdios Universal para que tivessem liberdade para filmar. O cronograma foi apertadíssimo para que De Volta… fosse lançado na data estipulada. Porém, como todos nós sabemos, o filme deu muito certo. Vamos parar agora com os fatos históricos e partir para a análise.

    Apesar dos seus 30 anos de idade, De Volta para o Futuro é um filme que não envelhece. Robert Zemeckis e Bob Gale construíram algo que se mantém atual. A fita tem as doses corretas de ação, aventura, drama e comédia, com sequências eletrizantes que deixam o espectador pregado na poltrona e os olhos vidrados na tela, além de oferecer momentos de pura ternura capazes de mexer com os sentimentos daqueles que se julgam durões. O roteiro é bem amarrado e lida muito bem com a tal questão do incesto que a Disney repudiou. A delicadeza e a leveza com que o filme trata o amor à primeira vista, que Lorraine passa a nutrir por seu filho Marty quando este chega em 1955 e atrapalha o encontro dela com seu futuro marido (e pai de Marty) George, é algo louvável. A chance de cair no ridículo ou no mau gosto era enorme. Interessante também é a maneira que Gale e Zemeckis transformam a cidade de Hill Valley em uma personagem do filme, detalhando sua evolução e expondo os contrastes entre a versão passada de 1955 e a do presente, em 1985. Outro acerto da dupla é na forma de expor o choque de gerações, inicialmente com McFly achando aquele mundo muito estranho, mas encaixando-se a ele conforme pedido pelo jovem Dr. Brown e posteriormente quando Marty apresenta o rock n’ roll aos jovens da cidade em um momento musical genial, já que o personagem emula vários guitarristas famosos – e muito à frente daquele tempo.

    A trilha sonora, composta por Alan Silvestri, é primorosa e consegue engrandecer tudo o que acontece em tela, principalmente na sequência final em que Marty precisa acelerar o DeLorean em direção ao raio “canalizado”, que irá acionar o capacitor de fluxo e o mandar de volta para 1955. Ainda sobre a trilha sonora, mas agora sobre as músicas que tocam no ambiente do filme, a escolha é perfeita e auxilia a imersão do espectador naquele mundo. A reprodução de época é primorosa nos figurinos, carros e prédios. Nota-se que a produção se esmerou em tudo, sem deixar passar nenhum detalhe. Os efeitos especiais são em sua grande maioria práticos, o que ajuda a deixar o filme atemporal. Somente em uma cena, em que Marty começa a desaparecer, um efeito de computador um pouco grosseiro é utilizado, mas nada que possa comprometer a excelência da fita.

    O elenco não poderia ter sido melhor escalado. Michael J. Fox É Marty McFly. O ator, que na época já tinha lá os seus 24 anos de idade, faz o perfeito adolescente de 17 anos com todos os conflitos e incertezas desse conturbado período da vida: Marty não é apenas o garoto esperto com boas tiradas, típico personagem unidimensional que tanto povoa as telas do cinema. Além disso, o ator é carismático ao extremo e desperta empatia imediata quando aparece em cena. Christopher Lloyd não fica nem um pouco atrás de Fox em sua atuação. Seu Dr. Emmett Brown aparentemente parece ser aquele cientista maluco e histriônico que tanto estamos acostumados a ver, mas logo fica evidente que por trás daquele comportamento existe um homem que enxerga além. Ele não chega a funcionar como uma figura paterna de Marty, mas aquele tio bacanão e meio excêntrico que tem sempre algo bacana a transmitir para os sobrinhos, o que torna muito críveis a grande amizade e o carinho entre os dois personagens. Crispin Glover apresenta um apatetado George McFly, que chega a beirar a caricatura, mas que ao ser apresentado ao seu filho em 1955 vai se transformando e se tornando mais confiante. Glover se sai tão bem que sua atuação vai mudando em pequenos detalhes, como sua postura em cena e até mesmo o tom de voz. Já Lea Thompson tem uma atuação sensacional como uma dúbia Lorraine, já que no futuro ela é uma senhora carola e moralista, mas no passado mantinha um comportamento nada pudico, ainda que se fizesse de moça comportada perante a sua família. Biff Tannen, o valentão que é a pedra no sapato da família McFly, é interpretado de forma ameaçadora por Thomas F. Wilson. Ah, não se pode esquecer do DeLorean. O carro possui personalidade própria com suas portas asas de gaivota, suas luzes piscantes e a parafernália que o Dr. Brown instalou para possibilitar a viagem no tempo. Uma atuação tão sensacional quanto a de Herbie, o Fusca Falante.

    De Volta para o Futuro ainda deu origem a duas sequências também de altíssima qualidade (é na segunda parte que Marty aporta no dia 21 de outubro de 2015) e há 30 anos mantém-se no imaginário do espectador que toda vez que assiste, ou, se assiste pela primeira vez, rapidamente passa a se colocar na posição do protagonista e a imaginar como seria se todos os eventos do filme acontecessem com ele. Uma fábula moderna que é capaz de divertir qualquer pessoa, de qualquer idade, e que não envelheceu nada, apesar de hoje ser um trintão, tal e qual esse humilde crítico passará a ser em um futuro bem próximo. Só espero ser um trintão responsa como esse clássico.

  • Crítica | Bronco Billy

    Crítica | Bronco Billy

    Bronco Billy - Poster

    Diante da carreira desenvolvida no gênero Western, Clint Eastwood inicia a década de 80 dirigindo mais uma produção que versa sobre o mesmo tema, mas com uma ótica diferenciada. Motivo que fez de Bronco Billy um fracasso comercial devido à alta expectativa que seu nome carregou desde o início.

    A produção visa a parceria do ator com sua esposa, Sondra Locke, representando um casal atípico como em Rota Suicida. A narrativa de Bronco estabelece uma homenagem à figura do cowboy, bem representado por Eastwood em diversos filmes, recondicionando-o a realidade contemporânea. O famoso Bronco Billy é um artista dono de um circo itinerante cuja intenção é apresentar um panorama do que foi o oeste americano. Se o western por excelência observa este passado glorioso, a figura de Bronco Billy e de sua equipe vivem um passado histórico do qual nunca fizeram parte, de fato.

    A tônica da produção é suave, próxima de um filme familiar, com uma das personagens mais doces do ator. A suavidade do roteiro foge das tradicionais tramas densas e situa parte de seu argumento de maneira cômica ao apresentar uma herdeira que casa com um picareta para manter seu dinheiro. É sua fuga deste casamento arranjado que a faz entrar na trupe de Bronco Billy.

    A leveza do roteiro de Dennis Hackin não esconde a intenção de demonstrar tais personagens como homens distantes da realidade, escolhendo uma fuga para viverem em harmonia. Um aspecto que produz uma análise precoce da carreira de Eastwood, que faria futuramente grandes obras revisitando sua trajetória, como Gran Torino e estrelando Curvas da Vida, uma obra sobre envelhecimento e tradição. De maneira sutil, o cowboy é visto como um ser destoante e uma espécie de representante de um passado agora inútil. Ao mesmo tempo que deixa clara a ode ao passado, na progressão de apresentações de Bronco e sua equipe.

    Mesmo sem um enredo brilhante, a história se destaca por apresentar um Eastwood diferente do habitual, mas conectado a uma narrativa com tom familiar, evocando com alegria mais um passado do que explicitamente sua verve violenta. Mesmo que seja evidente que a obra causaria um impacto negativo de bilheteria, Bronco Billy é cativante pela simplicidade.

  • Crítica | Tristeza e Alegria

    Crítica | Tristeza e Alegria

    Tristeza e Alegria (sorg-og-glde)

    O cinema dinamarquês vem crescendo cada dia mais, e se mostra mais eficiente, se tornando um dos lugares mais rentáveis em talento narrativo e beleza estética da Europa, de onde vieram nomes como Lars Von Trier e Gabriel Axel, mas um dos mais talentosos, Nils Malmros (A Árvore do Conhecimento, Arthus By Night), se manteve desconhecido fora da Dinamarca.

    O mundo e a cabeça das crianças e dos adolescentes e os trabalhos de um cineasta são dois dos principais motores do cinema de Malmros, que segue a linha de outros nórdicos e não poupa o público das tragédias que encena. Seu estilo, preciso e elegante, se faz presente em Tristeza e Alegria, filme autobiográfico que recria a relação do diretor com sua mulher, uma professora maníaco-depressiva cuja saúde mental vai se agravando com o passar do tempo.

    Trazendo Jakob Cedergren como alter ego de Malmros, o filme nos apresenta o diretor Johanes, que teve sua filha assassinada pela esposa Signe (Helle Fagralid) em um surto psicótico agudo. Os sentimentos do cineasta não são externados em um acesso de fúria e revolta ou em um surto depressivo. Fugindo do imaginário, ele se vê motivado a defender a esposa, e todos os que são próximos a ela se dispõem a ajudá-la em seu processo de recuperação.

    Nesse ponto, o filme é dividido em duas linhas narrativas: enquanto voltamos ao início do relacionamento dos dois, vendo como se conheceram, o namoro, o casamento, os transtornos psicológicos cada vez mais intensos de Signe, as obsessões de Johaness e a tensão sexual criada entre ele e Else (Ida Dwinger), protagonista de seu último filme, vemos as sessões de terapia do diretor com seu psicanalista (Nicolas Bro).

    A imediata busca por suspeitos e culpados dos acontecimentos que se desenrolam, monta uma armadilha para o espectador. Como o próprio Malmros diz, o filme não é uma condenação, e sim uma declaração. É tão sincero quanto pode, deixando todas as fraquezas e os erros e as doenças de seus personagens à mostra, e que mantém sua imparcialidade, sem isentar ou culpar ninguém em específico. “Nós somos os culpados por não ter cuidado de você”, diz Johaness.

    Mesmo sendo um relato tão pessoal, o filme toma os traços de uma metáfora sobre a vida, auxiliado pelo elenco bem afinado e encaminhado na construção de um drama “sério”, uma trilha antológica, clássica e pontual, e uma fotografia propositalmente afetada pelas estações, cujo o clima nos passa as sensações dos personagens.

    O núcleo que o filme carrega sobre si é o que faz da obra tão poderosa e que se entrega a inúmeras discussões, como o suposto impacto negativo de Johaness na vida de Signe, sendo culpado indireto pela morte da filha; a reintegração de Signe à sociedade, através de pessoas próximas; e o que Johaness sentia pela esposa antes da tragédia acontecer.

    Afirmando ser Tristeza e Alegria seu último longa, Malmros exorciza seus últimos demônios e fecha seu ciclo, deixando um testamento que, mesmo com seus problemas, possui uma força impossível de ser ignorada.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Crítica | Além da Vida

    Crítica | Além da Vida

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    Proposta bastante diferente dentro da sua costumeira filmografia, Além da Vida simboliza o flerte com uma vertente temática espiritual pouco abordada em geral no circuito mainstream de cinema, escolhida por Clint Eastwood por conter em seu argumento uma história curiosa e tocante. Após ambientar o público na rotina de um casal de estrangeiros em terras asiáticas, as cenas que abusam de CGI mostram o desastre natural tsunami assolando a costa, fazendo vítimas fatais, dentre elas Márie (Cécile de France), que miraculosamente sobrevive após ter contato com o post mortem.

    O roteiro de Peter Morgan compreende outros personagens que igualmente tiveram – ou têm – experiências com o outro lado da vida, ou com o que comumente é chamado de outra dimensão. O núcleo de análise se estende até George (Matt Damon), um homem que desde muito moço tem contatos com espíritos, e que no passado foi diagnosticado como esquizofrênico. O texto toma bastante cuidado em ambientar seu público em situações que, se não atingem o real, ao menos soam plausíveis e palatáveis, o que facilita a imersão para muito além do espectador já afeito ao tema.

    O que soa problemático são os atalhos textuais, como o uso excessivo do arquétipo de “orelha”, utilizado na personagem da bela Bryce Dallas Howard, Melanie, que basicamente serve para gerar empatia, além de funcionar como possível par romântico do personagem masculino, mas acúmulo de funções pesa, especialmente ao verificar a falta de profundidade da personagem, que é basicamente uma mulher encantadora que faz aulas de gastronomia e gostaria de se comunicar com entes queridos já falecidos.

    O método de contar uma história sob vários olhares faz perder também um bocado da força do filme ao invés de produzir uma sensação de tomada do inconsciente coletivo, como era a intenção de Morgan e Eastwood.

    Não há apologia ao espiritismo, ao menos não em nível liminar, tampouco os contatos são feitos de maneira escrachada. Há um excessivo cuidado por tratar cada pessoa, que conhece esse fenômeno, como seres humanos comuns, com frustrações e rotinas iguais, focando em sensações de solidão, comuns não só aos que são encarados como ” aberrações ” crédulas, como também a qualquer ente que viva normativamente.

    A atmosfera agridoce algumas vezes funciona, em outras tantas não, já que com ela vem uma sensação de desimportância que não combina com qualquer premissa, ainda mais com uma que tenta levar a sério algo comumente relacionado a chacota, como o diálogo com o além. No entanto, Além da Vida, mesmo com todos os pontos positivos aventados dentro do argumento, resulta em um filme morno, que não se destaca sequer por planos mais elaborados por seu diretor, e também por não se destacar em matéria de simplicidade narrativa, esquemática demais até em comparação com outros filmes do cineasta.

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  • Crítica | O Reino Proibido

    Crítica | O Reino Proibido

    Rob Minkoff conduz a tradução fílmica de uma lenda milenar, A Jornada ao Oeste, que anteriormente foi “traduzida” para o ocidente através do mangá mais popular da história, Dragon Ball, de Akira Toriyama. Muito mais preso e fiel ao cerne do conto original, O Reino Proibido começa em um sonho, que faz alegoria a um sonho envolvendo o Rei Macaco (Jet Li), com pelos dourados, lutando em um estilo de Kung-Fu com os seus opositores.

    O próximo corte faz menção a um sonho de um jovem americano chamado Jason Tripitikas (Michael Angarano), que acorda após sonhar com o momento maravilhoso, frustrado por não conseguir assistir até o final a aventura. À sua volta, há uma televisão ligada, em um típico filme de artes marciais, além de materiais colecionáveis e pôsteres, que exprimem seu fanatismo pelo exploitation do tema luta. A volúpia pela temática faz Jason passear por lojas especializadas em cultura asiática à procura de novas aventuras semelhantes às que permeiam seus sonhos, e é em um desses lugares que encontra o sábio Old Hope, que tenta em vão passar alguns parcos ensinamentos a ele. Após sofrer uma ação de bullying, Jason é perseguido até a lojinha; após uma confusão, o menino vê o mentor perecer, mas não antes de ser entregue a si um cajado em forma de bastão, que em meio à fuga, o faz teletransportar para outra realidade.

    Jason logo chega a uma planície verdejante, totalmente diferente da urbanidade suja em que antes habitava. Sem entender uma palavra dita pelos que o cercam, ele percebe estar em uma viagem pelo tempo feudal, em algum lugar da China, sendo guiado por um guerreiro hábil, que se vale de sua bebedice – reprisando o estilo que fez seu intérprete Jackie Chan famoso – para vencer seus oponentes. O “novo” mentor é Lu Yan, e é a partir dele que Jason descobre que o dono do bastão é o Rei Macaco, o mesmo que habitava suas fantasias pós noite.

    A direção de arte de Che Liu Kam é primorosa. Sua experiência com filmes Hong Kong o coloca em um patamar ideal para feitoria da fita. Os cenários, figurinos e demais apetrechos visuais servem muito bem a ambientação mítica, regida a perfeição, rivalizando como melhor aspecto do filme apenas com as belas coreografias de luta de Chan e Li, que mesmo veteranos, exibem uma inspirada atuação física e até dramatúrgica, claro, levando em consideração que interpretam caricaturas.

    A luta entre os dois símbolos dos filmes de Kung Fu pós-Bruce Lee é um evento mítico por si só, mas não é jogado ao léu. O embate é plenamente justificado pelo roteiro, fazendo valer os detalhes da lenda e os arquétipos narrativos da jornada do herói de Joseph Campbell, imprimindo questões como alta traição e redenção, além de dar espaço para os estilos clássicos da arte marcial, do louva-deus (ou gafanhoto) feito pelo Silent Monk de Li e do tigre, protagonizado por Chan.

    Após uma união de forças, Silent Monk e Lu Yan passam a treinar Jason, para que ele possa ser páreo ante as forças do mal que se aproximam do grupo, a busca pelo sagrado armamento. As forças de Ni Chang (Bingbing Li) a serviço de Jadn Warlord (Colin Chou) – o déspota que traiu seu império, causando todo o mal que acomete a nação – travam belas batalhas com os defensores dos ideais de justiça, que estão a serviço do Rei Macaco, que enfim retorna para proteger seus súditos.

    A direção de Rob Minkoff era acostumada a pautar comédias infantis, mas não exclusivamente estas. Mesmo em Stuart Little, o diretor provou conseguir tocar o imaginário do público adulto, além de entreter o majoritário composto por crianças. Em O Reino Proibido o conceito evoluiu, para se tornar certamente a obra prima de seu autor, que consegue dosar momentos míticos com a atualidade, exibindo uma história à prova do tempo, por seu valor universal e de renovação.

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  • Crítica | O Cão dos Baskervilles (1959)

    Crítica | O Cão dos Baskervilles (1959)

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    Como nos filmes anteriores da Hammer, O Cão dos Baskerville copia as películas de monstros da Universal. Primeiro produto protagonizado pelo detetive de Baker Street no cinema em cores, a fita também referencia o visual da versão da Twenth Century Fox (O Cão dos Baskerville, de 1939),  exibida em 1939, ainda que com um tom muito mais puxado para o barroco. Quanto a história, começa menos chapa-branca e mais fiel ao romance original, com cenas de sequestro, insinuações de estupro e outros temas bastante espinhosos para os pudicos anos 1930 da primeira versão.

    As imagens são registradas com uma câmera na mão assim que a ação começa. Na primeira cena, onde Sherlock Holmes (um Peter Cushing muito à vontade) mostra os seus talentos dedutivos, o plano escolhido por Terence Fisher é panorâmico, englobando todo o ambiente da sala, como se o espectador fosse a plateia de um espetáculo de teatro diante de um artista sem igual.

    Há na produção um caráter de baixo orçamento típico da Hammer Films, mas que nesse episódio torna-se uma característica até charmosa. A arquitetura e figurinos barrocos contrastam com carruagens de cores gritantes e aspecto paupérrimo, evidenciando a pouca perícia do departamento de arte em deixar tais coisas tão escancaradas em um filme de cor. O breu da noite é largamente usado e facilita a ambientação de filme de horror necessária para o conto semi-sobrenatural, no entanto não há cenas de corpos dilacerados, gore excessivo ou momentos explicitamente escatológicos, o que jamais incomodaria um apreciador das histórias holmesianas, mas certamente incomodariam um espectador acostumado com os filmes da produtora inglesa.

    Peter Cushing claramente imita o modo de falar imortalizado por Basil Rathbone, mas de modo algum faz isso de forma depreciativa ou oportunista, pois Sherlock era prolixo e um pouco afetado nos escritos originais, assim como os dois atores faziam. A bela Marla Landi interpreta Cecile, uma Liz Taylor genérica que é reticente em tornar-se o amor proibido do herdeiro Henry Baskerville (Christopher Lee).

    A saída de roteiro para a descoberta do vilão se assemelha à versão dos anos 30, com um atributo físico um pouco mais peculiar, uma marca de nascença passada de forma hereditária. Mas o flagrante físico tão evidente não casa com o estilo sutil de escrito original: se a solução para o mistério fosse tão banal, o Sherlock de Doyle solucionaria o caso em um piscar de olhos.

    A obrigatoriedade de um romance belo e formidável, presente na maioria dos episódios anteriores a este, é pervertida. Celina tem muito mais de figura malfeitora do que o seu pai, Mister Stapleton, principalmente quando ela tenta recriar a cena do vil homicídio amputado por Hugo Baskerville, usando a sua própria história base da encenação de sua desforra por ter crescido em uma vida miserável mesmo com seu sangue azul “bastardo”. Cecile é como a herdeira da mulher assassinada, simbolizando o fruto direto do estupro, os laços sanguíneos da moça com os Baskerville são o que explica o fato do seu pai a querer longe da mansão e de seus residentes. O Cão era um animal normal, mas maquiado, enquanto a vilã, após ter o ardil descoberto, sucumbe ao pântano, encerrando ali a maldição do clã. O Cão dos Baskervilles traz todo o mistério presente na história de Conan Doyle de uma forma bastante competente, apesar das agruras reveladas. O papel que reprisaria na série Sherlock Holmes de 1964, em 132 episódios, foi executado com maestria por Peter Cushing, sendo até hoje um bom intérprete para o detetive britânico.

  • Crítica | Ted 2

    Crítica | Ted 2

    Ted 2 1

    Após a primeira aventura do urso de pelúcia mágico, em 2012, Seth McFarlane parece estar sofrendo um mau agouro, desde a cerimônia do Oscar, muito criticada, até o nada engraçado Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola. Mesmo os seriados animados, refúgio do artista como roteirista, passam por uma entressafra, e foi em Ted 2 que encontrou a aposta para o retorno aos bons momentos como diretor, começando pelo casamento do personagem principal, seguido de uma extensa cena que emulava os musicais clássicos, com muita dança e dúzias de extras.

    A nova etapa da vida de Ted envolve o casamento em crise com Tami-Lynn  (Jessica Barth), e o recente divórcio de Johnny (Mark Whalberg), que o faz ficar bastante deprimido. Em crise, a dupla de amigos vê uma nova missão: engravidar a esposa do animal de pelúcia, tendo que arranjar esperma “doado”, a fim de fertilizar a moça, já que o material original da Hasbro não incluía sexualização.

    Após uma das muitas sequências escatológicas, os personagens se vêem diante de uma frustração enorme, motivada pela esterilidade de Jamie-Lynn, o que faz a dupla tentar adotar um rebento, onde o herói da jornada é “pego” pela malha fina do governo, e denominado como objeto, o que gera, claro, uma leve discussão propondo uma questão grave para o roteiro jocoso. O ocaso os faz encontrar a advogada novata Samantha Leslie Jackson (Amanda Seyfried), que entre um fumo e outro os instrui em torno da defesa de seu caso, levantando uma gama de termos a favor das minorias, englobando a segregação a homossexuais e mercantilização de pessoas, como era feito na época do tráfico de negros.

    A comédia passa a ser um filme de tribunal, repleta das mesmas questões de esquetes presentes no primeiro filme. A acidez do texto de McFarlane inclui os mesmos golpes que Family Guy costuma acertar nos noticiários tendenciosos da Fox News, explorando o discurso reacionário e previsível dos informativos. A teia de vilões inclui os executivos da Hasbro e um personagem antigo, Donny, novamente vivido por Giovanni Ribisi.

    O fator surpresa  foi evidentemente perdido, traço comum se comparado a continuações com os episódios originais. Mas a química entre John e Ted segue viva, não perdendo sequer o fato de casal apaixonado com a saída forçada de Mila Kunis. As situações de bromance prosseguem funcionando, ainda que a vitalidade das piadas não seja mais o mesmo, especialmente pelas questões reprisadas do primeiro episódio.

    A sequência dentro da Comic-Con Nova York atesta a óbvia obsessão de McFarlane pelo mundo nerd, resultando em uma ode a cultura pop. Ted 2 perde demais em qualidade de piadas ao original, e suas críticas são bastante rasas se posto em paralelo com American Dad, por exemplo, mas o filme ainda assim possui um charme incomparável, que faz suplantar até as soluções rápidas e clichês de seu roteiro, ficando somente um pouco aquém das expectativas em relação ao cinema proposto pelo criador de Family Guy.

  • Crítica | Operações Especiais

    Crítica | Operações Especiais

    Operações Especiais 1

    Seguindo na tentativa de amadurecer seu cinema, Tomás Portela finalmente consegue ingressar seu Operações Especiais no circuito, ainda na esteira hercúlea de produzir filmes de gênero no Brasil, após seu malfadado Isolados, que tentava abraçar o terror  de maneira bastante tosca e anti climática, fatores que se reprisam neste.

     O filme, protagonizado pela mesma Cléo Pires de Qualquer Gato Vira Lata e que antes se chamaria Boletim de Ocorrência possui em seu mote a suposta incorruptibilidade do corpo policial, dita pelo comandante Paulo Froés (Marcos Caruso), reprisando evidentemente a profecia de  Tropa de Elite de José Padilha, ainda que seu argumento passe longe das sutilezas de Braulio Mantovani, especialmente pela quantidade exorbitante de personagens chavões e falas prontas.

    Pires interpreta Francis, uma atendente de banco, cansada da violência no âmbito carioca, que decide (por motivos bobos) prestar prova para um concurso público, passando a ser uma policial cujo ethos é automaticamente incorruptível. Do alto de sua beleza de musa, Francis se orgulha de trabalhar com a burocracia da Polícia Civil.  Sua caracterização já se diferencia da vista em Selton Mello por Federal e de Thiago Lacerda em Segurança Nacional pelas dificuldades que a mesma passa, já que não há desejo da parte dela por ação, e sim pela tranquilidade, que é logo interrompida pela convocação que sofre, sendo transferida para a cidade interiorana fluminense São Judas do Livramento, que tem lá uma gama de bandidos fugidos da implantação das UPPs na capital carioca.

    Apesar de ter em si uma coleção de erros crassos, é a construção malfadada da personagem principal o fator mais irritante. Francis passa de uma moça de péssimas motivações, para uma atiradora de elite de modo automático, tornando-se inclusive uma exímia artilheira e uma estrategista nata, além de reunir capacidade interpretativa suficiente para ainda iniciante, conseguir agir infiltrada de modo insuspeito.

    A suspensão de descrença é atacada em quase todos os momentos, piorando demais com as péssimas construções de suspense. As consequências sérias do comportamento dos subalternos de Froés não encontra precedentes, e se mostra demasiado irreal e insípida. Outro fator assustadoramente mal encaixada, é a narração esclarecedora do comandante, que usa termos difíceis para explicar o que ocorre em tela, e que desnaturaliza por completa a tentativa de se levar a sério.

    As cenas de ação parecem filmadas a partir dos gameplays de Grand Theft Auto, o que não necessariamente é uma coisa ruim, exceto por deixar as sequências nada criveis. Outra questão chave é o retorno a velha mania de glamourizar os policiais, analisando-os sob um prisma visualmente heróico, além de retratar os bandidos como seres feios e maltrapilhos, fazendo o juízo de valor já no campo estético.

    A mensagem de Operações Especiais não é nada sútil, e mais uma vez Portela dá vazão a preconceitos vazios e baratos. Sai o machismo de Qualquer Gato Vira Lata e entra uma tentativa vazia de produzir uma discussão sexista, para logo, solicitar questões maniqueístas e reducionistas, a respeito do alastramento da criminalidade, pressupondo que numa cidade pequena, a cooperação do povo com a marginalidade é algo corriqueiro, tratando a população carente como seres nefastos e dignos de demonização, ao passo que a crítica social aos patamares altos governamentais é sugerida de modo bastante discreto. Ao final, a fita reprisa os mesmos erros de tantas tentativas fracassadas do cinema nacional em reprisar o sucesso dos Tropa de Elite e Cidade de Deus, sem êxito algum, graças a um roteiro preconceituoso e óbvio.

  • Crítica | Boi Neon

    Crítica | Boi Neon

    Boi Neon 1

    Começando pela inventiva rotina das vaquejadas, contemplando  toda a brutalidade do trabalho com os animais mas sem julgar os meandros deste de forma moralista, o novo longa de Gabriel Mascaro apresenta mais uma curiosa história, após o belo e extasiado Ventos de Agosto. A história de Boi Neon analisa um grupo de vaqueiros, com desejos estereotipados de personagens dicotômicos, apesar do lugar onde habitam, provando que a pecha de “filho do meio” não precisa ser via de regra.

    O enfoque maior é em dois personagens contraditórios. O primeiro é Iremar, magistralmente conduzido por Juliano Cazarré, que consegue desenvolver melhor seu talento em filmes se comparado ao repertório em televisão. O boiadeiro tem em seu âmago um desejo de difícil execução, que é o de ser tornar estilista, a despeito do ambiente em que vive. Ao seu lado, há a caminhoneira Galega, vivida por Maeve Jenkings (de O Som ao Redor e Amor, Plástico e Barulho), com visual e comportamento igualmente bruto, mas que carrega em si uma sexualidade atroz, como se a sua camada de feminilidade se escondesse atrás de uma profunda casca, típica de quem trabalha com carga.

    A mesma observação ao longe, dos filmes anteriores de Mascaro – desde o mais recente, bem como nos documentários Doméstica e Um Lugar ao Sol – é presente na fotografia bela do diretor. Há um enfoque curioso nos pés das personagens, e na rotina de busca pelo belo mesmo em paragens lodosas. A rotina dos vaqueiros, apesar de parecer vazia em um primeiro momento, está repleta de pequenos signos visuais, que antecipam os acontecimentos futuros, dando um ar de premonição e “conspiração positiva” no destino dos seres que habitam aquele universo.

    O choque de realidades revela paixões silenciosas, com flertes que não precisam de palavras para se concretizar. O que predomina nessa “predação” são murmúrios, sons abafados por pele, músculo e pelo, sexualizando as relações de modo belo, tocante, com nus cada vez mais aprimorados e poéticos. O uso dos animais para manifestar o desejo e pulsão, através do garanhão e dos cabelos de boi retiradas, anuncia todas as transas que ocorrerão, preparando o terreno para as relações mais belas e orquestradas do recente cinema brasileiro.

    O roteiro não tem qualquer receio em erotizar fetiches comuns, se valendo até da beleza de uma mulher grávida, que não tem pudor em exercer seu tesão e pulsão. Os papéis de ativo e passivo conseguem ser equilibradamente invertidos, curiosamente sem se valer de arquétipos homo afetivos, o que já torna a escolha em algo nada óbvio.

    Boi Neon possui um roteiro simples, com mensagens subliminares, e que usa seu desfecho para exemplificar o início da vida através do bebê, que ainda não viu a luz, mas que já habita um mundo que sobrevive à caretice, apesar de se situar em um ambiente bronco e comumente machista, brotando dali as manifestações mais básicas do sexo, amor livre, volúpia e lascívia, avatares dos sonhos estranhos e provavelmente irreais de seus personagens.

  • Crítica | Anomalisa

    Crítica | Anomalisa

    Anomalisa 6

    Segunda produção dirigida pelo laureado roteirista Charlie Kaufman, em conjunto com Duke Johnson (que havia dirigido alguns episódios de CommunityAnomalisa é um conto sobre desmotivação e vida, que se utiliza de uma estética própria, em animação com bonecos digitais, artifício que facilita a linguagem insana de seu argumento.

    Michael Stone (voz de David Thewlis) é um entediado literato, cujo enfado se demonstra já na cena inicial, onde ocorre um enorme falatório a sua volta, seguido de algumas situações constrangedoras que ajudam a assinalar ainda mais sua situação. A profissão do herói falido é palestrante motivacional, o que evidentemente faz o seu sentimento de cansaço, ligado à misantropia, ser um aspecto bastante irônico dentro da turnê que realiza para divulgar seu novo livro.

    A quantidade de dubladores é limitada, formada basicamente por Tom Noonan, que executa a maioria dos personagens, fator que evidentemente possui sentido na trama louca do diretor. A repetição de vozes serve para evocar o ineditismo do discurso comum aos homens, que seria o principal fator do ideário pessimista de Stone, até que ele encontra a comum e medíocre Lisa (dublada por Jennifer Jason Leigh),  uma atendente de call center que não tem nada de extraordinário, exceto o vocal tipicamente feminino e sua simplicidade atroz, que faz o pretenso escritor se encantar por todo o conjunto da moça, levantando uma gama de argumentos contraditórios, inclusive sobre todo o tédio que o habita.

    O desfecho faz jus à teoria de que o homem é que produz seu próprio inferno, na transmutação dos seres humanos em seres indistintos, possivelmente ligando a face genérica ao próprio ofício do instrutor, que não acredita em absolutamente nada do que escreve ou fala, se igualando ao conto popular do Magnífico Pagliacci, o comediante depressivo incapaz de rir, que tinha em sua vida a falta daquilo que entregava ao seu público. Como Stone.

    A possibilidade de empatia com o drama de Anomalisa é enorme graças às várias nuances propostas por Kaufman e à eterna discussão em subestimar a alma humana e superestimar o repertório de outrem, explicitando que a ode ao gosto não significa necessariamente maior qualidade de conteúdo ou diálogo. Tudo isso orquestrado de um modo que foge da obviedade e que sobra em lirismo, equilibrando-se plenamente nos dois aspectos distintos.

  • Crítica | Mundo Cão

    Crítica | Mundo Cão

    Mundo Cão 1

    Iniciado a partir de uma estética blockbuster, com ideias interessantes que até começam bem pelo carisma inicial das primeiras aparições de Paulinho Serra (em uma caricatura sensacional de muitos membros da patuléia), Babu Santana e Lázaro Ramos. Já no preâmbulo, nota-se que a violência seria a tônica do longa-metragem, mas o espectador é levado a um engano, visto que a aura é muito mais da comédia do que de ação.

    Marcos Jorge teve ótimos momentos em sua carreira de realizador, especialmente em Estômago, sua obra mais lembrada e merecidamente elogiada. O roteiro começa demonstrando uma violência gráfica que cada vez mais toma de assalto o cenário de filmes de ação brasileiros, com uma agressividade puramente gráfica, pop até o extremo. O recheio do texto envolve gírias, palavrões, maloqueiragem e paixão por cães e futebol, ingredientes suficientes para adocicar o paladar do público, ainda que todo o espectro seja um despiste.

    O potencial para ser um filme redondo existia, pois o texto começa interessante, determinando dois universos distintos, um capitaneado pelo bandido Nenê (Lázaro Ramos), que usa seus amados cães para executar seus serviços de extorsão, e o funcionário da carrocinha (e pai da família) Antônio Santana (Babu Santana), que vive humildemente em seus domínios do gueto, frequentando uma igreja evangélica junto a todos os membros de seu clã. O embate entre ambos acontece após o sacrifício do cachorro Nero, um rottweiler encontrado em uma escola, e que encontra óbito após a demora de seu dono em buscá-lo.

    A perseguição ocorrida após estes eventos é crível, especialmente por envolver uma briga de egos desnecessária e carregada de testosterona e infantilidade, da parte dos dois homens. Os problemas começam pouco antes da metade do filme, quando a briga se alastra e envolve as crianças, que em princípio, não comprometem a trama, alvo que evidentemente muda. A personagem de Thainá Duarte fundamentalmente reúne de forma resumida todos os problemas da produção, com cenas não críveis, incoerências dramatúrgicas e incongruências que acachapam qualquer possibilidade de acreditar nos ares de comédia para onde o filme foi levado.

    Todos os arquétipos que poderiam ser graves, profundos e complicados são diluídos pelas péssimas coincidências do texto, que prima pelo óbvio. Apesar de uma boa dedicação de Adriana Esteves ao papel que executa, fato raro aliás dentro do filme, é uma lástima por si só, já que havia potencial tanto pelo talento de Ramos, Serra, Santana e companhia, bem como pelas ideias do argumento. A inversão de banditismo e a denúncia ao descaso das autoridades se perdem, fazendo perder força até as reviravoltas frequentes do filme.

    Mundo Cão talvez agrade ao grande público, especialmente o espectador mais desatento, mas resultar uma cena de um estádio de futebol com meia dúzia de pessoas reais, preenchendo a lotação com bonecos digitais, é demasiado agressivo para qualquer aficionado por futebol, mesmo para os que sabem a diferença entre um bom produto e um que se vale de gráficos dos piores jogos de videogame de 32 bits.

  • Crítica | Cidade Cinza

    Crítica | Cidade Cinza

    Cidade Cinza 1

    Abrindo a discussão a respeito do crescimento dos prédios em detrimento das árvores, Cidade Cinza assume um caráter de filme-protesto sobre a dificuldade que uma megalópole impõe em relação à exposição de ideias. Guilherme Valiengo e Marcelo Mesquita apresentam um documentário que discorre sobre grafite, pichação e as formas de arte com bastante brasilidade, criatividade e que não são tão valorizadas no espaço nacional quanto deveriam, a despeito do reconhecimento do mercado externo.

    Entre os entrevistados, há o destaque da dupla OSGEMEOS – nascidos Otávio e Gustavo Pandolfo – que em todos os seus discursos deixa claro que o esmero que emprega tem a função de entreter a população, estabelecendo assim um diálogo com o povo, com o homem comum. O filme possui um caráter de absoluta constatação, necessário especialmente em relação a Lei Cidade Limpa, a qual apagava pinturas dos artesões, passando por cima talvez da vontade popular, sem qualquer critério.

    As entrevistas incluem os populares que trabalham nas empresas terceirizadas que apagam os que fogem do padrão estético esdruxulamente escolhido pela prefeitura, que aos poucos retira a pouca cor que permanece em São Paulo. Após as péssimas repercussões, o órgão governamental autorizou a feitoria de novas pinturas, mas não arcou com as dívidas, fatos estes devidamente pontuados e documentados no longa.

    A investigação passa também por imagens interessantes das aglomerações de hip-hop que ocorriam perto da Estação São Bento, onde se desenvolve uma outra cultura, de uma geração que compartilhava histórias e experiências. O destaque no universo que surgiria a partir dali, com a presença de Thaíde, DJ Hum, Racionais MC e tantos outros artistas hoje reconhecidos mundialmente. Foi neste núcleo e efervescência cultural que surgiu o talento fraterno de Otávio e Gustavo, que fazem de suas imagens um serviço muito intenso e simbiótico em essência.

    Em comum entre os grafiteiros, há o medo de ter perdida sua arte graças ao acinzamento dos murais, que demandam trabalho, luta, suor, talento e lágrimas, que podem simplesmente desaparecer caso algum governante não for com “a cara” daquela arte, tendo pouquíssimas vezes a retratação destes disparates em relação à pintura em muitos murais artísticos exibidos ao sol.

    A câmera flagra Gilberto Kassab tentando se retratar sobre a repercussão negativa que ocorreu em painéis grandes, e ainda pior com os menores, apagados pelo entorno da cidade, impedindo o trabalho e exposição de muitos operários da arte. Cidade Cinza tem um caráter de resgate expositivo, mas possui em seu cerne um tom de denúncia sério, sóbrio e repleto de razão.