Categoria: Cinema

  • Crítica | A Forca

    Crítica | A Forca

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    Capitaneado pela iniciante dupla de cineastas Chris Lofing e Travis Cluff , A Forca a princípio busca resgatar bordões bem antigos de filmes de terror, sendo vendido como um filme que busca uma abordagem diferenciada, ao invés de apelar para questões triviais e repetitivas.

    A trama inicia-se através da gravação de um vídeo amador, retratando um mambembe teatro escolar onde uma tragédia ocorre, encerrando a vida de um dos atores que substituía o papel principal, Charlie, cujo nome virou sinônimo de mau agouro. Passado o período de 1993, a trama passa a ocorrer anos depois, com tempo o bastante para uma nova geração de meninos assumir o tal “manto” e ocorrer uma incrível sequência de coincidência, que envolvem, entre outros fatores, mais um adolescente descerebrado – Ryan (Ryan Shoos) – que retrata seu amigo Reese (Reese Mishler). Apesar do background de atleta bem apessoado, ele nunca havia beijado uma mulher, fazendo da sua obsessão por Pfeifer (Pfeifer Brown) algo até compreensível.

    O formato escolhido em primeira pessoa não foge do sistema em momento algum, ao contrário do erro constante em filmes de premissa interessante, como Marcados Para Morrer. No entanto, a métrica e edição não conseguem esconder os muitos problemas de continuidade, piorados pela eloquência através das palhaçadas do elenco formado por garotas e garotos lindos, mas sem craquejo para qualquer nível de dramaturgia.

    O background utilizado na fita é pobre, o que dificulta a capacidade do público de sentir empatia pelos personagens e seus mini dramas. Tudo aparenta frivolidade e falta de sentimentos, supervalorizando os conceitos de corrida atrás do sexo, ao estilo American Pie, mas sem aludir a qualquer nudez. A perseguição aos malvados e sexualizados é enfatizada como em tantos slasher movie, ainda que haja uma enrolação atroz, especialmente quando retrata a tosca aventura bully de Ryan, que no máximo glamoriza um discurso de moral contra a imaturidade e a futilidade, mas da maneira mais panfletária e mal construída que se possa imaginar.

    A ideia de explorar os defeitos das câmeras, tanto as profissionais quanto as de celulares, é mal executada, especialmente por apelar para artifícios comuns (como falta de bateria etc), mas também perde verossimilhança em não justificar em muitos momentos o motivo para se gravar o processo das mortes.

    A premissa, apesar de ser interessante, obviamente se perde, fazendo A Forca se assemelhar a um filho bastardo de A Bruxa de Blair, Canibal Holocausto e do mais recente REC, ainda que não consiga passar nem perto dos bons momentos de nenhum dos três. Pelo contrário, visto que seu roteiro não permite muitos sustos, surpresas ou histórias com conteúdo ou alma. Além de não acrescentar em quase nada do ponto de vista técnico, imbeciliza questões chave da temática de terror, como maldições hereditárias, sacrifícios de fantasmas e insanidade inata.

  • Crítica | Um Reencontro

    Crítica | Um Reencontro

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    Em seu novo Um Reencontro, a diretora Lisa Azuelos reverencia o acaso como catalisador de eventos românticos ao focalizar a vida da escritora Elsa (Sophie Marceau) e do advogado Pierre (François Cluzet) em busca de uma relação amorosa sem prendimentos, uma vez que ambos estão com situações conjugais bastante complicadas. O improvável casal tem um encontro incomum, em meio a uma festa não programada, onde iniciam um flerte difícil de ignorar, dada a empatia entre o par, a despeito de todas as amarras morais que os impedem de ficar juntos.

    A configuração dos arquétipos de relação revelam um homem casado, com um fracassado matrimônio, que insiste em se arrastar; e uma mulher recém-divorciada, que já despeja suas necessidades sexuais em um amante mais novo, insaciável até para os seus padrões. Mesmo incomodada, Elsa aos poucos percebe no tabu algo insuficiente para não dar vazão ao desejo carnal que sente pelo jurista, faltando bem pouco para enfim ceder aos instintos humanos mais básicos.

    É curioso como a imaginação de fatos futuros realiza-se em uma edição videoclíptica, escolhida muito bem por Azuelos. Além de realizar a fita, ainda interpreta Anne, a esposa “incomodada” de Pierre, uma mulher que ao menos dentro do microuniverso do sonho, é perspicaz em juntar os indícios da óbvia e descuidada traição de seu marido. O peso de uma possível separação legal faz com que ele também tenha receios de tornar real a união que a câmera da diretora insiste em propagar nas belas montagens que faz dos dois em intimidade.

    O roteiro curiosamente remete às possíveis tentações e frustrações sexuais usando o campo das ideias como cenário, uma vez que os atos de interação erótica só ocorrem no desejo mental dos envolvidos ou na repulsa a possíveis traições. Apesar de apelar para tons de humor, e tratar de possibilidade de romances, Um Reencontro foge do arquétipo de comédia romântica por não conter em si praticamente nenhum dos clichês impertinentes dos produtos estadunidenses do gênero, apesar de possuir alguns bordões em comum com fitas francesas. O diferencial está no modo de orquestrar mesmo as situações ordinárias, cuidadosamente escolhidas em sua ordem de anúncio.

    A discrição de Elsa e Pierre é levada até as últimas consequências, quando o “grande dia” chega. As fantasias prosseguem cada vez mais intensas, como se preparassem o campo para a conclusão magnânima que o flerte anuncia desde o começo da trajetória, aumentando o nível da expectativa para algo que simplesmente não encontra êxito.

    Mesmo nas cenas próximas do final, a eternidade guarda enquadramentos separados, ou dos dois em lugares distintos, ou de figuras espelhadas que exatamente no meio têm sua cisão. A escolha fotográfica de Azuelos não poderia ser mais acertada em sua curta e direta fita, que provoca risos e emoções conflitantes nas personagens e também no espectador, que acompanha sua filmografia cada vez mais eloquente em simplicidade.

  • Crítica | Pixels

    Crítica | Pixels

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    A nostalgia é uma grande ferramenta para o entretenimento, pois faz com que o espectador já entre na sala do cinema com um sentimento prévio em relação aos personagens que ainda nem viu, e quando usada da forma correta consegue satisfazer mesmo apresentando um material simples. Em Pixels, uma sonda é enviada ao espaço com informações sobre a Terra, como um vídeo da Madonna e informações sobre o Campeonato Mundial de Fliperama de 1982, porém uma raça alienígena interpreta o ato como um desafio e envia videogames para provocar os terráqueos em um Campeonato Intergalático.

    Apoiando-se no amor universal de todos aqueles que passaram pelos anos 1980 e vivenciaram o advento dos jogos eletrônicos, possuindo o Atari como babá eletrônica e o fliperama e casas Arcades como parque de diversões, a obra conta a história de três meninos que tiveram o ponto alto de suas vidas no campeonato mundial de fliperama. Já quando adultos e frustrados com seus destinos, encontram-se no centro deste ataque.

    Assim como os chamados Arcades, a estrutura de Pixels, novo filme da universal que já vinha tentando sair do papel há muito tempo, baseia-se na repetição de padrões. Não por acaso a dupla Kevin James (Segurança de Shopping) e Adam Sandler (Trocando os Pés) integram o cast de modo a repetir o sucesso conquistado em outros projetos.

    Para dar sustância à premissa, um elenco de peso é usado para garantir qualidade das piadas e a empatia e simpatia do público que Sandler há um bom tempo parece não assegurar mais em seus filmes. As principais aquisições são o prodígio Josh Gad (Jobs, Frozen) e o sempre competente Peter Dinklage (Game of Thrones, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido). Ambos os atores roubam a cena em cada uma de suas aparições, o que favorece o filme como um todo, já que na ausência de uma roteiro mais interessante a película precisa sustentar-se sobre o talento individual.

    Se a simplicidade é algo que pode contar a favor de Pixels, ele também se mostra refém das fórmulas criadas nas comédias tipicamente masculinas, como o romance improvável entre o fracassado e a linda garota, algo sempre montado de forma apressada, inverossímil e nunca em favor da trama. Aqui não é diferente, em todos os momentos românticos entre o personagem de Sandler e Michelle Monaghan. É difícil de saber o quão consciente são os clichês apresentados, já que o diretor Chris Columbus tem em seu currículo desde clássicos como Uma Babá Quase Perfeita até filmes totalmente esquecíveis ou ruins como Percy Jackson e o Ladrão de Raios. Essa irregularidade dificulta na hora de decidir se, por exemplo, a piada com relação ao personagem Smurf é apenas uma bobagem sem intuito narrativo algum, ou se é uma alfinetada ao tradicional papel de “Smurfete” que as meninas ganham nesse tipo de comédia (Assim como nos Smurfs, a personagem feminina se mostra um adorno da relação masculina, aquela que “realmente importa”).

    Se o filme se mostra arrastado a todo momento, que se descola da simplicidade proposta, quando os esperados personagens dos videogames se mostram e a comédia se torna a prioridade tudo parece dar certo e Pixels se mostra uma diversão despretensiosa onde a relação entre gráficos e ação tem destaque. E tão melhor seria Pixels quão maior fosse sua busca em trazer diversão através da dinâmica entre personagens, que apesar de se perder em alguma fórmulas que não funcionam, garante uma diversão saudável com momentos pontuais, principalmente vindos de Josh Gad e Dinkale e Q*bert, excelentes.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Homem-Formiga

    Crítica | Homem-Formiga

    homem-formiga

    Em uma temporada repleta de filmes de grandes franquias e personagens, como Vingadores – A Era de UltronMad Max – Estrada da Fúria e Jurassic World, o “pequeno” Homem-Formiga (do diretor Peyton Reed) veio para buscar seu lugar ao sol junto dos grandes nomes e, mais uma vez, a Marvel conseguiu.

    O grande trunfo da Marvel Studios não é ter um imenso catálogo de personagens para fazer centenas de filmes e angariar milhões de dólares de pessoas do mundo todo. O grande trunfo da empresa é ter acesso a esse imenso catálogo e não apenas escolher com atenção os seus personagens, mas dar um tratamento carinhoso na inserção deles em um universo cinematográfico que vai muito além dos olhos dos leitores de quadrinhos, mas de um público muito mais amplo.

    Assim foi feito com Guardiões da Galáxia, uma equipe não muito convencional de heróis e pouco conhecida que mostrou ter muito mais potencial que os personagens mais mainstream como o Homem de Ferro ou Thor (ainda mais levando em consideração a qualidade duvidosa de Homem de Ferro 3 e Thor: O Mundo Sombrio). Muito mais do que mostrar potencial, conseguiu ser um dos melhores filmes – talvez o melhor – da Marvel Studios.

    Dessa vez acompanhamos Scott Lang (Paul Rudd), um engenheiro elétrico que acaba de sair da cadeia após cumprir pena por ter cometido um crime contra uma grande corporação. Tendo dificuldades para achar um novo emprego e de se aproximar de sua filha, Scott resolve roubar a casa de um milionário aposentado, Hank Pym (Michael Douglas). Porém, depois que o roubo foi um fracasso, Scott descobre que tudo fazia parte de um plano do Dr. Pym para que ele se tornasse o Homem-Formiga. A intenção do Dr. Pym era que Scott, utilizando-se dos poderes de Homem-Formiga (poder se reduzir a um tamanho muito pequeno, porém tendo força de um humano normal) pudesse invadir o laboratório de Darren Cross (Corey Stoll) com intuito de evitar que uma poderosa arma caia em mãos erradas.

    A primeira coisa a se dizer é que Paul Rudd foi uma escolha certeira. O ator se mostrou muito à vontade com o papel de Scott Lang passando o mesmo sentimento para o espectador. A sensação é a de que Paul Rudd já fosse o Homem-Formiga há muito tempo e todos já estivéssemos acostumados com isso. Sentimento semelhante quando vemos Robert Downey Jr. e o associamos diretamente ao Tony Stark.

    Evangeline Lilly e Michael Douglas também se destacam, não de uma forma tão expressiva quanto Rudd, porém são marcos positivos no filme. Corey Stoll, por outro lado, não impressiona como vilão, não demonstrando muito carisma ou inovação em sua atuação.

    O filme é recheado de diversos momentos de bom humor, marca já registrada nos filmes da Marvel, mas sem forçar ao pastelão. Inclusive, o humor é frequente, principalmente quando o personagem diminui de tamanho em suas primeiras vezes e ainda está acostumando com os poderes que a roupa lhe confere. Diga-se de passagem, as cenas de ação envolvendo a diminuição e aumento de tamanho são dinâmicas e bem trabalhadas, dando uma nova dimensão ao uso do 3D no enquadramento e profundidade dos planos nas cenas de ação.

    O roteiro do filme é bastante agradável e mantém um bom ritmo. O grande trunfo aqui é o clima de “filme de roubo” empregado pela narrativa, como na versão de 2001 de Onze Homens e um Segredo, por exemplo, porém envolvendo heróis Marvel. Considerando o tom de bom humor da obra, isso ajuda em muitas cenas que envolvem o roubo propriamente dito, como a que Scott tem que invadir a base dos Vingadores, para pegar um dispositivo, e acaba enfrentando o Falcão.

    As referências ao passado, presente e futuro do universo Marvel são incontáveis durante o filme, além das duas cenas extras pós-créditos que ele apresenta. Temos referências aos Vingadores, ao seriado Agent Carter e, o que mais chama atenção, ao Homem-Aranha. Prato cheio para aqueles que gostam de procurar pelas pequenas nuances nesse gênero de filme.

    Apesar de extremamente divertido, o filme possui defeitos na condução da narrativa, que acaba se tornando bem lenta no primeiro ato, engrenando apenas posteriormente. Isso sem falar nas dificuldades de apresentação de alguns personagens, como o passado de Scott ou do próprio vilão Cross, de modo a não conferir tanta profundidade nos personagens, tornando vazias suas motivações.

    Apesar de pequenas falhas, o filme continua sendo divertido, ganhando um posto de destaque como um bom filme de super-herói. Além disso, Homem-Formiga consegue abrir um sorriso sincero em fãs de quadrinhos, no público geral e em toda pessoa que pensa nas centenas de milhares de possibilidades nesse universo tão rico que a Marvel Studios criou nos cinemas. Agora basta acreditar em mais do que há por vir. Bem-vindo ao hall dos “grandões”, Scott.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Cidades de Papel

    Crítica | Cidades de Papel

    Cidades de Papel - poster

    Segunda obra de John Green adaptada para as telas, Cidades de Papel consegue transpassar a barreira literária e se recodificar em uma narrativa cinematográfica com estilo e recursos cênicos próprios, modificando somente o essencial devido aos formatos diferentes e desenvolvendo uma bonita história sobre laços de amizade e a fase de transição e amadurecimento entre a adolescência e juventude.

    A obra de Green não é de difícil adaptação. Sua narrativa linear é estruturada de maneira simples com personagens adolescentes passando por uma ação específica de transformação. O estilo narrativo é eficiente ao compor tais personagens, e denota uma boa caracterização em cena para que não existam estereótipos.

    No papel central, Nat Wolff, presente também em A Culpa é Das Estrelas, corresponde com eficiência a Quentin, um jovem que nutre uma paixão platônica pela vizinha Margo Roth Spielgelman e participa de um engenhoso plano de vingança ao seu lado antes do desaparecimento da garota. Como um adolescente como outro qualquer, o jovem Quentin se apaixona pela beleza de Margo e nutre há anos um amor sem conhecer, de fato, sua amada.

    A trama transforma a fuga de Margo na trajetória de conhecimento de Quentin. Prestes a se formar no colegial e escolher uma faculdade, o universo conhecido do adolescente será transformado. Um rito de transição para uma juventude inexplorada e mudanças naturais da vida que deixa amizades e a família para trás. Ao mostrar Quentin e amigos partirem em uma viagem atravessando os Estados Unidos à procura de Margot, a narrativa enaltece a força da amizade e estabelece um fraterno road trip.

    O roteiro de Scott Neustadter e Michael H. Weber – que também versaram A Culpa – é eficiente ao modificar estruturas básicas da narrativa original, dando maior fluidez para a história tanto no aspecto temporal como na composição sensível dos personagens. Se há uma perda de densidade em comparação com os acontecimentos descritos por Green, há ganho no fluxo narrativo e no enfoque concentrado nas relações fraternais. Universalizando uma trama que, inicialmente, possui um público alvo específico. Ainda que em matéria de comparação, o estilo do autor mencionado anteriormente consegue ser ainda mais inspirador na mensagem do que esta adaptação, mantendo obra original e versão em bons parâmetros.

  • Crítica | Sete Dias Sem Fim

    Crítica | Sete Dias Sem Fim

    sete dias sem fim

    A tradição encerrada na entidade familiar comumente produz relações distantes, e o tempo se encarrega de engrossar ainda mais seus pontos diferenciais. Manter amizades já é um esforço demasiado, estreitar laços com pessoas as quais não se escolheu ter relação torna-se ainda mais difícil. É sob uma ótica de vidas cuja razão se perdeu através do desprezo humano geral que Sete Dias Sem Fim é narrado, primeiro mostrando a derrocada de Judd Altman (Jason Bateman), de dedicado marido a divorciado deprimido, para logo depois mostrar de forma agridoce o falecimento de seu pai, o que o obrigaria a sair de sua caverna pessoal para prestar condolências aos seus outros entes queridos.

    Nos momentos iniciais, apesar das gags cômicas, a sensação que predomina é a melancolia, assinalada pela trilha sonora, levada pelo piano clássico. No enterro, reencontros ocorrem, a maioria bastante atabalhoados, o primeiro deles com Wendy (Tina Fey), a irmã desbocada que cuidava do patriarca. O segundo ocorre após a chegada de Philp (Adam Driver), em seu carro de luxo, cujo som alto, tocando rap ostentativo quebra o clima de luto.

    Com poucos minutos de exibição nota-se a maioria dos problemas existentes na interação de todo o clã, o quanto cada um deles tem dificuldade em viver em comunidade e conviver consigo mesmo.  O constrangedor silêncio é finalmente quebrado pela matriarca Hillary (Jane Fonda), que clama para que a família converse entre si, especialmente para incluir as conversas disfuncionais dos presentes em seu próximo best-seller, mostrando que a exploração do grotesco vai além dos ângulos escolhidos por Shawn Levy.

    Logo as garras são expostas numa intensa briga por um dos patrimônios do pai, e no qual Paul (Corey Stoll) tem sua única fonte de renda, enquanto Philip quer fazer parte das decisões financeiras, mesmo sem ter qualquer jeito para isto. Após o embate físico, os familiares são obrigados a conversar sobre as memórias do falecido, numa tentativa de unir quem não quer ficar perto, quem não quer ter unidade. Lá, as mentiras e indiscrições ficam mais evidentes, como feridas que pedem para serem estancadas.

    Os bate-bocas e intrigas evoluem e tornam-se cada vez mais verborrágicos, exibindo uma violência reprimida por anos e que somente piorou com o acúmulo de hostilidade e guardadas em virtude do afastamento entre os entes. O roteiro se encarrega de mostrar que, apesar do claro incômodo presente na intimidade entre eles, ainda há espaço para a solidariedade e companheirismo, especialmente nos momentos de crise, quando a miséria da alma de Judd consegue se aprofundar ainda mais.

    Apesar de cada um dos personagens viver o seu pequeno inferno pessoal, o modo como a película conduz é leve, numa alegoria a um estilo de vida em que pouco se preocupa com as questões de resolução difícil e as as trata de modo amistoso, uma vez que são inevitáveis no padecimento de existir.

    Quanto mais os filhos tentam se afastar da casa matriarcal, mais e mais segredos são trazidos à luz, com fatos assustadores para a mente dos herdeiros. Encarar a realidade e a complexidade de ter de conviver com o luto e seguir em frente não são tarefas fáceis para nenhum dos personagens. O otimista “ensinamento” presente no roteiro é de que os esqueletos guardados dentro do armário podem até fazer a vida parecer pesada, mas não devem impedir o prosseguimento da existência, tampouco permitir que a tristeza tome conta do espírito, de assalto. A moral presente em Sete Dias Sem Fim mira o alto, fugindo da obviedade, tratando de modo leve as questões pesadas da vida.

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  • Crítica | Woody Allen: Um Documentário

    Crítica | Woody Allen: Um Documentário

    A evolução de um artista se mede pelo catálogo conjurado ao longo de tantos anos. De lá pra cá, uma lista que atesta o gênio de um comediante não pode ser menos que homérica, ou mais digna de ser debatida, filme por filme, num documentário feito sob medida a fãs, estudantes e curiosos sobre a vida (e obra) de Woody Allen, o criador dos monólogos, diálogos e de toda a comédia mais textual que visual de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (seu melhor filme), Memórias e Meia-Noite em Paris. Uma mente a serviço de um gênero que dedicou sua vida a aprimorar, muito além do estilo de comedia americana, das lições de Buster Keaton, Charles Chaplin e os lendários irmãos Marx, a trindade que ainda tanto espira Allen em sua máquina de escrever, de onde saíram seus mais de 50 roteiros, sem exceção ou afetações tecnológicas. Ao costurar a vida de um artista, o jornalista Robert B. Weide, fã do humorista, não escapa do humor leve e afiado de seu ídolo no ritmo de seu filme, e tampouco esquece que ninguém é perfeito.

    A tarefa de mistificar Woody Allen e ser justo, ao mesmo tempo, com os altos e baixos da carreira de quem faz praticamente um filme por ano, há quase oito décadas, nunca seria fácil. Reunindo velhos amigos como Diane Keaton e Mia Farrow, as duas musas do judeu inseguro e inquieto, tal qual Penélope Cruz e Scarlett Johansson, um pouco de sangue novo, entrevistas inspiradas pretendem mais revelar que comentar, expondo a arte mais nobre dos documentários a favor da reflexão: levar o fato ao público e deixá-lo ruminar, sem condicionar o rebanho a uma única opinião. E igual nossa relação de amor e ódio com os loucos e normais personagens criados pelo artista, aos poucos vamos descobrindo segredos e resgatando fatos, interessantes o bastante para merecer o registro, de uma vida tão polêmica quanto produtiva, ainda que parcial aos talentos e desejos de Woody. O próprio Martin Scorsese, colega desde os anos 70 (Taxi Driver e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa são clássicos da mesma época), admite que poucos têm tanto a dizer quanto a mente por trás de A Rosa Púrpura do Cairo, Zelig e A Era do Rádio.

    Das mãos de onde saíram tantas reinvenções de um gênero que não se limita mais, também pela contribuição inteligente do cineasta, a provocar apenas aquela risada fácil, Woody Allen: Um Documentário nos remete a lições extraídas dos filmes, dos livros e da carreira que postula e converge numa vida curiosa, voltada à análise das emoções humanas, das traições entre casais, dos laços familiares, das fugas ao passado, do desejo pelas mulheres, das paranoias de viver em sociedade, universos inevitáveis nas histórias do autor. Elevar ao hall das lendas esses aspectos é tarefa de fã, o que certamente torna mais doce o desafio, ainda que incompleto, de emoldurar carreiras tão prolíficas numa obra que vai do jazz à psicologia, sendo divertido e deliciosamente previsível, como pede o figurino. Imagine um documentário sobre Scorsese (o que já está na hora de acontecer): o culto a diversidade cultural e a violência qualificada seriam omitidas? Resposta óbvia.

    Seria loucura afirmar que o documentário de Robert Weide não tem lugar entre os livros sobre o artista, em especial o hilário e amplamente pessoal Conversas com Woody Allen, da editora Cosac Naify, livro-chave para conhecer mais a fundo o que move e mantém na ativa a ostra octogenária que, com suas pérolas, nunca subestimou a inteligência do público. Um documentário quase à altura das fases do ídolo, se não a falta de precisão entre a arte da pessoa, e a pessoa da arte. Se o homem vale mais que o mito, ou vice-versa, o filme não se dá o direito de concluir essa questão, à margem de nosso juízo a partir dessa pendência, dessa falta de postura e coerência. Destaque, mesmo, ao equilíbrio entre o que é lendário na carreira de Allen e o simplório, tal seu platônico amor por sua eterna parceira: uma clarineta.

  • Crítica | Mr. Untouchable

    Crítica | Mr. Untouchable

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    O documentarista especialista em cultura afro-americana Marc Levin se mune de sua experiência anterior em Slam, Gang War: Bangin’ in Little Rock e Uma História de Amor ao Brooklyn, além é claro de sua obsessão por histórias do gueto estadunidense. Sua análise é focada em Leroy “Hypnosis” Nicky Barnes, uma poderosa figura no Harlem, responsável principal pelo tráfico e consequente mania e comércio de heroína entre os usuários de Nova York. Chamado de O Poderoso Chefão Negro, Barnes era considerado Intocável, como foi chamado um dia Al Capone.

    O modo de operar de Hypnosis era mais selvagem do que os de seus colegas de conglomerados anteriores do crime. Os métodos mais violentos garantiam a si uma aura de ser imperdoável. Sua colocação enquanto chefe do crime o distanciava de seus semelhantes, dando ainda mais ambiguidade a alcunha de intocável. Através de um número encenado, Barnes é mostrado falando direto a câmera, citando possíveis dúvidas morais do contraventor, especialmente no que tange ser ele ou não um instrumento dos homens brancos que fortificaria a idéia de que os negros eram menos evoluídos e inferiores.

    A violência das ruas é muito bem flagrada, mostrando fortes cenas de corpos dilacerados, cadáveres que habitam com um vermelho predominante os cinzas das ruas nova-iorquinas, efeitos de uma guerra por poder, que normalmente vitima os cidadãos de cor americanos. A ostentação de poderio financeiro e de influência de Barnes aproxima-se de uma afronta considerando a quantidade de pessoas que tombam ao seu redor, membros da mesma classe social e racial dele, e que mesmo perdendo muitos em suas fileiras, ainda é capaz de idolatrá-lo.

    O fato de ser capa de revistas, normalmente palco para as peripécias dos cidadãos brancos, o elevava a um patamar de fama não antes visto, pondo em um hall de fama que continha tantos outros negros ilustres, fazendo dele uma figura tão conhecida quanto heróis e ativistas da causa racial. A prisão dele, em virtude dos exageros de sua gestão, deram a ele uma aura de mártir, ainda que completamente imerecido.

    Marc Levin se esforça grandemente para não vitimar o analisado, até por este jamais ter se visto deste modo. Os crimes de Hypnosis não são ignorados ou aplacados, tampouco seus defeitos. A trilha sonora, repleta de soul, rap e jazz proporciona uma imersão no black world onde Barnes se inseria, mas não o glamouriza, tampouco o isenta de seus crescentes atos de vinganças, fazendo dele algo entre o anti-herói americano e o típico herói falido, protagonista de uma tragicomédia que tem no não riso seu maior trunfo com o público.

    A gravação exibida ao final, com a voz de Nicky Barnes declarando sua culpa, não tentando em momento nenhum se desculpar pela delação, é toda contemplada por uma mensagem de tentativa de redenção, igualando a sua trajetória a dos injustos, ignorando completamente os que sempre estiveram com ele. De certa forma, exibe uma faceta egoísta, mesmo que em seu discurso haja um apelo para que a juventude não cometa os mesmos erros que ele. Ainda assim, Levin não o trata como um crápula ou como um bandido simplesmente, destacando toda a intimidade, degradação e meios tons de sua biografia.

  • Crítica | Brava Gente Brasileira

    Crítica | Brava Gente Brasileira

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    Distribuído no ano 2000, às vésperas de um novo milênio, a realizadora Lúcia Murat entrega um drama, que retrata a relação conflituosa entre os índios nativos brasileiros e os portugueses colonizadores, nos idos do século XVIII. O começo mostra uma tribo quase toda formada por mulheres, que falam em um idioma indistinguível para os europeus, os quais erroneamente associavam as falas a balbucios sem sentido, uma falha de compreensão que se repetiria na relação com os habitantes que eram julgados como selvagens.

    O retrato pintado ao redor do índio é de um guerreiro poderoso, semelhante ao visto na literatura de José de Alencar, especialmente em O Guarani, que retratava o nativo como uma espécie de cópia dos heróis dos romances europeus de cavalaria. No entanto, a visão idealizada do povo nativo é logo quebrada com as intensas batalhas entre os asseclas do governador e os membros da tribo, com cenas que resumem bem a prática nefasta dos poderosos, explicitando crimes como estupro e assassinato a sangue frio, por meio de armas de fogo, normalmente sobre figuras que sequer possuíam armas brancas.

    A interação sexual se dá por meio de seções sem mútuo consentimento, banalizando questões básicas sentimentais e morais. O roteiro desenvolve-se livre de medos, e não faz qualquer cerimônia em problematizar o modus operandi dos exploradores portugueses e tecer críticas ferrenhas aos brasileiros nascidos já sobre a influência branco-europeia, que não veem qualquer semelhança com os índios, ao contrário, defendem os desejos dos mesmos poderosos que os escravizam de modo nada velado a troco de poucos privilégios dentro das províncias.

    A questão do apartheid é fortificada pelo personagem que não consegue esconder visualmente o fato de ser mestiço. O jagunço Capitão Pedro é racista e tem orgulho disso. A barba proeminente de seu intérprete, Floriano Peixoto, busca esconder uma pele mais escurecida, mas a mentira não se sustenta ao se verificarem os cabelos encaracolados, normalmente cobertos por bonés e chapéus. Há inclusive o cuidado de mostrar o Capitão agindo de modo terno, com um rapaz branco que ele resgata, mostrando que a capacidade do capitão se humanizar só é evocada quando está em companhia de seus iguais, um artifício bastante comum em meio aos que segregam.

    No entanto, a compreensão e comportamento dócil somente são mantidos enquanto o rapaz age de modo submisso, diante de qualquer mostra de rebeldia ou discordância, a truculência retornar, como eco típico da barbárie que é capaz de fazer decepar as mãos dos “inimigos” indefesos.

    O contraponto ao comportamento de Pedro, dentro da aldeia branca, é visto na interação do lusitano Diogo Castro e Albuquerque (Diogo Infante) com a capturada Ánote (Luciana Rigueira). Mesmo os relacionamentos entre as raças, vistos no início como uniões sentimentais e amorosas, logo revelam sua real identidade de exploração sexual, vinculada quase necessariamente a dogmas religiosos, que, por sua vez, remetem à catequização imposta pelos colonos no Brasil e em toda a América Latina. O roteiro de Murat não tem pudor em mostrar a hipocrisia latente no ethos dos preconceituosos homens brancos, que tinham no discurso um acintoso ódio aos Guaicuru, mas que na intimidade, lançavam sua força para cometer abusos contra as moças da tribo.

    O revide, mostrado em detalhes no final, serve de alento aos Kadiwéu, os únicos sobreviventes após o tratado de paz e que atualmente habitam uma reserva no Mato Grosso do Sul dedicada à memória dos muitos que sofreram nas mãos dos portugueses. O movimento é uma ode à luta para subsistência da tribo, que até hoje sofre reprimendas e arduamente briga para manter sua cultura própria, pontuada de modo bastante interessante em Brava Gente Brasileira.

  • Crítica | Casa Grande

    Crítica | Casa Grande

    O Brasil de 2015 deixou de ser criança e virou um adolescente cheio de malícia, desses que pulam o muro à noite para ir dormir no quarto da empregada. O Brasil é um país de muros, muralhas, fortalezas. Logo de cara, no primeiro plano de Casa Grande, um sobrado enorme com piscina e vários andares salta à vista. É lá, não nas senzalas, mas na mansão mal-assombrada pela classe-média alta, onde o cineasta Fellipe Barbosa pinta, com perspicácia rara no cinema brasileiro, o retrato crônico, e não apenas atual, mas histórico das classes de um país continental, atingindo a realidade em cheio. Perto desse retrato, de cenas magníficas como quando o playboy acorda pra vida e rompe a bolha que vivia (ou no debate extra-familiar sobre cotas raciais nas faculdades), o pastel de vento O Som ao Redor vira rascunho em guardanapo molhado.

    Domingo é sagrado, é dia de ir à igreja, pagar conta com o divino, sempre pagando as contas, nem a senzala ou a Casa Grande esquecem. Por quê? Porque sim, porque sempre foi assim, e fim. É dia de pagar conta com nós mesmos, a senzala não perde tempo, a gente acorda cedo, uns pra tomar suco na beira da piscina – e a maioria pra assistir a Missa do Galo na TV com programação de Casa Grande, pra gente se perguntar com outro “Por quê?”, o porquê das nossas mesas não serem tão fartas quanto na Casa Grande. Dilema que os domingos e outros carnavais tentam resolver, mas fica pra amanhã também. É levado a sério na senzala não levar o domingo tão a sério.

    Já o sábado é um ensaio, mas também ouvi o passarinho verde, que nada tem a ver com os domínios do homem pobre ou rico, preto ou branco, nem macho nem viado, que sábado já está virando dia útil, tem que trabalhar também! Só domingo mesmo, a gente só pode ser a gente no domingo, e olhe lá, de novo. Já sobre trabalhar só meio expediente antes da segunda, antes do jogo de futebol, isso a Casa Grande vem estudando a possibilidade, muita calma nessa hora. Palavra grande, “possibilidade”, tal qual o olho da Casa Grande que vê tudo e esquece de ver o que muitas vezes acontece lá dentro. Observando quem pensa ser livre, do alto do sobrado gigante cheio de alarmes contra favelados… é um tantão de chão, só vendo, só entrando. É enorme, de fato, mas sorte a nossa saber o caminho da senzala, até os nossos pés já sabem de cor. A gente aprende o caminho, aprende que essa responsabilidade menor por não viver no topo da pirâmide deixa a vida mais bela, menos pesada.

    E pra quem duvidava, a Casa Grande não é só flores nem domingo, não senhor. Afinal, quem vive em bolha tem medo de alfinete, até de ponta de lápis. Barbosa, prudente e com um elenco impecável, coloca os donos do microscópio social sob as lentes de outro para estampar na arte o que é surrealmente real. Também aprendemos desde cedo que, se tem revolta nos interesses da senzala, é porque tem algo de podre no reino dos patrões, e se não tem é porque o charme da burguesia disfarça com perfume caro da Boticário, não, espera, o Boticário apoia os gays, e a Casa Grande não curte muito o diferenciado, vide os favelados de hoje, os escravos há 500 anos, enfim… É melhor perfume francês. É por isso que a obra-prima de Barbosa nega perfumaria: para mostrar o Brasil de 2015 e comparar com o de 1500, no seco, sem lubrificante ou aroma de lavanda. Imperdível.

  • Crítica | Uma Nova Amiga

    Crítica | Uma Nova Amiga

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    O diretor François Ozon usa a sua experiência em contar dramas graves para, já na primeira cena de seu novo filme, Uma Nova Amiga, referenciar duas instituições tradicionais: o matrimônio e o sepultamento religioso. Usando os mesmos avatares de beleza adolescente e da depressão vistas em seu último filme Jovem e Bela (ainda que o espírito e caráter deste sejam absolutamente diversos), o roteiro adaptado do romance de Ruth Rendell utiliza a trajetória rumo à vida adulta como palco para a miscelânea de sentimentos contraditórios inerentes à existência feminina, brincando com os sonhos quanto ao enlace matrimonial e, claro, com os laços eternos que uma amizade pode ter.

    O resumo de toda a trajetória de Claire (Anaïs Demoustier) e Laura (Isild Le Besco) é feito de modo curto, direto e carregado de sentimentos, desde o começo do companheirismo nos tempos de escola até o nascimento do bebê de Laura. O falecimento precoce da recém mãe faz Claire mergulhar em uma profunda depressão, se apegando a qualquer ilusão visual que se assemelhasse meramente à lembrança de sua antiga amiga, que deixou filho e marido David (Romain Duris) órfãos de amor e atenção.

    Em uma visita ao viúvo, Claire tem uma surpresa que, à primeira vista é assustadora, já que o pai da pequena Lucy estava trajado de modo incomum, com as vestes da falecida mãe. Aos poucos, a historieta se desenrola, mostrando de modo bem didático o assumir de um novo ego, e as dificuldades recorrentes dessa “nova” postura, que revelam a preocupação com o bebê, que sente falta da figura materna, bem como abre a discussão sobre a identidade de gênero de alguém que nega a verdade a si mesmo, preocupado entre outros fatores com a opinião dos que o cercam, cujo avatar é a postura de Claire, que evolui aos poucos rumo à aceitação do novo paradigma.

    O choque do conservadorismo está presente nos olhares julgadores que a protagonista antiga lança sobre a “nova”, servindo de diálogo profundo com a plateia, não excluindo os que prioritariamente são contra alguns segmentos de orientação sexual diferente da imbecil pecha de “heteronormatividade”, mas que em outro momento podem aprender a dialogar fora do senso comum misógino e homofóbico.

    O desejo de revelar-se envolve a persona masculina que quer ser outra, e com o tempo ela toma coragem para enfim se lançar ao mundo externo. Cada passo de cima do salto alto é mais aventuresco que o anterior, revelando o tesão pela descoberta em cada detalhe. O envolvimento de David e Claire tem seus laços estreitados, maravilhosamente filmado por Ozon, que faz questão de mostrar a distinção de ambos nos enquadramentos, seja em cenas reais, com viagens de carro, onde ambos estão separados pelos assentos, bem como em sonhos filmados, onde dividem a mesma cama, compartilhando também alguns escondidos desejos.

    A brincadeira emocional que ocorre com as identidades de David e Virginia mexe evidentemente com a pulsão e ideário sexual de Claire, que passa a ter delírios em relação a possíveis enlaces amorosos, seja consigo ou com os que a cercam. Os suspiros de Demoustier definem bem a dúvida que ela sente em dar ou não vazão ao carnal, às vontades ocultas.

    Após recusas e insensibilidades, trocadas mutuamente de certa forma, as almas desoladas finalmente têm um encerramento emocional e sentimental, condizente com a típica feminilidade de ambas, cedendo finalmente à real identidade de ambas mulheres, tornando vivos os aspectos que antes estavam ligados à mortandade, revivendo novos romances, novos destinos. Sem preocupação de amarrar o desfecho de modo conservador ou palatável para as plateias anacrônicas. A direção e  texto de François Ozon mais uma vez destacam a atualidade, apresentando um drama complexo, denso e repleto de sentimentos inexoráveis à existência humana, inevitáveis como os naturais desejos carnais, sexuais e, claro, os de serem aceitos.

  • Estilos e Estilistas: construindo pontes entre a sétima arte e a vida

    Estilos e Estilistas: construindo pontes entre a sétima arte e a vida

    Estilos e Estilistas - suit & tie

    O Cinema sempre foi e sempre será um agente instigador de suas plateias, despertando reflexões, criando tendências e inspirando comportamentos!

    Você diria que o cinema dita a moda?

    Eu penso que os personagens expõem padrões de comportamento com os quais nos identificamos, porque realmente temos semelhanças, ou porque eles refletem nosso alter-ego, aquilo que gostaríamos de ser e passar para os outros através de uma imagem, a qual se constrói, entre outras coisas, na forma como nos vestimos.

    Não se trata de julgar pelas aparências… aliás, trata-se de partir da aparência para identificar signos que se constituem em linguagem visual, porque temos cinco sentidos e nossas referências se formam através do que estes captam. Então, nossos primeiros códigos são transmitidos e decifrados pelo primeiro sentido a entrar em ação, o da visão. Não analisamos exatamente a roupa, mas o que ela diz sobre quem a veste!

    Portanto, não vou falar de moda, mas de estilo! Como disse Yves Saint Laurent: “A moda passa, o estilo é eterno”!

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    A narrativa no cinema é construída por vários elementos, entre eles o figurino, pelo qual se expõem duas dimensões, do espaço (geográfico) e do tempo (época), e se estabelecem sugestões sobre a personalidade ou o estado emocional do personagem. O figurino cinematográfico pode ter um papel objetivo, na verossimilhança histórica, cênico, dando foco à harmonia de cenários e fotografia, ou simbólico, quando atua em parceria com a linguagem dramática.

    Quando penso em estilo masculino, as imagens se misturam, porque há uma profusão de homens elegantes, na telona, retratando várias épocas e comportamentos. Mas aquele que se sobrepõe, talvez porque ao longo de décadas mantém a mesma linha de postura, (ainda que seus trajes sofram variações de peças em destaque, modelagem e paleta de cores), é o famoso protagonista da série 007.

    Imediatamente penso em Tom Ford, o estilista que assina os ternos de James Bond (Daniel Graig), desde 2008 em Quantum of Solace. Em 007 – Operação Skyfall (2012), Bond exibe nada mais nada menos que um relógio Omega Seamaster Planet Oean, e sapatos Crockett & Jones Alex, além de abotoaduras e óculos escuros do estilista já citado. A paleta de cores resume-se ao preto, azul, cinza e branco, em composições totalmente clean.

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    Mas nem sempre esta modelagem mais ajustada ao corpo representou o estilo clássico e sedutor do agente, numa linha fashion. Na verdade, esse fashionismo começa a se desenvolver a partir de 007 – A Serviço Secreto de Sua Majestade (1969), com George Lazenby substituindo Sean Connery.

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    Com uma cromática mais diversificada e peças esportivas alternando-se aos ternos, o figurino começava a abandonar o terno acinturado e com dois botões que costumavam vestir Connery, desde sua primeira interpretação em 007 Contra o Satânico Dr. No (1962), num visual de padrão britânico.

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    Já quando representado por Roger Moore, entre 1973 e 1985, 007 usava menos o terno, dando preferência a blazers e jaquetas, e em seu look seguia uma paleta com predominância dos tons verdes e castanhos.

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    Após a aparência mais discreta com Timothy Dalton, voltando aos ternos (e blazers) mas dispensando frequentemente a gravata, para adotar o desabotoar dos dois primeiros botões a camisa, a figurinista Lindy Hemming adota para Pierce Brosnan, em 007 – Contra Golden Eye, o clássico corte italiano de Brioni.

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    E já que falamos em Tom Ford vestindo o agente dos mais recentes episódios da série, como não lembrar do figurino da década de 1960, sob a responsabilidade de Arianne Phillips (indicação ao BAFTA, nesta categoria), em Direito de Amar (2009), dirigido pelo próprio?

    Embora nos créditos apareça o nome de Phillips, e não haja como negar seu trabalho incrível, é impossível não reconhecer o “traço” de Ford nos impecáveis ternos do introspectivo personagem George (Colin Firth), de modelagem ajustada, com suas gravatas slim.

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    Ainda na onda de grifes famosas e seus estilistas, Giorgio Armani fez de George Clonney sua ferramenta de propaganda, com o personagem Danny Ocean, no filme Treze Homens e Um Segredo (2007), com Louise Frogley assinando os figurinos, o que repetiu com competência em Quantum of Solance, e Homem de Ferro 3 (2013) seguindo a mesma linha de ternos impecáveis para Dr. Aldricks Killian (Guy Pearce).

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    Em 1983, na obra de Brian de PalmaOs Intocáveis, Armani já vestira Al Capone (Robert de Niro), e Marilyn Vance recebeu uma nomeação ao Oscar de Melhor Figurino.

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    Três anos antes, em Gigolô Americano, Armani recorrera ao linho italiano para os ternos desestruturados, numa combinação de tons com grande diversidade, para vestir Julian Kaye (Richard Gere). Ainda que este corte marcasse mais de três décadas passadas, e se opusesse à ajustada modelagem dos conceitos contemporâneos (continuam a lapelas e gravata finas), permanece como opção de estilo para alguns homens, sem que se perca a elegância.

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    Se o foco é a elegância masculina no cinema, e a justa menção aos estilistas e figurinistas responsáveis por isso, torna-se impossível deixar de citar a premiada e nomeadíssima Sandy Powell, que arrebatou um dos Oscar vestindo os personagens de O Aviador (2004), ambientados entre as décadas de 1920 e 1940, onde a imagem e Howard Hughes (Leonardo DiCaprio) com ternos, smokings e jaquetas de primeira linha, desfila com extrema elegância.

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    Entre as nomeações de Powell está Sra. Henderson Apresenta (2005), no qual ela segue a mesma época, ainda que com menos glamour.

    Sua constante parceria com Martin Scorsese já a incumbira antes, de vestir Gangues de Nova York (2002) (mais uma nomeação), com trajes do século XIX.

    Uma das características das gangues, seja na arte cinematográfica ou na vida real, é a identificação simbólica através da forma de se vestir, funcionando como evidência de coesão do grupo e como legenda de suas “filosofias”.

    Em Amor, Sublime Amor (1961), filme riquíssimo por sua trilha sonora, fotografia e coreografia, Irene Sharaff assina o new look que veste os Jets e os Sharks, com um padrão harmônico e colorido.

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    O Oscar de Melhor Figurino (entre os 10 que o filme recebeu), não foi o primeiro de Sharaff, pois ela já havia conquistado outro em 1951, com Sinfonia de Paris. Além da excelente verossimilhança com a época retratada, a harmonização com os cenários é simplesmente incrível! O que se pode admirar com mais precisão na longa sequência final, protagonizada por Gene Kelly e Leslie Caron, e observar que Gene começa e termina com calças mais soltas , mas camiseta colada ao tronco, além da uniformidade do peto cortada pelo branco das meias. Décadas depois, Michael Jackson viria a repetir esta combinação.

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    A propósito de gangues, quem não lembra dos excêntricos figurinos vestidos pelos Drugues em Laranja Mecânica (1971)? Claro que iria além da ousadia copiá-lo na íntegra e desfilar pelos espaços urbanos, mas elementos de referência, como a bengala, os suspensórios e o chapéu de coco, cabem perfeitamente ao estilo mais irreverente.

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    Milena Canonero começa aqui sua colaboração com Stanley Kubrick, voltando a trabalhar com ele (em parceria com Ulla-Britt Soderlund) em 1975, no filme Barry Lyndon, quando ganha seu primeiro Oscar, seguindo-se O Iluminado (1980) e o brilhante trabalho em Maria Antonieta (2006). Entre estes dois, Carruagens de Fogo (1981) mostra-nos com autenticidade os uniformes usados pelos atletas, naquela época (Jogos Olímpicos de 1924, em Paris), mas tem também os blazers em tons escuros, as gravatas finas e os cardigãs bem ao estilo britânico. Vale ressaltar que Canonero em 2014 levo o Oscar por O Grande Hotel Budapeste.

    Quando se fala em parceria direção/figurino, estabelece-se quase obrigatório lembrar de um look com formas simples e cores neutras, numa linha minimalista, como aquele que Betsy Heimann nos apresenta em Cães de Aluguel (1992) e Pulp Fiction – Tempos de Violência (1994), do diretor Quentin Tarantino.

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    Recentemente você deve ter ouvido por aí a palavra “hipster”, e talvez tenha se perguntado que moda é essa. Então… hipster não é moda! Hipster é um estilo que foge da moda! É um resgate de alguma peças retrô, numa composição quase certinha mas não alinhada.

    Ela (Her, 2013) sob a direção de Spike Jonze nos traz um mundo de tecnologia futurista, através da qual se cria a existência de um OS (sistema operacional) com inteligência e personalidade, pelo qual (neste caso com a voz feminina de Scarlett Johansson, no papel e Samantha) Theodore (Joaquin Phoenix) se apaixona.

    Theodore é o típico hipster! Como pontos fundamentais deste estilo, ele apresenta o bigode não aparado, os óculos de armação grossa, as camisas xadrez… as calças de alfaiataria, de cintura alta lançam uma nova tendência e até Brioni já aderiu a esta modelagem… outros pontos marcantes são as gravatas borboleta, os sueters e os blazers.

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    Claro que há muitos outros filmes em que os figurinos exaltam a narrativa, de forma a tornarem-se objeto de desejo de sua plateia, mas espero ter acertado naqueles que selecionei, já que questões de espaço e tempo me obrigam a reduzir a lista!

    No entanto, para finalizar, não posso deixar de visitar a década de 1950, que lançou a moda de uma peça que é uma das mais consumidas no mundo. Estou falando do jeans!

    Por ser uma lona resistente e de baixo custo, seu uso (em calças) foi adotado para a lida nas minas e nas fazendas, como criação de Levi Strauss, ainda no século XIX. Esta peça desfilou pela primeira vez nas passarelas, por volta dos anos 1970, através do estilista Calvin Klein.

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    Eu disse 1970?

    Calma! Estou me referindo às passarelas!

    No cinema, o jeans já havia representado um símbolo de revolução no comportamento masculino, quando Marlon Brando James Dean levaram às telas a rebeldia de seus personagens, quebrando padrões que inspiravam os homens e provocavam suspiros ao universo feminino.

    Stanley Kowalski (Brando) em Uma Rua Chamada Pecado (1951), transpira sua sensualidade (ainda que sob um comportamento um tanto grosseiro) na camiseta justa acompanhada pela calça jeans.

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    Em Juventude Transviada (1955), dirigido por Nicholas Ray e com figurino de Moss Marby, Dean (Jim) encorpora um jovem descolado e lança, definitivamente a febre da t-shirt, o blue-jeans, e a jaqueta de couro, peças que, até hoje, são imprescindíveis em qualquer guarda-roupa!

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    Texto de Autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | A Nação Que Não Esperou Por Deus

    Crítica | A Nação Que Não Esperou Por Deus

    A Nação Que Não Esperou por Deus 1

    Retornando ao cenário de Brava Gente Brasileira, a diretora Lúcia Murat, acompanhada de Rodrigo Hinchsen, registra a rotina dos membros da tribo Kadiwéus, começando por uma fala sobre a intervenção do Divino na criação dos homens e na distinção de poder ocorrida entre os brancos europeus e as tribos indígenas brasileiras, que insistem em viver suas vidas ao modo de sua própria cultura, amalgamada com alguns costumes e ditames modernos. A Nação Que Não Esperou por Deus esmiúça os rastros do sincretismo religioso que predominou no Brasil colonial e que ainda hoje encontra resquícios na população.

    Lúcia narra alguns pedaços da fita, relembrando as experiências da feitoria do filme de 2000, comparando suas sensações com as descritas por Levi Strauss ao também encontrar os Kadiwéus, por ver que a obra superou quaisquer expectativas prévias suas, emocionando-a ao ponto de faze-la voltar ao lugar que antes usou como base para seu longa ficcional, fato não tão comum em meio a sua filmografia.

    O mote de A Nação Que Não Esperou por Deus é a discussão sobre a posse das terras, onde habitam os descendentes dos antigos Kadiwéus. O espaço no Mato Grosso do Sul foi cedido há muito tempo ao povo, e as terras sofrem atualmente questões complicadas de litígios, graças a fazendeiros que tentam legalmente ganhar os direitos de residência no local, via disputas judiciais desiguais, uma vez que eles têm um poderia financeiro bem maior o dos nativos.

    O escopo utilizado na investigação fílmica inclui momentos de amenidade também, não só flagrando momentos difíceis das tribos, até para emular a realidade e rotina dos descendentes dos nativos. É curioso notar como é a relação entre os atores que fizeram parte do elenco de apoio de Brava Gente Brasileira, analisando como é a vida privada destes.

    As câmeras registram um acordo feito entre as lideranças das tribos e os pecuaristas, que buscam um armistício, que num primeiro momento é respeitado, mas com o tempo, passa a ser desrespeitado, em alguns momentos agindo até com desfaçatez, sem esconder os rastros de ilegalidade, manuseando arrendamentos e apropriações por parte dos agentes da pecuária sem qualquer receio de ter a justiça contra si, uma vez que seriam eles bem mais ligados aos barões da lei, mesmo que as lideranças indígenas fosse bastante versadas na cultura e direito brasileiros.

    O viés escolhido por Murat em A Nação Que Não Esperou por Deus é o de não concluir os temas, e apesar de obviamente pender para a defesa dos Kadiwéus, não há uma demonização dos homens brancos, tampouco há qualquer resquício de maniqueísmo tolo ao tratar das condições de vida dos remanescentes da antiga cultura, que até por não se vitimizarem, não são dignos de qualquer coitadismo. A cena que encerra o documentário e mostra os créditos é prodigiosa em remontar a modernização pelo qual sofreu aquele povo, sem deixar seus costumes de lado, mantendo viva e acesa identidade cultural dos mesmos.

  • Crítica | Ex-Machina: Instinto Artificial

    Crítica | Ex-Machina: Instinto Artificial

    Ex Machina - Poster

    “Life perpetuates itself through diversity and this includes the ability to sacrifice itself when necessary. Cells repeat the process of degeneration and regeneration until one day they die, obliterating an entire set of memory and information. Only genes remain. Why continually repeat this cycle? Simply to survive by avoiding the weaknesses of an unchanging system.” (Puppet Master)

    O diálogo acima referenciado ocorre quando Puppet Master, ao encontro de Major Kusanagi, nos faz refletir sobre o conceito de vida e, principalmente, o que é estar vivo. Essa é uma das grandes questões levantadas em Ghost in the Shell (1996) – filme a que pertence o diálogo acima referenciado -, Blade Runner (1982) e em diversos outros trabalhos cinematográficos e literários de ficção científica ao longo da história. Mais uma vez, é hora de revisitar tão importante e histórico questionamento, mas dessa vez essa questão nos é posta em Ex Machina (2015), filme dirigido por Alex Garland (roteirista de filmes como Dredd e Extermínio).

    O cenário para a história se passa em um futuro próximo. O jovem programador Caleb Smith (Domhnall Gleeson) é selecionado para participar de uma visita de uma semana à casa do CEO da empresa que trabalha, Nathan Bateman (Oscar Isaac), uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. Vivendo em uma casa isolada nas montanhas, Nathan convida Caleb a participar de um experimento diferente: Caleb teria que aplicar um teste de Turing em uma androide desenvolvida por Nathan, Ava (Alicia Vikander) com intuito de determinar se a inteligência artificial de Ava pode ser comparada (ou se é melhor) à de um humano.

    Nathan é um gênio alcoólatra e recluso. Caleb é um jovem inteligente e ingênuo. Ava é uma androide. Basicamente esses três personagens sustentam sozinhos todo o filme em um ambiente claustrofóbico, onde o silêncio dos personagens reverbera em seus pensamentos. Quem mais sofre com isso é Caleb, pois quanto mais se aproxima de Ava, mais ele começa a duvidar sobre si mesmo e o mundo à sua volta. Afinal, o que é estar vivo?

    A atuação de Alicia Vikander é visceral à medida que confere profundidade em sua personagem androide.Vikander é sutil e cria uma linha tênue para Nathan, Caleb e todos os espectadores ao refletir sobre a condição de Ava. Ao mesmo tempo que ela claramente não é humana, sua representação do medo, sonhos e esperanças são precisos e praticamente naturais. Nathan e Caleb são brilhantes e carismáticos, com personalidades profundas e interessantes, mas ainda assim não tão profundos quanto Ava, que nos faz ficar inquietos e ansiosos com suas nuances de personalidade.

    Ex Machina não pode ser considerado um thriller de ficção científica mainstream. Muito pelo contrário, é um filme reflexivo e provocante do começo ao final. A mistura de liveaction e CGI, a trilha sonora inquietante e a fotografia impecável fazem com que seja um filme importante na ficção científica contemporânea.

    Sua conclusão acompanha perfeitamente o compasso de toda a obra. Toda a informação que acumulamos em uma vida é apenas uma gota em um oceano de informação, de modo que, talvez, uma criatura que consiga coletar mais informação e guardar por mais tempo possa ser considerada mais do que humana? Ainda nos inquietamos com esses questionamentos e continuaremos a nos inquietar se dependermos de ficções científicas tão excelentes como Ex Machina.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | God Help The Girl

    Crítica | God Help The Girl

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    Baseado num álbum produzido, escrito e composto por Stuart Murdoch (Belle e Sebastian) em junho de 2009, God Help the Girl é um daqueles musicais que trazem um escopo sonoro próprio, detalhe que ajuda significativamente em criar uma identidade para a produção. O filme não tem o esmero na coreografia que os clássicos de Hollywood têm, nem é adaptação de peça da Broadway, mas encontra seu caminho engatinhando entre elementos que compõem essas dois aspectos. O Carisma e o visual de Emily Browing nas performances dão o clima IndiePop da produção.

    Produzido via crowdfunding no Kickstarter e lançado em 2014, o filme inicia com uma conversa entre duas pessoas sobre música. Você não sabe exatamente do que se trata, até que o escuro desaparece e percebemos que é um rádio tocando, daí sim esse musical abre com uma bela música interpretada pela belíssima Eve (Emily Browing) que parece estar fugindo de algum lugar à surdina. Ela encontra James (Olly Alexander), um músico amador que dá abrigo para a garota que passa mal durante um show em Glasgow. Mais tarde esses dois se juntam a Cassie (Hannah Murray), para quem James dá aulas de música e formam uma banda, ou algo que você pode relacionar com uma banda.

    As primeiras músicas dizem mais sobre o progresso da história do que os diálogos expositores entre os personagens. Podemos sentir que até certo ponto cada uma delas é maior que a outra, como se estivéssemos ouvindo uma única corda e acrescentando as outras progressivamente. Elas falam unicamente de Eve, que a todo o momento é o centro da história. Existe uma fragilidade na personagem que vemos em maior ênfase em uma das cenas, porém a escalação de Browing para o papel deixa essa característica muito mais acentuada nos olhares, gestos e na maneira que algumas vezes ela é sempre filmada acentuando a sua altura, que é visivelmente menor em relação a qualquer outro ator no filme. Ela em si é tão fantástica que não parece existir. Convida-se a vida de James e Cassie como um catalizador de um desejo comum entre eles; fazer música. E é nessa tomada que vemos como as faixas e a forma como as cenas musicais são dirigidas passam a crescer, tudo ali é surreal mesmo com o pé no chão. Os instrumentos á mais aparecem do nada e os cortes ficam mais livres para dar espaço para coreografias simples e divertidas entre eles.

    A história proposta pela produção é muito simples, brinca com alguns clichês românticos entre as cenas, além de envolvê-la em algo juvenil pela ausência de figuras de autoridade ou paternas para guiar os protagonistas. Eles mesmos fazem seu caminho e tomam decisões. Como um dos personagens mesmo diz o filme parece “ser algo bem pretensioso, mas um bom pretensioso”. Existe uma discussão ao final sobre o que é fazer algo simplesmente por diversão e o que acontece quando uma das pessoas acaba levando tudo a sério demais. Em parte ela sustenta o filme todo levando em consideração que o próprio Murdoch provavelmente não irá dirigir mais nada depois disso, fazendo God Help The Girl parecer um sonho especial:  doce, agradável, e que deixa sua trilha ecoar nos ouvidos.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Insurgente

    Crítica | Insurgente

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    Segunda parte da trilogia escrita por Veronica Roth, a sequência de Divergente, lançado há apenas um ano, chega aos cinemas revelando a urgência de produções-pipoca com bilheteria garantida, mesmo que uma trama sem fôlego seja um ponto crítico.

    Como resumo dos fatos anteriores, um vídeo institucional em que a líder, Jeanine Matthews (Katie Winslet), apresenta ao povo, pontua os preceitos básicos desta série distópica na qual a sociedade é divida em facções de acordo com os dominantes psicológicos de cada um: altruísmo (abnegação), amizade (generosidade), audácia (coragem), franqueza (sinceridade) e inteligência (erudição). Entre eles, há quem não se encaixe em nenhuma destas categorias: são os Divergentes, considerados párias por não se adequarem às divisões da sociedade, e por isso são retirados do sistema.

    A trajetória de Tris segue em Insurgente com maior pressão psicológica pelos fatos sucedidos anteriormente. A personagem compreende que representa uma exceção dentro de seu universo, mas não sabe como agir de fato para modificá-lo. Difícil não equipar esta heroína com a personagem central de Jogos Vorazes, Katniss Everdeen. Afinal, narrativas contemporâneas focadas em futuros distópicos com jovens como grandes salvadores têm sido uma tendência literária e, por consequência, cinematográfica. Katniss e Tris possuem personalidades distintas, mas a composição de Tris é feita de maneira menos intensa do que a da outra franquia, resultando em uma empatia proporcional ao carisma e urgência que a atriz Shailene Woodley trabalha em seu papel.

    Tris não soa como uma ameaça urgente ao sistema de governo como Katniss, bem como seu povo parece satisfeito com o sistema de facções. Sendo assim, uma eventual mudança parece seguir mais a vontade interior da garota e do grupo de Divergentes do que um aclame geral da população. Reconhecendo que a personagem central tem pouco carisma, Roth e, consequentemente, os roteiristas Brian Duffield, Akiva Goldsman e Mark Bomback desenvolvem uma intriga sobre um artefato antigo que traria uma mensagem dos fundadores. Porém, para abri-lo é necessário a presença de um divergente. É natural que a única pessoa capaz de abrir o dispositivo seja Tris. O elemento de predestinação é mais um argumento que prova a falta de força desta história que precisa de um incentivo extra para criar conflitos entre os supostos bandidos e mocinhos.

    Mesmo este conflito com uma possível mensagem reveladora é estranho, pois a princípio a garota deseja destruir o artefato e depois desvendá-lo, mesmo que para isso quase perca a vida. Além do argumento frágil, as cenas de ação são bem simples, sem nenhum bom aproveitamento do recurso da terceira dimensão, além dos óbvios e já intoleráveis ângulos de cena que explicitam a imersão com objetos indo de encontro a tela. Mesmo com uma boa verba para produção, nenhuma cena de ação se destaca, e a bonita e potencialmente interessante cena do pôster nem mesmo está presente, sendo uma provável boa cena cortada da produção.

    De qualquer maneira, a última parte está em fase de adaptação para os cinemas e, seguindo a tendência atual, será dividida em duas partes, exibidas uma a cada ano. Difícil saber se haverá tanta história necessária para a produção de mais dois filmes, visto que nesta segunda parte há um vazio que enfraquece ainda mais a trajetória da personagem principal e seu grupo divergente.

  • Crítica | Uma Longa Jornada

    Crítica | Uma Longa Jornada

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    Um cowboy com flores nas mãos (filho de Clint Eastwood, dos faroestes brutos de Sérgio Leone). Mesmo no filme, todos debocham da suavidade de uma postura tão masculina devido a quebra de expectativa pelo buquê que carrega. Qual o destino do objeto, ninguém se pergunta ao longo da caminhada que, logo no início de Uma Longa Jornada resume o espírito do filme. E muito, tomando cuidado para ser tão fiel a obra quanto ao público, acostumado aos romances aguados e transgressores de um escritor mais adorado e famoso no cinema que John Green, de A Culpa é das Estrelas. Visões assexuadas, estilo Disney anos 50, e livres de quaisquer responsabilidade com a realidade que filmes como Superbad ou Juno possam carregar – ou não. Livros, filmes ou peças como Cinquenta Tons de Cinza, o suspense O Nevoeiro, ou esse, traduzido a partir do livro de Nicholas Sparks, é tudo uma questão de escolher o público e como defender esse público mostrando só o que já leram antes, esperando uma história que evoca a princesa e o príncipe em cada um.

    Todo o “mais” injetado para o livro fazer sentido no Cinema é audácia, é coragem de artista. Mas surpreendente, mesmo, é sentir quando o óbvio e o previsível conseguem ajudar ao invés de atrapalhar uma história semelhante a Romeu e Julieta, ainda que autossuficiente e bem realizada. Sparks é o tipo de escritor que gosta (ou apela a) narrativa epistolar, ou seja, uma trama costurada por cartas, de relato em relato. Aqui não é diferente, remetendo ao passado e a possibilidades do tempo presente, com reviravoltas e camadas sensíveis que não desviam nosso foco do casal principal (tipo o de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, duas pelúcias). Só que o filme perde a chance de discutir e apenas sugere, pincelando de leve, leve até demais, os valores de um relacionamento ontem e hoje, sem reflexão a partir disso – o que tampouco me parece seguro afirmar que o livro provoque, aliás. Revisões podem valer a pena!

    David O. Russell é um bobo. O cineasta quer ser Martin Scorsese esquecendo de ser ele mesmo, todo mundo sabe, só que em O Lado Bom da Vida, também oriundo dos livros e alfarrábios, registra timidamente o que Uma Longa Jornada tenta, e quase consegue: A dificuldade de expressar os sentimentos num mundo muito ocupado pra assuntos sentimentais. Se no filme de 2012 isso se dá devido ao esforço de vencer uma competição de dança, e a intensidade da vida dos personagens, aqui é o desafio de convencer que uma relação inocente, em tempos líquidos e instáveis, de acordo com Zygmunt Bauman e outros pensadores, pode dar certo. Será? Que o filme se orgulha de ser inofensivo é evidente, e é justamente nisso, nos sorrisos iluminados pela fogueira na floresta num primeiro encontro, que a história tenta provar que vale a pena amar. Lindo, né? Que garota iria pra uma floresta a noite num primeiro encontro? É o caráter do nosso cowboy que explica o porquê. Mais lindo ainda, não? (Suspiros, por favor)

    E nada de trilha-sonora para pintar o quadro; aqui, a música é só a moldura – complemento. No fim, o filme só e orgulhosamente nos quer passar a sensação do primeiro beijo, aquele que a gente não esquece depois de mil lábios contra os nossos. Como se não bastasse, durante esse frescor, quer contar uma história da forma mais digna possível sem ofender quem já possui uma inteligência e sagacidade emocional mais refinada (Se 2 horas são necessárias pra isso, já é outra história). Uma Longa Jornada não para saber se o casal vai acabar junto, mas o que vai ocorrer antes de acabarem juntos, o que impede que nosso interesse pela história seja linear e não sofra digressões.

    Um caminho extenso para quando só nos bastava sentar na praia e imaginar um futuro lenitivo aos males do mundo, para também nos orgulharmos de fotografar o que nos conduz ao bem-estar e descrever os momentos no diário, ou postá-los no Instagram, ostentando em ambos os casos nossa capacidade de amar e sermos amados. Um dos filmes Beatles de 2015, de graça inesperada.

  • Crítica | Meu Passado Me Condena: O Filme

    Crítica | Meu Passado Me Condena: O Filme

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    Começando pelo processo civil de casamento, entre as personagens Fábio e Miá, executados por Fábio Porchat e Miá Mello, Meu Passado Me Condena: O Filme emula as mesmíssimas características de outros filmes de derivados da programação da Multishow, como Cilada de Bruno Mazzeo, ao usar os nomes dos interpretes nas personagens e claro, se valendo também da mesma miscelânea de piadas  forçadas e reprisadas, provenientes da versão televisiva.

    A direção de Julia Rezende se vê diferenciada da abordagem televisiva, no tocante a fotografia e direção de arte, levemente superiores a maioria dos filmes da Globo Filmes. Ao contrário do descompromissado seriado, o background do casal é mostrado em intimidade, com revelações até sobre as profissões de ambos. O roteiro de Porchat, Tati Bernardi e Leonardo Muniz é levemente mais inspirado do que os produtos anteriores, se passando antes do visto na programação do canal, ainda que haja claras contradições entre um e outro, inclusive com reciclagem dos personagens de Suzana (Inez Viana) e Wilson (Marcelo Valle), que deixam de lado a funcionalidade na pensão da serra para exercer seus papéis no cruzeiro, que obviamente inclui uma amizade cheia de alto e baixos entre os quatro caracteres.

    O script recorre a piadas sobre trocas repetitivas de roupas, da parte da esposa e claro, a exploração do passado da mulher, repleto de surpresas por conta do total desconhecimento do casal recém enlaçado, com a presença do pomposo ex-namorado de Miá, Beto Assunção(Alejandro Claveaux), que concentra na sua atual mulher, Laura (Juliana Didone) um oásis de desejo e luxúria, que relembra o passado de Fábio também.

    Mesmo com os esforços de Rezende, toda a trama e abordagem faz lembrar os filmes de Roberto Santucci e demais outros diretores genéricos do estúdio. O romance bobo ao menos tem em sua base uma química que já se provou mais do que eficaz, e que sobrevive mesmo com as tiradas repetitivas e com os clichês de comédias de erros, exibindo uma interação que não abraça somente a docilidade típica dos romances engraçadinhos estadunidenses.

    Meu Passado Me Condena: O Filme é uma viagem a intimidade de um casal comum, sem nada de absolutamente novo, mas que consegue não reunir todos os terríveis defeitos dos últimos filmes humorísticos malfadados de Fábio Porchat, ainda que o final reúna mais uma quantidade grande de sequências bregas e soluções fáceis, artifícios típicos de filmes feitos a toque de caixa, para suprir a demanda de um público fútil e idiotizado.

  • Crítica | Acordes do Coração

    Crítica | Acordes do Coração

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    Kandinsky disse que o Artista que não exerce sua arte é um escravo preguiçoso. Repetir mecanicamente algo até esquecer que já está fazendo há horas é a vida de qualquer pessoa dedicada a seja lá o que for É essa dedicação que vemos desde a escolha do pequeno Paul Boray (John Garfield) ao violino ao invés de um taco de baseball nos primeiros minutos de Humoresque (Acordes do Coração, no Brasil). A peça de Antonín Dvořák dá título ao filme, dirigido por Jean Negulesco, e é o primeiro nome que me vem à lembrança quando penso em um romance clássico de Hollywood. Não só Joan Crawford e John Garfield estão em performances memoráveis, mas as marcantes passagens musicais conduzidas pela orquestra nem sequer são percebidas como um recurso individual: ela é uma personagem viva e forte que dá o tom e vida às relações humanas desse filme, percorrendo trechos de Tristão e Isolda de Wagner, CarmenTchaikovsky, entre outras obras interpretadas por Isaac Stern e conduzidas e compostas por Franz Waxman.

    Trata-se de uma história muito simples; o violinista Paul Boray, com o desejo de ajudar sua família, conhece a rica patrona das artes Helen Wright (Crawford), que lhe apresenta as pessoas certas e consegue a oportunidade que Paul precisava para provar ser um grande violinista. No meio de tantas coisas boas, o músico acaba se apaixonando pela forte personalidade e beleza de Helen, que é casada.

    Com diálogos afiados de ironia e cinismo, é difícil perceber que suas duas horas de duração passam como um sopro. O diretor pouco deixa a câmera passear entre as cenas ou se estender em longas tomadas em silêncio. Na verdade, Humoresque se atenta em estar dinâmico a todo momento fazendo uso de fade ins e fade outs para manter as passagens de tempo presentes na história, mas não lhes tirando o foco da mesma. Ele igualmente realça o dinamismo das cenas com certo preciosismo nas escolhas dos diálogos e gestos que cada um dos personagens mostram em suas interpretações.

    O trabalho de Oscar Levant como Sid, o pianista falastrão que possui as melhores sacadas do filme, e de todo o elenco de apoio só acrescenta na qualidade dos diálogos e na imersão que o filme produz. Paul Cavanagh, o marido de Helen, aparece em apenas três diálogos, e você compreende perfeitamente a condição de pessoa já amadurecida e sem rumo que ele transparece. O filme é todo fotografado desde seu início com certa sobriedade, que me lembra do cinema noir, principalmente pelos diálogos. Mas é na escuridão da maioria dos cenários que é possível absorver esse tipo de atmosfera, principalmente nas cenas em bares.

    Mas apesar de tudo isso, a tragédia é o maior tema desse romance impossível. Na verdade trata-se de um triângulo amoroso entre um homem, seu violino e uma mulher… e o violino vence. Artistas acabam dedicando suas vidas a fazer algo muito maior que o próprio viver, pelo simples desejo de fazer. Isso torna todas as coisas horrivelmente simples, com causa e efeito. E Joan Crawford é eternamente marcada como o mais doce sonho intocável que se esvai aos poucos, deixando suas pegadas na história do cinema com essa melodia em preto e branco.

    É certamente atemporal.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Phoenix

    Crítica | Phoenix

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    Nina Hoss dá vida à bela Nelly Lenz, cujas feições singelas foram “modificadas” quando encarcerada no campo de concentração nazista na Segunda Guerra Mundial. As ataduras que cobrem seu rosto escondem cicatrizes que fizeram de si um monstro sob a superfície da pele, com curativos que escondem suas dores, tanto no ego quanto na carne. Em Phoenix, filme de Christian Petzold, a melancolia é valorizada como um sentimento nobre, fruto do torpor das vítimas do Holocausto.

    A retirada dos curativos revela uma mulher desconfigurada, com medo e receio de encarar de frente o mundo, não encontrando sequer a própria identidade ao se olhar no espelho. O sentimento tem a função de resumir os malefícios que o descaso dos arianos causou no povo judeu, quando o deboche e a redução, tanto da população quanto da religião em si, eram aspectos absolutamente subalternos diante do genocídio e da limpeza étnica promovidos. Os acontecimentos que não traziam a morte não deixavam de ser tão assustadores quanto os que puseram fim em tantas vidas, ao contrário, fortaleciam a sensação de que os sobreviventes eram na realidade mortos viventes.

    A readaptação de Lenz à vida normal é feita de modo bem vagaroso, assim como seu retorno ao convívio com os que lhe eram caros no passado. O reencontro da moça com seu antigo marido, Johannes ‘Johnny” (Ronald Zehrfeld), é feito de um modo bastante emocional, agravado quando ele não a reconhece graças aos ferimentos no rosto de sua cônjuge. Aos poucos, ambos retomam uma relação, mas de modo bastante diferente do que ela esperava, reconstruindo todo o desconcertante casamento apesar de todo o teatro arquitetado pelo par masculino.

    A discussão presente no roteiro de Petzold aborda o horror e barbárie dos nazistas, mas em momento algum dá valor ou voz aos opressores, pelo contrário: a jornada de edificação é exclusiva dos personagens que tiveram seus direitos e liberdades cerceados. A evolução de caráter e de carisma visa reconstruir uma vida digna, como uma reforma faz em reerguer uma casa. O espectro de restabelecimento sentimental e moral é visto pelos que estão em volta como algo negativo, fazendo um eco incrivelmente atual com a dificuldade que minorias secularmente segregadas têm de fazer valer seus direitos, excluídas às vezes até por seus semelhantes.

    Johannes e Lenz “sofrem” uma tentativa de reconciliação, acompanhados de alguns poucos  chegados, que presentes estão para assistir ao reenlace dos dois, mas que pragmaticamente nada têm a ver com os dramas vividos tanto pelo casal quanto pelas partes em separado. São apenas espectadores que se munem de uma hipocrisia atroz, a qual em suma revela a fraqueza de sua índole. O canto de Lenz libera a aflição de sua alma, e incrivelmente só encontra reverberação no rosto do “marido”, com um enfoque especial da câmera em cada expressão facial deste, embasbacado por ter percebido a verdade tão tardiamente.

    O resultado final de Phoenix é um retrato sensível da parte de um realizador alemão, que assume para si a culpa pelos atentados aos inocentes nos anos 1930 e 1940, tomando o pecado nacional como se fosse exclusivamente seu. Algo semelhante ao sacrifício na crucificação de Jesus Cristo, perdoando os descendentes da antiga Alemanha nazista. O tom poético do filme presenteia a plateia, mas faz ainda mais sentido àqueles que, ou sofreram as agruras do Holocausto, ou guardam em seu sangue a marca da barbárie imposta aos povos de origem semita.

  • Crítica | Minions

    Crítica | Minions

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    Meu Malvado Favorito foi uma grande surpresa de público, e provavelmente nem os mais otimistas acionistas da Illumination Entertaiment — produtora que, além da franquia composta pelos Minions e o malvado Gru (Steve Carrel), possui apenas filmes de público médio-baixo em seu currículo — imaginariam. Fora o sucesso de público, que alcançou seu ápice com Meu Malvado Favorito 2 e seus retumbantes US$ 970 milhões alcançados mundialmente, e com a memeficação dos Minions, realizar uma prequel que explica como Gru encontrou seus capangas favoritos era questão de tempo.

    Apesar das animações de gosto duvidoso, o uso dos bichinho sem vocabulário é um acerto comercial de alto valor por parte do estúdio, pois trata-se de uma eficiente forma de comunicar-se com seu principal público: crianças pequenas. É obviamente um produto muito diferente de sua concorrente atual Divertida Mente, filme da Pixar com ambições muito mais elegantes e ousadas, e por isso mais restrita em público. Se a animação da Pixar foi capaz de fazer crianças chorarem com o desaparecimento de um querido personagem, Minions sequer arranha emoções muito profundas, ou mesmo uma profunda alegria.

    A aventura sobre a busca de um vilão mestre ao qual possam servir culmina no embate dos pequenos contra a vilã Scarlet (Sandra Bullock na versão original, e Adriana Esteves na dublagem nacional) e seu marido Herbert (John Hamm na original, e Vladimir Brichta na versão nacional), e busca desde o início incendiar-se feito rastilho, usando o característico déficit de atenção dos Minions para garantir que a cada período específico de tempo o cenário mude para um próximo e com ação ainda mais estridente. Esta estratégia é comum em animações que tentam seguir o ritmo de desatenção das crianças e falar a linguagem de seus espectadores, hoje acostumados com emojis e memes, seguindo para uma comunicação mais próxima do grunhido.

    Longe de lembrar a qualidade do humor físico de Looney Tunes e seus pares, a característica periódica dos acontecimentos pode afetar a a simpatia dos mais atentos, já que garante a certeza e previsibilidade de quase tudo o que se passa em tela, enquanto as piadas de duplo sentido, que têm os adultos como alvo, soam apenas enfadonhas e deslocadas.

    Assim, o ritmo não é frenético como se espera, e em comparação com a excelente trilha sonora — que passa por The Police e se concentra em The Beatles para ornar com o cenário —, falta harmonia entre as diversas notas que o filme gostaria de alcançar.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.