Categoria: Cinema

  • Crítica | Velozes e Furiosos (1955)

    Crítica | Velozes e Furiosos (1955)

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    Usando a velocidade sobre o asfalto como representatividade moral para a urgência em relação a fuga, Velozes e Furiosos é mostrado ao público em 1955, já pelo que seria o rei dos filmes de baixo orçamento, Roger Corman. A direção, a cargo de Edward Sampson junto ao astro da película John Ireland, mostra o foragido da lei Frank Webster, um assassino que conseguiu escapar da prisão e que já habitava os assuntos dos cidadãos comuns que trabalham à beira das estradas.

    A primeira personagem retratada em tela é a bela Dorothy Malone, que interpreta Connie Adair, uma moça de compleições harmoniosas, dona de um Jaguar igualmente elegante, rápido como o vento. Ao parar em um restaurante e conversar com um caminhoneiro – o típico habitante seguro das estradas – ela é atacada pelo fugitivo Webster (Ireland), que a toma como refém para tentar passar pela fronteira com o México e então cumprir seu destino.

    A violência furiosa ganha contornos dramáticos, seja com a frieza sociopata de Webster, sem qualquer receio de fingir ter outra identidade, impingindo violência extrema em quem o contraria. O acréscimo da aceleração faz do sacripanta uma figura ainda mais perigosa, conferindo-lhe poderes semelhantes ao de um semi-deus que habita um mundo tomado por inaptos, incluindo aí até o braço da lei, a polícia.

    A noite torna a fotografia de orçamento paupérrimo em um breu quase absoluto, atrapalhando qualquer visualização do forçado casal. A análise visual turva serve também de paralelo à incerteza de caráter do fora da lei, que, mesmo após todos os atos de brutalidade que demonstra, não agride a docilidade de Connie, nem a força a nada; mesmo ao manietá-la, o homem ainda guarda um pouco de singeleza. As cenas que remeteriam à tentativa de estupro velada na verdade apresentam uma forte carência do homem, que. diante da primeira recusa, recolhe seu ímpeto sexual, apenas permanecendo imóvel, para com o calor de seu corpo aplacar o frio que ela poderia sentir.

    Sob a alcunha de Bill Meyers, usada desde sua primeira aparição, Webster resolve se inscrever em uma corrida, sendo este o álibi perfeito para ultrapassar a fronteira do país sem ser notado como um desertor. É na competição em que o casal começa finalmente a agir de modo amistoso entre si, unidos pelo amor a agilidade, desenhando uma unidade ainda no período de classificações e testes.

    Em comum com a franquia tencionada pelo roteirista Gary Scott Thompson, há a irresistibilidade pelo perigo, associando a contravenção à honra, não denegrindo o anti-heroísmo para fortalecer o comportamento apolíneo puramente. O romance improvável de Connie e Frank se assemelha ao que é visto em muitos contos e novelas românticas, traduzindo o shakespeariano Romeu e Julieta para a segunda metade do século XX.

    De certa forma, Bill Meyers não é só um nome falso, mas também uma oportunidade para Frank recomeçar, já confessado à sua amada e livre das acusações de malfeitoria. No entanto, Webster sabe que não há como fugir do braço forte da lei, tampouco pode provar sua inocência de modo convincente às autoridades. É a partir daí que ele deseja a solidão da fuga ao México, refutando o único aspecto positivo de sua existência desde sua prisão. O desfecho segue a tônica de seus semelhantes, abarcando uma redenção típica das fitas mais caras dos anos 1950. Uma obra que possivelmente passaria despercebida aos olhos dos cinéfilos, não fosse pelo remake de 2001.

  • Crítica | Cartas de Iwo Jima

    Crítica | Cartas de Iwo Jima

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    A mais completa experiência que o filho de Sergio Leone já dirigiu – espécie de relato imparcial com o lado da história que os americanos não querem saber. Verdadeira ópera militar regida por tiros e bólidos de canhão a mil, no drama de meia dúzia de soldados de coragem mais que espartana, na defesa quase que impossível de uma ilha japonesa contra centenas de milhares de soldados do Tio Sam. A composição impacta, emociona e nos torna frágeis diante de um fato verídico que encontra, nas mãos de Clint Eastwood, grandeza e méritos dignos de uma obra-prima moderna; legítimo filme de guerra, barulhento, sujo de sangue, suor e areia. Mas além de ser mais interessado em filmar o interior daqueles homens, o diretor quis provar, no poder da imagem e no som, como um conflito de proporções históricas nada mais é que a manifestação do universo interior dos soldados, alguns patriotas, e outros nem tanto assim.

    É no decorrer das horas que se faz a intenção por trás dos tiros, dos gritos de quem sabe que vai perder a guerra antes mesmo da primeira batalha começar, do primeiro tiro a ser lançado. Tragédia anunciada regada em poesia, o rito militar escapa de ser epistolar e nega responsabilidades severas com o que realmente aconteceu, sem deixar de lado o real e o peso de toda a Segunda Guerra em cenas chave. Viramos historiadores de uma época sem perceber, de repente, em especial desse recorte de tempo e espaço na terra do sol nascente, na ilha tão sofrida quanto quem lutou por ela até o fim. Cartas de Iwo Jima retira o poder quase que lendário do fato para encher o relato de inesperadas graça, poesia e força; a força por baixo dos capacetes.

    No rol dos filmes de guerra, a guerra aqui é quase metáfora, quociente externo derivado da causa, angústia e danação de um general atormentado pelo passado, de um ex-padeiro transformado em combatente, de gente que recria seu papel no mundo enquanto bombas despencam do céu – literalmente. Uma história que aposta na vida como uma piada difícil de entender, e na morte como certeza implacável. É irônico, contudo, como Eastwood filma um campo minado com calma e elegância exemplares, focando mais nos detalhes e nas explosões emocionais do que na barulheira de terra e fogo (o oposto de Ridley Scott em Falcão Negro em Perigo e Steven Spielberg em O Resgate do Soldado Ryan). Iwo Jima seria isto, também: o ataque do que é desumano contra a humanidade, ou seja, o resumo do que é a guerra.

    Um filme que caminha entre o técnico e o lirismo, o político e o humanitário, com aspectos ainda mais abundantes completando o cortejo e a continência direta a história, levada ao cinema pelas mãos de uma roteirista que encontra com suas palavras o entendimento das lentes de Eastwood, filmando cada montanha, cada duna à beira-mar com a singeleza de um pintor na fase azul, tal Picasso e suas iniciativas emocionais; a presença diegética, visual, leva à mesma contemplação de um quadro de quem sabe o que quer insinuar, e como insinuar. O cineasta chega em Iwo Jima no nível indiscutível de mestre, e pra isso não precisaria das próximas confirmações que viria a fazer após 2006. Um dos filmes imperdíveis da primeira década de 2000, e com uma das melhores cenas de bombardeio já mostradas até hoje.

  • Crítica | Carandiru

    Crítica | Carandiru

    Carandiru 1

    A tomada aérea registra visualmente o complexo carcerário que seria explorado pelas lentes de Hector Babenco. As figuras esquálidas que habitam aquele microuniverso são a síntese visual da doença que acomete os presos, pessoas carecidas da menor possibilidade de saúde, mental e corporal, que teria resposta a partir das palavras e narrações do personagem do médico (Luiz Carlos Vasconcelos), um (possível) paralelo com Drauzio Varella, autor do livro biográfico e pró-revolução que gerou o roteiro de Carandiru.

    A chegada do doutor remete à busca por prevenção da AIDS, um advento comum da época, em tempos onde se discutia os malefícios do dito amor livre. O profissional da saúde acompanha, de perto, sem interferir na rotina do planeta-prisão em que se insere eventualmente. Mesmo ao abraçar alguns dos causos, ele não se permite sentir todas as dores das “vítimas”, ainda se importando com o que pode, tendo a difícil tarefa de abarcar alguns dramas e ter de virar os olhos para tantos outros. A seleção dos motivos importantes é um desafio ético, mas é também a principal mostra de que ele não pertence àquele ambiente inóspito, o deserto das almas aflitas, que ainda assim sussurram por atenção e misericórdia.

    O dilema prossegue em evitar julgamentos, já que não era seu papel. Ele deveria ser invisível, um observador atento, no máximo, para captar as mensagens dadas nas falas das ricas personagens. As memórias são mostradas em flashbacks na maioria das vezes, a começar pelo líder religioso Nego Preto (Ivan de Almeida), que tem o discurso moralista como fundamento principal, enredando um discurso baseado fundamentalmente nos valores familiares, apesar dos aspectos da rotina de um bicho solto.

    Os balões de Seu Chico (Milton Gonçalves) fazem o óbvio paralelo com o desejo de liberdade ao voar pelos céus. O bravejar deveria mesmo vir de um preso considerado justo, o contraponto a toda fala mal vista pela sociedade. Destacam-se contos rodriguianos, como o de Majestade (Ailton Graça) e sua poligamia, e o surpreendente destino que envolve Deusdete (Caio Blat), Zico (Vagner Moura) e sua família que passa por momentos conturbados, cujos traumas incorrem em violência sexual findando o drama em homicídio culposo, que obviamente resulta em uma pena ainda maior.

    O que deveria ser o alento do frescor da vida de fora das grades serve na maioria das vezes para resgatar fantasmas, variando entre mágoas resolvidas, não resolvidas e reaberturas de dores na alma, tanto do presente quanto do passado. A imundície vista nas paredes e corredores do complexo se reproduz nas muitas sensações contraditórias dos detentos, abarcando diversos estereótipos de figuras marginais, mas construindo bem cada uma delas, muito por mérito do texto de Babenco, Fernando Bonassi e Victor Navas.

    O canto de Se Gritar Pega Ladrão ecoa pela cozinha, trazendo más notícias para Nego Preto e momentos de redenção do assassino frio Peixeira, no momento mais inspirado de Milhem Cortaz no cinema mainstream até então. O personagem encontra na fé o seu caminho de cura espiritual, apelando, claro, para o discurso fácil mas engrandecido por toda a atmosfera criada em torno da edificação de seu personagem.

    A nacionalidade, argentina, de Babenco se nota na proclamação do hino brasileiro, tocado na íntegra, remetendo à enorme população carcerária do país, cada vez mais crescente, reunindo milhares e milhares de habitante, proliferando um sistema que não corrige e deseduca ainda mais os novos detentos.

    As explicações sobre o tumulto da rebelião são dadas em formato de falas semidocumentais, com declarações sobre o ambiente interno e o inferno vivido ali e, claro, o panorama político do lado externo, às vésperas de uma eleição para governador, o que causaria uma ação mais enérgica dos membros da Tropa de Choque. A truculência dos militares é mostrada em minúcias e exibe a crueldade do Estado coercitivo. A cena que desvela a invasão ao cárcere exibe a desconfiança dos policiais diante de seu batalhão e o terrível medo de adentrar o inferno dantesco, resultado do descaso do governo com os cidadãos que deveriam se reabilitar. O bordão do personagem de Gero Camilo cabe bem, sem chance de mudança.

    As cenas de mortes dos alvejados são repletas de agonia, resultando de modo terrível a miséria que habitou a vida dos homens, restando zero dignidade. O enfoque no grupo de detentos, todos nus no campo de futebol faz menção ao cartaz e à beleza fotográfica do esmero de Walter Carvalho enquanto responsável pela cinematografia.

    As conclusões tiradas pelo roteiro são acachapantes e exibem através de dramas comuns a vida uma realidade dura, selvagem e repleta de desesperança, denunciando, para um público muito maior, as agruras do cárcere e o quanto deseducador é o ambiente da prisão, ainda que o resultado final flerte com uma glamourização da vida do preso. Babenco consegue apontar as emoções conflitantes de medo e auxílio por parte de seu protagonista, conseguindo transicionar bem o papel de contador de histórias de um modo bem mais lúdico e fluído do que o que Alejandro Iñárritu fez em Babel ou o trabalho de Paul Haggis em Crash: No Limite, pelo óbvio fato de serem dramas “reais” retratados em Carandiru. A morada da prisão é também o lugar onde repousa o desespero e o desengano, a despeito das crenças religiosas.

  • Crítica | Noite Sem Fim

    Crítica | Noite Sem Fim

    noite-sem-fim

    Liam Neeson tornou-se uma espécie de reserva moral do cinema de ação. Mesmo que o filme em que ele participa não seja grande coisa, o que não é o caso desse, o ator consegue sempre uma boa performance que atenua os problemas da fita. Nessa terceira parceria com o diretor Jaume Collet-Serra (Desconhecido e Sem Escalas foram as anteriores), o irlandês novamente consegue uma ótima atuação, com o “agravante” de estar cercado de outros ótimos atores e de esse ser um thriller de ação dos mais eficientes.

    Na trama, Liam Neeson é Jimmy Conlon, um matador que há décadas desempenha o ofício sob as ordens do mafioso Shawn Maguire (Ed Harris). Quando o filho de Jimmy testemunha um crime cometido pelo filho de Shawn e passa a ser alvo, Conlon intervém e acaba matando o filho de seu chefe e grande amigo. Maguire então coloca todo o seu contingente de capangas atrás dos Conlon, que, além de sobreviver, têm algumas contas a acertar do passado.

    A maneira intensa como Collet-Serra filma esse Noite Sem Fim faz com que o espectador cole na poltrona. O diretor se aproveita do roteiro enxuto e orquestra momentos de tensão muito interessantes, principalmente na sequência do conjunto habitacional. Interessante observar também que, ao mesmo tempo que se utiliza de uma estética oitentista em certos momentos, o diretor espanhol faz algumas transições de cena bem modernas. Outro ponto muito bacana é o fato de que a cidade acaba se tornando um personagem do filme, não apenas um simples cenário. Collet-Serra também demonstra muito domínio nas sequências que envolvem diálogos tensos entre os personagens, um fato que diferencia Noite Sem Fim de outros filmes do gênero. O roteiro também é bem interessante e, combinado com a boa direção, entrega figuras com profundidade, não sendo apenas as personagens unidimensionais que povoam o gênero.

    Liam Neeson novamente entrega uma boa interpretação, fazendo com que se sinta uma certa pena do seu Jimmy Conlon, mas ao mesmo tempo, mostrando que o personagem tem enormes falhas de caráter. Joel Kinnaman, que interpreta o filho de Jimmy, também está ótimo em cena, formando uma boa dobradinha com Neeson, ainda que seu personagem caia no lugar-comum do filho revoltado com o passado do pai. Ed Harris está especialmente ameaçador como Shawn Maguire, e Vincent D’Onofrio, como um policial que observa toda a situação a distância, também está muito bem e passa credibilidade ao papel.

    Porém, como nada é perfeito, o filme acaba caindo em um velho clichê de redenção no seu desfecho. Ainda que o personagem de Neeson aproveite aquela noite para tentar se redimir com o filho e com si mesmo, a rota escolhida pelo roteiro termina por ser a mais fácil e previsível, fazendo com que o final da película perca um pouco de peso. Fica um gosto amargo de decepção com o que ocorre. Ainda assim, Noite Sem Fim é um ótimo filme, com ritmo frenético, boas atuações e bons personagens e possivelmente é o melhor filme dessa fase de ator de ação em que Liam Neeson ingressou.

  • Crítica | Exorcistas do Vaticano

    Crítica | Exorcistas do Vaticano

    Exorcistas do Vaticano 1

    Baseada em supostos relatos reais, Exorcistas do Vaticano é a nova aventura de Mark Neveldine no cinema, agora trabalhando com o gênero de terror, após flertar com o estilo tanto em Motoqueiro Fantasma: Espírito da Vingança como também em Gamer. A premissa do filme faz o público acreditar que verá mais um longa executado em found footage, como dita a moda nos filmes mais baratos, a exemplo da franquia Atividade Paranormal, Fenômenos Paranormais e o péssimo Herdeiro do Diabo. No entanto, já no início prova usar o estilo parcialmente, e não como uma muleta narrativa.

    O plot do filme é obviamente focado nos rituais de expulsão demoníaca, e alia-se a um argumento que envolve a perseguição à figura do anti-cristo, abordando o tema de uma maneira nada sutil. O começo mostra Angela (Olivia Dudley), uma jovem que é atormentada por uma figura espiritual, variando entre cenas do ritual para sua expulsão e gravações esquisitas, que anunciam a vinda da chamada Besta, profetizada no livro Apocalipse, de São João.

    O roteiro de Christopher Borelli e Michael C. Martin, baseado no argumento de Borelli e Chris Morgan, utiliza-se de um flashback e se bifurca em alguns núcleos, um formado pela família de Angela, chefiada por seu pai, o militar católico Roger Holmes (Dougray Scott), além de mostrar um nicho católico tomado por padres que fazem às vezes de super-heróis. Não à toa, é formado pelo trio de atores mais famosos, a começar pelo latino de passado nebuloso Padre Lozano (Michael Peña), Vicario Imani (Djimon Hounson) e o supersticioso Cardeal Brunn (Peter Andersson). Apesar de não estar reunido desde o começo, o triunvirato teria uma missão importante, a supervisão do caso da moça, que tinha em seu sangue uma suposta maldição.

    Os equívocos do filme são tão prolíficos que se tornam quase incontáveis. O proceder dos padres é tão repleto de estilo e over action que o espectador se pergunta se não estariam eles em um filme de comédia ao invés de horror. As mudanças em formato de filmagem também incomodam, mas não tanto quanto os diálogos vazios e a quantidade absurda de subversões, tanto no processo religioso do exorcismo, em nada semelhante nem com a Bíblia Sagrada, quanto na quantidade de pseudo-sustos e demais clichês dos filmes semelhantes. Isso, claro, sem reprisar qualquer brilhantismo de O Exorcista, lançando-se sobre os demais filmes proféticos a respeito do fim do mundo sob a ótica cristã.

    A utilização da figura do corvo para representar a ação do Diabo não é novidade, mas a tentativa de Neveldine em referenciar os clássicos Os Pássaros e A Profecia soam ofensivos para os aficionados de ambas as obras. Com cenas risíveis e repletas dos bordões mais vergonhosos, Exorcistas do Vaticano parte de um terror mainstream que causa risos nos simpatizantes do gênero, com ocorrências repetitivas ou nonsenses, repletas de signos visuais e métodos imbecis de exorcismo. Não há nada que se assemelhe a um argumento sacrossanto, e isso inclui a caracterização de um cardeal que deveria ser um mentor, mas que transborda insegurança.

    O resultado final decepciona em praticamente todos os aspectos, mesmo as expectativas de um filme trash. O texto subverte os bons filmes de exorcismo e de apocalipse, tratando, do modo mais ignorante possível, a lenda evangélica sobre o fim dos tempos. O filme possui uma abordagem nada inspirada que consegue ofender os cânones de Bebê de Rosemary, elevando às alturas outros produtos recentes, como O Último Exorcismo, que, com muito menos orçamento, consegue assustar e entreter muito mais que este, que só causa risos de constrangimento em quem o acompanha até o final.

  • Crítica | Entourage: Fama e Amizade

    Crítica | Entourage: Fama e Amizade

    Entouraga o Filme 1

    Dirigido por Doug Ellin, criador do seriado de mesmo nome, Entourage: Fama e Amizade começa frenético, sem pausas para explicações, como um grande episódio de retorno de temporada. Com mudanças drásticas nas relações do quinteto que envolve Vincent Chase (Adrian Grenier), o filme ignora as consequências dos eventos mostrados no traumático ano de cancelamento do telesseriado, em 2011.

    Após uma mini-introdução, acompanhada de Superhero de Jane’s Addiction, música que também abria o programa, prossegue a história de Eric “E” Murphy (Kevin Connolly), Turtle (Jerry Ferrara), Johnny Drama (Kevin Dillon) e Ari Gold (Jeremy Piven), além do retorno de dezenas de coadjuvantes e, claro, algumas aparições de famosos, marca registrada do produto da HBO.

    Retomando os temas da oitava temporada, (ou quase isso), estabelece-se o divórcio de Vinny, assim como a ascensão de Ari ao posto de chefe do estúdio, a despeito de suas belas intenções de dedicar mais tempo ao seu casamento. O argumento resgata grande parte dos plots do último ano, ainda que leve em conta a evolução dos personagens. O roteiro de Ellin e Rob Weiss resgata a vontade do ator em tornar-se diretor, usando o artifício como rito de passagem, aludindo as situações conturbadas que envolvem a produção de filmes, como os estouros de orçamento e pedidos recorrentes de mais aporte financeiro para terminar edição, montagem e pós produção.

    A rotina do quarteto prossegue a mesma, com festas cheias de regalias, mulheres com pouca roupa, além dos dois estarem cercados dos agregados da fama de Chase, festejando sempre, mesmo diante de um iminente fracasso. A expectativa em relação a Hyde acaba servindo de comentário metalinguístico para a transposição do seriado para as telas de cinema, ainda que os motivos para um possível fracasso do longa ficcional passem longe da problemática de Entourage – Fama e Amizade.

    A força do programa era pautada na multiplicidade de protagonistas, e o filme cai no erro recorrente das transposições dos dramas televisivos para o cinema ao dividir mal os dramas das personagens, que acabam por ser pouco interessantes ou caros. A profundidade que é bem trabalhada em 96 episódios parece frívola nos 100 minutos de duração do longa-metragem, especialmente graças ao script que não justifica o fato de ter sido filmado e executado desta maneira.

    As sequências na premiação do Globo de Ouro guardam momentos que deveriam ser ternos e repletos de sentido para quem acompanhou a trajetória de “E” e Vince, mas que se perdem em meio a colagens de figuras extremamente famosas mal encaixadas em um filme que deveria ser sério, assim como ocorre na cena pós créditos. O longa de Entourage fracassa tanto em trazer um significado maior aos fãs mais antigos, quanto em nada significar para quem jamais viu a série. As figuras de destaque anteriormente nada brilham nesta nova versão, o que justifica plenamente a baixa bilheteria caseira e a falta de apelo do longa. Se Ellin tivesse entregue a direção a um cineasta mais imponente, talvez lhe sobrasse mais tempo para trabalhar no texto de continuidade no texto que lhe fez famoso. Mas, ocorre o contrário: seus esforços só fazem banalizar a trajetória dos agregados de Vince Chase, inclusive a do próprio showrunner e pretenso realizador.

  • Crítica | Cowboys do Espaço

    Crítica | Cowboys do Espaço

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    Um filme dirigido por Clint Eastwood e com o nome de Cowboys do Espaço poderia ser facilmente confundido com um bang bang espacial. Afinal, o ator/diretor é um dos maiores ícones do gênero de faroeste. Porém, temos aqui uma aventura espacial bem pé no chão, com fortes bases nas relações interpessoais do excepcional elenco principal.

    Na trama, Clint interpreta Frank Corvin, um veterano piloto de testes que estaria na primeira missão tripulada ao espaço, mas foi descartado junto com a sua equipe faltando pouco para a missão acontecer. Devido a um problema com um satélite, Corvin é chamado de volta pela NASA para resolver a situação, uma vez que é o único com o conhecimento necessário para a tarefa. Aproveitando-se da situação, Corvin exige que a equipe Dédalus – composta por seus três antigos companheiros interpretados por Tommy Lee Jones, James Garner e Donald Sutherland – seja reunida para que possam finalmente cumprir a missão de ir ao espaço, tal e qual deveriam ter ido no ano de 1958.

    Clint demonstra a habitual competência na direção, conduzindo bem o roteiro idealizado por Ken Kaufman e Howard Klausner. Inicialmente simples, a trama vai se desdobrando aos poucos de forma bastante natural à medida que o filme vai acontecendo, com algumas boas surpresas sendo apresentadas. O filme não se arrisca muito, segue uma estrutura bem tradicional, mas isso não pode ser considerado um defeito. Talvez essa estrutura tradicional, sem grandes inventividades, faça com que o filme seja tão divertido como é. Os diálogos são um caso à parte, uma vez que são bastante naturais, o que passa bastante credibilidade sobre a longa relação entre os personagens na tela. Porém, quando um personagem apresenta um grave problema durante o filme, a trama acaba recorrendo a uma solução final que, embora seja bem adequada e dotada de uma certa poesia – gerando uma maravilhosa imagem final para a película -, é notadamente um clichê, tornando tudo isso bastante previsível.

    O elenco é espetacular. O quarteto de protagonistas composto por Clint Eastwood, Tommy Lee Jones, James Garner e Donald Sutherland entrega atuações inspiradíssimas e realmente denotando que os personagens são conhecidos de longa data. Os diálogos são bem orgânicos e as interações muito naturais. Sutherland rouba algumas cenas com o seu personagem mulherengo que ainda se sente o galã de outrora. O elenco de apoio também é excelente, com William Devane (o diretor de vôo) e James Cromwell (o diretor de projetos escroque responsável pela ruína da missão Dédalus original se destacando como sempre, e Marcia Gay Harden, a médica que se torna interesse amoroso de Tommy Lee Jones, que, como sempre, está muito bem em cena.

    Com boas doses de humor, ótimos diálogos, um roteiro interessante e um elenco excepcional, Cowboys do Espaço se mostra como um dos bons exemplares da carreira de Clint Eastwood como diretor.

  • Crítica | Maggie: A Transformação

    Crítica | Maggie: A Transformação

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    Após uma miscelânea de zombie exploitation, unida também a ressurreição dos heróis de ação oitentistas via ações como a trilogia Mercenários e filmes mequetrefes como Rota de Fuga, a inevitável mescla de conceitos finalmente ganha contornos reais, ao reunir um ícone do cinema brucutu com os famosos mortes errantes. Maggie tinha tudo para ser mais um subproduto dos dois filões aos quais pertence, mas não é, pois apresenta uma faceta alternativa a simples corrida pela sobrevivência vista em produtos como The Walking Dead.

    Arnold Schwarzenegger vive Wade Pace, um pai amoroso e atencioso que encontra sua filha após um choque com os mortos vivos que povoam seu mundo. Maggie, vivida pela bela e singela Abigail Breslin tem seu destino cortado pela contaminação via mordida que sofre, com o diagnóstico claro de transformação. A diferença básica se encontra no cronos, uma vez que sua mudança demora muito mais para ocorrer, fator este que torna o filme de Henry Hobson ainda mais diferenciado, mesmo dos produtos semi-novos de George A. Romero, até por ainda conter alguns pequenos traços de civilização sobrevivendo pelo mundo.

    A métrica usada pelo diretor estreante em longas é diferenciada também, sobrando dramaticidade e melancolia em detrimento do gore e da adrenalina em níveis cavalares. O terror de Maggie: A Transformação consiste na inevitabilidade da sina da personagem título e de sua resignada família, que assiste impotente a degradação física e morte lenta de sua herdeira.

    A decomposição lenta e gradual faz sofrer cada um dos personagens, especialmente os que não a estão sofrendo, tendo na entropia uma questão quase tão periclitante quanto a catástrofe da morte anunciada. Mesmo o choque de expectativa é aplacado com o desenrolar da trajetória de Maggie, ajudada é claro pela evolução dramática que acometeu Abigail Breslin, que já dava mostras de um talento ímpar desde Pequena Miss Sunshine. Para que sua persona seja desenvolvida de modo pleno, é absolutamente preponderante o trabalho de Joely Richardson, sabidamente uma boa atriz, e principalmente os esforços de Arnold, que dentro de suas limitações, consegue apresentar um comportamento de pai preocupado e dedicado, estabelecendo bem a regra de ser a base do pilar familiar.

    As estrias e varizes se proliferando pela bela pele de Breslin compõem um belo quadro visual, alcançando até questões universais, como a inexorabilidade da morte em detrimento de tudo que um dia foi belo. O acinzamento da epiderme faz grafar esses aspectos ainda mais, relembrando ao espectador e até às personagens que o fim está próximo, e que não há nenhum remédio ou resposta adocicada para o causo.

    À medida que a metamorfose ocorre, aumentam-se os instintos selvagens, em um misto de Tanatomorphose, no quesito transformação corporal, aliado ao descontrole emocional derivado de transformações de caráter, deturpando o que deveria ser o comportamento de uma infanto-adolescente em algo absolutamente selvagem, digno dos filmes B de Ken Russell e David Cronenberg.

    A despedida da moça aos seus entes queridos é feita de modo simples, emocional e até óbvio, mas consegue impressionantemente não perder força, lembrando os principais aspectos positivos de Dia dos Mortos amadurecendo o argumento. Na essência, Maggie serve de paralelo com a difícil tarefa que um pai deve exercer ao deixar seus descendentes caminharem por suas próprias pernas, agravado, claro pelo fardo estabelecido por uma questão preponderante, como uma doença terminal, e o filme de Hobson não deixa nada a desejar para nenhum produto desta estirpe, apoiado num texto simplificado, direto e conclusivo, sem apelar para muitos clichês, como era esperado.

  • Crítica | A Dama Dourada

    Crítica | A Dama Dourada

    A Dama Dourada - poster

    A Dama Dourada (Woman in Gold, EUA, 2015, Dir: Simon Curtis) é daqueles filmes com uma história tão impressionante que só faria sentido se ela fosse baseada em fatos reais, como é o caso. Quase 50 anos depois, Maria Altman, uma judia austríaca radicada nos EUA, tenta reaver do principal museu da Áustriao quadro A Dama Dourada do pintor Gustav Klimt, roubado pelos nazistas com a conivência do governo austríaco.

    O roteiro do desconhecido Alexie Kaye Campbell conseguiu compilar a batalha jurídica de Maria Altman e Randy Shoenberg em uma narrativa de fácil entendimento. Ele acerta ao mostrar de forma didática todas as etapas de um processo complexo e inédito além das implicações, gerando a premissa do filme: a justiça na reparação histórica como o seu principal questionamento, a quem pertence uma obra de arte? A quem o pagou ou ao público?

    Campbell também opta por contar em paralelo a história da fuga de Maria da Áustria para os EUA, além do roubo do quadro do Klimt pelos nazistas. Há um diálogo entre as situações e o roteiro acerta ao reforçar a grande discussão.

    O roteiro, no entanto, falha ao escolher a via melodramática ao criar vilões e situações que não necessitavam de tanta carga emocional, dessa forma o filme perde muita força. Outro problema narrativo é não dar informações suficientes sobre a situação financeira de Randy, como se manteve depois de pedir demissão.

    A direção de Simon Curtis já era conhecida pelo bom filme Sete Dias com Marilyn, e aqui ele mantém uma narrativa visual satisfatória. No entanto, o tom melodramático na escolha de um roteiro que escolheu ir por um caminho fácil diversas vezes, além da direção de atores, pode incomodar.

    O elenco é um dos grandes trunfos da obra. Helen Mirren compõe bem Maria Altman, e as participações especiais do ótimo Daniel Brühl e Katie Holmes, e ainda as pontas de Charles Dance e Jonathan Pryce só enriquecem o filme, isso sem esquecer Tatiana Maslany e Max Irons, que dão vida à jovem Maria e seu marido. A maior surpresa, no entanto, vem de uma atuação satisfatória de Ryan Reynolds, que conseguiu imprimir sentimentos críveis ao advogado Randy Shoenberg.

    A fotografia de Ross Emery alterna entre o presente do final dos anos 90 em Los Angeles e Viena onde é naturalista, e o passado dos anos 40 em Viena, em que escolhe tons de cinza e bege, além de uma saturação, para marcar a diferenciação entre as épocas. A edição de Peter Lambert segue o roteiro ao mostrar em paralelo os eventos passados sempre dialogando com o presente. Em especial a sequência da fuga de Maria e seu marido dos nazistas e as cenas nos tribunais são a grande contribuição da edição ao filme.

    A produção vale a pena para tentar entender a reparação histórica e as suas consequências em diversos níveis.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Adeus à Linguagem

    Crítica | Adeus à Linguagem

    Adeus a Linguagem 1
    O cultuado diretor francês Jean-Luc Godard resolve fazer um experimento visual e comunicativo. Seus últimos filmes, apesar de não terem a qualidade – seja pelo quesito datado da Novelle Vague ou por uma adaptação demorada aos novos complexos e globalização – que os clássicos Acossado e O Demônio das Onze Horas, ainda assim representam todos os questionamentos expostos de maneira ácida que só Godard poderia fazer.
    Em seu novo filme, Adeus à Linguagem, a história resolve focar um casal que parece não possuir pudor e nem se limitar aos costumes morais e éticos da atual sociedade. Demonstram estar à parte, descolados e que sua exclusão é proposital. No entanto, o longa-metragem resolve fitar o cão como o personagem principal, mas não o protagonista. O protagonismo é mutável e em muitos momentos, se torna a própria forma que Godard se comunica com quem assiste seu filme. Cada vez mais a comunicação, a linguagem e o uso de metáforas através de discussões e ponderações tomam corpo e saltam ao 3D, deixando o 2D seguir sua linearidade, mas não deixando um sem falar com o outro.
    O diretor se apropria do 3D de uma maneira curiosa e que atiça diversas sensações. Não somente como um elemento visual, o filme exibido em três dimensões quebra a contínua linha narrativa e revela uma outra linguagem que, mesmo que seja diferente, é o viés encontrado para não somente contar como há estes deslocamentos e desapropriações de ambiente e contexto, mas também para criar parâmetros, estabelecer pontes que permita ao espectador compreender a proposta do filme. De maneira até experimental, ele é disperso e confuso. Há cortes de cenas e áudios e algumas frases não foram traduzidas, a pedido do próprio Godard. Será que isso também foi um artifício para que você se sentisse incomodado por não compreender o que está sendo dito?
    A física do filme permite que mesmo disperso e aleatório em alguns momentos, tenha sua linha temporal peculiar, com encontros e momentos que cravam um tempo dentro dele. O nascimento do filho, as mudanças de valores e comportamentos que são influenciados pelo ambiente que os rodeiam. É um ensaio visual que não necessitou de um roteiro extenso e tampouco história para se desenvolver. O abuso do abstrato, da multi interpretação e da quebra de linearidade – reitero que isso não desconstrói a história simples do filme – são os elementos que Godard esbanja e retrata uma expressão artística peculiar, realista e temporal.

    Sobre o avanço da tecnologia, há o retrocesso da linguagem. Há a ausência cada vez maior de comunicação e fala; isso é o que transforma todas as relações entre as pessoas e destas com o redor difícil, precária. O cão, o que foge das questões de moral e ética do ser humano é o personagem mais vivo do filme, pois tudo que é interferido por ele sofre de sua solidão. Todas as cenas com ele, o acompanha sozinho em meio a enormes meios. Florestas, praias, cidades. Porque para ele a exploração é parte de seu processo natural, de vivência. A descoberta e a autonomia. Falta isto aos homens.

    Texto de autoria de  Adolfo Molina Neto.

  • Crítica | Missão: Impossível – Nação Secreta

    Crítica | Missão: Impossível – Nação Secreta

    Missão Impossível - Nação Secreta - poster

    Após Missão: Impossível – Protocolo Fantasma, a carreira de Tom Cruise foi novamente consolidada, lhe garantindo a popularidade costumeira graças aos blockbusters, vertente primordial de sua filmografia. Em Missão: Impossível – Nação Secreta, o ator volta a trabalhar com o roteirista e diretor Christopher McQuarrie, cuja parceria foi iniciada em Operação Valquíria e com o qual estreitou laços em Jack Reacher – Um Tiro, adaptação da obra de Lee Child.

    Em história desenvolvida e roteirizada por McQuarrie, a produção segue a linha da narrativa anterior, equilibrada e bem ponderada entre ação e humor sutil. Nessa nova aventura, a força-tarefa Missão Impossível lida com as consequências da missão anterior, enquanto um membro senior da CIA (Alec Baldwin) deseja desativar a equipe, considerando-a secreta demais para a vertente política de transparência do governo. Enquanto a equipe sofre o abalo político, Ethan Hunt se torna alvo do grupo terrorista que investigava há mais de um ano, o Sindicato.

    Considerando uma franquia com quatro bons filmes, a nova trama tem base na estrutura do impossível, que confere estilo à série e leva-a a um novo patamar ao mostrar um grupo terrorista cuja função primordial é sabotar o IMF, bem como outros grupos secretos de espionagem – o Sindicato é uma organização criminosa à altura dos espiões mundiais. Desde sua divulgação, o enredo foi bem conduzido. O trailer, que apresenta a história e sintetiza a força da série em uma grande cena de ação – também presente em um dos posteres –, é apenas uma sequência de alto impacto que introduz a trama. Uma estratégia que esconde os grandes atos de ação desta aventura, cuja intenção é provar a importância da força-tarefa e de Ethan Hunt como um dos agentes ativos mais brilhantes da equipe e um dos personagens mais cativantes do cinema de ação. Em nenhum momento, Hunt trata suas desventuras como uma vingança pessoal, mas trabalha sempre com técnica para provar seu ponto de vista e destruir qualquer plano que o acuse de traidor.

    Como nas histórias anteriores, a ação conduz a trama em três grandes atos, enquanto a investigação é responsável por levar a equipe a pontos diferentes do globo e proporcionar belas cenas equilibradas, com tensão e drama. O primeiro ato, passado inteiramente dentro de um teatro durante uma apresentação de ópera, é um belo trabalho apurado de perfeição e composição narrativa. Sem nenhuma trilha sonora fora de cena, as canções do libreto proporcionam a tensão sonora necessária para as cenas, ampliando o conflito de Hunt tentando descobrir um assassino para evitar a morte de um político. Um ato que eleva a linguagem narrativa do filme.

    Explorando caminhos diferentes dos anteriores, essa quinta aventura segue a estrutura fundamentada mas distorcendo-a sempre quando possível. Se anteriormente os picos de ação necessitavam da habilidade física de Hunt e, consequentemente, da forma física de Cruise, um dos pontos atos de um segundo ato se desenvolve em uma cena submersa, e a respiração do agente é fundamental para a sua sobrevivência. A potência física é trocada por outro tipo de treino rigoroso, mais técnico e mental, modificando os clichês de ação e provando que há maneiras diferentes de criar tensão necessária para promover uma outra grande sequência, filmada de maneira excepcional.

    A composição do vilão líder do Sindicato, um grupo que espelha a IMF, se expande além de um terrorista com um plano de dominação mundial. Trata-se de um embate de inteligências: uma espécie de Moriarty que usa sua sagacidade e técnica a favor do crime ou daquilo que considera verdadeiro, ainda que sempre seja difícil compreender doutrinas diferentes. Solomon Lane (Sean Harris) foge da loucura de grandes vilões para realizar uma interpretação mais sutil, mantendo o aspecto assustador de frieza, sem afetação. Uma vertente que explicita a espionagem ligada à origem da série, que inclui a participação de uma personagem dúbia, Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), simultaneamente agente britânica e infiltrada no Sindicado. É ela que trabalha ao lado de Hunt, além de Benji.

    A personagem de Simon Pegg, presente a partir de Missão Impossível III, também merece destaque por sua evolução desde sua primeira aparição na franquia. Benji foi além do alívio cômico, se transformando em um ativo de campo em Protocolo Fantasma, e, nessa história, está envolvido diretamente na ação. Assim, sua personagem cresceu, adquiriu contornos dramáticos e maior presença em cena como um parceiro não-usual de Hunt, demonstrando bom entrosamento entre os personagens.

    O exagero do impossível está presente em cena, mas situado em momentos precisos, com atenção e qualidade. A câmera de McQuarrie demonstra talento e apuro para a ação, e compõe cenas ágeis e, ao mesmo tempo, esteticamente belas, como a luta de facas de Ilsa filmada em dois planos paralelos devido às sombras das personagens – um jogo semelhante ao de Sam Mendes no primeiro ato de 007 – Operação Skyfall. Nação Secreta rompe os contornos de uma série blockbuster para engrandecer sua história, entregando, além da vertente habitual – ação, queda e ascensão, tríade vista nos filmes anteriores, com uma linguagem própria de cada diretor –, um novo patamar narrativo que retoma a vertente de espionagem e aprofunda-a na política, dando margem a possíveis novas aventuras dentro de uma mitologia própria. Um grande filme de ação (possivelmente figurando na lista de melhores filmes de 2015) que evidencia o talento de Tom Cruise, e seu ainda evidente carisma, e aponta um futuro talentoso para McQuarrie na direção.

  • Crítica | Menina de Ouro

    Crítica | Menina de Ouro

    E assim como em Cartas de Iwo Jima, o ringue é pessoal, tendo nos socos que a vida dá a força e o foco dos combates além do esporte. Clint Eastwood não espera para atacar temas como machismo e autossuperação a partir do boxe, invertendo polos com uma sensibilidade impecável na condução de um drama de proporções épicas, tratado de forma humilde, serena e sóbria, extraindo mais sugestões e símbolos que conclusões e rótulos dos caminhos da mulher, que só queria vestir as luvas vermelhas, usá-las e encontrar no público o amor que nunca teve na família. Os altos e baixos da guerra de uma soldado na pátria do capitalismo, onde todos são convidados a se tornar soldados, seja qual for o resultado das lutas.

    Quando a rua te esmurra, teu aluguel ou a carreira, você aceita ou deixa passar? Quem não bate, apanha, com um mundo sabendo disso na pele, lógica desvairada tanto pra homem quanto pra mulher. Aliás, há de o sexo feminino saber melhor disso. Elas, senhores, elas que sentem mais forte o soco mais macio que todos damos e recebemos, aparentemente com mais frequência ao longo dos anos. Elas, fonte da energia feminina do ser, ser profundo que sabe a receita para cair de pé em cima do salto agulha, que dá a luz ao marmanjo que chora porque machucou o dedo e conclama machismo e regras na ausência de lágrimas; Menina de Ouro é recusa ao choro e convite ao soco. É apoteose, é inspeção, e, sobretudo, é testamento para a espécie felina que Lady Di e Maria Bonita pertenceram. Raça que finge ser humana nos contornos de sua feminilidade.

    É de ouro porque é valiosa, é menina porque não perde sua essência – no caso, de lutadora. Se todo mulherão guarda consigo, por baixo das máscaras, a garota que só quer um abraço do pai, na história da pugilista Maggie não é diferente. A pessoa chega numa academia, mundo de macho, músculo e testosterona, e logo encontra o Blonde dos faroestes de Leone, um homem duro, frio e rabugento que ela sabe, ou sente, que vai ajudá-la a se tornar, no mundo, o que ela já é por dentro: uma campeã. Um processo de lapidação avesso à trama de um Touro Indomável, um dos melhores “filmes-boxe”, num filme mais intimista, num garimpo de personagens com méritos bastante opostos. Touro encarna o boxe; Menina é sensível; Touro tem a força de uma bomba, graças também à direção de Scorsese, que não muda nada ao longo dos anos, pro bem ou pro mal; enquanto Menina vasculha o lugar e a relevância da emoção no território da competitividade no esporte. Filme à moda antiga no qual é possível ouvir ecos reciclados do cinema ancestral de Nicholas Ray ou Howard Hawks, resgatados por Eastwood nessa semi-versão feminina de Os Imperdoáveis; a busca pelos agressores de uma prostituta vira a odisseia de uma garçonete nos palcos de Mike Tyson. Porque a luta é a mesma. Só muda o palco.

  • Crítica | Missão: Impossível – Protocolo Fantasma

    Crítica | Missão: Impossível – Protocolo Fantasma

    Missão Impossível 4 - Protocolo Fantasma

    O começo do ano 2000 foi bom para Tom Cruise devido ao sucesso de bilheteria e sua participação em filmes blockbuster, como a adaptação de Guerra dos Mundos de Steven Spielberg. Foi aproximadamente em 2005 que seu nome perdeu parte do status, graças a seus afastamento nas telas ao se dedicar ao casamento com Katie Holmes, um enlace lembrado pelo público nos pulos desenfreados no sofá de Oprah, fato que fez a mídia chamar-lhe de maluco para baixo. No ano seguinte, o nascimento da filha foi o centro de suas atenções e, ainda assim, o ator estrelou Missão: Impossível 3, seu último filme de grande sucesso.

    Em seguida, participou de longas-metragens interpretando personagens menores ou diferentes de seus heróis habituais: um congressista em Leões e Cordeiros, drama político de Robert Redford; Operação Valkyria como um militar que deseja acabar com os planos da Alemanha, e se destacou com muita maquiagem e pelo em Trovão Tropical. A produção Encontro Explosivo foi lançada para realocar o astro em seu papel de ação, um status que sempre foi constante em sua carreira, muitas vezes em detrimento do ator potencialmente talentoso em certos papéis. O filme foi um fracasso, marcou mais um passo ruim de sua carreira e parecia anunciar a morte de um dos últimos astros de Hollywood.

    O sucesso de Tom Cruise surgiu em uma época em que astros eram a grande estrela sem depender da qualidade. Mesmo filmes com uma bilheteria mais fraca alcançavam o esperado pelas produtoras. Um reflexo do mercado que hoje não mais se vê motivo pelo qual muitos outros colegas de profissão hoje estão em papeis secundários ou produções duvidosas, seja por opção ou por um mal gerenciamento da carreira que ainda os vê como astros acima de qualquer produção.

    Missão: Impossível – Protocolo Fantasma carregava a responsabilidade de demonstrar que o astro ainda era uma figura rentável na indústria, ao mesmo tempo que era um desafio para Brad Bird na direção. Até então, o diretor havia feito apenas grandes animações, como Gigantes de Ferro, Os Incríveis e Ratatouille. Como nas três histórias anteriores, a produção é coerente com sua temporalidade no quesito linguagem cinematográfica enquanto manter certa personalidade de seu diretor. O filme já está situado na era do realismo Bourne, porém, como a franquia permite cenas mirabolantes, o roteiro de Josh Appelbau e André Nemec preservam a coesão em grandes cenas impossíveis e ao mesmo tempo realistas, um paradoxo que parece impossível.

    Assim como o James Bond em Skyfall representava uma queda e reinvenção da personagem, o protocolo fantasma do título é instaurado após um ataque terrorista ao Kremlin, fortaleza russa, encerrando a força-tarefa Missão Impossível. Fora de um campo de restrições implicitamente anacrônicos, Ethan Hunt e sua equipe atuam para recuperar dados de diversos mísseis nucleares roubados durante a explosão. Interceptando a compra destes dados, a equipe segue em missão por diversos locais do globo – Rússia, Dubai e Índia – à procura do vilão terrorista. Cenários que não só engrandecem a trama visualmente como proporcionam grandes cenas de ação, como a insana escalada de Junt no lado externo do prédio Burj Khalifa, conhecido com o mais alto do mundo.

    No papel de Hunt, Tom Cruise continua sendo um grande símbolo. Demonstra não só seu antigo status de astro como também sua dedicação ao não utilizar nenhum dublê em suas cenas, trazendo mais autenticidade para a história. Bird, em seu primeiro filme live action, sabe trabalhar as cenas de ação tanto em seus picos máximos de tensão quanto aproveitando pequenos detalhes que trazem conflito à missão. Como destaque, a sensacional perseguição em meio a uma tempestade de areia em Dubai, claustrofóbica e tensa ao mesmo tempo, e que encerra o ato nesta cidade dos Emirados Árabes. Uma diferença das histórias anteriores é o tratamento dado às cenas de ação exageradas: a própria equipe assume o perigo e incredulidade diante de alguns atos de Hunt, como se soubessem que, diante de uma situação sem fugas, é necessário encontrar um caminho  mesmo que seja, aparentemente, impossível. O jogo de rir de si quebra o exagero que os filmes anteriores consideravam normal e reforça o teor realista – na medida do possível – da história.

    A nova trama alinha um novo personagem, William Brandt, parceiro que se iguala com Hunt como um espião bem treinado, além de retomar Simon Pegg como bom alívio cômico, bem composto para descontrair certas cenas sem destoar por completo do foco da ação, além de trazer uma participação de Ving Rhames como o parceiro Luther Stickell. A produção conseguiu 694.713.380 milhões na bilheteria mundial. Não só o maior retorno para a franquia – atualmente, Missão Impossível – Nação Secreta chegou a marca dos US$300.000.000 – como também uma das maiores bilheteiras da carreira de Cruise. Prova de que o astro conseguiu ser uma exceção no mercado, e manteve seu status de astro capaz de se reinventar no melhor que consegue fazer: sendo um astro de ação carismático, rentável e autêntico.

  • Crítica | A Fotografia Oculta de Vivian Maier

    Crítica | A Fotografia Oculta de Vivian Maier

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    A Fotografia Oculta de Vivian Maier (Finding Vivian Maier, EUA, 2013, Dir: John Maloof & Charlie Siskel) apresenta uma personagem peculiar e até então desconhecida do público: uma babá e empregada doméstica que está redefinindo todo o conceito de fotografia urbana do século XX.

    John Maloof acabou descobrindo o trabalho fotográfico de Vivian Maier por acaso em um leilão e passou a promover um resgate artístico, por meio de galerias e museus, e pessoal, através de depoimentos de uma amiga e dos adultos que eram as crianças que ela cuidou.

    A narrativa do filme escolheu apresentar o resgate do diretor pelas suas fotos: desde os negativos não revelados no leilão, disponibilizá-las na internet, contactar museus e galerias, até começar a vendê-las em mostras. Isso dá a chance ao espectador entender o impacto que o trabalho de Vivian Maier teve no final dos anos 2000. Porém, ao ser o narrador e apresentador do filme, e enfatizar a sua importância no processo, John Maloof cai no erro de tentar virar um personagem tão relevante quanto o seu objeto de pesquisa.

    Uma das partes mais interessantes é quando outros fotógrafos de renome começam a analisar as fotografias, e a partir daí que vemos a importância do trabalho de Vivian Maier como registro urbano do séc XX. A fotógrafa é praticamente uma jornalista de imagens, em especial das classes média e média baixa e principalmente dos mais pobres. É ali que vemos a moda, os costumes, o jeito de agir das pessoas durante as décadas que se passavam.

    Outro acerto do filme é quando o diretor passa a procurar pela pessoa. Quem é Vivian Maier? Como ela conseguiu tirar essas fotos? Como uma babá e empregada doméstica conseguia tirar fotos na sua Rolleiflex, a máquina fotográfica alemã que não precisava ficar na altura dos olhos. Com isso, Vivian teve a possibilidade de registrar as pessoas e situações urbanas sem que estas percebessem.

    No entanto, a maior falha do documentário é não informar ao espectador como as fotografias se tornaram um objeto complexo, e que esta questão está gerando um processo de direitos autorais dos mais complexos dentro dos Estados Unidos. O filme narra a ida do diretor até uma cidade francesa para encontrar o parente mais próximo de Maier, mas não é suficiente. Um advogado e fotógrafo amador de Chicago entrou com um processo contra o diretor justamente para impedi-lo de lucrar com os direitos autorais de outra pessoa e rebate a sua versão; ele acabou encontrando outro parente próximo de Vivian em outra cidade francesa.

    A Fotografia Oculta de Vivian Maier é um filme com alguns problemas em sua concepção, mas merece ser visto por quem se interessa pela fotografia não só como registro de época, mas também como obra de arte.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | A Vida Privada dos Hipopótamos

    Crítica | A Vida Privada dos Hipopótamos

    A Vida Privada Dos Hipopotamos 1

    Através de uma proposta pouco usual para um documentário, Mariana Bühler e Matias Mariani dirigem a sua versão para a biografia do prisioneiro norte-americano Christopher Kirk em terras brasileiras, através de uma louca história de amor. Kirk estava recluso e somente aceitou a proposta para “posar” em A Vida Privada dos Hipopótamos após os diretores aceitarem sua condição, a de contar, ele mesmo, a história, emprestando arquivos pessoais de vídeo para incrementar a versão final.

    Kirk era um ótimo contador de história, e do seu modo ele poetiza a própria jornada que protagonizou. A origem do nome do longa sugere um dos seus muitos causos sobre os animais marítimos que Pablo Escobar cuidava, e que teriam sido o único legado que sobrou após a morte do empresário da droga. Os tais hipopótamos só não eram mais curiosos que a história da tal colombiana meio asiática que capturou sua atenção. A moça, chamada V., conheceu Kirk pela internet, no início do advento dos chats de conversas particulares, e sua rotina seria tão irreal que justificaria toda a comparação do entrevistado ao boneco de madeira Pinóquio.

    Há um cuidado genuíno por parte dos cineastas em não referenciar tão diretamente o que o levou a ser indiciado pela lei. Outro aspecto interessante, e que somente foi acrescido após a pós-produção, foi o acesso ao HD de Christopher, investigando sem restrições a origem das ideias por trás do objeto de análise. Não há pudores da parte do prisioneiro em detalhar o seu processo de paixão e rendição, tampouco vergonha em declarar como era usado, apelando a um coitadismo resignado, que não usa de todos os adjetivos para se declarar vítima, mas que ainda assim se põe em constrangedoras situações.

    Os amigos de Christopher oferecem um bom parecer sobre todos os relatos. Chamado de “Goose”, revela-se uma intimidade bastante diferente das facetas vistas nos inúmeros documentários lançados anualmente pela indústria. A sucessão de fatos descritos permitem uma interpretação do sentido da vida, como as opções de enganação que o homem escolhe, seja pelo comércio do mercado de trabalho, que suga a vida dos seres até sua aposentadoria, ou pelas curvas de uma mulher fatal, que entorpecem a mente, coração e um conjunto de sensações.

    O contato com Chris é interrompido, e a edição do filme compreende a apropriação de vídeos filmados pelo próprio em um audacioso ato de fuga. Buehler e Mariani trazem à luz uma persona engraçada e fajuta, rica em cada detalhe de sua intimidade e intrigante e carismática presença, tão magnética que é capaz de reunir toda atenção possível em volta de si, fazendo valer cada esforço executado na produção do diferenciado documentário.

  • Crítica | Na Próxima, Acerto o Coração

    Crítica | Na Próxima, Acerto o Coração

    Na Proxima Acerto no Coração 1

    Fruto da união do diretor Cédric Anger com Guillaume Canet, Na Próxima, Acerto no Coração adapta o livro de Ivan Stefanovich, aludindo a questões primordiais de suspense e a veracidade dos fatos criminais mostrados em tela. A trilha instrumental dá leveza e sentimento aos momentos de extrema violência mostrados pelas lentes de Anger, e embala a crueldade humana de uma forma bastante poetizada. Olse é palco de uma série de eventos grotescos e expõe uma face violenta do local, em contraponto ao romantismo que impera sobre o imaginário da cidade.

    Canet vive o guarda policial Franck Neuhart, que sofre ao assistir os atrapalhados atos de seus colegas, que se ferem gravemente ao não se atentarem para armadilhas de criminosos. Seu código ético faz ele se punir por nutrir em si desejos homicidas e por também se culpar pelas desgraças que o cercam. Com dificuldades sérias para se relacionar com outrem, o homem da lei apresenta traços em comum com os sociopatas que costuma prender.

    As dificuldades em conviver com outros humanos incluem uma extrema timidez, fazendo com que – supostamente – tenha profundas restrições quanto a pares amorosos, mesmo que estes estivessem tão perto de ceder aos seus encantos. Sophie (Ana Girardot) é uma figura que lhe causa espanto, o estopim para a primeira demonstração de desequilíbrio e ação destemperada do sujeito, que mostra sem pudores sua intenção homicida e sua rotina comum, ainda que a cena tenha no sentimento de culpa seu centro emocional. Franck sente remorso não só por seu “ato mau” e intempestivo, mas também pela sua desnecessária sujeira.

    As manchas de sangue, que insistem em habitar o rosto e o para-brisas do carro, são signos visuais de uma realidade que o pseudo homem da lei tenta esconder, obviamente fracassando. Assim como o vermelho facilmente prevalece sobre o branco da pele do intérprete, os policiais encontram o rastro do protagonista em um misto de incompetência de Franck, em um ato falho mais uma vez evidenciado pela sua culpa. Os métodos de fuga são demasiado simples, até rústicos, como se a escapatória fosse a última alternativa para o seu destino.

    Mesmo incógnito, e sem pagar por seus pecados, Franck não consegue livrar sua psiquê e fantasias das figuras mórbidas que produz. Até a nudez lasciva que lhe atrai reúne elementos cadavéricos e signos mortuários, fazendo alegorias pouco utilizadas e bastante sutis aos estigmas e desejos que cercam a personagem.

    É fato conhecido – e até anunciado antes do início da trama – que o roteiro seja repleto de acontecimentos inventados, para que a narrativa fizesse sentido junto aos fatos. Mas os acontecimentos mostrados fazem parte de uma sequência de pura verossimilhança, especialmente nas reações dos policiais ao perceberem a traição. Ao mesmo tempo em que a direção de Anger faz questão de aproximar o psicopata da humanidade, takes e sequências inteiras onde a câmera é posta em um ponto longitudinal, normalmente de cima, fazem referência ao Divino, a figura que comumente julga os atos dos humanos. O suspense de Na Próxima, Acerto o Coração não se localiza nos eventos trágicos, e sim nas reações culposas do homem, que não encontra perdão sequer nos braços de seu deus, possivelmente por não ver na figura uma alternativa de salvação, já que o mal faz morada em seu corpo. O roteiro de Anger não faz concessões morais, pelo contrário, aponta a crueldade humana com normalidade, afastando a figura do vil e frio matador de arquétipos demoníacos ou utopicamente maléficos. Ações do perfil comum de um psicopata.

  • Crítica | A Canção do Oceano

    Crítica | A Canção do Oceano

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    Brincando com a fronteira nada espessa entre a realidade e o mundo imaginativo que um conto fantasioso produz na cabeça das crianças, o filme de Tom Moore remonta uma antiga lenda, sobre longevidade e vida após a morte, usando como heróis dois infantes: o menino Ben (David Rawle) e sua irmã caçula Saoirse (Lucy O’Connell) que, já no prologo, ficam órfãos de mãe, restando somente sua figura paterna e seu cão como companhia em sua casa abeira da praia.

    A perda da mãe não deixa o pequeno Ben impune, gerando no rapaz de madeixas alouradas uma forte rebeldia, representada por travessuras e peripécias em horas inoportunas, além de provocar um instinto de agressividade, cuja principal vítima é sua irmãzinha. A carência e a impossibilidade da promessa de estar sempre junto a sua mãe  causou um vazio manifestado na tristeza e consequente violência verborrágica, de certa forma incapacitando-o para ter as mesmas experiências sensíveis que Saoirse tem com mamíferos marinhos locais.

    Essas focas representariam lendariamente os humanos que partiram muito cedo. Saoirse não tem qualquer receio de conviver com os animais da encosta, nadando com eles mesmo durante a noite e a madrugada, tornando-se uno com tais animais em cenas belíssimas que remetem ao instinto pueril de seu inocente coração, distante das preocupações e desagrados típicos do cotidiano adulto. No entanto, o mundo real interfere diretamente no cotidiano das crianças que, após a incursão da menina ao mar, são levados por uma parente para um lugar distante da companha de seu deprimido pai, do seu cachorro e das focas que tentam acompanhar os viajantes pela costa marinha.

    Logo, as duas crianças decidem se aventurar para retornar ao lar original, travando contato em seu caminho com criaturas mágicas, chamadas de selkies que guardam semelhanças e parentescos com as fadas. Ben encontra seu cão no caminho rumo a aventura, mas sua irmã adoece, mostrando uma mecha grisalha, o que o faz acreditar que ela também é uma selkie.

    O tratamento dado ao mundo mágico mistura elementos sobrenaturais e temas comumente discutidos por adultos, como o além vida e que no roteiro de Moore e Will Collins são tratados delicadamente, em atenção ao público infantil, mas sem fazer qualquer concessão moralista ou preocupada com rumos não polêmicos de trama. A trilha sonora ímpar dá a trama um clima de orquestra, tonificando a mensagem repleta de desapego e superação das perdas irremediáveis da vida, montando um quadro belo, emocional e repleto de cores que glorificam a infância e seus dotes.

  • Crítica | Um Mundo Perfeito

    Crítica | Um Mundo Perfeito

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    Um Mundo Perfeito é talvez um dos primeiros filmes que marcou uma mudança na carreira de Clint Eastwood como diretor, mostrando um lado pessoal, até então desconhecido, ao humanizar um protagonista falho. E o filme veio com expectativa depois de Os Imperdoáveis, lançado um ano antes, e que deu o Oscar de Melhor Filme e Melhor Diretor a Clint.

    Robert ‘Butch’ Haynes foge da prisão e começa a ser perseguido pelo policial federal Red Garnett. Durante a fuga, ele rapta Phillip ‘Buzz’ Perry, um garoto de sete anos, e acaba desenvolvendo uma forte relação com o menino.

    O roteiro original de John Lee Hancock acerta ao seguir a estrutura de ação paralela que remonta aos primórdios da narrativa clássica do cinema. Ao focar a relação entre os dois protagonistas logo no começo da história, e como o vínculo entre ambos vai se fortalecendo, a narrativa estabelece uma contraposição curiosa com a implacável perseguição federal.

    Ao apresentar um detento em fuga que rapta uma criança com pai ausente, a história passa a discutir o vínculo entre dois personagens que se completam: Butch não está só fugindo da cadeia, mas da própria vida de crime que ele mesmo escolheu; da mesma forma que Buzz aceita entrar em uma relação que faltava: a presença masculina. Como a história se passa em 1963, o roteiro também passa a discutir como aquela geração estava perdida, fugindo de si mesma, além de questionar seus próprios valores.

    Ao também mostrar a perseguição federal liderado por Garnett, cria-se um paralelo interessante entre as duas situações. Através das ações de Butch e Buzz no meio das dificuldades enquanto tentam fugir o tempo todo, o roteiro de Hancock inverte o eixo moral, e o espectador passa a ter mais empatia por Butch, um ladrão e assassino, do que pelo policial federal que pretende colocá-lo de volta na prisão e fazer com que o garoto retorne salvo e bem para a sua mãe.

    A força da direção de Clint Eastwood está em ter acertado na escolha de um bom roteiro, em dirigir os atores e em focar na narrativa visual do filme. Fora a sequencia da morte de Butch, não há um plano ou cena memorável que transpareça o seu trabalho como diretor do que no contexto geral.

    A atuação de Kevin Costner é o grande destaque do elenco. O ator vinha de uma carreira consolidada desde Os Intocáveis (1987) e Dança com Lobos (1990), mas até então nunca tinha interpretado um protagonista com grande falha de caráter como Butch. A atuação é bem contida quando deve ser e extravasada quando o roteiro pede. T.J. Lowter consegue transmitir bem quando necessário as emoções de uma criança que se encanta pelo raptor. Clint, por sua vez, dá o tom ao policial durão Red Garnett.

    A fotografia de Jack N. Green (diretor de fotografia de Imperdoáveis, Bird e outros filmes do Clint) é naturalista, porém ela se sobressai logo no começo do filme, assim como no final, quando Butch morre e a cena passa a ser poética. A edição de Joel Cox (também editor de Imperdoáveis e outros filmes do diretor) também só prevalesce neste ponto, ao longo do filme ela é linear, servindo como base para a narrativa.

    Um Mundo Perfeito é daqueles filmes que talvez não figuram entre os melhores do seu tempo, mas a bonita história narrada ali através dos nuances mostra que é uma obra das mais interessantes dos anos 90.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Cala a Boca, Philip

    Crítica | Cala a Boca, Philip

    Cala a boca Philip - poster - Zeta Filmes

    Ciente da capacidade de emitir ideias criativas e opiniões, o intelectual – seja ele um escritor, pensador político, entre outros – muitas vezes apoia seu trabalho criativo na reclusão como espaço para externalizar seus pensamentos no papel. Ao mesmo tempo que o desejo de comunicação é intrínseco, há um abismo entre seu bom trabalho profissional e o cotidiano que revela uma personalidade obtusa e, não raro, conflituosa com os próprios pensamentos.

    Dirigido por Alex Ross Perry, cineasta sempre presente em festivais de cinema independente, Cala a Boca, Philip é uma destas representações conflituosas entre o autor e sua obra. Seu personagem-título é indigesto, refletindo um tipo de personalidade comum que transforma o trabalho criativo em uma ilusão superior. Autor prestes a lançar um segundo romance, Phillip Lewis (Jason Schwartzman) é um homem egocêntrico, convicto de seu brilhantismo, que não hesita em afastar qualquer relacionamento de sua vida, desde ex-namoradas e amigos, aos quais faz questão de expor sua raiva e agressão, até sua atual namorada (Elisabeth Ross), da qual se afasta cada vez mais. Sua narrativa é elogiada por um renomado escritor, Ike Zimmerman (Jonathan Pryce), e tais leituras marcam o início de uma amizade.

    A obra, cujo roteiro também é assinado por Ross Perry, mantém a narrativa em off como uma semelhança à literatura, trazendo uma vertente descritiva sobre personagens e seus sentimentos além das imagens. A desconexão das relações atravessa todas as pessoas deste universo, não à toa todas relacionadas com a arte de alguma maneira: literária, fotográfica ou acadêmica.

    O panorama estabelecido intenta destruir a visão positiva e adoradora que se tem popularmente a respeito de intelectuais. Mesmo geniais em sua obra artística, esses seriam falhos como qualquer outro ser humano, e sentem uma solidão inerente que nenhum de seus trabalhos é capaz de aplacar. No papel central, Jason Schwartzman mantém sua característica interpretação deslocada, funcional para um personagem que deixa a vida de lado ao se autointitular escritor. Seu personagem não é empático e reúne características comuns entre intelectuais, como a prepotência e o egocentrismo. Philip é incapaz de conviver com quem não compartilha seu sucesso e seu brilhantismo.

    Mesmo com uma boa reflexão como argumento, o longa-metragem parece incompleto. Os dramas de cada personagem são apresentados com pouco desenvolvimento, retirando parte do fôlego da obra, que acaba caindo na mesma armadilha de seu protagonista: a pretensão de ser brilhante demais sem a consciência de sua própria limitação.

  • Crítica | Casa Vazia

    Crítica | Casa Vazia

    Casa Vazia - Poster

    Casa Vazia chegou com expectativa ao circuito de festivais, depois de outro grande filme do diretor: Primavera, Outono, Verão, Inverno… E Primavera, lançado um ano antes.

    Na trama, o jovem Tae-Suk invade casas vazias de pessoas que estão em férias e vive alguns dias até conhecer a mulher, Sun-Hwa, que passa a acompanhá-lo. O roteiro do próprio Kim Ki-Duk mantém uma das principais qualidades autorais do diretor. Ao basear a sua narrativa em invasões de casas alheias, ele passa a discutir a busca do protagonista por uma identidade: quem ele é? O quer encontrar e onde? Tae-Suk não liga para o seu passado, sua família? Ao registrar a sua passagem nos lugares através de fotografias, o protagonista deseja fazer parte daquele universo particular?

    A segunda casa que ele invade está ocupada por Sun-Hwa, uma mulher submissa ao marido que acaba pedindo ajuda. Ele espanca o abusador e a resgata, fazendo com que ela agora faça parte da sua trajetória. As casas vazias que ambos ocupam agora são preenchidas com mais vida. Ser errático passa a fazer sentido.

    Ao se deparar com um cadáver em uma casa invadida, eles decidem dar um enterro digno ao falecido, demostrando que a sua jornada estava chegando ao fim. Não à toa eles são detidos pela polícia e se separam: Sun-Hwa volta para o seu marido abusador e Tae-Suk segue para a prisão.

    Há uma quebra na narrativa, porém o objetivo dos dois permanece: ela continua a negar o seu marido, mas não sai de casa. Ao invés disso, começa a invadir outras casas por conta própria; ele tenta se transformar em uma sombra na prisão, e quando retorna à sociedade volta a ocupar casas sem ser visto, como um fantasma.

    A direção de Kim Ki-Duk é sublime na posição de câmera ao fazer com que a composição do quadro demonstre o vazio das casas e principalmente dos protagonistas. A narrativa visual demonstra o domínio do diretor sobre a linguagem cinematográfica ao subverter o roteiro padrão de narrativa clássica por meio de poucos diálogos.

    A atuação de Lee Hyun-Kyoon consegue imprimir a personalidade necessária em Tae-Suk, um jovem sem perspectiva, fechado, perdido, porém que toma atitude quando necessário. Lee Seung-Yeon consegue fazer com que Sun-Hwa seja a esposa submissa e introspectiva que vai se libertando aos poucos das amarras da vida matrimonial e social.

    A boa fotografia de Jang Seong-Back no começo do filme é pouco saturada, sem cor, sem vida e ao longo da narrativa a saturação vai aumentando aos poucos, de acordo com as ações dos protagonistas. A edição do próprio diretor deixa a obra ainda mais autoral. O filme não perde o ritmo em nenhum momento, mas talvez outro profissional poderia dar mais personalidade à edição linear da obra, principalmente nas cenas da prisão.

    Casa Vazia vale a pena pela proposta diferente de narrativa que Kim Ki-Duk nos trouxe, figurando entre a boa direção, o roteiro e a fotografia, além das questões que o filme aborda deixando perguntas para o espectador refletir.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

    Nota: 4 estrelas.

  • Crítica | A Estrada 47

    Crítica | A Estrada 47

    055 - A Estrada 47

    Praticamente desconhecida no mundo, a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, com seus 25 mil pracinhas da FEB enviados por Getúlio Vargas em troca de apoio material dos EUA, começou a ganhar atenção no Brasil nos últimos anos, especialmente após a grande propaganda do livro 1942: O Brasil e sua Guerra Desconhecida, publicado por João Barone, membro dos Paralamas do Sucesso e filho de um dos soldados brasileiros da FEB.

    A campanha brasileira na Itália sempre foi motivo de sarro para muitas pessoas, que desdenhavam da falta da capacidade material e humano do país frente ao grande número de combatentes dos outros países envolvidos. Porém, se esquecem de que os soldados que enfrentaram o inverno italiano não tinham nada a ver com isso, e suportaram privações enormes em uma guerra que mal tinha a ver com o Brasil, até então. É este contexto que o filme de Vicente Ferraz tenta trazer ao espectador, o lado humano dos combatentes brasileiros no conflito.

    A história (fictícia) gira em torno de um destacamento de soldados brasileiros que fogem de uma missão, ocasionando algumas mortes. Os envergonhados sobreviventes Guima (Daniel de Oliveira), Piauí (Francisco Gaspar), Tenente Penha (Júlio Andrade) e Laurindo (Thogun Teixeira) junto com o jornalista Rui (Ivo Canelas), decidem então retirar as minas terrestres de uma estrada chamada 47, a qual os americanos precisavam passar com tanques para liberar uma cidade italiana.

    Após renderem o desertor do exército italiano Roberto (Sergio Rubini) e capturarem o também desertor alemão Jurgen Mayer (Richard Sammel), o filme acompanha a viagem a pé dos soldados até encontrarem a estrada, que só Mayer sabia onde ficava. Ao invés de se utilizar de maniqueísmos, a relação entre todos eles é estabelecida de acordo com as narrativas do que é sabido sobre os brasileiros na Itália: a cordialidade, afinal, ao entrar em uma guerra no final, não estavam contaminados com a atmosfera de ódio reinante no conflito. Porém, sem não esbarrar em cenas levemente incômodas, como o sargento negro Laurino se mostrar obviamente um sambista e cantar para Mayer.

    No entanto, o que se destaca em Estrada 47 é o aspecto técnico. Rodado no inverno italiano utilizando materiais e veículos originais, a produção confere um realismo pouco visto no cinema nacional, onde o intenso frio está estampado na cara dos atores, que passaram por treinamentos intensos parecidos com a dos soldados brasileiros. Todo o figurino ajuda a compor um visual belíssimo.

    Porém, o que não ajuda é o vício do cinema nacional de utilizar a narração. Utilizando a voz de Daniel de Oliveira como Guima, ao ler cartas que enviava a seu pai relatando sua covardia no início e depois a tentativa de retratação, a narração retira a atenção do que está acontecendo no filme em todo momento que entra em cena, tornando-se desnecessária, uma vez que justamente o forte do filme é seu visual.

    Todas essas características se juntam para formar um resumo do que foi a participação brasileira na guerra. Apesar de parecer insignificante, os brasileiros tiveram um papel importante na libertação da Itália, de acordo com a sua limitada capacidade técnica. O filme faz uso deste elemento utilizando como símbolo o empenho dos soldados em liberar a Estrada 47, que era pequena, mas essencial, um dever que demandou muito esforço.

    Se não é uma produção perfeita, ao menos é honesta no que se propõe, sem esbarrar em um nacionalismo barato, tampouco na nossa típica síndrome de vira-lata, erros muito comuns em produções do tipo. Estrada 47 presta uma homenagem singela aos combatentes enquanto fornece entretenimento de qualidade, apesar de suas limitações.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.