Categoria: Cinema

  • Crítica | Quarteto Fantástico

    Crítica | Quarteto Fantástico

    quarteto fantastico - poster brasileiro

    Há um boom de filmes baseados em histórias em quadrinhos desde o renascimento da espécie como gênero, que se iniciou lá com X-Men. A ideia era excelente: tratar o filme de super-heróis como um gênero dentro do outro, e assim haveria abertura para que Bryan Singer fizesse uma bela Sci Fi com elementos de ação, necessária ao desenvolvimento da linguagem cinematográfica deste tipo de filme. Na mesma época, Homem-Aranha de Sam Raimi trouxe uma certa pureza aos super-heróis ao trabalhar temas típicos dos personagens de quadrinhos como responsabilidade, caráter, bondade e sacrifício — abordagem que se repetiu poucas vezes, como em Homem de Ferro, Vingadores e nas continuações de Homem-Aranha. Porém não era possível fazer isso com todo e qualquer material, e estabelecer gêneros maiores e então encaixar a mitologia do super-herói parecia uma decisão mais bem acertada. Christopher Nolan fez seu suspense policial numa Gotham City sem a aura mágica a qual normalmente se observa na cidade, e deu certo elevando o nível dos filmes de super-heróis para patamares mais ousados. Com os direitos de diversos personagens da editora Marvel nas mãos, a Fox buscou completar sua fatia do bolo com Demolidor – O Homem sem Medo e Quarteto Fantástico, ambos nada bem-sucedidos.

    Eis que aparentando novos rumos e visões depois do excelente X-Men: Primeira Classe, o estúdio enfim encontrou sentido para seus personagens. Precisando fazer algo para não perder os direitos sobre eles, resolveu que era hora de reiniciar o Quarteto Fantástico nos cinemas. Para a missão contratou o promissor Josh Trank (Poder Sem Limites) que, após este filme, estaria à frente de um dos filmes do universo Star Wars da Disney, e faria segundo suas palavras, um Sci Fi com referências de David Cronenberg, pitadas de horror e algo totalmente diferente do usual. Como parte de suas decisões artísticas o elenco seria formado por talentos inquestionáveis de uma nova geração que conta com Miles Teller (Whiplash – Em Busca da Perfeição), Michael B. Jordan (Fruitvale Station) nos papéis de Senhor Fantástico e Tocha Humana, e trataria de uma nova geração de também cientistas que estão agora no mundo com a missão de consertar as gerações passadas que destruíram ou renegaram. A genialidade de Reed Richards/Senhor Fantástico contrasta com sua inexperiência e cria um interessante personagem que nunca conseguiu se impor corretamente, mas que tem em si a sede por compreender o mundo à sua volta e que assim segue com a resiliência devida. Após ser descoberto pelo cientista Storm em uma feira de ciências, Richards tem a chance de fazer a diferença no mundo.

    Quando quase nada poderia dar errado, boatos sobre brigas no estúdio e a sorrateira substituição de Trank por Mathew Vaugh (X-Men: Primeira Classe) para “consertar” o filme surgiram por toda a internet, denunciando que ou o resultado teria ficado ruim, ou o estúdio queria na verdade uma outra coisa. O resultado das possíveis confusões se vê na tela em um filme sem foco, estrutura ou originalidade, e que de tão genérico é possível ter vislumbre de praticamente qualquer filme de super-herói recente, desde o recente Homem-Formiga, até O Homem de Aço. Não haveria muitos problemas caso esses vislumbres tivessem relação com os pontos fortes dos filmes citados, porém se percebe apenas a soma dos mais variados clichês recentes do cinema, como a ação artificial baseada em efeitos visuais fosforescentes. Está tudo lá como uma espécie de mapa mental das convenções de gênero que poderiam ser inseridas no filme, mas sem o filtro de qual combinação fazer.

    Embora o terceiro ato seja terrivelmente problemático, os dois primeiros têm dificuldades de conectar e trazer seus protagonistas para o centro da história e da ação, pois não consegue localizar a importância dos personagens à trama. Quem sofre particularmente com isso são os personagens Ben Grimm/Coisa (Jamie Bell) e Sue Storm (Kate Mara), que não podem contar nem mesmo com a grande qualidade de seus intérpretes, já que eles não têm espaço para atuar e são sufocados por exigências meramente performáticas e banais, além de inseridos na obra como pura convenção.  Para resolver este deslocamento, boa parte das soluções são apressadas e amadoras. A solução para dar alguma substância aos personagens é fazendo deles contrapontos das intenções do governo para o uso de suas habilidades, o que seria ótimo caso isso representasse alguma consequência para a trama, o que não foi possível, em muito pela metragem do filme – apenas 100 minutos. Aos demais personagens, resta como motivação para a maior parte de suas ações a necessidade de reconhecimento parental, porém este recurso perde-se em sua frivolidade por ser aplicada a praticamente todos os personagens, mesmo àqueles cujo desenvolvimento não ressoa.

    A falta de perigo, urgência ou gravidade é outro ponto fraco deste filme. Nem mesmo mortes recebem o impacto que merecem, como se o filme se apressasse para uma resolução numa tentativa de subir o ritmo rapidamente e assim criar o clímax. Ao perder-se sobre o que gostaria de mostrar, cria um segundo filme ao iniciar o terceiro ato e isso deixa óbvio que decisões foram tomadas no decorrer da produção e que essas decisões alteraram o material e ideia inicial, levando do Sci Fi com toques de terror prometido (e parcialmente entregue até então) a uma aventura boba de resolução fácil como nos filmes anteriores e alguns pares recentes do cinema de super-herói. Tal desconexão se vê inclusive na edição, que insere e retira personagens de lugares quase que teletransportando o elenco em cortes tão secos que chegam a perder o espectador por um segundo até que este se localize novamente, além de utilizar os recursos mais primários de passagem de tempo que poderiam existir.

    As boas interações do início do filme são desconsideradas com seu decorrer, dissolvendo os laços criados sem reconectá-los ao final, demonstrando uma certa falta de empatia com aqueles personagens. Neste ponto, é difícil de entender o porquê do espaço em tela para Victor Von Doom (Toby Kebbell), se sua participação efetiva como vilão seria apenas burocrática, desperdiçando um visual interessante e cenas de demonstração de poder corajosas. Ao fim, pela falta de sua presença, Doom não exerce o papel de vilão, ou seja, aquele que incita a situação para que o herói haja. Aqui, nenhum papel é bem definido com relação a uma estrutura usual de vilão e herói, adquirindo-a apenas ao final, quando o resultado destoa do desenvolvimento.

    Se o clima e personalidade são muito bons e as pequenas ousadias do roteiro têm capacidade de aliviar a tensão quando surgem, as dificuldades de relacionar suas qualidades ou de lidar com o número de personagens ressaltam sobre seus pontos positivos gerando uma obra no mínimo desconjuntada (que não chega a ser sempre terrível). Quando somada ao complicado terceiro ato, que além de curto e apressado representa uma outra estética e dinâmica de todo o resto, torna-se complicado olhar com mais afeto as licenças tomadas por personagens e trama.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Missão: Impossível 3

    Crítica | Missão: Impossível 3

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    Podemos dizer que, das franquias de filmes de espionagem em evidência, Missão: Impossível consegue ser mais distinta que suas rivais, quais sejam, a franquia de James Bond ou a de Jason Bourne. Enquanto os filmes do agente 007 e de Bourne seguem à risca um determinado padrão, o agente Ethan Hunt sempre se vê no meio de uma crise inesperada, não se preocupando tanto com as locações ou com as propagandas de produtos. Podemos dizer que é uma franquia que se arrisca mais e que, por tal motivo, o risco de fracasso é maior. Felizmente, o saldo da terceira obra tem sido positivo.

    Missão: Impossível 3 é bem diferente de seus antecessores por diversos motivos. Se o primeiro, de Brian de Palma, chega a ser um thriller psicológico inteligente com boas cenas de ação rodadas na Europa, o segundo de John Woo peca pelo excesso de cenas “impossíveis” que beiram o ridículo, dando muito mais atenção à ação do que à trama. A terceira aventura do agente Ethan Hunt (novamente vivido por Tom Cruise) é muito mais modesta que as anteriores. Porém, busca emular o primeiro filme e o resultado não é excelente, mas muito promissor, o que garantiu, pelo menos, mais dois filmes para a franquia: Missão Impossível: O Protocolo Fantasma e Missão Impossível: Nação Secreta.

    Por conta do “fracasso” do segundo filme (uma vez que parte do sucesso obtido foi por causa de uma MTV em evidência, do retorno triunfante do Metallica e da música Take A Look Around, do Limp Bizkit na trilha sonora), a franquia ficou estacionada por seis anos, tendo o seu retorno de forma tímida, e o melhor, humilde. Foi assim que o promissor diretor J. J. Abrams, que até então era conhecido apenas na televisão, entrou para o projeto e junto com seus parceiros Alex Kurtzman e Roberto Orci escreveu o roteiro do longa.

    Em que pese parte da história envolver a vida pessoal de Hunt, Abrams entregou um filme redondo, fazendo com que o agente, que estava aposentado, voltasse à ativa para resgatar uma de suas pupilas sequestrada por Owen Davian (Philip Seymour Hoffman), obrigando o agente a montar uma nova equipe. Assim, vemos o terceiro retorno do agente Luther (novamente vivido por Ving Rhames) e caras novas como, Declan (Jonathan Rhys Meyers), Zhen (Maggie Q) e o simpático Benji (Simon Pegg), carismático o bastante para conseguir sua presença nos dois filmes seguintes.

    O que incomoda, mas não atrapalha a experiência, é que a fita não é nem um pouco original. Como dito, o filme é humilde e se espelha (até demais) em outros conhecidos e bons filmes de espionagem. Podemos dizer que sua maior influência foi, sem dúvida, o ótimo Ronin, principalmente pelas reviravoltas na trama e o “famoso” Pé de Coelho, um artefato que é mencionado o tempo todo, mas em nenhum momento sabemos do que se trata, e nem o que é.

    Tom Cruise como sempre é um show à parte, e Philip Seymour Hoffman está ótimo no papel de antagonista. Seu Owen Davian é daqueles vilões extremamente inteligentes e frios, mas que chegam a perder o senso em momentos de ódio. E o time de coadjuvantes conquistou destaque. Rhames, Rhys Meyers, Q e Pegg trabalharam muito bem juntos. Um elenco com bastante química, sem dúvida.

    Missão: Impossível 3, pode não ser um filme perfeito, mas foi totalmente responsável por tirar a franquia da lama.

    Ah, e o que falar daquela sensacional cena de perseguição de helicópteros em meio aos (hoje tradicionais) flares de J.J. Abrams?

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Zapata Vive

    Crítica | Zapata Vive

    Zapata Vive 3

    Investigando a origem dos movimentos que levaram à revolução mexicana ao seu apogeu, Matias Gueilburt põe à prova toda a sua experiência em registrar eventos populares pela América Latina. Zapata Vive é um pequeno retrato do México do fim do século XIX, retratando o quanto a classe rica e dominante controlava, por meio de uma escravidão velada, o mercado de trabalho no país, com seus valores irrisórios de salários e a falsa impressão de que o proletário se autossustentada.

    Com delicadeza, o realizador argentino registra o começo da vida do principal biografado, Emiliano Zapata, desde seu nascimento no bairro pobre de Morelos até a ascensão política, que o levaria a se destacar contra a ditadura de Porfirio Diaz. Os relatos de pensadores e cidadãos comuns do país reforçam o ideário de herói histórico e libertador de cativos, comum ao ativista que buscou a todo momento a luta contra a escravização de seus convivas.

    O modo como são conduzidos os relatos é diferente do modo normalmente utilizado nos documentários estadunidenses. Gueilburt não perde tempo em destacar seu lado pelo óbvio viés de sua carreira, pródiga em destacar movimentos de protesto anti-imperialista pela América Latina, como foi antes com Democracia e A Revolução Mexicana, sendo este Zapata Vive semelhante ao último citado, servindo como continuação do assunto.

    O resgate não é só ao ícone histórico, mas também à intimidade do homem e a desconstrução do mito heroico, exibindo facetas humanas e sentimentos do ativista, com declarações de seus descendentes diretos. Em suma, as entrevistas retratam a exacerbada humanidade de Zapata atribuindo a imortalidade não à condição de figura inquestionável, mas sim à capacidade de um homem de carne e osso conseguir atingir os feitos libertários e humanitários sem abrir mão do fator homem, resumindo em si todo o conteúdo que deveria estar presente no cerne do ideal da revolução.

    O intuito do diretor é focar o histórico de revoluções dentro do imaginário popular do México, diferentemente da realidade brasileira, para se ater a um exemplo próximo. Zapata tem em seu maior mérito – segundo a fita – a semeadura da luta por direitos por meio das ações da própria plebe, fazendo com que o comportamento de tomar as ruas através de protestos não seja visto como tentativas vândalas de tomadas de poder, e sim como representação legítima do cidadão. Assim, essa classificação não se dá somente quando os vieses são abraçados pela mídia popular, até porque a realidade do México é bastante diferente.

    Historiadores e religiosos convergem em opinião sobre como funciona a sociedade mexicana, que não tem tantas diferenças ou rixas entre si, entre outros motivos, por Zapata e Pancho Villa lutarem por sua pátria, ou sobre os ecos das ações do Exército Libertador nos anos 1920. A vida após a morte de Emiliano é narrada e recontada pelo emocionado documentário, que cumpre bem a função de memória afetiva e de introdução à biografia do líder político e libertário.

  • Crítica | Real Beleza

    Crítica | Real Beleza

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    Com um orçamento bastante baixo, mas munido de um elenco famoso, Jorge Furtado retorna ao cenário de longas-metragens de ficção após o interessante Mercado de Notícias. Com o casal Vladimir Brichta e Adriana Esteves, traz à luz um filme que deveria ser uma ode a arte e a universalidade da beleza, mas que acaba por valorizar conceitos familiares, ainda que por vias tortas.

    Real Beleza se passa no estado do Rio Grande do Sul, cenário comum aos bons filmes de Furtado, a exemplo de O Homem Que Copiava e tantos outros. Dessa vez, o foco não é a capital, e sim o interior. João (Brichta) é um fotógrafo que vive uma fase de decadência em sua carreira, algo apresentado já no início da fita através de uma das modelos que trabalham com ele. Uma sequência inicial começa muito bem, com um plano-sequência interessante, mas resulta em um momento esdrúxulo que revela um ataque de ego, cuja resposta imediata é um ímpeto de violência do artista

    Assumindo seu papel de subalterno, João viaja pelas cidades pequenas caçando modelos em potencial até encontrar Maria (Vitória Strada), uma moça que vive em um lugar isolado, com seus pais. Sem opções e entediado, o fotógrafo se lança nesta jornada até encontrar Anitta (Esteves), que se entrega a ele de um modo, a seu ver, único.

    Entre uma relação carnal e outra, há enormes discussões a respeito da arte clássica e do conceito de beleza, que revelam alguns diálogos e discussões bastante interessantes, mas que se perdem em meio a uma produção sinuosa. Pedro (Francisco Cuoco) mostra-se uma persona em fase de declínio ainda mais agravante do que do personagem mais moço, graças a sua imagem que se deteriora cada vez mais, e a velhice que lhe causou cegueira e teimosia. Sentimentos como desapego, gratidão e cuidado se confundem, piorando o quadro quando o debate entre as posições ideológicas dos dois deixa prevalecer o conceito de que a imagem normalmente vence o conteúdo, apesar das ressalvas de Pedro.

    A tentativa de fazer uma ode à beleza da arte é falha, especialmente em razão da fraqueza dos personagens secundários e da banalidade típica que está presente no roteiro. De positivo, há o argumento a respeito da invisibilidade do idoso, ainda que a abordagem da drama torne-se dúbia, já que, em quase todas as vezes que Cuoco encontra a lente de Furtado, há uma estranheza e enfoque em uma condição de senilidade extrema. Real Beleza tenta ser singelo, mas tropeça em um roteiro ainda mais pobre que o baixo orçamento utilizado em sua produção.

  • Crítica | Que Mal Eu Fiz a Deus?

    Crítica | Que Mal Eu Fiz a Deus?

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    Que Mal Fiz Eu a Deus? (Qu’est-ce Qu’on A Fait Au Bon Dieu?) vem causando controvérsia por onde passa devido ao tom politicamente incorreto da comédia.

    O casal de franceses brancos e católicos Marie e Claude Verneuil veem suas três filhas casarem com filhos de imigrantes: um muçulmano marroquino, um judeu israelense e um chinês. O que poderia ser “pior” aos seus olhos? Sua quarta filha casar com mais um imigrante, um negro da Costa do Marfim, porém católico.

    O roteiro escrito pelo próprio diretor, Philippe de Chauveron, em parceria com Guy de Laurent tem uma estrutura sólida e funciona bem, fazendo com que as ações de todos os personagens soem orgânicas dentro do gênero que é a comédia de absurdos. A história critica um dos maiores problemas na França hoje em dia: a falta de aceitação aos imigrantes e o racismo. Os estereótipos são todos bem criados e encaixam-se justamente nas situações ridículas que servem para expor todos os problemas que permeiam a discussão.

    Ao casar suas três filhas com filhos de imigrantes, os Verneuils acabam passando a impressão que justamente apoiam as minorias, que seriam de esquerda ou “comunistas” (como um personagem sugere), quando na verdade são justamente o contrário: dois velhos reacionários fãs de Charles de Gaulle, presidente patriota e conservador que inclusive lutou contra a independência das colônias.

    Ao utilizar situações de família com os três genros, o roteiro usa muito bem os estereótipos para construir toda a crítica social que pretende: como no almoço de família onde nada dá certo e todos os preconceitos vêm à tona (inclusive entre as três minorias); quando os genros e as filhas se unem contra o irmã caçula para sabotar seu noivado com o objetivo de preservar os pais que estão quase se divorciando; ou na preparação para o casamento final, negado pelos pais dos noivos devido aos seus próprios preconceitos e desavenças geopolíticas. Inclusive, uma das cenas mais emblemáticas do filme é quando os três genros cantam a Merselhesa em homenagem ao sogro em um jantar de natal.

    A direção de Phillippe de Chauveron não compromete a obra. Não há espaço para o diretor imprimir a sua visão, deixando a direção um pouco mais impessoal e todo o filme focado no roteiro.

    A atuação não compromete em nada na história. O rosto mais conhecido para os brasileiros é de Christian Clavier, o Asterix. De resto, nenhum ator se destaca, o que só faz bem, pois o filme trata sobre o conjunto de personagens, o que acaba prevalecendo.

    A fotografia e a edição auxiliam a narrativa, mas sem destaque. Não há um plano, cena ou sequência em que o trabalho do diretor de fotografia ou do editor transpareça ou seja memorável.

    Que Mal Eu Fiz a Deus? vale a pena pela qualidade da história e para discutir todos os temas relevantes, que rondam o preconceito contra os imigrantes, de uma forma não usual. Em tempos de politicamente correto, uma comédia como essa pode servir para dar uma outra visão sobre a discussão.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Depois da Chuva

    Crítica | Depois da Chuva

    Em 2013, uma imensa quantidade de pessoas no Brasil saíram às ruas bradando pelos ideais democráticos, em um dos momentos políticos mais emblemáticos na recente história brasileira. Nesse contexto, Depois da Chuva, da dupla iniciante Cláudio Marques e Marília Hughes, vem abrir espaço para uma sutil conversa sobre democracia.

    Ambientada na Salvador de 1984, na transição dos momentos finais da ditadura militar para as eleições diretas, acompanhamos o dia a dia de Caio (interpretado pelo novato Pedro Maia), um jovem de ideologia anarquista que enfrenta no seu cotidiano as dúvidas e questões morais da adolescência, seu crescimento e os medos e anseios do futuro desconhecido.

    Caio se expressa pela revolução, participando de rádios piratas e bandas punk, ao passo que enfrenta os sentimentos decorrentes da ausência de seu pai e de sua desatenciosa mãe. As representações desses momentos, remetendo aos sentimentos circunscritos do próprio período histórico retratado, são expressas por meio de cenas fragmentadas e caóticas. Reflexos de Caio, de seus amigos e do espírito libertário.

    Posteriormente, a fuga se converge junto ao amor de sua amiga Fernanda (Sophia Corral), momento este em que o compasso do filme ganha uma nova dimensão, mais calma e mais reflexiva, contrapondo a anarquia defendida por Caio com as incertezas da democracia porvir.

    O grande trunfo de Depois da Chuva é a liberdade como Marques e Hughes conferiram a seus jovens atores ao expressar todas essas metáforas em sua atuação. Pedro Maia e Sophia Corral se destacam com uma atuação natural, marcada por sutilezas e familiaridade. Não são meros personagens recortados de um período passado, mas estão ali vivendo aquele turbilhão de sentimentos.

    O filme possui um compasso lento, e talvez esse seja o único problema da forma como a narrativa é contada. Enquanto Caio rouba a cena e tem sua personalidade esmiuçada, boa parte dos outros personagens que interagem com ele não são feitos da mesma forma, como sua própria mãe ou parte de seus amigos que compactuam com seus ideais políticos. De qualquer forma, nada disso é suficiente para retirar a emoção das demais sutilezas que o filme apresenta como um todo.

    Depois da Chuva é um filme que retrata uma época histórica marcada pelo extremismo e pela violência através de uma história sutil e reflexiva. Até hoje, a democracia é uma ambiguidade, assim como o amadurecimento e a nossa própria noção do existir. Depois da Chuva é reflexivo em sua ambiguidade, nas suas dúvidas e na busca que Caio tem em sua vida.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Belas e Perseguidas

    Crítica | Belas e Perseguidas

    Belas e Perseguidas - poster

    A trajetória de Anne Fletcher na direção é dedicada a comédias românticas. Tais filmes não são grande sucesso de crítica, mas conquistaram relativo sucesso de bilheteria. Vestida para Casar demonstrou que Katherine Heigl tinha popularidade e talento para ser uma nova estrela neste estilo; A Proposta trazia Sandra Bullock novamente a um blockbuster, após alguns anos distanciada do sucesso. Sem nenhum romance em cena, a nova produção Belas e Perseguidas, com Reese Witherspoon e Sofia Vergara, busca resgatar as duplas femininas como personagens centrais de uma história.

    Após ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo papel em Livre, Witherspoon se despe de qualquer densidade dramática para se dedicar a esta história em que compõe a policial Cooper, uma atrapalhada agente cujo pai foi um brilhante policial. Em uma nova tentativa de manter sua carreira fora dos escritórios, a moça é escalada para escoltar, ao lado de um parceiro, um casal que irá depor em Dallas contra um famoso mafioso. Após uma emboscada que termina com baixas, Cooper e a testemunha Daniella Riva (Vergara) fogem do local, e a policial tenta protegê-la a todo custo.

    O roteiro se apoia em uma trama comum focando no lado cômico e na discrepância entre policial e testemunha. Cooper é uma personagem esforçada, criada desde a infância sob as regras da corporação, porém sem ter tato suficiente para adequar tais regras a realidade. Deslocada, se transforma em piada dentro do distrito. Enquanto Riva é a latina de sangue quente, desbocada e impulsiva com tendência exagerada a se importar com a beleza e riqueza. Ou seja: estereótipos do humor gerados por diferentes personalidades.

    A dupla transita por diversos ambientes rumo a Dallas e, na frase mais comum de produções exibidas na Sessão da Tarde, se veem em altas confusões. Os conflitos surgem em cena sempre apoiados na discrepância das personagens enquanto, quase sem dinheiro, tentam se locomover. Vergara mantém sua interpretação costumeira, próxima da representação estereotipada de suas origens. Witherspoon mantém sua personagem um tanto caipira com certa qualidade, ainda que seja difícil imaginar por que aceitar um papel tão rasteiro em uma história rasteira após o destaque na produção oscarizada, uma interpretação que deveria lhe possibilitar melhores papéis.

    A única maneira de assistir a esta produção sem rir de sua precariedade é aceitando um roteiro extremamente bobo de uma comédia que pouco faz rir, principalmente devido ao fato de que nada é verdadeiramente inédito. A obra apenas repete piadas de outras produções, sem nenhuma aparente intenção de ser divertida, nem mesmo que no breve tempo de projeção do longa.

  • Crítica | D.U.F.F.

    Crítica | D.U.F.F.

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    Reunindo novos modos de entender o complexo mundo dos adolescentes, se livrando de alguns estereótipos datados para fomentar outros, D.U.F.F. exibe a intimidade mental de Bianca Piper (Mae Whitman, de As Vantagens de Ser Invisível), uma menina que jamais se destacou pela beleza, dada a sua condição física, tendo como companheiras duas garotas que se enquadram no padrão de beleza atual.

    É através de seu vizinho Wesley (Robbie Amell), um atleta sarado que lhe é bastante próximo, que Piper descobre ser uma D.U.F.F, um conceito imbecil, fútil e imaturo que reúne em sigla os termos Designated Ugly Fat Friend, traduzidos livremente como amigo que cumpre a função de ser feio e gordo para valorizar a beleza das amigas. A reação ao descobrir tardiamente sua condição faz Bianca sentir raiva e desprezo, dando vazão a sua má reputação além das aparências.

    Aos poucos, o intercâmbio entre os dois aumenta em intensidade, resgatando a amizade que vinha da infância em nome de uma mútua evolução, dele enquanto aluno em dificuldades, e dela como figura de atração, reprisando momentos de banho de loja como foram conhecidos em tantas paródias de Uma Linda Mulher.

    Assuntos importantes são discutidos pelo roteiro de Josh A. Cagan e Kody Keplinger, como o bullying e o assédio moral, questões agravadas pela era da informação na qual a mínima informação é viralizada em questão de segundos e nos círculos de relações, ainda que tudo seja orquestrado de modo bem humorado e voltado para o nicho infanto-juvenil. As piadas e gags cômicas, bem como a trajetória de mentor e aluna, fazem lembrar um sem número de outras comédias descerebradas, como Ela é Demais e tantas outras, ainda que não haja qualquer surpresa dentro dessa exploração já tão comum.

    Todas as reviravoltas e plots invertidos são tremendamente baratos e previsíveis, com movimentações que beiram o ridículo e que se mostram óbvias desde o início da trajetória de Wesley e Bianca, inclusive na estranha tomada do par do romântico baile, desafiando convenções para exibir um chavão bastante comum no humor típico da high school. Nisso, ainda faz alusão a uma jornada de edificação rumo à aceitação pessoal de uma personagem insegura.

    Apesar de conter alguns poucos bons momentos, D.U.F.F. se mostra bastante banal e negativo, a despeito de dar voz a figuras ditas estranhas, reprisando os papéis de Ken Jeong (ainda que esteja bem menos afetado neste que em Community e Se Beber, Não Case!), Allison Janey e Romany Malco, que apresentam alguns bons momentos, ainda que não façam qualquer diferença na maior parte dos rumos da fita. O filme de Ari Sandel acaba por parecer-se demais com as fitas de MCG – um dos produtores. Apesar disso, o discurso deste é bem menos vazio que os últimos trabalhos do diretor.

  • Crítica | Quarteto Fantástico (1994)

    Crítica | Quarteto Fantástico (1994)

    Quarteto 1994 1

    Ás vésperas de quase perder os direitos de transmissão cinematográfica, o estúdio New Horizons teria que fazer as pressas um filme o mais barato possível sobre o primeiro grupo de super-heróis dos quadrinhos estadunidenses. Recaiu sobre Roger Corman produzir a fita que seria conhecida por suas condições paupérrimas, cujo orçamento baixo garantiu algumas saídas interessante para o roteiro já bastante combalido.

    O responsável pela direção é Oley Sassone, cuja experiência anterior foi em filmes pouco conhecidos, como Vingança Extrema (com Don The Dragon Wilson) e A Grande Fuga (com Cynthia Rothrock), o que demonstra que o autor tinha intimidade e experiência ao trabalhar com sub-celebridades. Seu elenco não continha estrela alguma, e começava pondo frente a frente dois amigos, estudantes universitários que tinha livre acesso a uma laboratório equipado com material de alto custo, sem qualquer justificativa plausível para tal, além da audácia dos jovens. Os personagens atendiam pelos nomes de Reed Richards (Alex Hyde-White), um bravo e inteligente aspirante a doutor, que mesmo com toda sua perícia intelectual, não impediu seu amigo, Victor Von Doom (Joseph Culp) de ser queimado vivo, por raios vagabundos de chroma key.

    Reed aprendeu sua lição, ganhando cabelos grisalhos com a experiência que teve. Não satisfeito em queimar seu melhor amigo, o “cientista” decide viajar ao espaço, munido de seu fiel escudeiro, Ben Grimm (Michael Bailey Smith), um robusto rapaz que resolve incluir na perigosa missão os gêmeos nada idênticos Joe (Jay Underwood) e Sue Storm (Rebecca Staab). A interação da loira com Reed é automaticamente romântica, sem nenhuma preparação prévia para o romance. Está formado o grupo de elite, intitulada pela loura mulher como Quarteto Fantástico.

    Com o foguete prestes a ser lançado, algo parece capaz de fazer tudo dar errado. Uma figura obscura observa tudo, e manda um tosco personagem rastejante atrás dos heróis. O nome do vilão é Doutor Destino, e seu plano é tornar a viagem espacial repleta de isopor, papelão e papel machê dar errado. Os tripulantes tem um encontro cósmico com uma anomalia, que consegue referenciar vergonhosamente o clássico kubrickiano 2001, com luz fluorescentes invadindo seus corpos, anunciando a explosão e consequente morte dos nada carismáticos personagens, acompanhado pelos olhos de um tirano que assistia tudo de seu palácio de tingido por cores gritantes e fogo artificial, feito de papel celofane.

    Miraculosamente os quatro viajantes sobrevivem, e chegam a Terra, sem maiores complicações de saúde, aparentemente. Johnny, ao brincar com seus amigos espirra, fazendo um arbusto entrar em combustão, Sue desaparece em pleno ar, enquanto Reed estica o próprio braço, em busca de salvar a amada de um tombo feio. Os jovens ficam aterrorizados, piorando muito quando descobrem a transformação física de Benjamin em uma criatura monstruosa de borracha, uma verdadeira Coisa.

    Ben é posto em testes laboratoriais, invertendo o paradigma antes imposto por Reed de ser o analista de espécimes estanhos, deixando-o magoado por ver seu amigo como uma reles cobaia. O revés vem logo em seguido, com os irmãos e o gênio invadindo as instalações militares atrás de seu amigo feito de massa de modelar.

    Logo, o real vilão aparece, unicamente para pôr os heróis em ação, com ações físicas do Coisa, rajadas de fogo em animação stop motion do futuro Tocha-Humana e com um conceito completamente errado do que seria a invisibilidade da Mulher Invisível, confundida com intangibilidade e teletransporte.

    O grupo percebe que pode usar seu defeito para fazer bem e trabalhar em prol da justiça, subvertendo o discurso anárquico visto no debochado vídeo Feira da Fruta, tornando o discurso heroico clássico em algo atual novamente, em plena era das trevas dos quadrinhos. Para piorar a situação, Reed descobre que quem anda arquitetando contra si e seus companheiros é seu antigo amigo dado como morto.

    Curioso é que, onze anos após o tosco filme de Corman, a Fox usaria a mesma motivação estúpida para o vilão tirânico, reprisando a vergonha de descaracterizar completamente o ditador da Latvéria, repetindo até a aliança profana entre Doom e o Coisa, desde a ameaça de ambas as forças unidas, até o retorno do monstro a forma humana, fazendo perguntar se o filme de Tim Story não seria uma refilmagem oficial do clássico noventista.

    Doom faz um discurso evocando a culpa no coração do Senhor Fantástico, por ter a dez anos causado o infortúnio de deformá-lo externamente, o que garantiu a sua moral uma íngreme descida, tão baixa que o tornou um lunático capaz de usar um cobertor verde desfiado como vestimenta, além de uma máscara de plástico que o faz ser incapaz de ser de ser entendido sem legendas. Claro que o estratagema dá errado, uma vez que o vilão ardiloso não calculou que o seu elástico adversário seria capaz de alcançar facilmente a máquina do mal, com seu pé que estava solto.

    Após uma longa conversa, a beira de um precipício, o vilão clama o amigo a se entregar junto a ele em uma aventura de luxúrias maléficas, claro recusado pelo herói, que o deixa cair para a morte, mesmo com seus poderes de elasticidade. O “melhor” fica para o final, com uma sequência de Tocha-Humana, toda realizada em animação, detendo o raio da morte de Doom e salvando a cidade.

    Os parcos noventa minutos de fita ainda permitiram uma cena epilogar, mostrando o casamento de Reed Richards e Sue Storm, firmando o compromisso da fita com a tosqueira, ao exibir através do teto solar da limousine, um braço esticado, fruto da junção de duas vassouras, coladas provavelmente com esparadrapos ou qualquer substância colante barata. Não à toa a Marvel tentou banir o filme, que mesmo com todo o caráter debochado, consegue apresentar uma divertida faceta do mundo dos super-heróis, infelizmente com trinta anos de defasagem e com efeitos especiais condizentes com os dos anos 1960.

  • Crítica | Tarja Branca: A Revolução que Faltava

    Crítica | Tarja Branca: A Revolução que Faltava

    Tarja Branca 2

    Tarja Branca usa a lucidez humana para aludir o exercício  simplista de brincar, incorporando em ações a ingenuidade típica da infância, para libertar a sensação de nada ter a fazer além do próprio desejo. Os entrevistados do documentarista Cacau Rhoden tem profissões diversas, tendo em comum a volúpia pelo ato de brincar, que filosoficamente, se iguala a um ato científico, explicado como uma necessidade humana empiricamente, comumente ignorado pela vida adulta.

    A definição prematura dos seres simples é de que brincar é sinônimo de alegria espontânea, a manifestação da alma, a mais pura essência do ser humano sendo plenamente humano. Após as falas práticas, especialistas teóricos, entre psicólogos e filósofos confirmam as palavras das pessoas simplórias, que a priori, nada têm a oferecer a não ser suas vidas e sentimentos. O “deixar viver” faz parte da matemática inexata que rege a existência, como condição natura, irremediável e prazerosa do que forma o ideário do sujeito comum.

    A criança vive pelo impulso, sua tensão e tesão está na pesquisa do mundo, o olhar criativo tem a ver com o ato de brincar, da unidade do homem com a natureza, perdido logo após a puberdade, na maioria das vezes. Sentir, querer, viver além das necessidades puramente obrigatórias. A criança viver sem qualquer discurso recalcante, que tende a driblar os aspectos comerciais, claro, quando se consegue evitar ser alvo da publicidade, com o capitalismo predatório sendo implantado desde cedo, que entre outros aspectos, visa matar o nível elementar da criação feito pelos infantes.

    O costume educacional de cercear as brincadeiras naturais restringe a criatividade e até a felicidade futura do pequeno ser humano, ao menos de acordo com os depoentes, que visam com suas palavras e testemunhos, valorizar mais esse exercício, permitindo aos pequenos ter contato com a natureza de ser quem ela é, constituindo uma revolução comportamental, que ajudaria a formar uma sociedade um pouco mais otimista, em uma dimensão humana que não deixa de ser realista por jamais ter perdido contato com a veracidade do que é existir.

    A vida adulta é comumente associado ao cativeiro, já que o brincar partia também do comum ato dos negros brasileiros, escravizados pelos brancos europeus. O ato de não dar vazão a pulsão da infância faz limitar a imaginação, o senso artístico e a vontade ser e fazer.

    O retrato pintado por Cacau Rhoden é acima de tudo uma ode ao galhofar, aos gracejos que têm a sua base na fase inicial da vida, um milagre vivo, que deveria ser, segundo o documentarista e seus mentores – entrevistados – exemplo para todo o restante da vida e existência, onde as preocupações não sufocam o livre existir. Tarja Branca é um conjunto

  • Crítica | Missão: Impossível 2

    Crítica | Missão: Impossível 2

    Missão Impossivel 2 - poster

    Após Missão: Impossível com uma narrativa de espionagem bem conduzida por Brian de Palma, Missão: Impossível 2 avança a um novo patamar com John Woo na direção, dando sequência a uma missão como base e explorando atos de ação bem realizados, um de seus grandes talentos.

    Distante de Hollywood há anos, essa produção foi a última do diretor a arrematar uma alta bilheteria e ser elogiada simultaneamente, suas produções seguintes em Hollywood, O Pagamento e Códigos de Guerra foram lançamento tímidos em relação a suas grandes obras como O Alvo e A Outra Face. Ao vermos um filme de Woo, é possível notar o quanto a indústria absorveu seu estilo. As cenas de ação filmadas com atenção, detalhes e coreografias se tornaram um produto além de seu estilo, ainda que suas cenas seja mais apuradas. Aliado a Tom Cruise, astro que sempre dispensa dublês nas cenas, o encontro foi significativo para produzir um grande filme de ação.

    A composição de Missão: Impossível formada por um grupo de inteligência cujas missões são focadas em sua dificuldade e em feitos impossíveis permitiu que cenas exageradas fossem aceitas com mais naturalidade e hoje, mesmo com o desgaste desse estilo com cenas que desafiam as leis da natureza, com introjeção do realismo brutal após Identidade Bourne, a história é funcional e coerente com a ambientação criada e a sensação de que, para a equipe, o difícil é ainda fácil de ser realizado.

    Nesta nova aventura, Ethan Hunt deve recuperar um vírus das mãos de um dissidente com o apoio de uma equipe formada por dois escolhidos e a ladra Nyah (Thandie Newton), que possui afinidade emotiva com o vilão Sean Ambrose (Dougray Scott). A ação do virus é tão devastadora que mata o hospedeiro após vinte horas, um dos motivos pelo qual ele deve ser recuperado imediatamente.

    O equilíbrio entre trama e cenas de ação é feito cuidadosamente. Mesmo que as cenas de ação se destaquem pela composição, há um bom enredo articulado na recuperação do vírus, sem parecer apenas apoio para a ação. Woo tem apuro nas filmagens das cenas de ação e demonstra porque seu estilo foi replicado por outros cineastas. Sua câmera lenta não é selecionada somente em momentos chave da luta para maior impacto. Mas sim escolhidos para destacar tanto detalhes cênicos quanto explicitar cenas em um recurso narrativo próprio. Como exemplo, o primeiro encontro de Hunt e Nyan merece destaque. Em cena situada na Espanha, em um show de dança espanhola, as personagens se observam em lados opostos do palco enquanto os dançarinos transitam em outro plano da cena. A câmera lenta registra a fluidez da dança simultaneamente aos olhares e flertes trocados um pelo outros. A sequência é retomada quando Hunt persegue a moça em uma corrida de carros que termina com uma derrapada-balé em sincronia. Mesmo beirando o impossível, a linguagem da cena demonstra a mesma intenção anterior, uma espécie de dança metálica entre carros mantendo a sincronia das personagens.

    O diretor tem habilidade para transformar cenas em signos visuais internos coerentes com seu estilo de filmagem. Faz da violência uma estética que dentro de sua brutalidade produz beleza. Não a toa, o ato final da história é o grande embate entre Hunt e Ambrose. Divido em pequenos atos, a cena atinge o ápice da história. Inicialmente, em uma excepcional fuga de motocicletas para a luta corporal. Em um breve deserto perto de um penhasco, as maquinas automotivas distantes uma da outra parecem duelar como um western contemporâneo quando avançam e, finalmente, mocinho e vilão lutam no braço. Hunt se divide entre uma luta física rápida e agil – antecipando a vertente realista – e o balé coreografado aumenta o impacto em momentos específicos ampliando a tensão e dando fluidez a luta destacando-a em pontuais momentos em câmera lenta. Diante do exagero extremo, o momento final da batalha chega no ápice do impossível, mas até este momento, sabemos que a tônica da produção é um viés misto de realidade e ficção e aceitamos o exagero.

    Com grande fôlego, Woo elevou a série ao inserir sua ação característica, expandindo-se além da narrativa de espionagem e compondo um grandioso trabalho cinematográfico de ação.

  • Crítica | Dromedário no Asfalto

    Crítica | Dromedário no Asfalto

    Dromedário no Asfalto 2

    Dirigindo um road movie gaúcho, o estreante em longas-metragens Gilson Vargas apresenta em Dromedário no Asfalto o drama de Pedro (Marcos Contreras), um sujeito aparentemente sem perspectivas, que poetiza sua posição de andarilho e caroneiro e que tem como companhia seus próprios pensamentos sobre a existência sem rumos definidos, uma realidade que grande parte da humanidade caminha atualmente.

    A contemplação das paisagens naturais remete a pequenês do homem diante da natureza, como Terrence Malick insiste tanto em mostrar, como em seu filme Árvore da Vida, no qual apela muito mais ao abstrato do que o cinema de Vargas. As discussões internas do homem ganham eco através dos diálogos com desconhecidos, uma estranha intimidade baseada na cumplicidade estabelecida entre pessoas que nunca se viram.

    Apesar de não perder tempo explicando experiências prévias, é fácil notar na atitude do ser que protagoniza o longa uma sequência de hábitos e atitudes que formam um padrão comportamental. Mesmo quando está cercado de outras pessoas, em ambientes sociais lotados, Pedro age de modo recluso, como se a aproximação de qualquer corpo ou alma tivesse o poder de encerrar sua liberdade ou fazê-lo encarar necessariamente seus medos e traumas. Curiosamente, o estilo de filme de estrada é comprovado em cenários internos diversificados, uma vez que o narrador não tem um veículo próprio, mostrando mais uma faceta da confusão mental e o fato de não ter posses como parte integrante da identidade do sujeito. Em uma sociedade que se baseia no “ter”, ele nada oferece, uma vez que não são os bens que determinam quem ele é, por ser esta questão de identidade sua principal busca.

    A passagem pelas estações estrangeiras faz o personagem ficar mais à vontade, como se a forçada ausência de diálogo provocada pela língua que não conhece fizesse-o sentir-se em casa, sem necessidade de dar satisfação a quem quer que seja, emulando assim o conforto que sentia da parente que lhe foi tirada pelo cruel destino que o fez órfão. Nos poucos momentos em que Pedro sorri, nota-se claramente que as sensações são de regressão, relembrando o costume tipicamente adolescente de lançar mão de psicotrópicos aleatórios em busca unicamente de fugir das sensações comuns e cotidianas, já que é a rotina que o oprime.

    A universalidade do tema compreende não só a perda no campo sentimental, como também qualquer outro tipo de lacuna emotiva que meramente se assemelhe a carência. O dromedário do título é facilmente associado a Pedro, que, como o animal, carrega na coluna um peso excessivo, tendo por hábito remoer dramas mal digeridos.

    O retorno ao seu lugar de origem vai se aproximando junto ao desfecho do longa, que narrativamente combina com a extinção da estrada do andarilho. As perguntas que ele buscava responder não necessariamente foram contempladas com convenientes resoluções. O retorno da voz interior, descrevendo os passos do homem, faz mostrar que mais indagações surgiram, uma vez que a normalidade antes aventada jamais retornará, já que a única coisa que sobrou foram as lembranças e a falta de quem não está mais lá.

    A busca não encontrou um final feliz exatamente por ser impossível preencher o vazio deixado pelo ente que partiu. No campo das ideias, em forma de sonho, há um rompimento com a realidade, evocando fantasias existenciais que deixam dúbia a mensagem final do roteiro carregado de metáforas de Gilson Vargas, que, como em seu curta O Relâmpago e a Febre, também estabelece um belo diálogo com clássicos do cinema sul-rio-grandense. A trilha dos créditos finais, com É Preciso Dar Um Jeito de Erasmo Carlos, fecha o ciclo de modo singelo, recontando a necessidade de encerrar ciclos para criar novas perspectivas de vida com a espontaneidade do caráter de outrem, já que a alma centralizada pela câmera nada tem a oferecer, a não ser dor e amargor.

  • Crítica | Jauja

    Crítica | Jauja

    poster-jauja

    Quando o exercício filosófico brota de uma realidade bruta, a favor e servindo a uma mitologia moldada em delírio, instintos, carma e a coragem natural que move o espírito de um pai, no caso, em busca da filha e seu sonho de vida, e principalmente, à procura de seu papel no mundo. Uma viagem pelo subconsciente insondável e imprevisível de um homem, de psiquê por vezes violenta e melancólica, tal qual a nossa, transvestida em forma de deserto e danação. Bem-vindo a Jauja, um cenário sem fim como base a infinitas expedições e interpretações.

    O diretor Lisandro Alonso  externiza esse subconsciente, essa parte sombria e tão pouco inexplorada de cada um de nós, na dúvida de que tudo ali, na tela à nossa frente, não passa de uma fantasia moldada pela ambição humana e a poesia visual exuberante em cada plano (poesia assinada pela energia dos planos, e do tempo, desses planos em cena), partes de um quebra-cabeça ambíguo e questionável, de propósito, para uma definição única. A tanto, há uma trama bem simples para os que gostam de racionalizar as coisas: no meio de uma expedição a fim de encontrar o mítico destino homônimo nunca antes alcançado, espécie de terra prometida, pai e filha, carne do general Gunnar, são separados sem motivo aparente. Aliás, é a falta de esclarecimentos em qualquer leitura de qualquer camada da trama, junto à poesia já mencionada, que torna Jauja um desses enigmas visuais cuja narrativa vale mais que as (impossíveis) conclusões.

    Nós, a certo ponto, percebemos assumir o papel de Gunnar (Viggo Mortensen), ou seja, nos tornamos os exploradores da terra que este vaga, sem fim, visando miragens e espectros na pradaria argentina sob o sol escaldante, sob a luz das estrelas; talvez pedaços de si mesmo, alucinações que fazem parte do mero ser. É claro que nesta circunstância, se para ele o que vale são as descobertas, a nós o que vale é o caminho. Ao público, a ficha cai aos poucos, inconscientemente, muito antes de percebermos, na experiência coletiva de uma sala de cinema, quando já fomos engolidos pela escala transcendental do filme. E se a Gunnar é concebido o desprendimento forçado de sua filha, o próprio filme nega e se separa da história, afinal um filme é sempre maior que as palavras – incluindo as desta crítica, feito que Jauja alcança desde a estranha atração que sentimos, no início da projeção, na tela de formato 4:3, achatando um universo para que seja a nossa tarefa expandi-lo, engrandecê-lo, com a imaginação de quem vê e sente o poder do audiovisual.

    De Platão: “Tente mover o mundo – o primeiro passo será mover a si mesmo.” Mover-se num universo que nos atrai e repele, este achatado pelas dimensões da câmera, e que não pode, nem passa despercebido por quem nele embarca de cabeça. Uma trilha banhada pela luz e a escuridão que encontram os seres jogados à própria sorte. Um filme sobre dimensões internas, exteriorizadas nas veias ora da representação teatral ao ar livre, ora de uma ficção permeada em metáforas e signos e elementos além de nossa vã filosofia casual. Filme livre, de peito e mente aberta num ângulo de 360º que nada condiz com sua forma de exibição, mas cuja abertura crítica não encontra limites junto ao término da sessão, sendo então o começo de uma reflexão bem-vinda. Filme que pede nossa atenção e lucidez para nos guiar por um espaço-tempo tão encantador, quanto particular. Filme filho de Leone, Bresson, Resnais e tantos outros. Jauja é uma aula de educação artística, obra platônica oriunda da atração coletiva e individual pelas curvas, e veredas, do desconhecido.

  • Crítica | Adeus à Linguagem

    Crítica | Adeus à Linguagem

    Adeus a Linguagem 1

    Ainda na esteira de seus últimos lançamentos, Jean-Luc Godard declara em texto o que já se notava óbvio, especialmente em sua filmografia recente: igualar os que buscam refúgio na realidade a medíocres sem imaginação. Como uma ode à discussão entre pensamento e não-pensamento, Adeus À Linguagem é um experimento narrativo do experiente realizador, que busca incessantemente respostas para suas próprias indagações, algumas vezes passando mensagens ao seu público, outras não.

    A nova fica por conta do uso do 3D, recurso ainda não explorado na longa filmografia do francês. O que não é um fator novo é a discussão política, mais uma vez remando contra o lugar comum de arquétipos bilaterais, refutando o conceito muitas vezes atrelado à esquerda de que a solução é a intervenção irrestrita do Estado. Além disso, ataca a hipocrisia da direita, que gosta de recorrer a ações de socorro que visam interesses de empresas de grande porte, ao passo que encaram algumas vezes o assistencialismo como ajuda a desocupados. A miopia geral em relação a discussões sobre economia é o alvo do cineasta.

    O nome do filme faz uma óbvia referência ao casal de “protagonistas”, Josette (Héloise Godet) e Gédéon (Kamel Abdeli), já que um tampouco é fluente no idioma do outro, o que praticamente inviabiliza o diálogo verbal, obrigando-os a encontrar diferentes alternativas para se comunicarem. O abstrato ganha contornos reais quando o animal de estimação dos dois passa a falar, o que explica ao espectador menos acostumado com a estética recente de Godard o motivo pelo qual nem sempre a sequência de cenas faz sentido, ao menos sob uma ótica normativa.

    É preciso que um animal irracional tome a narração dos fatos e discussões propostos na trama para que haja um laço de lucidez. A tela de Godard se bifurca, com exibições reverenciais em telas de televisão de filmes de monstros clássicos, onde prevalecem estudos dos arquétipos junguianos, enquanto as pessoas retratadas dizem detestar o resumo do homem em personagens, o que vai de encontro à visão particular que Sigmund Freud tinha em relação à análise pessoal e intransferível da psique humana, um dos principais fatores de brigas entre os dois pensadores. A conclusão do cineasta, apesar de recair em maior parte na teoria freudiana, deixa margem para qual seja das duas visões de mundo.

    A pulsão para o novo cinema do realizador é provocar mais perguntas que respostas, invocando imagens belas, escolhidas a dedo, e que provocam reações adversas na mente e nos sentimentos de seu público, não restringindo o conjunto de sensações ao simples resumo de um diálogo bobo, fugindo de limitações de repertório e impressão.

    O convite de Godard é feito para que seu público viaje junto a ele, pelos mesmo cenários aos quais estão habituados, as mesmas visões e rotinas que se tornam enfadonhas com o tempo, mas que possuem uma gama de interpretações poucas vezes alcançada. Especialmente se analisarmos tendências como o tédio e o consumo desenfreado de lixo glamourizado, valorizando modos de comunicação como urros e gemidos, que em suma louvam o modo primitivo de enxergar e viver o mundo real.

  • Crítica | Cássia Eller

    Crítica | Cássia Eller

    Com uma breve e elogiada carreira na direção por conta de Loki – Arnaldo Baptista e Dossiê Jango, Paulo Henrique Fontenelle lança novo documentário musical focado em Cássia Eller, uma das grandes vozes do país e cuja carreira terminou precocemente no ápice de seu talento.

    Nos últimos anos, a música brasileira e o gênero dos documentários têm resultado em grandes parcerias narrativas, dando luz a muitas histórias de diversos músicos que, em uma adaptação cinematográfica, talvez não teriam o mesmo apelo ou força do que com este tipo de narrativa. Mesmo o documentário mais tradicional, com depoimentos em ordem cronológica, consegue ser capaz de produzir um bom resumo histórico do biografado e, normalmente, como envolve também alta carga emocional, provoca empatia no público.

    A composição de Cássia Eller se assemelha ao perfil da cantora e foge de um padrão comum de depoimentos e da composição historiográfica natural. O grande desafio de trabalhar uma obra de não-ficção é definir como apresentar uma história já estabelecida por uma trajetória. Dessa forma, Fontenelle compõe em sua montagem uma narrativa própria, selecionando depoimentos em momentos adequados para apresentar a carreira de Eller, além do apoio historiográfico, promovendo um estilo particular. Rearranjando a trajetória da intérprete através do resgate de imagens antigas e depoimentos pontuais, a obra tem o auxílio de uma animação utilizando fotografias produzida por efeitos computadorizados (um recurso que tem sido explorado por diversos documentaristas do país).

    Tímida em sua vida cotidiana, devastadora no palco. A dubiedade de Cássia é um dos grandes assuntos a serem desvendados por esta história. Amigos, familiares e compositores se unem pelas lembranças para entregar relatos carregados de alma e de amor pela carismática cantora que, desde cedo, demostrou desenvoltura vocal e foi amadurecendo com o tempo, realizando interpretações variadas em tons doces, como em O Segundo Sol, um de seus maiores sucessos, e agressivas como em Infernal, ambas do compositor e amigo Nando Reis.

    Como biografia de uma cantora que já saiu de cena, o final se carrega de momentos tristes entre a despedida natural e, muitas vezes, a derrocada artística. Os amigos da intérprete não hesitam ao expor sua fragilidade em relação a fama e a exposição, principalmente após o grande sucesso de seu Acústico MTV, responsável por uma vasta turnê pelo país. Um álbum que revela o auge musical no qual Cássia vivia, saindo de cena no topo de sua criatividade com um inspirado último projeto. Rockeira como era uma das facetas de Eller, sua trajetória de fim inesperado se reflete na repetida e ainda significativa frase de Neil Young, It’s better burn out, then fade away (é melhor se queimar do que desaparecer aos poucos).

    Reacendendo a figura da cantora, Paulo Henrique Fontenelle produz um belo documentário sobre esta cantora de habilidade vocal e talento ímpar que, mesmo fora de cena, possui uma excelente discografia. Um legado musical que permanecerá para sempre na música brasileira.

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  • Crítica | Sobrenatural: A Origem

    Crítica | Sobrenatural: A Origem

    Sobrenatural A Origem 1

    Terceira parte da franquia, Sobrenatural – A Origem sobrevive apesar da saída do antigo diretor James Wan – agora ocupando a cadeira de produção executiva – e da substituição pelo roteirista e criador das personagens Leigh Whannell. O começo terno, exibindo uma aura pouco parecida com a adrenalina, devagar, bem diferente das partes um e dois, introduz a simpática Elise Rainier (Lin Shaye), a geriátrica médium que fez suas aparições nos outros episódios e que, de certa forma, conduz a trama.

    Elise se compadece da jovem Quinn Brenner (Stefanie Scott), que à procura em saber se os acontecimentos à sua volta têm a ver com a recente morte de sua mãe, acredita estar sendo visitada pelo espírito de sua saudosa parente. A velha senhora prontamente recusa o chamado à aventura, em virtude de seus próprios problemas e dos fantasmas que a seguem, traumatizada após acontecimentos envolvendo o seu antigo companheiro.

    Whannell sabe trabalhar bem a atmosfera, reprisando alguns dos bons momentos de Wan, ainda que com uma abordagem diferenciada. O contato de Quinn com os tais espíritos vai aos poucos se agravando, a ponto da personagem quase ter uma morte trágica, o que causa um abalo sentimental e físico significativo. Mesmo os sustos são gradativos e menos recorrentes, refutando de certa forma a fórmula apresentada antes, fazendo do terceiro capítulo menos sensacionalista que as versões do diretor malaio.

    A fotografia se vale demasiado de elementos escuros, mostrando pegadas na graxa quando a luz predomina, além de mostrar, quase todo o tempo, sujeiras ligadas à lama, signos universais de imundície da alma. Curioso como a condução logo muda, usando a claridade como elemento de terror.

    O argumento utiliza a imobilização do deficiente como artifício para salientar a condição de vulnerável, como de Franklin Hardesty em Massacre da Serra Elétrica de 1974. A casa onde se passa grande parte da trama é composta minuciosamente por uma arquitetura visualmente semelhante a do Hotel Overlook, de O Iluminado, clássico kubrickiano. A tradição de representar o lar do morticínio é uma alegoria ao original Poltergeist – O Fenômeno, de Hooper e Spielberg, além de arrematar os últimos momentos com o vilão dos outros filmes da cinessérie Sobrenatural.

    A mudança do gênero é fluída, executada de modo natural, flertando com filmes de possessão. Apesar de não reprisar o brilhantismo dos anteriores, há uma solução ótima para o “resgate da alma”, que beira a pieguice, mas contorna bem o sentimentalismo barato. A direção é inteligente e o roteiro não é imbecilizado, como espera-se das continuações caça-níqueis. Whannell consegue disfarçar bem seus defeitos como diretor, utilizando o roteiro ao seu bel prazer e suplantando as lacunas que faltam no background, o que resulta em um belo trabalho de Sobrenatural – A Origem.

  • Crítica | Virando a Página

    Crítica | Virando a Página

    Virando a Página - poster

    A carreira do diretor e roteirista Marc Lawrence é dedicada a comédias românticas e à parceria com Hugh Grant, personagem central das obras do diretor. Letra e Música, de 2007, é o ponto alto desta parceria, uma trama equilibrada entre riso e emoção sobre um decadente astro da música pop.

    Presença constante no estilo, Grant se mantém como galã. Aos 55 anos de idade, ainda tem o charme britânico que lhe destacou, o timming cômico e o carisma necessário para protagonizar tramas leves e familiares, mesmo repetindo o mesmo tipo de personagem durante toda a sua carreira. Em nova parceria com o realizador, Virando a Página mantém vestígios da narrativa musical anterior, mas em uma versão mais adulta e amargurada sobre outra indústria cultural, o cinema. Famoso roteirista de Hollywood, Keith Michael vive dos louros do passado que lhe garantiram um Oscar de Melhor Roteiro Original. Sem emplacar nenhum sucesso após a premiação, uma carreira em decadência beirando a falência, o roteirista aceita o convite de lecionar um curso sobre redação criativa em uma universidade.

    Representando novamente um homem deslocado do presente com um sucesso anterior, a história simboliza a resistência do autor como galã e o desencanto de Lawrence perante a indústria cinematográfica. O espaço para o romance é sutil, bem como a crítica se estabelece somente nas entrelinhas, no encantamento superficial da personagem central e em seu caráter infantil, como se a fama evitasse a maturidade.

    A relação desenvolvida com Holly Carpenter (Marisa Tomei), única adulta na turma de adolescentes, é conduzida lentamente. A princípio, através de uma relação entre professor e aluno que, por serem da mesma faixa etária, adquirem um leve laço de amizade, mas evitando uma aproximação amorosa devido ao comprometimento dela com outro homem, e ao fato do professor ter um caso com uma de suas alunas.

    O impacto sentimental é menor devido ao viés mais adulto e amargurado, permitindo naturalidade no desenvolvimento do romance sem a ênfase bela da ficção. Ainda que mantenha a leveza narrativa e o diálogo sobre caminhos e mudanças da vida, como em geral são desenvolvidos nestas tramas, o drama é eficiente, e Hugh Grant consegue, como sempre, passar credibilidade em seu personagem característico. A proposta da história parece destoar da comédia romântica vendida tradicionalmente, justificando o alcance baixo desta história. Ainda que, dentro da carreira de Lawrence, seja mais um acerto e uma leve maturidade em conduzir tramas amorosas.

  • Crítica | Jessabelle: O Passado Nunca Morre

    Crítica | Jessabelle: O Passado Nunca Morre

    Jessabelle 1

    Contando com uma história de mistério, e uma edição que em virtude do estilo deixa a fita ainda mais confusa, Jessabelle: O Passado Nunca Morre mostra a personagem-título (Sarah Snook, de O Predestinado) tentando se adequar a um novo estilo de vida, como cadeirante, após um trágico acidente, reunindo alguns dos temas mais comuns de contos e romances de terror. A impossibilidade de se locomover constitui-se como um paradigma comum, além de inserir Jessie em uma posição desagradável de fragilidade.

    A mudança forçada para a casa de seu pai faz a protagonista ter assombros noturnos se manifestando, em um primeiro momento, de maneira bastante tímida, em cenas curtas nas quais um filtro esverdeado prevalece, curiosamente aludindo a tons escuros, que não o preto, exatamente para referenciar a deficiência passageira que a paciente sofre.

    Em um dos momentos de solidão, Jessie acidentalmente encontra uma fita de vídeo, filmada no final dos anos 1990, põe-a para rodar e vê sua falecida mãe. Assistir ao filme se mostrou tão acintoso que seu perturbado pai, Leon (David Andrews), lhe dá uma bronca, proibindo-a de mexer em quaisquer lembranças da mulher. Isso faz com que Jessie finalmente tenha um sentimento real após o acidente, já que, até então, não possuía qualquer expressão, nem mesmo de tristeza ou medo. Como uma anestesia que lhe foi dada após o infortúnio.

    A experiência de Kevin Greutert como diretor conta como um auxílio à aura de terror prevista no roteiro de Robert Ben Garant, ainda que a união de ambos seja bastante improvável, já que a filmografia pregressa dos dois cineastas muito se diferenciava: Greutert dirigiu os dois últimos filmes da série Jogos Mortais – obras que explicam sua predileção por contar histórias no estilo home video – enquanto Garant roteirizava produções de comédia ácida, que guardam vagas semelhanças com partes essenciais do texto assustador de Jessabelle.

    As circunstâncias atemorizantes envolvem azares comuns, como os ligados a superstições tradicionais, como a quebra de espelho, solidão forçada e eventuais aparições de figuras noturnas, que ora são encaradas como delírio do álcool, ora como objetos do sonho. O que torna irritante a fita é a série de coincidências que formam o cotidiano da protagonista, permitindo assim que a paranoia tome conta de sua mente e torne conveniente a trama de espanto.

    A inteligência do argumento está em destacar a duplicidade de alma através do objeto que cerca a personagem principal. O cuidado em revelar aos poucos a trama vai desde momentos óbvios, como a brincadeira da alcunha de Jessabelle com a figura bíblica da rainha pagã Jezabel – que, segundo os escritos, trouxe uma grande parcela de paganismo à tribo israelita – até indícios de sacrifícios humanos, com investigações da parte de seu amigo de infância (e posterior capacho) Preston (Mark Webber), que também se vê envolvido pela entidade que persegue a moça.

    Os momentos finais são demasiadamente explícitos, o que pesa contra o suspense que deveria permear o filme. A exploração dos temas, realizada de modo tão direto nos últimos momentos, condiz com todo o caráter sensacionalista que o filme mostrou, uma crueldade dentro das ilusões/visões imerecida para os personagens que sofrem tais destinos, evocando tradições religiosas bastante antigas. Dessa forma, o uso dessa temática mostra que a justiça normalmente se introduz através de sacrifícios de inocentes, em tramas de vingança que não necessariamente buscam justiça, apesar de aludir a isso em algum nível. Jessabelle consegue ter momentos bons o suficiente para se separar da patuleia comum dos filmes de terror atuais.

  • Crítica | Supermensch: The Legend of Shep Gordon

    Crítica | Supermensch: The Legend of Shep Gordon

    Supermensch 1

    A investigação sobre o  sucesso de Shep Gordon é bastante aventuresca, em Supermensch. A persona do empresário, um dos mestres da indústria norte-americana de entretenimento, tem um cartel de clientes (e amigos) dos mais influentes do showbusiness, como Alice Cooper, Michael Douglas e Mike Myers, o qual assina a direção do documentário. Logo de início, são feitos grandes elogios a sua figura, da parte de artistas que têm presença constante, pessoal e profissionalmente, em sua vida.

    Myers escolhe imagens relacionadas às falas de Gordon e filmes populares para preencher as lacunas, quando não há imagens ou fotografias próprias, fazendo com que o biografado seja retratado de forma ainda mais interessante, referindo-se a diversas áreas do imaginário popular. O modo errático como Shep se tornou empresário é revelado sem qualquer receio, e faz relembrar os primeiros e malfadados espetáculos de Alice Cooper, que na verdade eram pretexto para o protagonista vender seu estoque de drogas. Seguindo seus instintos, o futuro empresário trabalhava de forma que o diferenciasse dos managers comuns, apresentando uma interação com o público bastante diversa.

    A quantidade de aventuras bizarras em que o agente e Cooper se enfiavam, e dos mais variados tipos e gostos, era vasta. A rotina bizarra de um rockstar era também vivida por ele, sendo o entrevistado o catalisador da maioria dos fatos tresloucados lidos ante a câmera, desde a morte de uma galinha em pleno palco, até transgressões comerciais nos discos de vinil vendidos nos anos 1970 e 1980, sendo fonte de inspiração para alguns dos casos mostrados no filme Quase Famosos, de Cameron Crowe.

    A persona de Shep é demasiado dionisíaca, peculiar e divertida. Toda a abordagem criativa idealizada por Myers torna a fita um objeto caro e terno, com um ritmo que bastante se diferencia de seus primos do gênero. Uma obra divertida, colorida e cujo entretenimento se equipara ao montante de informações dadas em pouco tempo de tela. O formato consegue adequar-se ao roteiro, além de emular perfeitamente a trajetória trôpega moralmente e cheia de destruição de tabus e auges comerciais da carreira de Gordon. O filme também se faz perfeitamente como o retrato de uma época, onde a autodestruição com entorpecentes e boemia não era tão mal vista.

    Shep era conhecido por realizar festas extravagantes, gerando crossovers interessantes entre celebridades, com amizades improváveis iniciando-se através de seu estilo de vida. Sua relação com causas nobres caracterizava-se por muitas realizações, desde a idealização de eventos beneficentes, que ajudavam os infectados pelo vírus HIV, até causas pessoais que envolviam famílias próximas de sua casa na praia, financiando estudos de uma família inteira e atuando como pai e patrono.

    A figura de nice guy, relacionada ao comportamento e modus operandi de Shep Gordon, é flagrada de modo quase poético, tal é a paixão de todos os que falam do personagem central: uma pessoa dionisíaca, mas essencialmente terna, amada por todos que o cercam. Supermensch é um retrato agridoce de uma biografia nada chapa branca, que consegue exalar a mesma simpatia de sua figura de análise, sem soar forçada ou panfletária.

  • Crítica | O Que As Mulheres Querem

    Crítica | O Que As Mulheres Querem

    O Que As Mulheres Querem 1

    Pensado a partir das relações e modo de encarar o mundo tipicamente feminino, O que As Mulheres Querem exibe a história de personagens realistas, que vivem suas vidas a partir da não necessária submissão machista imposta por alguns membros da sociedade, pontualmente dirigida pela atriz Audrey Dana, que estreia na realização de longas metragens.

    O escopo escolhido pelo roteiro é o de discutir sexismo e demais injustiças através de mulheres com caráter e personalidade diversos, tanto com timidez exacerbada, como com inconformismo via intransigência, ainda que o último adjetivo seja certamente fruto do julgamento dos homens que antes eram a temática e postura dominante até em um gênero consumido majoritariamente por moças.

    A maior parte das sensações primárias exploradas no texto de Dana e Raphaelle Valbrune acontecem por intermédio da personagem Ysis (Geraldine Kanaché), uma mulher de meia idade, mãe de quatro filhos, que passa por um dificuldade conjugal ligada a inadimplência de sexo com seu marido. A falta de extravasar a libido causa nela uma série de transtornos, igualando-a facilmente ao arquétipo de uma pessoa insana, que em si, resume os distúrbios comportamentais das outras mulheres retratadas pelas lentes da realizadora. A insegurança típica de quem dedica a própria vida para cuidar de outrem a impede de enxergar a si mesma como realmente é, fazendo com ela subestime a própria beleza exterior desta, somente conseguindo dar vazão aos próprios desejos carnais após uma árdua viagem a uma disputa de ego de superego, em que se abre mão de suas próprias inseguranças para então evoluir.

    Como são onze as mulheres analisadas dentro da fita, é fácil para o público se identificar com qualquer conduta tresloucada das portadoras do estrogênio, já que mesmo os estereótipos utilizados na trama não replicam de maneira vulgar ou trivial qualquer arquétipo tanto feminista como de mulheres submissas. Apesar do pouco tempo de tela, há um trabalho de aprofundamento, ao menos no comportamento de cada uma delas, o que revela manias, sentimentos e receios, que por sua vez, determinam como funciona o caráter de cada uma.

    Os mesmo dramas que antes soavam muitíssimo forçados em Sex And The City são explicitados de um modo ligeiramente mais realista e jocoso em O Que As Mulheres Querem. A problemática maior está na dificuldade que a cineasta tem em conciliar tantos núcleos diferentes em um período de edição pouco inferior a duas horas, conseguindo retratar algumas das historietas de modo interessante e outras tantas não. Mesmo as melhores histórias vão aos poucos perdendo importância e força.

    Em determinado ponto, as personagens passam a se reunir e referenciar a si mesmas como um grupo de apoio mútuo, onde basicamente há uma exploração de drama via piadas fracas. O esforço para manter-se cerebral não encontra êxito, pois a tentativa de fugir da frivolidade e pasteurização comuns a comédias sobre sexualidade se perde em meio a uma trama que tropeça nas próprias pernas, além de soar em algo bastante pretensioso, levando em conta a mensagem final do script, o que é lastimável, principalmente pela premissa tão interessante.

  • Crítica | Clube dos Cinco

    Crítica | Clube dos Cinco

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    Começando a partir de Don’t You (Forever About Me), o filme de John Hughes exala uma atmosfera oitentista, remetendo a uma rebeldia controlada, fruto da juventude dos brancos de classe média dos Estados Unidos. O classicismo de Clube dos Cinco flerta com questões aviltantes, mas exibe um panorama bobo dos dramas juvenis. Os garotos, a porta da escola, são praticamente expurgados dos carros de seus pais, como se fossem lançados no mundo, assim como os felinos fazem com suas crias, ensinando-as a serem predadores vorazes em qualquer ambiente que lhes apareça.

    A disposição do quinteto de estudantes é feita de modo coreografado, quase em um teatro, encenando a culpa que deveriam sentir pelos atos que levaram estes a detenção. A redação que deveriam escrever serve unicamente para uma interação imbecil entre seres cujos hormônios estão em ebulição e o conteúdo se rende aos instintos básico. O choque cultural é notado na postura do independente Bender (Judd Nelson) com a dupla de pseudos namorados – fato “acontecido” pela semelhança na compleição física.

    Andrew Clark (Emilio Estevez) Claire Standish (Molly Ringwald), fazem contraponto com o covarde Brian  Ralph Johnsson (Michal C. Hall). O roteiro exibe um abismo ideológico mesmo entre os excluídos sociais, Bender e Allison Reynolds (Ally Sheedy), que quase nada fala, a não ser pro grunhidos.

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    As emoções conflitantes são o palco da colisão de mundo distintos, de playboys a potenciais marginais. O mais atento sinal de conflito é entre John e Richard Vernon (Paul Gleason), o responsável pela detenção dos alunos e diretor do colégio. As conversas entre ambos escondem uma óbvia inversão do estigma de opressor e oprimido, com o maltrapilho sendo a vítima do assédio moral, ao invés do contrário.

    O aspecto que une as pessoas é o deslocamento social, que se afirma visualmente através da bizarrice imagética. Cada uma das personagens age em seu nicho, o que gera uma sensação de familiaridade, negada antes e tornada real então com o atrito causado entre a reunião das partes. A intimidade passa a não ser mais uma opção, e sim o único método de convivência, revelando segredos obscuros da rotina da classe média e sua típica pressão por sucesso, na cultura anti-losers, onde o indivíduo precisa apresentar bons números para ser aceito como ente social. Mesmo ante problemas horrendos, ainda se encontra espaço para o humor, sobrepujando a melancolia através do apoio mútuo.

    Apesar da inconveniente adequação ao conservadorismo, adotado pelas meninas, para enfim aceitarem a si e finalmente interagir com os mesmos, o desfecho de Clube dos Cinco revela uma mordaz evolução, cérebro, atleta, princesinha, neurótico e criminoso, unindo destinos de um modo incomum e bem construído, cujos laços são belos e críveis para o público que consome sua mensagem nostálgica e carismática.