Categoria: Cinema

  • Crítica | Todo Mundo Em Pânico 5

    Crítica | Todo Mundo Em Pânico 5

      Td Mundo em Panico 5

    Após David Zucker passar o bastão da direção para Malcolm D. Lee – que teve momentos de alguma lucidez em sua filmografia –, a franquia Todo Mundo em Pânico chegou ao seu quinto volume, rivalizando em fórmula e conteúdo com a produção de Marlon Wayans Inatividade Paranormal, coincidindo, inclusive, com os objetos parodiados, utilizando a filmagem em primeira pessoa típica de Atividade Paranormal para começar sua fita. Em uma amálgama referencial a Two and a Half Men, a obra usa seu antigo protagonista Charlie Sheen para ter uma noite louca com Lindsay Lohan, num preâmbulo que esconde a real trama de Todo Mundo Em Pânico 5.

    As filhas de Charlie somem, e quando finalmente encontram-se as meninas, a guarda delas recai sobre Dan (Simon Rex) e Jody (Ashley Tisdale), que basicamente repetem as mil piadas físicas envolvendo brigas entre adultos e crianças, além de uma série de maus tratos e descuidos com os infantes.

    As referências a filmes de terror, como Mama, Invocação do Mal e O Último Exorcismo, além de Planeta dos Macacos: A Origem e o drama emocional de Cisne Negro, prosseguem, exibindo os dramas de Jody, com piadas repetitivas que comparam ballet com pole dance. O freak show envolvendo fantasmas e demônios continuam assombrando a existência do casal, sem qualquer condição de fazer o  seu espectador rir, piorando, e muito, o nível dos primeiros quatro filmes.

    A fita mistura elementos de A Morte do Demônio, A Origem e outros, ainda buscando uma identidade, não conseguindo arranjar uma linha narrativa minimamente aceitável, visto que todos os elementos que se somam ao drama de Jody são completamente dispersos de qualquer coesão ou estrutura dramatúrgica. Poucos dos momentos de humor conseguem ultrapassar a barreira simples da comédia, sequer divertindo o público acostumado com humorísticos rasgados.

    A saída de Zucker da direção, para este somente escrever e produzir o filme, exibiu um decréscimo considerável da qualidade, não tendo sequer o que funcionou nos outros Todo Mundo em Pânico. A completa ausência de predicados positivos faz os fãs mais ávidos por esse subgênero cinematográfico se perguntarem se o formato possui alguma chance de voltar a funcionar enquanto entretenimento, pois mesmo ao espectador pouco exigente este Todo Mundo em Pânico 5 não consegue agradar. Além disso, a obra contém em si a mais caça-níquel das continuações e não produz quase nada semelhante aos personagens criados por Buddy Johnson, Phil Beauman, Jason Friedberger, Aaron Seltzer. Shawn Marlon Wayans.

    A sensação de total perda de tempo invade o pensamento de quem assiste à fita até o final, piorando a perspectiva ao imaginar que poderão haver outros números como este. O alívio quase ocorre aos 74 minutos quando os créditos finais sobem, porém unicamente para serem interrompidos por pequenas cenas com as personas famosas que toparam participar da bomba.

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  • Crítica | Alien: O 8º Passageiro

    Crítica | Alien: O 8º Passageiro

    Pensado a partir da anárquica cabeça de Dan O’Bannon, junto a Ronald Shusett, o filme do novato Ridley Scott exibe um futuro sujo, com o espaço atuando como campo ideal para caminhoneiros maltrapilhos ganharem suas vidas. O veículo Nostromo leva 20 milhões de toneladas de minério, e seus tripulantes são pessoas absolutamente descartáveis, parte integrante de uma sociedade que mal olhava seus convivas, especialmente os das camadas mais populares, como os sete tripulantes.

    A versão de 115 minutos começa com a câmera sobrevoando a parte baixa da nave, como uma versão torpe de Guerra nas Estrelas, cujas tomadas são parecidas, mas com espírito diferenciado. A série de homenagens prossegue com os tripulantes levantando da hibernação, semelhante ao que é visto em Planeta dos Macacos de 1968. A arquitetura da Nostromo lembra o design das naves de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, assim como os painéis de controle têm a mesma tecnologia retrô.

    A nave é danificada e obriga os viajantes a ficar mais tempo na locação. Na estranha superfície, encontram um “recipiente” estranho. Dentro da nave, os exploradores veem uma criatura grande, alta, fossilizada, com os ossos para fora, num prenúncio do mal que acometeria a equipe de sete passageiros. A viscosidade das ovas, concebidas pelo artista plástico suíço (e louco) H. R. Giger, lembra elementos sexuais, como quase tudo envolvendo a “criatura”, associando a figura nefasta, anunciadora da morte, ao pecado moral do coito, resgatando mais um dos elementos comuns nos filmes de terror.

    Ridley Scott resgata a prerrogativa que Roman Polanski utilizou em Bebê de Rosemary, unicamente para pervertê-la em outros aspectos, apresentando a junção entre criaturas completamente diferentes, entre o homem e seu predador, com quase todas as consequências vistas no suspense em que o filho do Anticristo nascia. Entre as duas obras, há o foco na catástrofe e na inexorabilidade da existência do mal, além das enormes chances de que este vença com uma carga um pouco mais positiva do que a do filme de 1979.

    Uma das cenas adicionais mostra Ripley encontrando a base da criatura, com Dallas agonizando, envolto em uma substância gosmenta, à espera de que uma das ovas se choque, antecipando o que seria mostrado na continuação de James Cameron, o que desagradou a vontade do diretor. Esta cena extra simboliza a transição entre a figura sexualizada da mulher para um guerreiro em preparação, como um cavaleiro andante rumo ao combate contra um dragão bravo, ainda que não tenha certeza do êxito de sua empreitada. A mudança de gênero é feita de modo genuíno e orgânico. Porém, o terror não acaba nem ao subirem os créditos, nem mesmo com o tranquilo sono de hibernação da heroína de ação.

    A pontualidade da trilha de Jerry Goldsmith lembra o esmero utilizado em Nosferatu, com a mesma sinfonia de horror do clássico de F. W. Murnau, acrescida de um suspense atroz, proveniente das partes do filme que não possuem música. O silêncio é muito bem utilizado, fortalecendo a sensação de claustrofobia e extrema solidão tanto de Ripley quanto dos outros caçados.

    O último diário de bordo anuncia que Ripley foi a única que sobreviveu, emulando a característica dramática dos clássicos teatrais shakesperianos. A obra, após uma odisseia emocional, entrega um desfecho trágico, cuja sensação de alívio é dada somente a um dos personagens retratados, quando muito. Constatando a produção do filme e comparando-a às suas obras atuais, percebe-se que algo do talento de Ridley Scott foi sepultado também, tendo reprisado momentos tão bons somente em Blade Runner – O Caçador de Androides. Seus ângulos de câmera favorecem a avidez pela sobrevivência, que não atenua ou abranda qualquer sensação ruim para o seu público. Os closes em Weaver, após esta perceber não estar sozinha no módulo de escape, são um resumo de toda a ópera do medo que o diretor resolveu imprimir em sua fita, sucesso este fruto da bestialidade do roteiro unida às figuras grotescas de Giger. O impacto é maximizado em termos de espanto pela câmera inquieta do realizador, sua especialidade em redigir momentos em que o senso de urgência é o mote da história.

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  • Crítica | Tangerines

    Crítica | Tangerines

    A dicotomia presente nas relações de um país em guerra ajuda a fomentar a temática do filme de Zaza Urushadze. Tangerines – ou, no título original, Mandariinid – conta uma história passada no começo dos anos noventa, quando a Abcsaia buscava se desvencilhar do poderio exposto pela Estônia. Após uma quantidade substancial de conflitos, os habitantes da pequena aldeia se retiram de suas terras, procurando refúgio do conflito, buscando um esconderijo longe do lugar que um dia foi deles.

    A primeira figura humana focada é a de Ivo, vivido por Lembit Ufsak, um senhor de idade avançada que ainda vive naquele lugar a despeito dos conselhos das autoridades militares e até de sua própria vontade. Logo, o motivo que ainda o faz permanecer lá é revelado, após a busca por seu camarada Margus, interpretado por Elmo Nuganen. Na fazenda de Margus, há uma proeminente plantação de tangerinas, motivo do sustento da dupla, que garante a ambos uma extensão na estadia, ainda que a intenção de ambos a respeito da estada seja bastante diferente: Ivo quer permanecer, e seu amigo não vê a hora de evadir o local.

    A bifurcação ideológica mostrada entre o idoso e o agricultor resume duas posturas estereotipadas em relação à resistência à guerra como um todo, sem fazer um julgamento de valor exacerbado, não resignado – ao menos no início –, de quem está certo e quem não está. Os dois lados são postos em polos opostos, um mais contestador, preso às tradições locais, que busca a permanência como meio de existência e sustento; e outro muito contrário ao belicismo, acreditando que a preservação da vida, mesmo em outras instâncias, é mais importante do que demarcar território, não enxergando na localidade a definição de sua identidade, ao menos não de modo tão categórico.

    Os dias dos dois personagem se resumem a cuidar dos feridos em batalhas, realizando um trabalho filantrópico em um conflito que não é deles, nas casas remanescentes de ambos os lados, improvisando uma zona neutra em seu próprio lar. Os solitários habitantes da aldeia prosseguem unidos, apesar das óticas distintas e do crescente descontentamento de Ivo em assistir a uma tentativa de trégua em que algo tão trivial como as frutas cítricas é o principal trunfo pela paz.

    Um dos residentes da casa de Ivo é Ahmed (Giorgi Nakashidze), um mercenário checheno que busca fazer o maior número de vítimas entre os georgianos. O posicionamento de cuidado ao outro ferido, Miao (Misha Meskhi), que veio do lado da Estônia, obviamente o incomoda, mas a dívida de honra que tem com seus hospedeiros o impede de seguir seu rastro de sangue, tornando o seu inimigo em um alvo proibido e inalcançável. O lar dos homens pacíficos evolui da posição de zona neutra para um campo semelhante ao mostrado no desenho do globo na época da Guerra Fria, com direito a gracejos e deboches de ambos os lados, mas sem qualquer ação agressiva “factual”, o que garante alguns bons momentos de suspense moderado, motivado pela pacificação forçada.

    A tensão é construída sem maneirismos típicos do cinema comercial, com pouco uso de ângulos fechados e uma trilha sonora de ritmos típicos, sem o esforço emocional voltado ao lugar comum, o de massificar o suspense com acordes dissonantes. Tangerines é um drama antibélico que faz uma crítica ao viver da guerra a partir da experiência dos que mais sofrem tais ações, com um forte argumento de desaprovação, semelhante ao visto em Glória Feita de Sangue, de Stanley Kubrick. A obra também tem uma revisão da temática da covardia, mostrando a estafa da comunidade ante os sucessivos conflitos, que pouco ou nada resolvem a questão territorial.

    Em pouco menos de 90 minutos, o filme de Urushadze consegue mostrar toda a crueldade da luta armada e a ilógica situação de conflito. A paz seria facilmente alcançada se os lados que teimam em se digladiar pudessem conviver um breve tempo, sem a necessidade de pelear um contra o outro.

    Após mais uma das muitas mostras do quão estúpida e incoerente é a guerra, Ivo decide mudar sua postura, prestando respeito aos que se foram, relembrando as baixas que são tratadas pelos guerreadores como efeitos colaterais e que, aos olhos dos vitimados, são pessoas, entes queridos, seres tão dignos da preservação da vida quanto qualquer poderoso engravatado que não reflete sequer uma vez antes de comandar um ataque massivo e agressivo. O filme excessivamente trata do embate militar para valorizar o estado pacífico, sem esquecer-se do fator emocional e humano, tão ignorado na pós-modernidade e nos tempos de guerra.

  • Crítica | Dívida de Honra

    Crítica | Dívida de Honra

    Divida de Honra 1

    O revisionismo é um artifício comum no cenário cinematográfico, uma vez que os temas tendem a se esgotar dentro dos formatos e categorias de gênero. Dívida de Honra é acima de tudo uma reinvenção, tanto da carreira de seu diretor Tommy Lee Jones, com poucas realizações, apesar de ser um veterano com quase 50 anos de sétima arte, quanto na escolha e construção do ethos de seus protagonistas.

    Marie Bee Cuddy (Hilary Swank) é uma mulher resignada, cuja existência é pautada essencialmente emsua origem do Nebraska, fazendo dela uma pária em meio a um conservador e recrudescente Texas, que se torna ainda mais conservador e assustador para uma mulher sem marido. A pequena comunidade, composta por menos de uma dezena de chefes de família, se preocupa com sua subsistência, ante a escassez de bens básicos, inclusive alimentos, que rareavam graças à intensa seca, agravada pela permanência de três damas com problemas que as impedem de viver plenamente. Cuddy se oferece para uma jornada em busca de mantimentos em outras paragens, já que os poucos homens que restam na aldeia recusam o chamado aventuresco.

    Jones é o autêntico filho de sua terra: seu cinema quase sempre abarca o estado em que nasceu, como foi com Três Enterros e Os Bons e Velhos Companheiros, e com o remake ainda em pré-produção The Cowboys. Ainda assim, Dívida de Honra promete reavivar a chama de Era Uma Vez no Oeste – com uma Claudia Cardinale que se vale mais da força bruta do que de seu corpo voluptuoso –, além de apresentar um forte código ético, capaz de produzir mudanças em seres decadentes, como é o caso de George Briggs, um maltrapilho condenado à morte e à própria sorte, quase enforcado em árvores de galhos secos, no meio do nada.

    O personagem de Tommy Lee Jones é um anti-herói, mesclado ao arquétipo de herói falido. Sua honra é tão baixa que a submissão a um desígnio com poucas chances de dar certo não é sequer discutida. A repaginação de persona chega a ter uma comicidade, com a reversão da figura de homem forte, pondo toda a sua história como ator em pauta. Logo, Cuddy enxerga na fuga das três mulheres a melhor possibilidade para elas e para a aldeia, decidindo então cruzar o país entre os gemidos de suas comadres e o crescente temor de tornar-se semelhante a elas.

    A jornada segue invertendo as figuras de temor, substituindo a figura de fragilidade e inimizade dos índios nativos americanos, transformando-os em figuras ameaçadoras, diante da carência de chumbo, para revidar possíveis ataques. Mas o fôlego do filme se perde após a primeira hora de exibição, apesar do bom começo. A metade final reforça a carência e destempero da personagem principal, que em hora alguma se prova forte ou minimamente interessante, o que obviamente dificulta qualquer sentimento empático, facilitando a mudança de foco que ocorre na parte final da película.

    O forçado enlace entre a dupla de personagens centrais ocorre de modo tão engessado e robótico quanto a interação lasciva entre eles. A despeito da bela fotografia, direção de arte e de algumas boas cenas, especialmente as que retratam a desforra do homem forçadamente desonrado, quase não há momentos em que o espectador sinta-se compelido a importar-se com a história, mesmo contando as reviravoltas do roteiro que, em suma, revelam a necessidade de Jones de tornar-se protagonista da história que conta.

    O agridoce epílogo repete a vã tentativa de salvar Dívida de Honra da banalidade, mostrando o personagem sem passado, cuja única certeza é o fato de ter cometido um crime, tentando festejar e achar algum alento à sua miserável existência, que só teve algum momento de honradez ao final de sua jornada. O esforço não salvaguarda nada, nem faz a qualidade da fita subir. A dificuldade de Tommy Lee Jones em imprimir um ritmo interessante ao seu filme agrava o conceito em relação a sua direção, fazendo com que se pareça inapto no ofício, já que nem o interesse por parte dos fãs de western ele parece ter conquistado.

  • Crítica | Dólares de Areia

    Crítica | Dólares de Areia

    Dolares de Areia 1

    O nome acima dos créditos, de Geraldine Chaplin – a prolífica atriz, filha do mito cinematográfico Charlie Chaplin –, talvez engane a plateia sobre qual será o foco da produção dominicana Dólares de Areia. Acostumada a realizar filmes com o cinema de origem hispânica (Um Amor de Película, O Orfanato), ela interpreta uma figura que comumente habita a região praiana de Terrenas, utilizando o arquétipo da idosa turista que se vale de suas qualidades monetárias avançadas para viver como um membro da nobreza, em meio às condições paupérrimas da população em geral.

    A carência de Anne (Geraldine) é o campo perfeito para a atuação da protagonista feminina Noeli (Yanet Mojica), uma jovem moça de feições sensuais que se vale de sua malícia para seduzir a rica idosa, tomando para si o máximo de dinheiro e luxos possíveis, uma vez que o dinheiro “investido nela” certamente não faria falta, dada a pequena fortuna da longeva senhora.

    Terrenas guarda em si o arquétipo local de paraíso, lar da sensação de férias eternas, como uma colônia onde turistas gringos usufruem das benesses locais sem preocupações maiores, unicamente travadas pela – ainda assim pequena – possibilidade de contaminação com doenças venéreas. Não é exatamente este o caso de Annie, que se vê engodada e explorada, invertendo o paradigma de que o homem civilizado se aproveita da ingenuidade do bom selvagem, uma vez que é o casal formado por Noeli e o personagem de Ricardo Ariel Toribio que a assaltam de modo discreto.

    A verossimilhança do conto é fundamentada por sua base de análise. Adaptada de Les Dollars des Sables, do escritor francês Jean-Noël Pancrazi, a fita de Israel Cárdenas e Laura Amelia Guzmán guarda muitas semelhanças com a realidade, especialmente na aviltante situação de Noeli, uma das muitas meninas que dedicam sua vida à prostituição. O roteiro não trata a personagem como coitada, ao contrário, assinala o oportunismo emocional que ela pratica, exibindo através de sua sexualidade extrema uma malandragem poucas vezes vista em espécimes de sua idade. A beleza, contrastada entre os corpos nus das duas intérpretes, mostra uma realidade dicotômica, pondo de um lado a jovialidade da moça e as incômodas rugas e magreza extrema da sexagenária.

    Curioso é notar que grande parte das cenas de sexo foi suavizada antes do filme entrar em circuito, especialmente pela condição conservadora do público de países como Argentina e México, em exibições testes. O texto de Guzman e Cárdenas se vale do estado depressivo inerente ao final da vida, como a perspectiva da velhice como motivo de lamúria. No entanto, apesar da proposta ser bastante simples, em uma narrativa linear, para o grande público há a antiga questão da relação entre duas mulheres, que afasta mentes mais retrógradas das salas de cinema.

    Apesar de tocar em questões controversas, destacar uma fotografia que valoriza as belezas naturais de Terrenas e as belas curvas da estrela em ascensão Yanet Mojica, qualquer crítica ao estilo de vida, seja dos nativos ou dos turistas, somente arranha a superfície. Não que essa pareça ser a prioridade do roteiro. O aspecto de eterna contemplação ressalta o tédio, a frivolidade e demais condições típicas do cotidiano, que até são válidas, mas que são presentes em histórias muito menos inspiradas do que no escrito original de Pancrazi. A base da história é frágil, pouco sólida, quase justificando a associação da fita à tolice de construir e fundamentar residência na areia.

  • Crítica | James Brown

    Crítica | James Brown

    James Brown 1

    O começo da cinebiografia dirigida por Tate Taylor deveria emular o suingue e sensualidade de seu objeto de análise, com um Chadwick Boseman caminhando pelo backstage rumo a mais uma apresentação, onde o poder de sua música e a sua persona seriam mais uma vez testados e aprovados pelo público. Todos os fatos mostrados após a apresentação têm em comum as aparições meteóricas do Pai do Funk pelo interior de seu país e no Vietnã, motivando as plateias formadas por soldados ávidos por qualquer possibilidade de alento e de lembranças de casa.

    Boseman mergulha tão fundo em seu personagem que em alguns momentos soa caricato, já que o próprio James Brown gostava de apresentar-se como um personagem, como o arquétipo do negro que não teme em se pôr em pé de igualdade com os brancos. Tal característica é bem mostrada na revolta causada no cantor ao tomar ciência de que aquela não seria a última atração em uma noite de shows, nos idos dos anos sessenta.

    O método narrativo do roteiro de Jez Butterworth e John-Henry Butterworth, destacando os momentos distintos da vida e carreira de Brown, imita o modo dionisíaco e desregrado dos dias do cantor, cuja temporalidade se confunde com sua conturbada personalidade. Há um cuidado excessivo do roteiro em não parecer mais uma versão branca de um filme sobre negros, como foi acusado no lançamento do filme anterior de Taylor, Caminhos Cruzados. Demonstrar tal viés através de uma fala categórica no filme faz lembrar a obviedade das biografias assinadas por Ron Howard, dono do estúdio que produziu a obra.

    As origens, com a confusa família que abandonou James e o seu passado cristão pentecostal, são mostradas como a principal influência para a música que Brown criaria anos depois, repleta de metais e movimentos pélvicos. Acima de tudo, assinala-se a predileção de James em falar diretamente ao público negro, mesmo que em muitos momentos ele tenha que se dobrar aos desejos dos brancos, seja dos empresário e donos de gravadora, seja das plateias, servindo de brinquedo. É curioso notar como a edição de cenas funciona quase sempre com uma passagem em que mostra sua revolta com os “poderosos”, os quais impunham um estereótipo racial para depois mostrar um pouco do passado de sofrimento.

    O olhar de Boseman para a câmera emula a qualidade do cantor, portando-se de frente à multidão. Seu objetivo era entreter as plateias, especialmente as pessoas que sempre tiveram dificuldade em consumir qualquer produto cultural que tivesse amarras com as suas origens. Há outros reclames, ligados ao feminismo e à discriminação sexual, algumas vezes apresentados de modo natural, mas a maioria esmagadora das ações é bastante panfletária, o que deixa o centro da discussão mais pobre, apesar da grande importância do discurso.

    Ao mostrar os pecados de Brown, há uma complacência da câmera, que esconde o personagem antes das agressões que desfere em sua esposa, violência causada pelo machismo comum aos homens de sua época. A mensagem de integração acaba rivalizando com a figura de astro pop dividindo os holofotes da ribalta, em uma tentativa de exibir uma faceta mais política do ícone musical, sob um viés poucas vezes explorado pela mídia à época em razão da forte censura a qualquer manifestação do cidadão americano de pele escura.

    Os últimos 40 minutos são dedicados a explorar a luta de Brown contra seus demônios, figuras de seu passado, tanto os que colaboraram para seu sucesso quanto aqueles que abandonaram o cantor. O mergulho à mente do homem por trás do mito é um bocado atabalhoado, exibido de modo emocional e igualmente desequilibrado. O final acaba resumindo a maioria do filme, que carece de um ritmo minimamente condizente com as qualificadas fotografias e caracterizações da época. O formato, picotado entre as épocas de sucesso do astro, garante uma sensação semelhante a de uma montanha-russa sentimental, mas o formato ainda não estava amadurecido o suficiente.

    Apesar de ter alguns bons momentos com os personagens periféricos, especialmente com Nelsan Ellis como Bobby Byrd e Viola Davis interpretando a mãe do artista, falta um maior aprofundamento nos coadjuvantes para focar na boa atuação de Boseman, que segue enfraquecida graças à falta de estofo do cenário em volta do biografado. James Brown é um filme que contém momentos muito interessantes e inspirados, mas que conta com um formato problemático, deixando-o com um aspecto morno, nem quente e nem frio, cuja digestão normalmente é problemática tanto para o espectador mais incauto quanto ao anticonservador.

  • Crítica | Corações de Ferro

    Crítica | Corações de Ferro

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    Produzir épicos de guerra sempre foi uma especialidade de Hollywood. O gênero possui uma grande quantidade de filmes, tanto os mais clássicos que tentam retratar o lado heroico daqueles soldados que enfrentaram os campos de batalha, quanto os mais recentes, que enfocam os horrores aos quais esses seres humanos foram expostos e também os que estes cometeram.

    A cada nova tentativa de produzir um épico sobre a Segunda Guerra Mundial, tema tão batido, a indústria tenta trazer ao menos uma nova visão sobre algum detalhe, seja de uma história particular ou de um evento específico do conflito, afinal, poucos temas da história são tão conhecidos quanto este, e o risco de cair na vala comum é enorme.

    A produção dirigida por David Ayer, Corações de Ferro opta por seguir este caminho e traz para as telonas como era a vida da divisão de tanques nos campos de batalha. O filme conta a história de Don ‘Wardaddy’ Collier (Brad Pitt), um sargento que comanda um tanque americano M4 Sherman com o restante de sua tropa, Boyd ‘Bible’ Swan (Shia LaBeouf), Trini ‘Gordo’ Garcia (Michael Peña), Grady ‘Coon-Ass’ Travis (Jon Bernthal) e o novato Norman Ellison (Logan Lerman).

    O filme consegue produzir uma imersão dentro da batalha de forma eficiente, e em diversos momentos conseguimos captar como era a vida dentro de um tanque de guerra, em uma época em que tudo era rústico e feito manualmente, a habilidade humana era essencial para a vitória e, portanto, cada erro, fatal. A agressividade e intensidade da batalha são reais. A edição de som, com o metal a toda hora rangendo e gritando em razão dos movimentos e dos projéteis que os atingiam, garante uma excelente experiência de batalha sob um ângulo totalmente novo.

    Porém, quando se afasta disso, a obra enfraquece de forma considerável, pois cai nos diversos clichês de filme de guerra. O novato, por exemplo, mal tratado pelos veteranos por não ser capaz de realizar as duras tarefas que a guerra exige, ao mesmo tempo aprende em alguns minutos a lidar com as perdas que o conflito impõe. Também são mal desenvolvidos e mal explorados os aspectos psicológicos dos outros integrantes do tanque, e aqui o filme assemelha-se cada vez mais ao cultuado O Resgate do Soldado Ryan.

    O personagem religioso que justifica suas ações para Deus; o personagem fisicamente imponente que usa esse fato para se aproveitar do novato que tinha a função de escritório mas que foi destacado para o campo de batalha; além do comandante que, ao mesmo tempo que é rígido com seus subordinados, dá a eles a autonomia necessária às vezes para liberar a pressão que o conflito acumula a fim de não perder seu comando. Tudo isso se torna ainda mais claro na batalha final, quando os integrantes do tanque, isolados do restante do exército, se veem na obrigação de enfrentar um contingente inimigo muito maior, e quando as chances de sobrevivência são escassas. Além, claro, da tonalidade cinza-escura e suja que o filme de Steven Spielberg também trouxe para o cinema de guerra.

    Dessa forma, David Ayer não consegue dar ao seu longa a profundidade necessária a um épico de guerra ao qual nos faça conectar, com personagens que façam envolver-nos a ponto de entender quem são e por que agem daquele jeito, ou mesmo nos importar com as perdas infligidas à equipe. As resoluções e discursos são rasteiros e ao final o que sobram são as excelentes cenas de batalha. E a vontade de rever O Resgate do Soldado Ryan.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Jogo da Imitação

    Crítica | O Jogo da Imitação

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    Morten Tyldum tenta fazer jus à biografia de um homem notável e peça fundamental para a computação, evolução tecnológica humana responsável pela quebra de paradigmas em vários campos. O Jogo da Imitação emula a invenção da máquina moderna, analisando delicadamente a trajetória do criptoanalista, matemático e pai da ciência computacional Alan Turing.

    Num primeiro momento, mostra-se um memorando de 1951, com um Turing – vivido por seu debochado intérprete, Benedict Cumberbatch – já resignado. A esta altura, o cientista já havia ajudado muito o seu país, realizando préstimos durante o confronto aos nazistas. Logo, o roteiro leva o protagonista para o crivo dos mandatários do exército britânico, com dificuldades em destravar um código dos inimigos, tendo no obstáculo em decifrar o Enigma um enorme problema. A persona problemática de Turing faz dele uma pessoa supostamente pouco indicada para o ofício, mas a pressa de frear a quantidade exorbitante de baixas de guerra faz o cientista e seu superior Stewart Menzies (Mark Strong) se alinharem com o mesmo propósito.

    Logo, a misantropia latente do pensador se manifesta, desagradando a cada um dos outros membros do laboratório para o qual trabalha. A equipe que estava em pé de igualdade com o cientista logo sofreu com um duplo infortúnio, sendo ambos incômodos, o cientista ao grupo e vice-versa. Alan vê na criação de sua máquina o único modo de lidar com as mensagens criptografadas, enquanto os outros tentam, em vão, distinguir o que é pronunciado em alemão. Após idas e vindas, os membros do grupo finalmente se unem em torno de um bem maior e da cooperação em completude, formando, então, a Equipe Ultra.

    Apesar de haver um problema no ritmo do filme, que algumas vezes recorre a uma monotonia latente, são os diálogos o principal aspecto positivo do roteiro de Graham Moore. O retrato da genialidade do biografado é muito bem feito, em alguns momentos muito mais inspirado que seu primo estilístico, também concorrente à premiação da Academia, A Teoria de Tudo. O Jogo da Imitação também ganha melhores ares por não ser tão preocupado em apresentar uma história chapa branca, protegendo bem menos os personagens que orbitam o herói da jornada, certamente pela distância muito maior de tempo entre a história que Tyldum narra e a atualidade.

    Mesmo contando com um elenco recheado de nomes conhecidos, nenhuma das atuações serve de comparação com a personalidade representada por Cumberbatch. Keira Knightley exibe uma performance apaixonada com sua Joan Clarke, mas nem de longe tão inspirada quanto no recente Mesmo Se Nada Der Certo. O mesmo pode ser dito de Mathew Goode, que faz o cientista Hugh Alexander, ainda que seja bastante plausível a sua face apagada, já que é uma bela escada para o trabalho do protagonista.

    O maior inconveniente da fita são os resgates ao passado, com cenas da infância de Turing, tendo de conviver com a genialidade que batia à porta e a dificuldade que tinha de ter relações com outros garotos. Tais partes da obra pouco servem ao enredo, sobrecarregando-o na maioria das vezes, visto que toda a mensagem de ódio de si do personagem principal é revelada na sua fase adulta. O molde e o costume de contar todos os meandros da vida do protagonista biografado são uma muleta desnecessária para tão rica apresentação.

    A corda bamba emocional a qual o herói se submete, convivendo com a sua cada vez mais indisfarçável condição sexual, atormenta-o por interferir diretamente em sua identidade pessoal, além de atrapalhar qualquer possibilidade de crescimento dentro dos desígnios militares. O flagrante da homoafetividade do protagonista não é feito de modo sensacionalista, pelo contrário, é usado como uma boa artimanha do roteiro para assinalar a paranoia que era parte da função dos matemáticos durante a Grande Guerra, e também o quanto sua personalidade é absolutamente solitária, fechada em si, não tanto por ódio ao outro, mas sim pela impossibilidade de se relacionar de modo minimamente saudável, dada a falta de sociabilidade tão entranhada em sua vida.

    A proximidade do gênio da computação com Winston Churchill, ainda que não seja mostrada em tela, é utilizada como modo de discutir a necessidade da guerra, porém de um modo nada óbvio. Apesar de não tratar os agressores de Turing como objetos de vilania, O Jogo da Imitação usa os aspectos da vida do matemático para ressaltar seus dotes científicos e a tristeza e miséria existencial, muito bem fundamentadas em Alan Turing: The Enigma, de Andrew Hodges. Apesar da grande quantidade de problemas na obra, o que fica na mente do público é a belíssima contribuição de Cumberbatch ao mito, assim como a generosa direção de Tyldum, que permite ao artista desenvolver seu papel sem limites, sobrepujando o formato do filme.

  • Crítica | Um Santo Vizinho

    Crítica | Um Santo Vizinho

    Um Santo Vizinho 1

    Politicamente incorreto, Um Santo Vizinho, do diretor Theodore Melfi, conta a biografia de Vincent de Van Nuys, um veterano de guerra que, habitando um bairro suburbano, vive uma rotina distante da de um comum homem sexagenário. Sua condição financeira precária ajuda a formar a imagem de completa decadência, de espírito, corpo e alma, motivo que justificaria a completa ausência de educação, sensibilidade ou mísero esforço em ser uma pessoa aceitável em comunidade.

    Bill Murray consegue imprimir em seu personagem uma antipatia quase automática. Seu modo de tratar as pessoas é odioso, mas compreensivo, possivelmente fruto de um desprezo constante a sua condição de ex-combatente ignorado pelo governo, a quem serviu. Suas relações não passam da frivolidade. A ausência de seres humanos que o cercam não por obrigação – destacando-se a prostituta Charisse (Naomi Watts) que o satisfaz – o faz ser rude com qualquer ser que o orbita, incluindo sua nova vizinha Maggie (Melissa McCarthy), a qual acaba conhecendo a pior parte do carisma do ancião, após um acidente de mudança.

    Maggie é mãe de Oliver (Jaeden Lieberher), uma criança de infância conturbada, fruto do divórcio de seus pais e da responsabilidade de habitar uma escola nova, em uma cidade nova, sem nenhum conhecimento prévio ou habilidade maior de socialização. Após esquecer as chaves de casa, o menino acaba inconvenientemente invadindo a privacidade do homem velho, que o recebe a contragosto em sua casa, fazendo as vezes de uma nada apropriada babá.

    O roteiro de Melfi explora a multiplicidade de comportamentos, revelando universos completamente distintos de uma família um tanto carente e de um homem que não se importa com ninguém além de própria rabugice. Apesar da premissa repetida, é o carisma – ou a completa falta do sentimento – que faz com que as personagens sejam abraçáveis pelo público. Personas antissociais e com dificuldade de interação tornam-se cada vez mais comuns ao gosto geral, visto que os ditos inapropriados ao convívio diário saíram de suas cavernas, exigindo ser representados em tela, não mais somente por anti-heróis mal encarados, mas também por cidadãos ordinários.

    Apesar de se afeiçoar ao menino, claro, de modo lento, os problemas de Vincent não somem automaticamente: ele continua em sua jornada rumo ao suicídio gradativo, qualidade negativa que se assemelha ao drama de Maggie em tentar manter a guarda de seu filho, mesmo com seus crescentes problemas financeiros. Na prática, os dois personagens adultos têm a mesma característica, que é a carência de espírito, manifestada em Maggie como o medo de perder seu motivo de viver, tendo no comportamento odioso a parte de Vincent. O menino, peça inocente na equação, também guarda enormes problemas de aceitação, semelhança que cada vez mais une o incompreendido trio.

    A ternura da fita é presente em avatares estranhos. Enquanto a relação entre um velho misantrópico e um menino inocente é carregada de brandura e doçura, o papel da igreja e religião é discutido além da crença comum no Divino, com o cuidado do texto em não vilanizar a instituição enquanto a critica.

    Ao contrário do que a trajetória do herói normalmente revela, a evolução do quadro em Um Santo Vizinho não tem nada de edificadora, especialmente em relação ao julgamento da custódia de Oliver. Ao descobrir os lugares onde Vinny levava o garoto, ela o confronta, em uma cena que visualmente distingue ambas rotinas, com a câmera posicionada em plano aberto, onde seu meio divide as propriedades dos vizinhos, exibindo uma cerca de arame que separa o quintal árido do sexagenário e o verde lar da enfermeira cuidadosa. Dois lugares distintos, cuja interseção humana – Oliver – une-os de maneira inexorável.

    A falida moralidade é fortemente reprovada, assim como a individualidade exacerbada dos que não têm qualquer crença maior, como é o caso de Vincent. A paralisia na fala, que o personagem sofre na metade final do filme, ajuda a retratar o quão retrógrado é seu modo de vida e o quanto isso faz mal a todos à sua volta, especialmente a ele próprio, num modo de existir absolutamente triste.

    A beatificação do personagem título ocorre a despeito de todas as trapaças que ele cometeu ao longo de sua existência, numa mostra de que a redenção pode chegar mesmo após longos anos de completo desdém geral. Oliver se esforça para produzir um belo discurso que glorifica os feitos do passado e do presente de Vincent, destacando suas qualidades, indo na contramão do que a opinião pública diria. A possibilidade de queda por motivo de depressão é concluída com maestria pelo pequeno rapaz, que, mesmo em sua ingenuidade infantil, consegue enxergar além das óbvias aparências. O modo leve com que a fita é levada contradiz a postura de seu protagonista, mas condiz com cada aspecto sensível do texto dramático, exibindo um final surpreendente para a jornada do rabugento vizinho, que segue sua existência sem ser complacente com o conservadorismo ou com o politicamente correto, mas conseguindo, ao seu modo, se aproximar da felicidade.

  • Crítica | Jimmy’s Hall

    Crítica | Jimmy’s Hall

    Jimmy's_Hall 1

    A atmosfera dos anos trinta é saudada logo na introdução da nova produção de Ken Loach, com uma trilha sonora apoiada no jazz, em que o som dos metais faz a dança da crise parecer assustadora. Os fotogramas, unicolores, mostram a população em meio a uma filmagem azulada, passando por árduos percalços, símbolo de um capitalismo decadente, pré-Segunda Guerra Mundial.

    Neste mundo, habita o irlandês James Gralton – Barry Ward – que, após uma década inteira longe de seu país depois de deportado, pode retornar à terra que tanto amava, apesar da malfadada tentativa de desvencilhar sua pátria do Império Britânico. As condições simples da casa de seus antepassados revelam muito o modo de viver em que Gralton se insere: sua origem operária é mostrada em cada detalhe pensado pela competente direção artística de Stephen Daly. Caso não houvesse por parte do público qualquer conhecimento sobre a figura de Gralton, muitos dos elementos que compõem sua ideologia socialista seriam evidenciados pelos elementos visuais de cunho humilde que orbitam ao seu redor.

    A simples presença de Jimmy no lugarejo incomoda os poderosos. Um representante do clero vai confrontá-lo, sem qualquer sinal prévio de hostilidade, unicamente por este habitar a mesma terra que os “justos homens conservadores”. A paranoia e o medo vermelho já eram presentes no discurso e ação dos britânicos soberanos, mesmo que qualquer resistência por parte dos irlandeses fosse semelhante à execução de cócegas em um ser agigantado, como era a extensão do poder dos servos da rainha. Mesmo diante da disparidade de poderio armamentista, Gralton não sossega seu espírito, ainda que a maturidade tenha feito dele um homem que não se inseriria em confrontos gratuitos.

    De volta ao lugar que chamava de lar, James reabriu o salão de dança que abandonou em 1921, fazendo do lazer típico do lugar uma reunião entre amigos eruditos e pessoas cujo pensamento não se restringe ao que os mandatários ordenam. O simples ato de dançar torna-se algo diabólico aos olhos dos descontentes religiosos, como se os passos ensaiados naquele local fossem dar margem para o pensamento anti-cristão. A sociedade é coagida a perseguir aqueles que lá frequentam, enquanto os pais preocupados punem fisicamente os filhos que lá habitam.

    O senso de oportunidade do socialista apita, fazendo de seu discurso sobre justiça algo inflamado, justificado em cada crítica pelas ações arbitrárias dos que detêm o poder e, consequentemente, os meios de produção. A simplicidade das coreografias no hall de Jimmy serve como uma forte alegoria para o discurso marxista (semelhante ao que George Orwell fez em Revolução dos Bichos), fazendo valer os preceitos do Manifesto Comunista por meio de metáforas que saltam aos olhos de quem já leu Marx e Engels.

    A comoção que James proporciona ao povo é também aplicado a alguns de seus adversários, que não conseguem ver em sua conduta qualquer motivo para desaprovação. O jovem padre Seamus (Andrew Scott) não consegue conter sua fúria ao tentar demover seus colegas dos desejos de cercear a vida do camponês. A perseguição que sofre faz de Galbror um mártir, obrigado a ter de deixar seu país mais uma vez, ainda que suas ações nem tenham sido tão contestatórias. Sua vida seguiria até os anos quarenta, em Nova York, sem poder retornar à sua terra natal, mas ainda munido da coragem de um sujeito que dedicou sua vida a um ideal e a não desistência.

  • Crítica | O Último Concerto

    Crítica | O Último Concerto

    O Ultimo Concerto - poster nacional

    Composto por um incrível elenco talentoso, com Christopher Walken, Philip Seymour Hoffman, Catherene Keener e Mark Ivanir, O Último Concerto, primeiro filme dirigido por Yaron Zilberman, apresenta um quarteto de cordas de longa carreira musical para discorrer sobre a arte, o cotidiano e as relações pessoais corroídas pelo tempo.

    A figura dos quatro músicos do quarteto The Fugue (A Fuga) é um extremo do roteiro para intensificar a discussão destas relações. Qualquer grupo duradouro, seja ele artístico ou qualquer união diária focada em uma missão específica, reconhece que, em algum momento, fissuras começam a surgir. Aos poucos, a possibilidade de união completa de um determinado número de pessoas perde a neutralidade e tensões se tornam flutuantes.

    O agravante que desencadeia a desarmonia surge ao acaso, em um acorde dissonante que o violoncelista Peter Mitchell (Christopher Walken) produz, não conseguindo a perfeição exigida de sua habilidade. O músico descobre que está desenvolvendo o estágio inicial da doença de Parkinson e pede ao grupo um curto período para tentar se reabilitar ou deixar o grupo nesta temporada.

    A discussão envolvendo um novo integrante no quarteto desperta as tensões submersas escondidas pelo amor a música. Após tantos anos de trabalho em conjunto, o grupo reconhece que qualquer mudança necessita de um novo começo. A troca de um violoncelista produzirá outras texturas sonoras.

    Um quarteto de cordas é um dos grupos de câmara mais conhecidos da música clássica. É um grupo mínimo que concentra em seus integrantes a capacidade de grandiosas interpretações. Normalmente, é formado por uma viola, um violoncelo e dois violinos, o primeiro produzindo a linha melódica, e o segundo acrescentando interpretações mais graves ou outras variações. Além de cada integrante representar uma base para a harmonia sonora, os músicos desempenham um papel dentro do quarteto. Peter Mitchell, o mais velho da equipe, foi o professor de música convidado a participar do conjunto idealizado por Daniel Lerner (Mark Ivanir), o primeiro violino. Por ter promovido a seleção de participantes, Lerner se sente uma parte maior do quarteto. A viola e o segundo violino são executados por um casal, Julliete Gelbart (Catherene Keener) e Robert Gelbart (Philip Seymour Hoffman), vivendo uma tensão interna a respeito do talento do marido e o desejo de se tornar, um a um, alternadamente, o primeiro violino. A corrupção do grupo, outrora uma entidade unificada, produz reações diversas em cada um de seus integrantes.

    Christopher Walken compõe o músico de idade avançada que tem consciência de que o corpo físico começa a ser um desafio à paixão pela música. Trata-se de um entardecer de sua grande carreira de músico. Uma fragilidade que o aproxima da falecida esposa, reconhecendo que, em breve, se juntará a ela novamente.

    A briga interna do casal de músicos surge com a insegurança do marido, que se sente deslocado e desacreditado do desejo da esposa em não modificar a harmonia musical, não o apoiando como o primeiro violinista. A rejeição musical afasta-o da construção familiar, e Robert encontra conforto em um caso com uma dançarina que o considera brilhante. Uma vaidade do processo artístico representada por este homem.

    A dupla de músicos possui uma filha adolescente (Imogen Poots), que segue os passos dos pais, mas se incomoda com a profissão. Com a família vivendo da arte em viagens itinerantes, entre turnês e eventos de divulgação, a filha foi deixada em segundo plano. Provavelmente, dedica-se a música como uma maneira de chamar atenção dos progenitores, fato que se concretiza na relação com Daniel, o primeiro violino do quarteto, fechando o círculo de degradação da equipe consagrada.

    A fragilidade destes acontecimentos demonstra que não são necessárias mudanças bruscas para que o sistema de relações se modifique. Basta um acorde fora do tom repetidas vezes para ocorrer uma explosão de sentimentos, que destroem a neutralidade, a harmonia, o amor.

    A obra apresenta a inevitabilidade do fim. Devido à presença de quatro personagens centrais, observamos a maneira de cada um lidar com as dissonâncias relacionadas ao que consideram inaceitável dentro destas relações. A música funciona como um objeto-símbolo, a paixão maior que une os personagens, lhes proporcionando anos de sucesso, infelizmente incapaz de mantê-los unidos quando as notas parecem mais amargas do que antes. Uma bonita ode ao trabalho do artista e uma destruição do mito de perfeição que costuma circundá-lo.

  • Crítica | O Hóspede

    Crítica | O Hóspede

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    Recentemente, estava assistindo a uns trailers no YouTube e no canto da tela estava o link para a prévia deste The Guest. Fiquei curioso com o nome. Cheguei a pensar que se tratava de mais um filme de serial-killer, como os vários que povoam as prateleiras das locadoras e têm os adolescentes como seu público cativo. Porém, o trailer é um tanto quanto enigmático, e o fato de a produção ter recebido críticas favoráveis nos festivais de Sundance e Toronto me deixou instigado. Assisti a um segundo trailer que me deixou mais a fim de ver a obra. O tom era diferente. Finalmente, pensei: “Isso deve ser bom”. Mas, para minha surpresa, o filme não é bom, é muito bom!

    The Guest conta a história de David, um soldado que volta do Iraque e vai até a casa da família Peterson. Os Peterson perderam o filho mais velho no combate, e David explica a eles que era colega do rapaz e que havia prometido a ele que cuidaria dos familiares. Prontamente acolhido por todos, David rapidamente conquista a simpatia geral. Porém, uma série de mortes e acontecimentos estranhos passam a acontecer e o soldado começa a aparentar que não é exatamente a figura amável que antes demonstrava.

    Dirigido por Adam Wingard e roteirizado por Adam Barrett, dupla responsável pelo ótimo suspense Você é o Próximo, The Guest é um filme que toma rumos inesperados no desenrolar da trama. O diretor e o roteirista criam uma boa atmosfera de suspense e tensão ao retratar o comportamento do protagonista David e a maneira como ele vai conquistando as pessoas. Posteriormente, quando se inicia a investigação sobre o passado do soldado, sua origem é completamente diferente do que seria usualmente apresentada em filmes com enredos parecidos. Discorrer mais sobre o assunto seria entregar um enorme spoiler. Importante também ressaltar que a fotografia do filme, idealizada por Robby Baumgartner, ajuda muita em toda essa construção. Nada revolucionário, mas tudo executado com extrema competência principalmente nas sequências de ação. A violência apresentada na película é bem gráfica, mas em nenhum momento é gratuita. Tudo tem um contexto e um objetivo, não sendo violento simplesmente por que tem que ser.

    A trilha sonora da produção merece um grande destaque, pois ajuda demais na composição do filme. Logo quando começamos a assistir à obra, percebemos um clima oitentista, em que o diretor reverencia grandes filmes de suspense da época. Tudo fica mais evidente quando prestamos atenção na trilha: músicas repletas de sintetizadores que compõem a homenagem que a dupla Wingard/Barrett faz durante todo o tempo e que fica extremamente evidente na sequência do clímax da narrativa.

    Dan Stevens, o intérprete do protagonista, é conhecido por seu trabalho em Downton Abbey e por sua participação em Caçada Mortal, estrelado pelo astro Liam Neeson. Dan constrói um tipo simpático e assustador com sua fala contida, seus gestos controlados e seu sorriso sempre presente. Maika Monroe e Brendan Meyer, intérpretes dos irmãos Anna e Luke Peterson, defendem com competência seus papéis, especialmente Brendan, uma vez que seu personagem acabando nutrindo um carinho fraternal por David, e o ator poderia cair na caricatura facilmente. Em vez disso, o garoto se contém e mantém tudo de forma plausível. Lance Reddick (Fringe) e Leland Orser (de uma pancada de filmes como Se7en – Os Sete Crimes Capitais, O Colecionador de Ossos, e a saga Busca Implacável) mantém o bom nível de atuações, e somente Sheila Kelley, intérprete da matriarca da família Peterson, destoa um pouco do restante do elenco com uma atuação um pouco abaixo da de seus colegas.

    Ainda que perca um pouco de força na sequência final, que se rende a um grande corre-corre, The Guest é um ótimo filme que presta uma sincera homenagem aos filmes dos anos 80 e em nada lembra as produções de trama previsível que entopem os cinemas e as locadoras todos os anos. Vale muito a conferida.

  • Crítica | Gladiador

    Crítica | Gladiador

    O aclamado filme de Ridley Scott inicia-se introduzindo o espectador no contexto tirânico do Império Romano, com o avanço tático a Germânia sendo impetrado. As mãos do personagem principal, passando sobre a mata alta de sua plantação, remetem ao real desejo de seu coração de habitar as próprias terras em paz; distante do estado caótico que a guerra se impõe, onde a ocupação do estrangeiro ultrapassa os limites do aceitável, passando a ser uma obrigação erguida pelos superiores e passada ao exército por convenção, sem muita discussão dos porquês.

    O discurso inflamado – O que fazemos em vida ecoa pela eternidade – não consegue esconder um descontentamento de Maximus (Russell Crowe), ainda sem o modus operandi do imperialismo, mas já portando um inexorável enfado em seu semblante. Analisando a jornada do herói de Joseph Campbell, o chefe do exército não seria o herói clássico, tampouco anti-herói, mas o arquétipo do herói falido, depressivo, que, apesar da adversidade e das belas cenas de combate introdutórias, guarda um ressentimento e azedume pelas ações que é levado a concluir. Quando ele hesita em matar um adversário, nota-se de maneira concreta sua insatisfação, depois proferida para que não haja dúvidas. Sua posição não é a de discutir métodos ou estratégias: ele é apenas um humilde servo, prostrado ante a vontade de Marcus Aurelius (Richard Harris), que está no final da vida, arrependido de tanto derramamento de sangue e especialmente preocupado com o seu legado, e se seria visto como um tirano de acordo com os olhos da História.

    Qualquer fidelidade e compromisso com a cronologia histórica são varridos para bem longe, assim como foram em Coração Valente. De certa forma, há uma amálgama entre muitos períodos do Estado Romano após a ascensão de Júlio Cesar, ainda que tal influência não tenha sido jamais assumida pelos produtores do filme. Tal característica seria impensável para o nível de acesso a informação atual, passados 14 anos da exibição de Gladiador – ainda que o clima de redenção dos poderosos seja bastante atual nas grandes produções hollywoodianas -, e em se tratando de uma obra de caráter revisionista, de discussão do modo violento e arbitrário que os conquistadores tinham com o território descampado mundial.

    Religião, crenças, sedução e ganância se misturam, tentando atravessar o caminho de Maximus. Focado, o soldado não deseja nada além de sua família, suas terras e sua vida simples no campo. A demora do filme em levá-lo ao lugar desejado é demasiado, fazendo do general mais uma vítima da burocracia e de um legado que não pediu para si.

    A decisão de tornar Maximus o regente da República, retomando o panorama político anterior, é bastante fantasiosa, levando a trama para um lado semelhante ao visto em contos mitológicos, mas exibindo as piores facetas do espírito humano, como o amargor de alma do antigo herdeiro, Commodus (Joaquin Phoenix), que, ao perceber que perderia a sucessão do trono, cometeu o maior dos pecados – o que estava ao seu alcance -, ultrapassando qualquer limite ético e moral.

    Ao se recusar a servir ao nefasto novo senhor, Maximus é condenado à morte. Seguindo finalmente seu senso de justiça, ele tem o revide proporcional à sua boa ação, pondo sua família em risco. Após escapar da pena imposta ao personagem, ele consegue a duras penas retornar ao seu lar para assistir, em meio a lágrimas e salivas, ao extermínio dos seus, na maior mostra de degradação em que ele poderia estar até então. De olhos fechados, carregado à força, o sujeito sofre a morte de sua antiga identidade, renascendo com outra alcunha, outro espírito e função social, ainda mais desimportante do que planejava.

    Como em uma peça teatral, a divisão clara por atos permeia o filme, com uma virada no segundo tomo mostrando o herói falido como escravo, digladiando por sua vida e ganhando um sentido novo para a própria existência, ainda que a glória seja cantada ao nome que lhe deram. O Espanhol logo torna-se o mais carismático e amado guerreiro, exibindo uma tenacidade não antes vista nas arenas romanas, tão corajosa que visa, inclusive, desobedecer uma ordem imperial.

    Diante de seu inimigo mortal, Maximus pensa em dar um fim breve ao opositor, mas se demove da ideia ao vê-lo com a criança que se afeiçoou. Após revelar sua real identidade, consegue ganhar uma pequena fama, a ponto de ter soldados novamente dispostos a levantar sua bandeira, além de ter uma ajuda real por meio da apaixonada Lucila (Connie Nielsen), cujo amor incestuoso de Commodus não é correspondido. As coincidências do roteiro são coladas por uma liga demasiada fraca, conveniente demais aos desejos e desígnios do protagonista.

    Como se esperava, o megalomaníaco plano do gladiador em aplicar um golpe de estado no soberano tem seu destino selado. A grandiosidade e magnificência dos cenários da história e do Ethos de Maximus são elevados a patamares quase infinitos, mas perdem seu peso pela disputa final, disfarçada de embate físico desigual. A justiça dificilmente teria seu lugar no combate entre as contrapartes, entre os dois “filhos” de Marcus Aurelius. O problema é o quão apelativo é o confronto épico, banalizado pela teatralidade excessiva da batalha. O dramalhão enfraquece o plot de Maximus e o retorno da liberdade do povo romano. O sonho torna-se algo de cunho barato, feito para um público idiotizado, acostumado a mensagens felizes, não condiz com a época em que se passava o drama do general/gladiador. O merecido descanso do herói é enfraquecido por mais uma mensagem politicamente correta, mudando rumos históricos e traindo qualquer possibilidade de dignidade. Gladiador é considerado por muitos como um clássico, e até caracteriza-se por um expoente interessante na combalida filmografia de Ridley Scott, mas só garante bons momentos em meio às cenas de batalha, uma vez que seu roteiro só serve para tentar justificar porcamente todos os entraves.

  • Crítica | Superman vs Elite

    Crítica | Superman vs Elite

    Sup x Elite 1

    Resgatando a história com o herói clássico ao lado da nova geração de personagens massa véio, cuja ideologia é ligada a uma escusa a moralidade e aos não-costumes. Após uma pequena introdução, que louva os poderes de seu protagonista, até a entrada dos créditos, com imagens da animação dos irmãos Fleischer até momentos do seriado capitaneado por Bruce Timm. O intuito era remeter à historiografia em desenho do Super-Homem.

    Após assistir a si mesmo em um cartoon, Clark discute com sua cônjuge os rumos que toda aquela publicidade daria a sua figura. Uma breve batalha contra o Caveira Atômica faz o kryptoniano ter de lutar, mas ele o poupa, não o executando, mesmo com a morte de muitos e com milhões de danos à propriedade pública.

    Em um outro lado da cidade, Manchester Black e seus asseclas chegam. O traço caricato destoa da seriedade do restante da fita, especialmente com as discussões a respeito do poderio do Superman e de sua responsabilidade com a humanidade. O norte do alienígena é de pouco (ou nada) interferir, de não bancar o júri e o juiz, de não se valer de suas habilidades para ser superior àqueles que são “comuns”. A opinião não é compartilhada pela Elite, cujo modus operandi é muito mais intervencionista. Superman assiste ao grupo lutando com um monstro-inseto, mas não a tempo de conseguir conversar com o líder do quarteto.

    Black transparece uma honesta admiração pela figura do Azulão, apesar de apresentar traços de uma intensa arrogância. Manchester traja uma blusa com a bandeira da Grã-Bretanha, em uma versão debochada do uniforme do paladino, que também usa as cores de sua nação em seu corpo.

    Superman impede Black de lobotomizar dois terroristas, e se surpreende ao contar o fato a Lois Lane, que o indaga sobre a necessidade de poupar os bandidos, uma vez que os mesmos poderiam repetir o feito. A reflexão inclui os métodos que o herói usa, assim como a ética e moral, enquanto a popularidade da recém intitulada ELITE somente cresce junto à opinião pública geral.

    Há uma discussão bastante rasa a respeito do modo como os Estados Unidos tratam seus inimigos, de modo agressivo e intrusivo. De acordo com o pânico, parece ser natural achar que a segurança está no modo agressivo de lidar com os opositores hostis. A apelação para a execução dos bandidos é vazia, de argumentação fraca, baseada num sentimentalismo barato e muito forçado. O “novo tipo de herói” ganha cada vez apelo, e a alcunha de fracassado/ultrapassado pesando sobre os ombros do herdeiro de Krypton.

    O fascismo do anti-herói britânico é causado por narcisismo não resolvido, em que o passado inclui até a execução de seu pai, ao seu bel-prazer, sem motivo algum além da vontade de seu primogênito. As ações da ELITE pioram ao exterminarem os líderes de dois países em guerra, e, por discordância, Superman acaba escolhendo um desafio.

    Apesar do bom-mocismo e das cenas de atitude correta, o discurso do Super exala pieguismo, sem qualquer embate ideológico presente na história original. O que se vê é uma versão suavizada e pasteurizada do texto original, que pouco valida as escolhas do Superman. Munido de uma postura semelhante a de seu adversário, o herói torna-se um tornado azul, fazendo a justiça bem ao modo comum dos estadunidenses, cruzando a linha entre o mentiroso American Way of Life, agindo com a mesma truculência do governo dos EUA. Mas o revide era apenas um truque, neste momento, semelhante ao mostrado na revista. Algo parece ter se perdido na adaptação dos roteiros. O tom demasiado infantil enfraqueceu o plot principal, deixando o longa aquém da tradição da DC Comics em realizar bons filmes animados. A companhia dá cada vez mais mostras de orfandade nos seus cargos sem Bruce W. Timm e sua equipe, que conseguiam equilibrar escapismo e mensagens edificantes.

  • Melhores Filmes de 2014, segundo Jackson Good

    Melhores Filmes de 2014, segundo Jackson Good

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    Mais um ano se encerra, mais uma vez é hora de analisar o que o cinema nos trouxe nesta última translação da Terra – e de também de vencer a preguiça de escrever estas introduções. Um fato curioso: sete dos títulos presentes no TOP 10 são continuações, principalmente segundos filmes. O que isso significa? “Ah, Hollywood está passando por uma crise criativa, não há mais originalidade” – na boa, vamos tirar o monóculo e relaxar um pouco. O que importa é o filme ser bom, independente de ser o primeiro ou vigésimo de uma franquia.

    Rápidas menções honrosas: O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro: o Cabeça-de-Teia da Nova Geração segue com vários problemas, mas desta vez teve seus acertos. O final corajoso e a grande evolução em relação a seu antecessor garantem a lembrança; Hércules: subestimado e até injustiçado, o longa estrelado por The Rock parte de uma interessante premissa de “verdade por trás do mito”, e apresenta uma digna aventura sandália-e-espadas, gênero tão maltratado ultimamente; No Limite do Amanhã: um competente sci-fi de ação, melhor representação de um game na telona (sem ser uma adaptação de jogo), e o tio Tom Cruise mostrando que ainda tem lenha pra queimar; Robocop: José Padilha apanhou simplesmente porque a galera não conseguiu se desprender do original. Ainda que peque nas cenas de ação, o remake acertou no cuidado que teve ao construir e embasar seu cenário, justificando a existência do Policial do Futuro.

    A triste menção desonrosa fica para Os Mercenários 3. Após a maravilhosa e catártica homenagem autoirônica ao cinema brucutu vista no segundo filme, inexplicavelmente Sly e sua trupe decidiram se levar a sério. O resultado foi uma sequência esquecível e sem qualquer atrativo.

    Antes de (finalmente) partir para os melhores do ano, cabe o tradicional aviso aos navegantes, sejam marinheiros de primeira viagem ou marujos calejados que por acaso esqueceram: o único critério para presença, ausência e ordem dos filmes na lista é o gosto pessoal do redator. O título, aliás, já dá uma boa ideia do que esperar.

    10. Como Treinar Seu Dragão 2

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    Ao contrário do supervalorizado lançamento da Disney com a música que ninguém aguenta mais ouvir, esta sim é uma animação de encher os olhos. Acertando em cheio no mantra de agradar a crianças e adultos, o filme da DreamWorks expande seu criativo universo de vikings e dragões, com visual fantástico e personagens carismáticos. Destaque para a jornada de amadurecimento do protagonista Soluço, pontuada de maneira extremamente corajosa.

    9. Operação Invasão 2

    Operação Invasão 2

    Ainda não dá para engolir esse título nacional… Enfim, a continuação do sucesso The Raid: Redemption apresenta o agente da lei porradeiro Rama tendo que se infiltrar em uma organização criminosa para resolver um complicado caso que envolve corrupção policial. O apelido “Tropa de Elite indonésio” faz mais sentido do que nunca, pois há uma visão mais ampla do crime organizado local. A ambição fez com que o filme perdesse um pouco de ritmo e charme inovador em relação ao primeiro, mas as coreografias de luta seguem tão insanas quanto – ou mais. Iko Kuwais é sem dúvida o grande nome do cinema de artes marciais atualmente.

    8. O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos

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    Aleluia! Finalmente acabou! Não a trilogia, mas o mimimi em volta dela. Desde O Hobbit: Uma Jornada Inesperada já estava clara a opção de Peter Jackson e do estúdio: muito mais do que adaptar o livro O Hobbit, construir uma “Nova Trilogia” da Terra-Média. Decisão questionável, sem dúvida, mas não tem sentido apontar isso pela terceira vez. Analisado isoladamente, A Batalha dos Cinco Exércitos encerra a saga de maneira positiva, com um ritmo inegavelmente menos cansativo e aspectos técnicos irrepreensíveis. As grandes cenas de batalha, destaque para os combates individuais, valem o ingresso.

    7. Rurouni Kenshin: Kyoto Inferno

    Kenshi

    Sem lançamento oficial no Brasil (como se alguém se importasse), esta sequência mostra a primeira parte da saga do icônico vilão Makoto Shishio. Aquilo que mais chamou a atenção no primeiro filme é mantido: a sagaz percepção da diferença entre mangá/anime e live action, do que funciona em uma mídia e em outra. Podando os exageros – poderes sobre-humanos, lutadores berrando os nomes das técnicas – o admirável trabalho de adaptação consegue ser “realista” na medida do possível. Um clássico filme de samurai, com roteiro mais maduro em relação a seu antecessor, e cenas de ação ainda mais empolgantes.

    6. Planeta dos Macacos: O Confronto

    planeta dos macacacos o confronto 2

    O fenomenal desempenho de Andy Serkis na atuação por captura de movimentos mais uma vez é acompanhado por um roteiro à altura. Cesar encara os desafios de ser um líder mediante o choque entre civilizações em diferentes estágios de evolução tecnológica. Tudo é tratado de maneira crível, sugerindo um sentimento de inevitabilidade, pois há mal-intencionados em ambos os lados (que minam os esforços pacificadores dos bem-intencionados). E o melhor: o fato de uma das facções ser composta por símios evoluídos é irrelevante, tamanhos os paralelos com a nossa realidade histórica que podem ser encontrados no filme.

    5. Guardiões da Galáxia

    guardioes da galaxia

    Consenso como a grande surpresa de 2014, a loucura espacial da Marvel conseguiu conquistar público e crítica. Aproveitando o grupo de heróis desconhecidos, sem grandes amarras, o estúdio apostou na zueira sem limites e se deu bem. Personagens marcantes e que só melhoram quando interagem, nada sutis referências culturais (Kevin Bacon = piada do ano) e ação visualmente bem orquestrada garantiram uma divertida aventura com climão anos 80. E que antídoto melhor contra Let It Go do que Hooked On A Felling?

    4. Expresso do Amanhã

    Expresso do Amanhã

    Viva a globalização: o filme é baseado numa hq francesa, dirigido pelo sul-coreano Joon-Ho Bong, e conta com um elenco estrelado que inclui Tilda Swinton, John Hurt, Ed Harris, e o protagonista Chris Evans mostrando que sabe, sim, atuar. Em um cenário pós-apocalíptico onde o planeta foi congelado após um experimento que combatia o aquecimento global, os humanos restantes sobrevivem em um trem que percorre o mundo, completando uma volta a cada 365 dias. A divisão de classes é nítida: poucos vivem luxuosamente nos vagões da frente, sustentados pela maioria que trabalha e vive em péssimas condições na cauda da locomotiva. Tenso, provocativo e poderoso, o filme combina violência brutal com conceitos sociais espetaculares, e o mais importante, acessíveis. Não é preciso fazer mestrado em cinema iraniano para captar as metáforas presentes na história.

    3. X-Men: Dias de um Futuro Esquecido

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    Com Bryan Singer retornando à direção da franquia que iniciou há longínquos 14 anos, o longa tinha a ingrata proposta de organizar a cronologia mutante nos cinemas. Não foi muito bem-sucedido nesse ponto (rebootou/desconsiderou tudo menos X-Men: Primeira Classe), mas individualmente se provou digno das melhores histórias dos X-Men. O preconceito e o medo presentes na relação entre humanos e mutantes estão no centro da história, que não tem medo de deixar Wolverine e Magneto como coadjuvantes e focar no desenvolvimento heroico de Charles Xavier. Existem alguns exageros (Erik com poderes quase divinos) e furos de roteiro, afinal, viagem no tempo nunca é terreno fácil, mas nada que comprometa o resultado final.

    2. Capitão América 2: O Soldado Invernal

    Capitao America 2

    Justo quando parecia estar perdendo a mão, o Marvel Studios se redime brilhantemente com a segunda aventura solo do Sentinela da Liberdade. Inspirados na abordagem mais recente que o personagem vem tendo nos quadrinhos, os irmãos Russo trabalham elementos de política e espionagem sem deixar de lado a ação super-heroística. Chris Evans (aparecendo duas vezes no Top 5, os haters enlouquecem) encarna Steve Rogers com segurança, mesmo frente a Samuel L. Jackson e Robert Redford. Para não mencionar a bem sacada presença de Scarlett Johansson como Viúva Negra, sidekick de luxo. Se Guardiões da Galáxia sinaliza potencial para diversidade, Capitão América 2 é o filme que dá seriedade ao universo compartilhado da Marvel no cinema.

    1. Interestelar

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    O campeão do ano não poderia deixar de estar envolto em polêmica. Interestelar se mostrou um típico “ame ou odeie”, com um lado se apressando em equipará-lo aos maiores clássicos do gênero sci-fi (nunca vou entender essa necessidade) e outro se concentrando em atacar o diretor e seu estilo. Os méritos do longa em si, uma pena, foram um tanto ignorados. O maior deles foi ter alcançado um sensacional equilíbrio entre conceitos científicos instigantes e um tocante drama familiar, com uma trama profundamente emocional do início ao fim. Tudo potencializado por atuações impressionantes, em especial de Mackenzie Foy, Jessica Chastain, e, claro, de Matthew McConaughey. Longe de ser perfeito (o final força consideravelmente a barra), o filme supera as falhas e entrega a mais gratificante experiência cinematográfica de 2014. Christopher Nolan está perdoado por Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (só para atiçar mais polêmica).

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho

    Crítica | Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho

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    Não há meias medidas para Paulo Coelho. Uma parcela identifica-o como um querido escritor, um dos autores vivos mais lidos e traduzidos no mundo; outros rechaçam sua narrativa com veemência, taxando-o como péssimo prosador. Nesta corda banda de amor e ódio vive o autor, um homem paradoxal.

    Não Pare Na Pista – A Melhor História de Paulo Coelho representa a tradicional biografia cinematográfica com espaços temporais distintos apresentando diferentes facetas do biografado. Iniciando-se com uma cena de impacto, uma tentativa de suicídio na época de sua juventude, observamos a agonia do jovem Coelho. Um garoto deslocado, sem muitos amigos, considerado feio demais para se aproximar de uma garota. O único propósito de sua vida é ganhar uma máquina de escrever. Após a tentativa de suicídio e uma internação obrigatória no manicômio, surge a primeira entre muitas rupturas da relação paterna. Para Pedro Coelho, o filho deve seguir uma profissão tradicional, e a incompreensão da visão do filho proporcionaria futuramente a fuga do jovem para viver sozinho.

    Além da juventude de Coelho, acompanhamos o início de sua vida adulta e a maturidade consagrada. Três tempos narrativos demonstrando as fases passadas pelo autor. O período após a saída do escritor de sua casa contém os momentos mais transformadores na carreira de Coelho. Na época, conhece Raul Seixas que, de acordo com o longa, ensina-o a se expressar de maneira direta nas letras que escreveram em parceria. Desde o princípio, observamos que o autor defende o conceito da simplicidade artística, uma maneira direta de atingir o público e que, futuramente, também se tornou parte de seu estilo literário: uma obra rápida com frases precisas e existenciais para impactar o leitor.

    Após o período regado a drogas e bebidas com Seixas, o autor passa por uma intensa transformação interna em uma viagem de peregrinação pelo caminho de Santiago. É nesta viagem que a dimensão espiritual do equilíbrio e do autoconhecimento apresenta-se no longa. São cenas que abusam de falas e personagens, realizando apontamentos que fundamentaram seu caráter e serão base para o primeiro sucesso, O Diário de um Mago.

    As diferentes mudanças de personalidade de Coelho em momentos distintos demonstram uma intenção de nunca seguir modelos tradicionais de vida. O autor sempre renegou o que poderia ser comum a outros, à procura de sua própria vontade. Porém, as fases de sua vida são apresentadas de maneira tão bruscas que não aparenta haver um conectivo direto entre elas. Como se assistíssemos à história de um garoto problemático, um letrista inspirado que alcançou seu próprio nirvana, e o escritor consagrado comemorando seus louros. São elementos chaves que apresentam-se na obra sem dimensionar exatamente como e quando os caminhos de sua vida resultaram no homem que ele se tornou. Um erro que não deveria existir em um filme que intenta ser uma biografia dramatizada de uma vida real. Não cabe ao público conhecer sua história de antemão para compreender o que acontece entre estas lacunas deixadas pela produção.

    As cenas do Mago na velhice são desnecessárias à obra. Funcionam para mostrar o sucesso evidente, algo que, neste caso, o público sabe sem precisar conhecer sua biografia (afinal, estamos falando de um dos brasileiros mais influentes no exterior). A maquiagem em excesso, com uma careca nitidamente feita em látex, tenta produzir uma semelhança com a fisionomia atual do autor, mas que também não funciona. A caracterização e motivação para este trecho do longa-metragem falham por nada acrescentar ao público. Um espaço que poderia ser retirado da obra para dar maior coesão à sua trajetória, incluindo as citadas tensões de amor e ódio que o autor parece despertar.

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  • Crítica | Caminhos da Floresta

    Crítica | Caminhos da Floresta

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    Não é incomum que as pessoas guardem certo ranço pelo musical como gênero cinematográfico. Uma das alegações mais recorrentes diz respeito à dificuldade de envolvimento devido ao uso narrativo da música. É, no entanto, interessante que Disney e Broadway desde seus primórdios lancem mão deste recurso em suas obras, as quais, eventualmente, sejam tão bem aceitas pelo público em geral – como a clássica Hakuna Matata (O Rei Leão) e a recente Let it Go (Frozen – Uma Aventura Congelante) – mas cuja aceitação não seja a mesma quando o gênero é aplicado no formato live action ou o material encenado fora dos palcos. Entre tantos outros exemplos, Caminhos da Floresta encaixa-se na categoria dos que merecem ser vistos sem este tipo de filtro.

    Vindo na esteira de uma leva de filmes propondo reformulações menos monocromáticas nos contos de fadas, como ocorreu com Malévola e o já citado Frozen, Caminhos da Floresta maximiza essa tendência e une os principais contos de fada recontados ou elaborados pelos irmãos Grimm em um mashup capaz de unir, mais do que suas tramas, as discussões morais e éticas já presentes desde sempre nestes contos. Para tal tarefa, a Disney chamou o veterano Rob Marshall, diretor de Nine e Chicago, para reunir todas essas tendências e criar uma paleta mais sutil e atual com o uso de charmosas canções.

    O que vemos aqui é uma única história contada de maneira fracionada com o uso de personagens, de comportamento tipicamente maniqueísta, mas que unidos tornam-se mais profundos. Nos contos originais, a trama desenrola-se a partir do erro ingênuo da jornada dos heróis (chamado de Hermátia, que pode ser traduzida do grego como “Errar o Alvo”). Mas o que Rob Marshall faz com esse material é uma discussão sobre a real inocência deste erro e como ele pode afetar a vida de todos, e faz isso usando como fio condutor o conto de Rapunzel – ironicamente, deslocado e abandonado de acordo com a conveniência do roteiro -, levando adiante a história de sua origem ao nos apresentar as consequências adquiridas pelas próximas gerações do conto.

    A apresentação dos personagens é feita através da narração de suas ocupações e de uma canção que permeia os cenários dos protagonistas exibindo seus desejos e aflições. Neste ponto, podemos separar os protagonistas como alegorias para “O mundo”; a floresta como “A vida”; e a Bruxa (Meryl Streep, merecidamente indicada ao Oscar novamente) como “Os percalços da vida”. E assim está posta a mesa sobre os dilemas da vida, o que faz todo o sentido neste contexto, já que todos os contos de fada usados são “arquétipos universais”, assim chamados por reproduzirem-se mesmo em culturas distintas e não relacionadas entre si.

    Apesar da proposta ambiciosa de buscar o sentido da vida – ou o sentido da floresta -, a produção frequentemente peca pela literalidade com que aborda boa parte de suas teses, o que é uma pena, pois, quando consegue se desfazer deste cacoete, sempre acerta, como na cena de renascimento de Chapeuzinho Vermelho, ou de sua transformação interna com a substituição de sua capa vermelha de menina por uma capa de mulher, fruto de seus erros que será carregada para que possa enfrentar o mundo.

    Com uma metragem maior do que deveria, o filme tropeça em algumas ambiguidades por ceder à falácia do meio-termo como situação ideal, mostrando os extremos e então forçando-os a alcançar um ponto de equilíbrio dito ideal, como quando, após expor o machismo dos contos e dos cafonas príncipes encantados, a adúltera é punida pela vida sem a menor cerimônia; ou, quando fala sobre onde colocar nossos desejos sexuais, argumenta a possibilidade de que no fundo a moça sabia que não deveria ter provocado ou se excitado.

    Mas não adianta buscar culpados apenas, pois afora passar por esta floresta e seus caminhos – pela falta de caminhos, atalhos ou estradas – passa pela aceitação do outro como parte da resolução, assim como foi parte do problema, tendo o sentido de pertencimento como essencial para lidar com os defeitos do mundo, a vida e seus problemas.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Livre

    Crítica | Livre

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    Com roteiro do badalado escritor britânico Nick Hornby e direção do canadense Jean-Marc Vallée, Livre conta a história real de superação de Cheryl Strayed, escritora que percorreu os mais de 1600 quilômetros da Pacific Crest Trail, que vai do sul da Califórnia até a fronteira do Canadá.

    Após passar por traumas recentes, como a morte da mãe, divórcio decorrido de traições e do uso abusivo de heroína, e sem preparo físico algum, Cheryl decide partir para o enorme desafio físico de percorrer uma difícil e perigosa trilha, entrando em uma jornada de autodescobrimento.

    Baseada no livro autobiográfico lançado em 2012, a adaptação de Nick Hornby deixou um roteiro fluido que permitiu o rápido avanço na história. Narrado como um road movie, a proposta do filme é discutir o doloroso processo físico e psicológico que representa o recomeço. A cena inicial, antes do crédito do filme, é bem emblemática neste sentido: depois de arrancar a própria unha do dedão direito em cima de um penhasco, consequência do uso de botas mal escolhidas, Cheryl perde um dos pés do calçado e então decide jogar pelo penhasco o outro pé, gritando “Fuck you!”.

    Uma das dificuldades de analisar a obra é evitar cair no senso comum e chamar Livre de Na Natureza Selvagem feminino (leia a nossa crítica do filme, e a resenha feita para o livro de Jon Krakauer). Apesar de usar a mesma estrutura narrativa de flashbacks no meio de uma narrativa principal, e de ter uma protagonista sozinha em meio a natureza, são duas propostas completamente diferentes: Cheryl Strayed não nega o seu papel na sociedade como Christopher McCandeless o faz, e muito menos prega o desapego aos bens materiais ou nega os valores da sociedade em si; ela está ali, longe da civilização, para repensar a sua vida e os seus valores. Inclusive, na parte em que é entrevistada contra a sua própria vontade, Cheryl repete várias vezes ao repórter que não é uma andarilha sem destino, e que tem um objetivo muito claro: completar a difícil trilha; em outra parte, ela cria expectativa para as botas novas que irá receber, já que os seus pés estão quase em carne viva em razão da cena inicial. O roteiro de Nick Hornby tenta se distanciar ao máximo da inevitável comparação com o filme de Sean Penn, e consegue com sucesso.

    A tradução do título do filme para o português é curiosa. Livre é selvagem e também serviria como título, pois não há ordem ou papel social a ser representado quando se é “selvagem”. Porém, “Livre” aparenta ser uma escolha mais acertada, já que a protagonista precisava se livrar das amarras que a prendiam para começar uma nova vida, inclusive em outra cidade.

    A atuação de Reese Whitespoon é incrível. Ela consegue encarnar a Cheryl Strayed, a amorosa filha abalada após a morte da mãe, nas difíceis cenas em que se droga e faz sexo violento, até ter a sua redenção através do trabalho físico de percorrer a extensa trilha e ter que lidar com os perigos e contratempos do caminho. Os outros atores têm boas aparições, mas nenhuma que importe tanto quanto a da mãe de Strayed, vivida pela sempre ótima Laura Dern, ou a do ex-marido da protagonista, interpretado pelo bom Thomas Sadoski (o Don Keefer de The Newsroom).

    O canadense Jean-Marc Vallée repete a boa direção depois do ótimo Clube de Compras Dallas, e neste ela se revela novamente na direção de atores, com a atuação solitária de Reese na trilha tendo que lidar com a solidão e os seus demônios internos. No entanto, uma crítica que pode ser feita refere-se ao final um pouco abrupto do filme. Apesar de indicar no roteiro o ponto onde a trilha terminaria, faltou ao diretor trabalhar melhor a informação para dar mais sentido à conclusão da história.

    A fotografia naturalista desempenha o que se espera de um bom fotógrafo como o canadense Yves Bélanger, que também fotografou Clube de Compras Dallas, embora as bonitas imagens da natureza pudessem ter sido um pouco mais impactantes.

    A edição foi um dos pontos altos do filme. O diretor, que também editou o filme junto ao canadense Martin Pensa, outro colaborador de Clube de Compras Dallas, criou cortes rápidos e interessantes quando liga os flashbacks de lembranças de Cheryl com a realidade do presente. Neste sentido, pode ser tecida uma comparação com os cortes ágeis às cenas dos personagens usando drogas em Réquiem Para um Sonho, de Darren Aronofsky.

    Livre vale a pena ser visto não só por estar concorrendo ao Oscar, mas sim por ser uma linda história da mais simples humanidade, que vai do amor à perda, da entrega ao caminho fácil à superação; e, finalmente, de mudança e renascimento.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

    Crítica | Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

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    Como é bonito ver uma câmera de Cinema, sendo que só ela atinge a magia a seguir, flutuando do palco aos bastidores num balé muito mais que espacial entre duas nebulosas paralelas – de certa maneira, após uma reflexão de ônibus – bastante inconfundíveis. Talvez seja o teatro, bom e velho reino que suporta e abranda, com uma concordância mais segura sobre todas as outras bases, a alma de um artista posto que venha a ser o que for, numa relação de amor e ódio, concebível e perpétua, refletindo a atração e a repulsa que, seja a vida, seja a arte, sente pelo oposto de cada uma desde eras paleolíticas. Se o Cinema não aguentou ficar no preto e branco e teve que buscar os matizes expansivos do CinemaScope em testamentos revolucionários (tal Os Sapatinhos Vermelhos (1948), um marco histórico de Michael Powell do uso colorido do sentido visual e inspiração de influências soberbas, tipo Os Amores de Pandora (1951), Delírio de Loucura (1956), A Balada de Narayama (1958), ou Yimou Zhang e seu quente O Sorgo Vermelho (1987), primeira empresa do artista chinês), que dirá quanto o artista, seja ela fotógrafo, seja ele músico ou um gari de sítio público, digno sempre de ser maior que sua arte: sua vil e incorruptível semelhança sempre à prova – sempre. Primeiro, à mercê da fome de se tornar artista, aprender o aflito equilíbrio na margem da dúvida se de dia ou se de noite, cedo ou tarde, irá ou não padecer na triste analogia ao conto de Franz Kafka; ser alguém na vida é difícil, mas na arte é delírio de amantes. É a loucura de abrir a caixa de Pandora e espiar com uma lupa o conteúdo do seu plexo solar em noites quentes, em especial de lua cheia. Ser arteiro é a inadvertida sentença de ser o que é.

    Eu queria ser Michael Keaton, ou melhor, o Batman. Eu queria ser o Keaton com a roupa do Batman ganhando aquele beijo (no mínimo) de Pfeiffer e sua clássica Catwoman nos longínquos anos 90 – e também para trabalhar com Tim Burton quando ele sabia usar o taco. Porque, sério, nem o Batman é tão legal quanto Keaton, tanto quanto a pele por trás da máscara. Pele, crise e humanidade a atormentar a intolerância do Coringa que vive em todos nós, dividido em psicanálise e danação para a carga ser mais leve.

    Após assistir à obra de Alejandro Inãrrìtu, a versão talvez mais próxima que o Cinema já chegou dos quadrinhos de Watchmen, todo mundo quer descobrir A Inesperada Virtude da Ignorância, procurando, assim e a partir disso, o sentido por trás dessa metalinguagem galopante e infinita de um teatro e adjacências em Nova York, cheia de seres que precisam se esforçar para serem humanos, às vezes. Lá, onde encontramos o símbolo e os sons simbólicos, a alegoria contextual e o frisson de adentrar um filme que não se sabe o que fala mais alto, se são as palavras ou as ações, pois, afinal, é Iñárrítu. Birdman, o alterego do verdadeiro herói, pouco importa, pois se Federico Fellini focou no Guido, homem e artista (em )Billy Wilder na Norma, mulher e artista (em Crepúsculo dos Deuses), e Werner Herzog e Klaus Kinski além do doméstico e cênico, já nascidos sob aquela sentença, então que mal faz a ambição aos holofotes, quando regidos por quem refina a luz de meia dúzia de vórtices ambulantes?

    O que concluir quanto ao sentimento inesquecível de uma cena inesquecível, em prol de Keaton, homem, ator e personagem, diante de seu esquecimento e agora retorno ao apogeu de Hollywood, quando encontra um ator amador na rua, persona síntese de seu céu e inferno, sendo livre como o ator não se permite ser, sereno em exercício como a pessoa do ator não se deixa, aliás, nem diante de sua imagem num espelho qualquer. Iñárrítu é o típico cineasta masoquista com os arquétipos de suas histórias, mas em seu melhor filme reconhece que a vida já é canalha demais e parte para juiz da partida, impedindo apenas que tudo fique ainda pior, já que o abismo que surge da colisão entre a Vida e a Arte mais inerente não pode ficar. Não é uma questão de profundidade, isso vai de cada um. É pavimentar o terreno, para tanto, com tudo o que há de melhor e conceitual a favor da reciclagem de valores e experimentações de causas epifânicas, sejam quais forem, deliberada a pluralidade de intenções que superam qualquer outra obra do cineasta. Tudo oriundo de uma simplicidade existencial em forma de incógnita quântica. É preciso saber assistir à obra.

    Uma vez que o bendito travelling é uma questão de moral, o “plano-sequência” é do quê? De ética? Precisamos ser tão previsíveis assim? É claro que não. A vida não para. Hoje se está lá, amanhã no purgatório e depois, no espaço. A virtude da grande sequência de consequências na qual Birdman é conjurado, com ótimos e poucos cortes de cena, não só remete à hipnose provocada pela continuidade sensorial no Cinema e Teatro, verdadeira homenagem objetiva aos nobres fundamentos das artes em seu porão compartilhado, mas sobretudo: 1) respira na metáfora intervisual do ritmo urbano moderno; 2) na própria visão continuada do real para a ficção de um preciso artesão artístico; e ainda: 3) na proporcionalmente irônica conexão entre a vontade de se perder para enfim se achar – no desabafo em um bar com uma crítica teatral, ou no enfrentamento ou suplício carnal, como aspectos do natural em um mundo de fantasia, tão almejada como irresistível.

    Em suma: Iñárrítu, mais bem-sucedido do que nunca, apresentando a bússola de orientação de homens e mulheres num cenário de pura desorientação, de fato não poderia ter achado técnica mais certeira que a sequência infinita pelas escadas e camarins onde lirismo e pressão comercial vivem juntos, muito mal, obrigado, como todo jogo de interesses nada pequenos. Birdman é de uma atuação espetacular enquanto coletivo de atores pulsante e inebriante. Obra livre, pássaro livre de qualquer explicação singular. Não é um filme completo, mas é um dos poucos filmes americanos recentes que são tão completos e interessantes de se revisar quanto poderia, por fim, se impor e vir a calhar a algo ou a alguém.

  • Crítica | Invencível

    Crítica | Invencível

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    Invencível, novo filme dirigido por Angelina Jolie, adaptado do livro Invencível – Uma História de Sobrevivência, Resistência e Redenção, conta com os irmão Coen no roteiro para dar corpo à vida e à memória do atleta olímpico Louis Zamperini (Jack O’Connor), que após sobreviver 47 dias no mar é feito refém pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial.

    A literalidade da obra não fica apenas no título, porém. Invencível é um drama clássico, ao menos em teoria, feito aos moldes da Poética de Aristóteles: é a síntese da busca pela catarse através da dor e sofrimento, com o objetivo de nos provocar medo e compaixão, para, em seguida, entregar uma breve purificação como fruto do sofrimento compartilhado.

    Apesar de seguir à risca o caminho canônico da tragédia dramática, falta a Jolie e ao roteiro dos Cohen o compartilhamento sobre o real estágio humano de seu protagonista, que em nenhum momento parece saber por que sobreviver. Falta comunicação com o espectador e um fio condutor melhor resolvido do que a frase “se puder suportá-los, pode vencê-los”, a qual Zamperini leva consigo como mantra.

    Datado como obra, Invencível não só é aristotélico como também platônico. Ao trabalhar diversos combates e situações em um plano quase etéreo, eleva seu protagonista aos céus, enquanto seus companheiros – tão sofridos quanto – mantêm-se no plano mundano. Jolie idealiza seu protagonista a ponto de achar que não precisamos de suas motivações, e que sua sobrevivência fala por si. Fora das convenções do cinema, sua fibra moral é óbvia, mas em determinado momento Zamperini deixa de reagir às privações, o que é problemático em termos de dramaturgia.

    Isso influencia no trato dos coadjuvantes, subaproveitados, que poderiam ter dado um pouco mais de sustância ao roteiro se houvesse nisso a tentativa de decodificar Zamperini ao público. A idealização faz sentido, já que o veterano foi vizinho e amigo pessoal de Angelina Jolie, chegando a participar ativamente da produção. Mas ao espectador falta justamente a catarse, da qual temos apenas vislumbres, como na belíssima composição da batalha ideológica do personagem principal e seu algoz, o sargento Watanabe, que perde seu potencial de conquistar até mesmo o mais blasé dos espectadores ao reafirmar a santidade do atleta olímpico e fazendo da cena um bem filmado exercício de futilidade. O resultado são 162 minutos do que seria uma bela história de resiliência filmada como se fosse apenas teimosia da parte de Louis.

    A crítica especializada (sic) diz que, quando uma crítica começa a análise falando bem sobre a fotografia do filme, é porque este não é tão bom, mas sim simpático. Simpático, mas nada empático; bonito, mas carece de poder cinematográfico, pois logo nas primeiras cenas a mão pesada da montagem enfeia todas as incríveis composições da direção de fotografia idealizada por Roger Deakins (Onde os Fracos Não Têm Vez, 007 – Operação Skyfall), e consegue tornar o filme mais insensível do que seu roteiro ao simplesmente não nos permitir contemplar cena alguma por carecer de ritmo. Não há suspiro quando deveria haver, nem tensão quando deveria haver. A tentativa de tensão é feita sem sutileza na transposição das cenas, levando o espectador a perder-se geograficamente mesmo em ações simples.

    Não faltará nem mesmo a tradicional explanação sobre o destino de seus personagens, apenas burocraticamente colocada para arremate. Um trabalho visualmente muito bonito e inspirado que funcionaria melhor em mãos mais delicadas e focadas.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Sherlock Holmes e a Arma Secreta

    Crítica | Sherlock Holmes e a Arma Secreta

    A cine-série protagonizada por Basil Rathbone apresenta a temática da Guerra contra o nazifascismo e pretensa soberania alemã, numa “adaptação” do conto de Arthur Conan Doyle, The Dancing Men. Dessa vez a obra é regida por Roy William Neill, que prosseguiria na franquia por mais 11 filmes. Logo de cara nota-se que os disfarces de Holmes estão melhor construídos do que a versão de 1939 para As Aventuras de Sherlock Holmes.

    Sherlock, em frente a um espelho, se desvencilha da máscara que usava como maquiagem, mostrando ao público sua real face e compartilhando com ele um pouco do seu processo de trabalho, numa frase bastante emblemática que lembra muito o detetive dos contos doylianos: “Eu nunca suponho, Watson”.

    Graças a um atentado, e com receio disso respingar em sua amada, Doutor Franz Tobel (William Post Jr.) aliado de Holmes, exige que seus experimentos não tenham interferência ou supervisão inglesa, fato interessante por si só por demonstrar de forma clara o paralelo com a costumeira neutralidade da Suíça, país de origem do espião infiltrado, e que só se permite entrar no esforço de guerra contra o Führer em seus próprios termos. A elevação de Tobel evidencia um defeito que cada vez mais se agrava: a lastimável transformação de Watson em um alívio cômico; o médico mal entra nas investigações.

    A única semelhança factual entre o roteiro final e o conto original é o código usado para esconder o segredo do agente infiltrado, que serve mais como easter egg do que como fonte de inspiração. A versatilidade de Rathbone constitui um dos pontos mais altos do filme, principalmente pela quantidade de disfarces que Sherlock lança mão. As cenas de tortura também são muito bem executadas.

    O Professor Moriarity – grafado errado na ficha técnica – é completamente diferente do retratado por George Zucco em Aventuras de Sherlock Holmes. Lionel Atwill, que já havia feito o Doutor Mortimer em O Cão dos Baskerville de 1939, metamorfoseia-se em um vilão comum, apenas preocupado com o lucro, em nada lembrando o Napoleão do Crime, inferior, e muito, ao seu antecessor no papel. O problema é tão gritante que ganha ares de ato falho, em uma fala de Sherlock/Basil emblemática: “Ora essa, esse não é o professor Moriarty, mestre dos crimes, que eu conheço”.

    A tentativa de deter Sherlock é muito facilmente desbaratada, e caracteriza este plano como algo muito mal construído, aliado à armadilha que o Detetive arquiteta para o seu rival, que o reduz a um simples bandido ordinário e sem criatividade própria, o que leva a crer até mesmo na possibilidade deste ser um impostor. Sua morte é ainda mais indigna que a versão do pastiche presente no filme.