Categoria: Cinema

  • Crítica | Minha Mãe é uma Peça: O Filme

    Crítica | Minha Mãe é uma Peça: O Filme

    O comediante niteroiense Paulo Gustavo ganhou notoriedade ao executar uma peça em que satirizava a figura materna. O espetáculo intitulado Minha Mãe é uma Peça era um monólogo e o texto era do próprio artista, que acrescentava mais conteúdo com o crescimento de popularidade da obra.

    André Pellenz, que trabalha nos programas de Paulo Gustavo (220 Volts e Vai que Cola) é responsável pela versão cinematográfica. Esse é seu primeiro longa-metragem, e talvez por isso os seus erros sejam mais perdoáveis. O roteiro parece uma versão suavizada da peça, feito sob encomenda para alcançar um público ainda maior, abrindo mão de argumentos ótimos no original, como a forma de Dona Hermínia lidar com um filho homossexual. No filme a versão de Juliano (Rodrigo Pandolfo) é extremamente comedida e corre o risco do fato passar despercebido ao indivíduo mais desatento. A trama principal é chata e pouco engraçada, o que salva são algumas pequenas sketches e flashbacks que mostram as situações vividas pela protagonista, mas tais quadros cômicos não levam a história para frente, estão lá para encher linguiça somente, isso faz com o resultado final se assemelhe a um Frankenstein, com pedaços distintos reunidos de qualquer forma.

    As outras interpretações fora a do astro principal não são fracas, mas deixam tudo muito a desejar, aquém do que poderia ser, mesmo com o elenco estrelado que Pellenz possui em mãos. O forte da obra prossegue sendo Paulo Gustavo, com seus trejeitos e gritaria absurda. Seu modo de agir, falar e se locomover é hilário, e essa qualidade evidencia ainda mais os defeitos do filme – não há nenhuma cena em que ele não esteja enquadrado que funcione como comédia, todas são sem graça, maçantes e sofríveis, e não precisava ser assim. Devido à pasteurização do script, que tornou as questões ambíguas da peça em obviedades não há como culpar Herson Capri, Ingrid Guimarães, Samantha Schmutz e os outros atores, pois não havia com o que eles dialogarem, pareciam engessados e mecânicos. O público alvo desta versão é diferente do teatro, o objetivo é o de atingir o máximo de gente possível, inclusive o espectador mais conservador, que tende a aceitar mais facilmente um homossexual quando ele é engraçado.

    No geral, Minha Mãe é uma Peça o Filme entretém e faz rir, principalmente se para o indivíduo que for assisti-lo o comediante for um sujeito completamente desconhecido. A realização de Pellenz e Gustavo não é muito diferente dos últimos produtos de comédia que ocuparam as salas de cinema brasileiras, como Os Penetras, E aí… Comeu? e Agamenon, ainda que este seja muito mais engraçado que os citados.

  • Crítica | O Lugar Onde Tudo Termina

    Crítica | O Lugar Onde Tudo Termina

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    Segundo longa-metragem de Derek Cianfrance, este The Place Beyond the Pines traz um drama com uma história pouco convencional, cheia de reviravoltas e magistralmente filmada.

    O filme é dividido em três atos que são protagonizados por personagens diferentes. O primeiro deles é estrelado por Luke Glanton, interpretado por Ryan Gosling que já havia trabalhado com Cianfrance no excelente Blues Valentine. A situação familiar indesejada em que o personagem se mete o leva a tomar atitudes precipitadas e impensadas, fazendo-se valer de seu talento como dublê de motocicletas – papel muito semelhante a um de seus recentes sucessos, Drive. A tatuagem no rosto de Glanton prevê as lágrimas que viriam a cair sobre o seu rosto – um paralelo interessante entre sua antiga e desregrada vida, e seu novo estilo “familiar”. A decisão que o personagem toma por impulso o leva a uma série de ocorrências cada vez mais perigosas, Glanton parece não conseguir medir a gravidade das coisas que faz e das consequências que elas trariam.

    A perseguição policial em que o dublê se envolve é uma sequência impressionante, oras em primeira pessoa e em outros momentos com câmera na mão. Cianfrance evolui cada vez mais em suas realizações. Ao apresentar o próximo protagonista, o diretor registra uma lágrima caindo da janela do segundo andar, o que não poderia ser mais emblemático. Mudar o foco e mostrar histórias distintas no mesmo filme é uma tarefa complicadíssima, e o roteiro não peca, ao contrário, mostra a evolução dos envolvidos sobre outra ótica. A trama de Avery Cross – Bradley Cooper – é bastante diferente da de Luke Glanton, seus dramas e problemas são o completo inverso do criminoso.  Em todo momento, o policial é reticente em praticar atos ilícitos, seu Ethos parece incorruptível, e seu pecado, ao menos em sua própria interpretação é o de conivência e não corrupção pura e simples.

    O terceiro ato ocorre após 15 anos e registra as ações da geração posterior a de Luke e Avery. O passado de Cross – que agora ocupa o cargo de promotor público – vem para assombrá-lo e ele tenta mais uma vez remediar a situação de forma equivocada.

    As atuações certamente são o ponto forte do filme, Derek Cianfrance trabalha muito bem com o que tem em mãos. Coadjuvantes como Robin – Ben Mendelsohn – marcam presença de forma eficiente e abrilhantam demais o produto final. O trio de protagonistas também exerce seu oficio de maneira belíssima, Gosling faz o que já está habituado – o que é sempre bom – Cooper encarna muito bem o policial honesto e o político ganancioso e isolado, seus problemas são reais e fazem o espectador sentir a sua dor e  isolamento. Dani DeHaan faz um papel riquíssimo e é a boa surpresa do filme. Em muitos momentos emula as características de seu pai, agindo como uma bomba prestes a explodir, e em outros ele tem atitudes como as de sua mãe e seu pai adotivo, seu personagem é uma amálgama muito bem feita e mesmo com tudo isso possui personalidade própria.

    Os 15 minutos finais são de uma tensão absurda. O Lugar Onde Tudo Termina fala sobre como um péssimo dia pode gerar uma cadeia de eventos  caótica, e acabar com toda uma (ou mais) vida(s) “correta(s)”. Não trata o espectador como imbecil e não faz concessões morais, seus personagens são tridimensionais e cheios de falhas.

  • Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

    Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

    As Vantagens

    As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower, EUA, 2012, Dir: Stephen Chbosky) é adaptação do homônimo livro lançado em 1999 escrito pelo roteirista e também diretor do filme, que por sua vez foi criador da série Jericho, cancelada após a segunda temporada.

    Sinopse: um menino introvertido entra no segundo grau e é acolhido por dois meio-irmãos veteranos, que o ajudam a se adaptar às dificuldades da adolescência na rotina escolar e na vida.

    Para entrar no universo de adolescentes/jovens perdidos, a direção de Stephen Chbosky tenta emular os filmes da Sofia Coppola, especialmente “Virgens Suicidas” (1999), e Bertolucci com o seu “Os Sonhadores” (2003). O problema é a falta de identidade a partir disso. Não há um plano marcante do ponto de vista cinematográfico que seja mérito exclusivo da direção, nenhum movimento de câmera, marcação de atores em cena, nada. A mise-en-scène blasé só consegue se sustentar por meio do roteiro, a única hora em que se pode ver o talento do diretor é na direção de atores: Chbosky consegue extrair boas atuações dos três atores principais, principalmente de Logan Lerman.

    Diria que mais da metade da força que o filme teve perante seus fãs e admiradores veio da sua atuação de Lerman. Conhecido por ter interpretado Percy Jackson, o outro Harry Potter, Lerman mostra aqui que só precisava de uma chance fora do mundo blockbuster para mostrar o seu talento. Com uma interpretação contida durante a maioria do filme, ele consegue passar todas as características do seu personagem de forma sublime: angústia, medo, insegurança, amor, e, principalmente, os demônios internos que o atormentam. Se o ator der sorte de continuar a pegar personagens mais profundos e manter esse nível, talvez daqui a alguns anos poderemos ver surgir um novo Ryan Gosling.

    Os outros atores interpretam bem o seu papel. Emma Watson, porém, não consegue ir muito além, ela é engolida pelo bom Ezra Miller, o Kevin, de “Precisamos Falar sobre o Kevin” (2011), e principalmente por Logan, que engole todo mundo que está em cena do meio para o final do filme. O resto do elenco cumpre bem a sua finalidade, com especial menção a Tom Savini, Paul Rudd e Joan Allen, que saem um pouco das suas interpretações usuais.

    O roteiro sem grandes furos tenta conduzir a narrativa por um meio não convencional. De uma forma forçada tenta impôr o protagonista em um universo hipster e assume assim uma outra estrutura dramática, que só serve para acentuar o fato de que o adolescente deslocado encontrou pessoas esquisitas e com problemas semelhantes ao dele. Não à toa, ele os chama de “amigos” várias vezes ao longo do filme, logo o protagonista, que era conhecido por não ter ou saber fazer amigos.

    E então vem o maior problema do roteiro, por consequência, do filme: a conveniência de voltar à dramaturgia convencional e sua estrutura quando ficou sem saída aonde havia ido antes. A briga no refeitório na metade para o fim e a “grande revelação” do final do filme exemplificam isso. É um roteiro covarde, frouxo, bundão, que fingiu uma audácia que não tinha, pois, no fim das contas, não se sustentou. Ou seja, pretensioso. Nesse sentido, “Meninas Malvadas” (2004) com a Lindsey Lohan, mesmo sendo uma comédia blockbuster cumpre melhor este papel, é um filme mais eficiente abordando a mesma temática no mesmo universo.

    A fotografia quase o tempo todo usa filtros não realistas, como naquelas cenas que representam sonhos, o que impede um melhor trabalho de Andrew Dunn, que já havia fotografado os ótimos “Preciosa” (2009) e “Amor a Toda Prova” (2011). As únicas partes que ela se sobressai é quando os demônios internos do protagonista são retratados.

    A editora Mary Jo Markey, também não consegue mostrar o seu talento, como já havia evidenciado nos filmes irregulares Star Trek 2 – Além da Escuridão, a série Lost e Super 8. A edição linear ajudou na narrativa, mas a única hora que se sobressai é semelhante à fotografia: ajuda a mostrar os demônios internos do protagonista.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Madrugada dos Mortos

    Crítica | Madrugada dos Mortos

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    A estreia de Zack Snyder foi em uma refilmagem e dificilmente seria melhor. Seu Dawn of the Dead é diferente de tudo o que Romero propôs como apocalipse zumbi e ainda assim é muito competente. O ritmo dos ataques é frenético, a transformação é praticamente instantânea e o departamento de arte não poupa galões de sangue falso.

    O imediatismo não é só devido ao fato dos mortos-vivos serem velozes, as criaturas são quase sobre-humanas, a sobrevivência é muito mais difícil e as condições de vida escassas. Não há tempo para ajudar pessoas ou resgatar entes queridos, é cada um por si. Madrugada dos Mortos é um fôlego novo no gênero, e muito superior aos seus primos pobres – Resident Evil e afins.

    O remake é certamente a obra mais acertada de Snyder. Sua forma de filmar causa arrepios, isola os personagens através da angulação da câmera e passa a atmosfera de desespero sem precisar ser didático. A música que acompanha os créditos iniciais – The Mans Come Around de Johnny Cash, serve como ótimo resumo dos fatos ocorridos após a infecção. A discussão proposta pelo roteiro é igual a mensagem de George Romero, mas é atualizada para uma nova geração, que cresceu vendo os vídeo-clipes da MTV, e o realizador é muito competente, pois engloba o espectador mais novo ao mesmo tempo que não esquece o velho fã de mortos andantes.

    O elenco está bastante à vontade. Ving Rhames faz um policial sem muita paciência para o moralismo comum ao outros sobreviventes, mas que no fundo se importa com o grupo. Sarah Polley faz uma protagonista que evolui muito com o decorrer da trama, de uma frágil e condescendente enfermeira até uma líder nata. Mesmo os clichês são bem utilizados, e não denigrem a obra.

    O filme é repleto de momentos grotescos. A cena do parto e toda a atmosfera que a envolve é sinistra, amedrontadora e asquerosa. É tenso e muito divertido. Snyder gravou um curta metragem – que está nos extras do DVD da versão nacional – mostrando o cotidiano de Andy (Bruce Bohne), que grava em vídeo desde o início do apocalipse zumbi até a sua transformação. Isso acrescenta muito a trama, e tornou-se prática comum nos filmes do diretor – vide o mockumentary  Sob o Capuz de Watchmen.

    O plano de fuga arquitetado pelo heróis é estúpido, e nos 20 minutos finais todos viram exímios atiradores. Há um julgamento moral muito forte, até puritano em alguns pontos, os personagens que caem são os que antes eram mostrados com alguma “parafilia” latente – seja homossexualidade, poligamia ou o registro visual de relações sexuais – mas o recurso é comum a filmes de Terror, e não causa tanto descontentamento quanto à redenção de um dos anti-heróis.

    As cenas pós-créditos são ótimas, e dão um aperitivo de como seria a vida dos sobreviventes após a chegada na ilha. Quando o inferno estiver lotado, não haverá escapatória para os que ainda permanecem vivos.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | Superman: O Filme

    Crítica | Superman: O Filme

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    O primeiro nome nos créditos iniciais é o de Marlon Brando e  logo após vem o de Gene Hackman, acompanhado é claro pela magistral música de John Williams. A abertura é longa: entre o Prólogo e o anuncia da direção ocorrem mais de cinco minutos, milimetricamente planejados para gerar expectativa no público.

    A história é de Mario Puzo – de Poderoso Chefão – e começa com o julgamento dos três super-criminosos kriptonianos, encabeçado por Jor-El. Neste momento já é possível perceber a prepotência, arrogância e imponência de Zod , que dispara bravatas contra o “juiz”.

    Os efeitos especiais de Roy Field eram magníficos para a época, e não fazem feio hoje, claro fazendo-se algumas concessões. Grande parte da magia em Superman é fazer o espectador acreditar que O Homem poderia voar. O roteiro de Puzo se vale das origem contada por Siegel/Shuster, a criança recém-chegada a Terra tem um força descomunal e a demonstração de suas habilidades é muito parecida com a abordagem das primeiras histórias de Action Comics dos anos 30. A criação discreta dos Kent, a forma de esconder os poderes evitando-se exibições e seu uso para benefícios próprios, tornam Clark no herói sempre preocupado com o bem estar dos menos favorecidos.  Outro fator que colaborou para isso foi à instrução de Jor-El, por meio do sistema de inteligência artificial kriptoniano, ele diz que a humanidade é boa, só precisa de alguém para guiá-los.

    Apesar da lentidão, as passagens de tempo são muito bem executadas, desde o prólogo em Krypton, passando pela infância e adolescência de Kal-El em Pequenópolis. O Herói só veste seu uniforme depois de passados 48 minutos de exibição. A atuação de Christopher Reeve vivendo um pacato repórter capial é muito boa, e o deixa como o completo avesso do imponente escoteiro. Mesmo com Margot Kidder fazendo uma Lois Lane cheia de caras e bocas e voz insuportável, há de se acreditar no casal, graças à química e ao enorme carisma de Reeve. Os outros personagens também possuem uma caracterização bastante peculiar, Lex Luthor em sua primeira aparição assassina um detetive que o perseguia, se auto-intitula a maior mente criminosa do universo – sua personificação varia entre o cientista louco com gênio criminoso extremamente maniqueísta, soberbo e mal por essência. Os capangas também exageram no tom humorístico, mas não é nada que atrapalhe o bom andamento do filme.

    Interessante como o Super deixa um barco de algumas toneladas sobre uma avenida bem em frente a uma delegacia – de quem seria a responsabilidade de rebocar o encouraçado? Impressionante também é como o dono da prisão leva numa boa a invasão ao seu “estabelecimento”, onde o herói deixa dois criminosos no interior das dependências do cárcere.

    A maneira como o Super-Homem cai na armadilha de Luthor é estúpida, imprudente, óbvia e inaceitável. Nesses momentos os elementos da história parecem inspirados nas versões mais pueris do Super-Homem, como as mostradas no desenho Superamigos. Em contrapartida as façanhas e sacrifícios que ele faz pela população, mesmo com os exageros tornam o caráter cinematográfico ainda mais épico. Suas promessas são cumpridas, o dever com os inocentes é maior que as suas necessidades pessoais. Um ponto fraco no roteiro é o artifício utilizado no final – a viagem no tempo – em que liga-se uma variação de Deus Ex-Machina completamente desnecessária, sem falar no fato disso ser uma desobediência direta a ordem de seu pai de “não interferência na história humana”. Isso mostra que o kriptoniano é suscetível a tentações.

    Super-Homem o Filme é um clássico incontestável, mesmo que não seja perfeito. Certamente é o melhor filme de super-herói realizado até o presente momento, além é claro de ter servido de inspiração para as outras adaptações que viriam depois. Uma grande realização de Richard Donner – talvez a mais notável de toda a sua carreira.

  • Crítica | Guerra Mundial Z

    Crítica | Guerra Mundial Z

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    O gênero zumbi é conhecidíssimo do grande público nos tempos atuais, principalmente por causa do sucesso da série de TV The Walking Dead. Grande parte deste sucesso é devido ao fato de que o criador do gênero moderno de zumbis, George Romero, usou essa temática para fazer analogias, sempre críticas, da sociedade naquele momento.

    Nos anos 2000, o gênero “zumbi” voltou com tudo após ficar em dormência durante os anos 80 e 90. Os expoentes desta retomada foram Extermínio e Madrugada dos Mortos. Porém, a estética dos zumbis se alterou. Ao invés de criaturas decrépitas e lentas, agora temos zumbis super-rápidos e que se movem sempre em grupos enormes com um comportamento irracional, e é aqui que se encaixa a analogia aos tempos modernos, a crítica ao consumismo, as grandes massas que se movimentam sem pensar, somente seguindo impulsos primários, aglomerando-se e brigando por aquilo que consideram vital. Quem já passou por uma liquidação, ou mesmo vivenciou uma Black Friday, deve ter experimentado algo parecido.

    Guerra Mundial Z segue nessa linha, porém, à sua própria forma. Terminou de ser filmado em 2011, mas problemas de produção, brigas entre o ator/produtor Brad Pitt e o diretor Marc Foster atrasaram o lançamento do longa, que até teve o final refilmado. Geralmente filmes com problemas assim acabam dando um resultado ruim, mas não foi este o caso. Guerra Mundial Z convence como filme-catástrofe e como ação. Consegue prender a atenção do espectador e criar momentos genuínos de tensão sem apelar a (muitos) clichês do gênero.

    Na história, Gerry Lane (Pitt) é um ex-funcionário da ONU especialista em trabalhar em regiões de conflito pelo mundo, por isso sua intensa experiência em fugas de situações de risco. Porém, agora ele está aposentado. E o filme se inicia justamente em seu cotidiano familiar na Filadélfia, ao mesmo tempo em que somos apresentados gradualmente a notícias de uma estranha infecção estar se espalhando pelo mundo (também excepcionalmente apresentada na abertura, com a também boa música-tema executada pela banda britânica Muse).

    Durante também uma excelente sequência no trânsito congestionado, somos apresentados a infecção de uma hora para outra, o que não pareceu fazer muito sentido, porque por mais que Lane conte o tempo de infecção através de mordida em 12 segundos, uma onda como a que atravessa a cidade seria sentida bem antes, de forma mais gradual. Neste aspecto, o avanço da infecção mostrado em Todo Mundo Quase Morto parece muito melhor construído, mesmo se tratando de uma paródia do gênero.

    A partir daí, o 1º ato é todo de Lane e sua família tentando fugir da infecção, conseguir mantimentos e procurar abrigo, o que também tem dois pontos negativos: a cena do supermercado, onde sua mulher é atacada sem mais nem menos em meio a uma multidão, para criar uma tensão que soou um pouco artificial, e a vitimização e o excesso de bondade e hospitalidade de imigrantes latinos que recebem Lane em sua família. Há a clara tentativa de sensibilizar o espectador, que também soa um pouco artificial. Pequenos problemas e situações ao mesmo tempo forçadas e sem sentido naquele contexto se repetem algumas vezes durante a exibição, o que talvez possa ser creditado a tantos problemas de filmagem e produção.

    No entanto, após o 2º ato seguimos Lane por sua investigação no mundo a respeito de como a doença surgiu e como poderia pará-la. E o comportamento de Lane frente à ameaça é um dos pontos mais interessantes do filme, já que geralmente protagonistas de filmes desse gênero não conseguem aprender com a prática, observando e tirando conclusões, o que Lane faz de maneira bem clara e inteligente, e sempre com o propósito de avançar a história. As sequências na Coreia do Sul e principalmente em Israel são boas, apesar dos zumbis escalando o muro e correndo em hordas parecerem artificiais demais em alguns momentos.

    Na parte final, no laboratório da OMS, momentos de tensão são muito bem construídos, com o som ambiente silencioso, construindo uma crescente e lenta angústia no espectador, consciente que o menor ato pode desencadear uma tragédia. No final, a história tem um desfecho aceitável, e que provavelmente será retomada em continuações.

    Apesar de alguns problemas, Guerra Mundial Z convence ao criar momentos honestos de tensão e medo, e um senso de urgência real frente ao perigo apresentado, onde conseguimos nos identificar com o protagonista, suas intenções e reações. Em um gênero tão desgastado por filmes e séries de TV, é sempre bom ver algo que tente apresentar algo de novo.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Segredos de Sangue

    Crítica | Segredos de Sangue

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    Do excelente realizador sul – coreano Chan-Wook Park (de Oldboy ) Stoker é um thriller, que mostra uma família que acabou de perder seu patriarca. A história é centrada no clã Stoker e nas relações entre India – filha do morto, encarnada muito bem por Mia Wasikowska-, a mãe – interpretada por Nicole Kidman – e pelo tio recém-chegado de viagem Charlie – Mathew Goode – que parece esconder um passado obscuro, e que basicamente tenciona seduzir as duas mulheres da família.

    O mais interessante em Stoker, é a forma como Park registra os sentimentos dos personagens. Os ângulos de câmera demonstram o isolamento de India logo no começo, dispensando qualquer argumentação textual ou fala. Os planos frios combinam com a arquitetura repleta de objetos brancos, pela casa, que por sua vez contrastam com as vestes negras de luto. Há uma abundância de cortes secos e planos aéreos, as dúvidas e reticências da protagonista são pontuadas com o tremer das filmagens. Nas vezes em que ela observa as pessoas que a desagradam, a imagem vem de baixo para cima, de uma forma inquisitiva. A lente se distancia dela em alguns momentos, principalmente quando está acompanhada de sua mãe, demonstrando seu incomodo com o convívio humano – um dos pequenos indícios do que viria.

    O roteiro sugere uma enorme quantidade de situações incestuosas e desejos sexuais reprimidos, quase sempre ligados a morbidez. Outro fator observado em alguns personagens é a obsessão por simetria, aos poucos o quadro ganha contornos reais e desenha a real intenção do filme.

    O foco nas cenas de violência é geralmente no agressor, e no prazer que ele sente em fazer aquilo, a intenção passa por demonstrar a evolução do desejo carnal em gerar dor, além é claro da erotização da violência.

    Numa das falas de Richard – o falecido pai – diz-se o seguinte: “Às vezes é preciso fazer algo ruim para não fazer algo pior!”. A frase é interpretada por sua filha e pelo espectador, como uma compensação, em que pequenos atos de maldade aplacariam e amenizariam a vontade de fazer algo cruel de verdade. A enorme quantidade de signos e pistas que permeiam o filme fazem maior sentido quando juntas no final.

    A rejeição seria a principal razão para os atos atrozes mostrados no ecrã, mas estes são registrados de forma dócil, quase sem nenhum julgamento moral. A câmera mostra que a visão de India para a maioria dos fatos que acontecem ao seu redor, são vistos de forma propositalmente parcial, ignorando pessoas ou situações e as conseqüências desses atos.

    O filme é reflexivo e toca em muitos assuntos familiares complicados e, na maioria das vezes, ignorados. A mensagem final explana que negar a própria natureza é infrutífero, pois os desejos incubados não permanecerão assim para sempre. O título nacional “Segredos de Sangue” é um spoiler gigantesco, uma lástima, pois os fatos se desenrolam de forma imprevisível e gradual, o esmero e o cuidado de Chan-Wook Park em filmar Stoker é gigantesco, não apela para clichês de filmes do gênero, ao contrário, pois só se descobre o caráter da obra juntando as pistas, e é claro, em seu final escancarado.

  • Crítica | O Homem de Aço

    Crítica | O Homem de Aço

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    O Super-Homem é um dos personagens mais emblemáticos da DC, e do mundo dos quadrinhos em geral, e provavelmente uma das figuras mais lucrativas da indústria de entretenimento mundial. Ainda assim, recentemente a editora vinha encontrando dificuldade em emplacar o personagem no cinema, a falta de qualidade dos filmes era um problema, mas mais que isso, o Homem de Aço parecia não se comunicar com as novas gerações, seu personagem aparentemente obsoleto em uma época de heróis menos maniqueístas, mais ambíguos.

    No entanto, após o sucesso estrondoso da releitura que Christopher Nolan fez do Batman e da Marvel ter vendido com relativo sucesso o Capitão América (ainda mais anacrônico que o Super-Homem) uma nova tentativa se tornou inevitável. Confesso que fiquei surpresa quando um projeto desse tamanho foi parar nas mãos de um diretor que acabava de sair de um fracasso tão absoluto (não por acaso, todo material de divulgação diz apenas “do diretor de 300 e Watchmen“) e cuja fama nunca foi das melhores, mas Zack Snyder, com supervisão de Nolan é preciso dizer, assumiu o trabalho de finalmente tornar o Super-Homem um blockbuster.

    E Homem de Aço faz exatamente isso: ele torna o personagem palatável, viável para o público de hoje, menos patético e bom moço e entrega um filme com boas sequências de ação e altamente vendável. Não é que a direção exagerada e um tanto sem rumo de Snyder não esteja presente, ela está, mas a impressão é que o diretor foi posto na coleira e essa coleira foi entregue na mão de Nolan.

    Em primeiro lugar há um prólogo em Krypton: o filme situa o planeta, apresenta os pais de Kal-El e mostra o como seu mundo desmoronou.  É um mau começo. Embora visualmente impressionante, as cenas deveriam ter uma carga dramática que Snyder é completamente incapaz de segurar, os diálogos soam artificiais e tudo alterna entre vergonha alheia e novela mexicana intergalática, mas felizmente isso passa.

    Mesmo quando chega na Terra, Homem de Aço é um filme de origem, contando como Clark Kent se tornou o Super-Homem. A estrutura é pouco linear e a narrativa alterna entre cenas do presente, da adolescência e da infância de Clark, poderia funcionar na mão de um diretor mais competente, embora eu ache que a narrativa linear e clássica funcionasse melhor em um filme que conta tão obviamente a jornada de um heroi, mas com Snyder tudo parece apenas confuso, ainda que o fluxo não seja seriamente comprometido. Snyder insere, como já é hábito dos filmes de super-heroi, pequenos bônus para os fãs do personagem: a presença de Pete Ross e Lana Lang, um cartaz escrito Smallville (embora o nome da cidade nunca seja mencionado), outro da Lexcorp e outras referências que são divertidas e ajudam a dar substância ao universo que ele está construindo.

    O filme melhora consideravelmente nos momentos que se passam no presente. Lois Lane é a melhor personagem feminina que ja apareceu em um filme do gênero: inteligente, sexy e longe do estereótipo da donzela em perigo. As cenas de ação são bastante boas também, surpreendentemente o filme tem ritmo, tensão e ótimas explosões. A sequência final acaba sendo arrastada (na verdade, o filme todo é uns 20 minutos mais logo do que o necessário), mas não chega a ser ruim.

    Se como filme de ação, Homem de Aço funciona, seus problemas estão justamente na tentativa de fazer drama. O novo Super-Homem é um ser dividido dentre duas identidades, um estrangeiro na terra, algo que potencialmente será rejeitado pelos humanos, mas as cenas de carga emocional não se sustentam, assim como o prólogo em Krypton tem diálogos terríveis e atuações forçadas, Russel Crowe conseguindo ser menos expressivo que uma Kirsten Stewart com preguiça.

    Mas, ainda que muito mal conduzidas, essas cenas servem ao propósito de atualizar o Super-Homem e é preciso reconhecer o enorme mérito da DC em manter o espírito do personagem, ao invés de simplesmente repetir a fórmula que funcionou com o Batman. O Super-Homem é um herói leve, otimista, o símbolo do progresso e da esperança americanos, não é um órfão amargurado que vive nas trevas e Snyder não se esquece disso. O Super-Homem pode chorar após matar um homem mau para salvar uma família, mas ele não hesita em fazê-lo, ele pode se sentir dividido entre a Terra e Krypton, mas não pensa duas vezes quando a escolha é matar humanos para reconstruir seu planeta, ele é essencialmente “bom”, correto e esperançoso. Há um pessimismo de base, uma desconfiança em relação a natureza humana que soa como os temas de Nolan (ele é produtor do filme afinal), mas a conclusão aqui é que é preciso dar o salto de fé, que a humanidade vale a pena.

    Assim, Homem de Aço consegue dar alguma substância a um herói que parecia acabado e esteticamente quase torna a capa vermelha aceitável. Não é um filme de drama e seu foco não é o conflito existencial do personagem, que aliás aparece em cenas muito mal feitas, mas usa essas ferramentas como âncora, jeitos de humanizar o Super-Homem, torna-lo mais plausível e contextualizado para que o público possa aceitar o personagem. Tudo isso, aliado a uma estética fria e um pouco suja que ameniza as pirotecnias cinematográficas de Snyder entregam um filme de ação eficiente que está muito longe de uma obra prima, mas deve conseguir uma bilheteria gigantesca, garantir continuações e assim finalmente emplacar o personagem.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | Bem-Vindo Aos 40

    Crítica | Bem-Vindo Aos 40

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    Estrelado por Paul Rudd e Leslie Mann, Bem-vindo aos 40 é o quarto filme dirigido Judd Apatow e daria sequência aos eventos ocorridos em Ligeiramente Grávidos, tomando como protagonistas um casal secundário do primeiro filme – apesar da caracterização diferente em quase tudo, pois, fora os membros da família, nenhum outro personagem é retomado.

    A temática principal da obra é a passagem do tempo, o envelhecimento e as rejeições provenientes desses fatores. É curioso mostrar como um casal estável mente tanto um para o outro a fim de manter a relação de pé; o tempo inteiro Debbie (Leslie) e Pete (Rudd) estão em negação. O casal tem medo de confronto, mesmo que o embate não seja entre eles.

    Há uma grande quantidade de tempo dedicado aos problemas do cotidiano financeiro da família. A instabilidade dos personagens é compreensível, visto o passado de cada um. Os traumas e problemas familiares de Pete e Debbie são expostos sem complacência, e o fato de ambos não terem por hábito mentir bem faz com que essas situações tornem-se ainda mais calamitosas. Personagens imperfeitos, irascíveis e facilmente atingíveis dão aos conflitos um caráter crível e verossímil.

    Como estímulo visual, há algumas cenas com Megan Fox sem camisa, o que é sempre válido. O paralelo entre os corpos de Megan Fox e Leslie Mann ajuda a escancarar o declínio físico gradativo da mulher, um dos maiores medos femininos com o passar dos anos. Os seios de Leslie Mann estão ficando irrelevantes, pois apareceram recentemente em Eu Queria Ter a Sua Vida muito mais vívidos – o diretor parecia querer destacar a forma decadente como a personagem se enxerga.

    As brigas entre um casal experimentado tendem a ser cada vez mais cruéis e implacáveis com o passar dos anos, e isso é mostrado de forma bastante crua. Num dos poucos momentos em que Pete e Debbie parecem unidos – em virtude de um antagonista externo em comum –, ainda assim eles permanecem longe: a câmera de Apatow flagra-os distantes, com um ângulo afastado deles, mostrando-os indo para o mesmo lugar, mas em carros diferentes, tomando direções opostas aos seus caminhos, mesmo após eles se “cruzarem”.

    This is 40 não é uma comédia, é um drama leve, no estilo de Tá Rindo Do Quê  com alguns elementos humorísticos. É uma jornada ao reencontro de um casal em crise que mostra como as agruras da meia-idade podem afetar o amor entre os cônjuges, e como estes podem viver juntos apesar de seus defeitos e fragilidades. A mensagem final é positiva, ainda que desencorajadora. Judd Apatow parece estar amadurecendo seu roteiro e direção cada vez mais, afastando-se do humor e tornando-se um realizador cada vez mais competente.

  • Crítica | Velozes e Furiosos 6

    Crítica | Velozes e Furiosos 6

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    Era uma vez uma franquia cinematográfica na qual roteiro e até mesmo cenas de ação eram apenas uma “costura” pra exibir veículos tunados em corridas clandestinas pelas ruas. Após um primeiro filme interessante, vieram dois abaixo da crítica, que agradaram apenas os aficionados por masturbação (visual ou não) com carros super estilizados. A bem-vinda virada veio a partir do quarto filme, quando as tramas passaram a mostrar uma equipe de ladrões gente boa promovendo assaltos em alta velocidade. Os carros continuam lá, lógico, mas a ação deixou de focar tanto nos rachas e abraçou o estilo “massa véio” com explosões e até porradaria.

    Os “puristas” podem até reclamar, mas é inegável que Justin Lin (diretor) e Chris Morgan (roteirista) souberam revitalizar a série Velozes e Furiosos, consolidando-a como o maior sucesso da Universal Pictures nos últimos anos. Não é à toa que um sétimo filme está confirmado – e já para 2014! Porém, os produtores poderiam fazer uma mudança. Ao invés de no final exibir o tradicional aviso alertando para não tentar reproduzir as cenas etc., seria mais válido mostrar no começo uma mensagem do tipo “Atenção: desligue seu cérebro antes de assistir. Bom entretenimento”.

    Nesta sexta aventura, Toretto (Vin Diesel) e sua turminha do barulho estão espalhados pelo mundo, curtindo os milhões que roubaram no Rio de Janeiro. Eis então que ressurge o o agente Hobbs (Dwayne “The Rock” Johnson, cada vez mais determinado a interpretar o Hulk sem precisar de CGI), pedindo ajuda da gangue para capturar um perigoso grupo de criminosos/terroristas internacionais. Além de prometer perdão total para todos os crimes cometidos pelo bando – sabe-se lá como ele teria poder pra isso –, Hobbs revela a Dom que Letty (Michelle Rodriguez) está viva e trabalhando com o vilão da vez, Owen Shaw (Luke Evans).

    Se alguém ainda tinha dúvidas sobre Velozes e Furiosos se passar em um universo paralelo, onde até as leis da Física são diferentes (como esquecer o cofre de várias toneladas sendo arrastado por dois carros como se fosse aquelas latinhas de recém-casados?), este sexto filme acaba com elas. Um tanque de guerra andando numa rodovia a uns 180 km/h; Toretto VOANDO a la Superman pra salvar sua amada – e capôs de carros amortecem quedas, lembrem-se disso; uma pista de aeroporto com no mínimo uns 100 km de extensão… Impossível levar qualquer coisa a sério. Seja pela empolgação visual das cenas ou pelo humor involuntário, é diversão garantida.

    Outro fator a ser louvado é o respeito pela própria mitologia. Nesse mundo de tantos remakes, reboots, prequels e o diabo a quatro, é muito legal ver uma franquia chegar ao sexto capítulo como uma única história em progressão, refereciando o tempo todo os filmes anteriores (sim, é vital ter assistido aos outros para se situar no que está acontecendo). Tudo bem, a história não é nenhum primor e os personagens são caricatos e rasos, mas ei, é o que tem pra hoje. Paul Walker ainda está lá, mas perdoemos a produção por isso. Um filme que nos brinda com Michelle Rodriguez vs. Gina Carano certamente tem crédito.

    E até mesmo o complicado terceiro filme, Tokyo Drift, finalmente é encaixado na cronologia. A cena pós-créditos cuida disso e já apresenta o próximo vilão, ninguém menos que O ATOR MAIS LEGAL DO MUNDO. Mesmo com Justin Lin fora da direção, Velozes e Furiosos 7 já é o melhor da série.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Amor Profundo

    Crítica | Amor Profundo

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    Amor Profundo é um filme de 2011 que chegou ao Brasil com atraso e sem muito alarde, o filme de Terrence Davies é adaptado da peça de Terence Rattigan, um dos grandes nomes do drama inglês moderno.

    A história traz Rachel Weisz como Hester, a respeitável mulher de um juiz inglês que acaba abandonando o marido por uma relação autodestrutiva com Freddie Page, um ex piloto da força aérea inglesa. Passado na década de 50, o filme procura retratar as profundas transformações sociais que se dava na Inglaterra pós-guerra e retratar a herança, e as feridas, que a Segunda Guerra deixou no país, mas se perde e acaba apresentando só uma história de amor um tanto superficial.

    Freddie é, inicialmente, encantador. Um ex-piloto cheio de histórias, um dos que ajudaram a salvar o país do nazismo e Hester, intensa, porém presa com um marido totalmente desprovido de calor, não poderia deixar de se apaixonar por ele. Na primeira parte do filme, quando o casal se conhece e começa um caso, os personagens são bem construídos e a interação entre eles faz sentido, Davies faz um bom trabalho em contrapor o gélido Sr. Collyer ao jovem Freddie Rachel Weizs enche sua Hester de nuances, dando realidade a mulher intensa sob a fachada de respeitável senhora inglesa.

    No entanto, quando Hester abandona o marido para viver com Freddie em uma pequena pensão o filme desanda. A paixão desenfreada dela não é bem explorada, nem a distância dele, Davies parece asumir que o espectador vai se envolver com o casal e se comover com uma relação que no fundo ele nunca explora. Talvez a dramaticidade da história funcione no teatro, onde um grau maior de artificialidade é aceitável, mas no cinema o que aparece é uma relação morna que o cineasta quer quer se trate de uma grande paixão.

    Essa falta de intensidade se reflete na composição do filme: os planos são burocráticos, ainda que muito bonitos, e a montagem sóbria faz pouco por uma história que deveria ser tão cheia de sentimentos arrebatadores. Amor Profundo é esteticamente muito bonito e os tons azulados da fotografia ecoam o título original, The Deep Blue Sea, e enfatizam a depressão e o isolamento de Hester, mas justamente apagam a intensidade dos sentimentos. O que sobra é uma história de amor filmada em tons frios, feitos para afastar.

    Amor Profundo não é um filme ruim, é uma história bonita, com belas interpretações. Mas falta intensidade, principalmente quando a história em questão é sobre uma mulher capaz de se autodestruir por uma paixão. Se por um lado o sexo, a luxúria e as relações entre amor e paixão são um dos temas, por outro não há uma única cena de sexo e Hester e Freddie (mesmo no início do filme) pouco se tocam, Davies parece tomar a verbalidade do teatro e esperar que ela seja suficiente no cinema. Infelizmente, não é.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Se Beber, Não Case! – Parte II

    Crítica | Se Beber, Não Case! – Parte II

    Depois da arrecadação de bilheteria do primeiro filme era óbvio e evidente que Tod Phllips iria repetir a fórmula de sucesso. A continuação tem o mesmo esqueleto narrativo e os mesmos tipos de conflito, mas dessa vez em terreno selvagem e com uma interação um pouco maior entre os personagens. O escopo de escrotidão e exageros aumentou consideravelmente e, por esse motivo, Se Beber, Não Case! Parte II merece ser assistido.

    O roteiro pode parecer pueril e sem substância, mas toca em muitos temas capciosos, discutindo estereótipos raciais, uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas, overdose, amnésia alcoólica, utilização de medicação prescrita sem autorização médica, “homossexualismo”, violência urbana e crimes internacionais. Discute também a universalidade de piadas sexuais, que a priori seriam entendidas por qualquer um independente de nacionalidade ou idioma.

    As viagens e devaneios de Alan (Zach Galifianakis), especialmente quando está meditando, mostram um pouco de sua psique, e como enxerga de forma particular o mundo. Ao viajar por sua mente, enxerga a si e aos amigos (Chow, Stu, Phill e Doug) como crianças – essas cenas tornam croncreto o que já era óbvio ao público: a forma de Alan enxergar a vida é infantil. Mas até ele supera muitos obstáculos – como o medo de se distanciar de seus amigos – e perdas – como o chapéu roubado e o macaco baleado, com a clássica frase de despedida emocionada – “queria que macaquinhos usassem Skype, talvez um dia…”.

    A jornada do herói dessa vez é centrada em Stu (Ed Helms): ele continua inseguro mesmo após a experiência em Las Vegas, e considera aquele episódio um grande erro – mesmo que este tenha levado-o a se separar e encontrar sua nova esposa. Sua condescendência agora é exercida à figura do pai da noiva, que o humilha sempre que tem oportunidade. O roteiro mostra o desenrolar da recuperação de sua autoestima perdida, muito ligada à aceitação do que ele é: um sujeito que parece contido, mas que internamente abriga um demônio que o faz se envolver com prostitutas, e também possuindo o poder de resgatar memórias suprimidas pelo uso contínuo de drogas soníferas.

    Um fato curioso é que o tatuador de Bangcoc seria interpretado por Mel Gibson, mas graças às últimas declarações afáveis aos judeus, sua participação foi proibida pelos produtores do longa.

    A maior participação de Ken Jeong fazendo Chow torna o filme mais engraçado ainda: seu personagem rivaliza com Alan pelo posto de caracterização mais hilária e esquisita. Mais uma vez a química entre Cooper, Galifianakis e Helms é o ponto alto do filme, que, ao seu final, repete o desfecho do primeiro, mostrando as fotos da fatídica noite perdida. Se Beber, Não Case! Parte II é uma versão maior, melhor e sem pudor de uma comédia de erros.

  • Crítica | Antes da Meia-Noite

    Crítica | Antes da Meia-Noite

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    Em 1995, Richard Linklater conquistou uma legião de fãs com um filme delicado, singelo, em que um casal passeava pelas ruas de Viena enquanto se apaixonava. Em 2004 ele revisitou seu casal e entregou um dos mais belos finais do cinema. Agora, novamente 9 anos depois, Linklater vem responder se Jesse perdeu ou não seu avião.

    Eu confesso que quando vi pela primeira vez o Anúncio de Antes da Meia-Noite fui contra a ideia, o final de Antes do Pôr-do-Sol funcionava por seu mistério e eu não via sentido em fazer o casal se encontrar por acaso mais uma vez, nem acreditava na capacidade do diretor de realizar um filme sobre um relacionamento estabelecido. Mas Linklater me provou errada e construiu um filme maravilhoso que já não é sobre se apaixonar, mas sobre manter o amor.

    Antes da Meia-Noite é ao mesmo tempo o mais maduro e o mais falho dos três filmes. Por um lado, Linklater cresceu como diretor e conseguiu finalmente comunicar coisas naquilo que não é dito, os silêncios e a escolha de planos nesse filme são repletos de sutilezas e significados, algo ausente nos dois anteriores. Por outro, o roteiro (escrito por ele em pareceria com Julie Delpy e Ethan Hawke) às vezes desliza e torna seus personagens, especialmente Céline, uma caricatura deles mesmos.

    Jesse, afinal, perdeu mesmo seu avião. Ele e Céline vivem juntos em Paris com duas filhas gêmeas, nesse verão, foram convidados por um renomado escritor a passar algumas semanas em sua casa na Grécia e o filme acompanha a última noite deles ali. A primeira cena mostra Jesse mandando Hank, seu filho do primeiro casamento, de volta para os Estados Unidos e funciona quase como um curta dentro do filme, estabelecendo os temas que serão explorados: incomunicabilidade e a dificuldade do amor.

    Depois dessa cena, Jesse entra no carro e ele e Céline dão início ao diálogo que perpassa o filme todo. Diferente dos anteriores, esse apresenta mais personagens, que enriquecem a discussão a respeito do que é o amor e as diferenças entre homens e mulheres que o diretor estabelece. No entanto, em alguns momentos tanto os personagens extras (especialmente Stefanos, o grego que só pensa em sexo) quanto a discussão sobre gêneros esbarra em clichês e obviedades quase machistas.

    Também tem uma ponta de machismo na personagem feminina: Céline sempre foi a jovem enroscada entre seu feminismo e sua vontade de ser amada, mas agora ela assume o papel da mulher histérica, que quase quer ser uma vítima da sociedade machista opressora. O discurso de Jesse ameniza o que poderia ser muito incômodo e suas queixas não deixam de ter dimensão real, mas o filme vai perto demais de um estereótipo feminino negativo para que isso passe em branco.

    Apesar desses momentos, o que mais chama a atenção em Antes da Meia-Noite é sua realidade: as queixas, a dor e a briga entre Jesse e Céline são profundamente verdadeiras, um olhar agudo sobre o que é um relacionamento e todo o trabalho e sofrimento que acompanham viver com quem parece ser sua alma gêmea. A sequência em que os dois discutem em um quarto de hotel é cruel, sufocante e ao mesmo tempo terna, o mais perto que o cinema chegou do casamento verdadeiro desde que Bergman filmou Cenas de Um Casamento.

    Mas o filme não é real apenas na dor, a conversa no almoço flue tão naturalmente que é quase como se o espectador estivesse sentado ali com aquelas pessoas. Assim como o carinho e a intimidade entre Jesse e Céline (e a única cena de sexo) é tudo tão fluído, tão natural que a primeira uma hora e meia de filme é absolutamente deliciosa.

    Antes da Meia-Noite é o mais melancólico e dolorido dos três filmes, mas é ao mesmo tempo o mais otimista, ao reafirmar a possibilidade concreta do amor apesar das dificuldades. É um exemplo de bons diálogos e atuações precisas, um filme minimalista, mas cheio de nuances quase como o relacionamento que procura retratar.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Se Beber, Não Case!

    Crítica | Se Beber, Não Case!

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    Um filme pequeno, sem grandes pretensões que alcançou o posto de comédia censurada para maiores de 18 com maior bilheteria da história do cinema – algo em torno de 458 milhões de dólares. Foi responsável por alçar seu diretor Todd Phillips e o elenco principal ao estrelato. A comédia de erros aliada ao humor politicamente incorreto e sem frescuras garantem a graça para praticamente todos os públicos, mas analisar o sucesso de Se Beber Não Case somente por isso é simplificar o bom trabalho da produção.

    O diferencial desta fita começa pelas filmagens in loco. Em tempos em que até séries de TV de baixo orçamento utilizam-se amplamente de CG, ver um filme com tamanha qualidade artesanal e sendo registrado nos cenários reais é no mínimo louvável. Poucas obras cinematográficas conseguiram capturar o clima e o espírito de Las Vegas como aqui, e isso empresta muita credibilidade à trama principal.

    Logo no começo é mostrado o “bando de lobos” metidos num apuro absurdo, e este é o lugar comum do grupo: em meio à agitação, loucuras, bebedices, prostituição, vida desvairada. O espectador é convidado a mergulhar na história junto com os “heróis”.

    Após acordar da ressaca, Stu – personagem de Ed Helms – é mostrado de frente por uma steadcam, imitando a sensação de tontura após uma noite de excessos, este é um ótimo recurso para mostrar como são os hábitos da trinca de protagonistas. A história explora basicamente a relação desse estranho grupo e como eles aprendem a viver suas vidas sem muito desprendimento moral.

    Alan (Zach Galifianakis) é infantil, insano e algumas vezes até irracional, suas tiradas são a melhor coisa do filme: “Se masturbar no avião é mal visto graças ao 11 de Setembro, obrigado Bin Laden”, “Tigres adoram pimenta, mas odeiam canela.”, ou quando este encontra Chow, um personagem oriental que os ataca: “Pare de me bater, eu também odeio Godzilla, ele destrói tudo”. Seus hábitos, sua bolsa de Indiana Jones e trejeitos efeminados, além da clara falta de convívio social fazem dele um personagem riquíssimo, que foi incorporado a praticamente todos os papéis de Galifianakis. Phil (Bradley Cooper) é um professor casado e entediado, que busca uma noite memorável enquanto Stu vive sua vida mais ou menos, controlado por uma mulher que o destrata o tempo todo. Os três precisam de algo mais, principalmente a libertação de si mesmos. A química entre o elenco é o fator primordial para que a fórmula dê certo, Helms, Galifianakis e Cooper formam um time entrosado e tudo se encaixa graças a eles.

    O conjunto de absurdos que acontecem no desenrolar da trama e suas desventuras tornam tudo ainda melhor, pois a empatia pelo trio é quase automática da parte de quem vê.  Se o espectador mais crítico forçar um pouco, dá até para achar semelhanças entre o filme e “Os Boas Vidas” de Federico Fellini, obviamente deixando de lado o estofo da película italiana. Ambos têm temas parecidos, explorando a boêmia como estilo de vida e fuga da realidade, por vezes cruel – e claro que o caráter e a mensagem final são completamente diferentes.

    Próximo do final, Stu enfrenta seus fantasmas e tem uma atitude, demonstrando que após toda aventura, ele evoluiu. Os créditos finais com as fotos mostrando as lacunas perdidas devido à amnésia do grupo se consolida como um desfecho magnífico para a noite épica dos amigos.

  • Crítica | Depois de Lúcia

    Crítica | Depois de Lúcia

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    Dirigida por Michel Franco, a película começa num ritmo morno, às vezes arrastado, mas que não é cansativa em momento nenhum. No princípio a câmera é estática e o espectador é convidado a vivenciar o cotidiano dos dois personagens principais: primeiro do Pai e, pouco depois, da Filha.

    A lente de Michel Franco é curiosa e seu manejo fala mais que os diálogos e situações. O ângulo mostrado tenta isolar os personagens, principalmente quando o lugar registrado é estranho a eles. Pouco da história pregressa deles é mostrada no início, os fatos são revelados aos poucos, o que se sabe é que algo terrivelmente grave aconteceu aos protagonistas. As relações familiares são mostradas de forma leve e a realização do filme é contemplativa, num tom quase documental em dados momentos.  Seus “heróis” tem sérios defeitos, não são bonitos ou vitimizados.  A forma como cada uma das pessoas reage à perda é única, essas formas são mostradas realisticamente e sem complacência. Uma das temáticas mais fortes é a diferenciação entre estar familiarizado a perda de um ente querido e se contentar com a situação. A superação da situação em si não necessariamente traz a felicidade, e o diretor explora isso muito bem dentro do roteiro através das situações propostas.

    Enquanto a reação do Pai é de ira e impaciência quando longe da filha, a de Alejandra – que só é chamada pelo nome lá para o meio do filme – é de difícil adaptação e distanciamento da realidade. Esse distanciamento faz com que suas reações relacionadas ao incidente a que é submetida sejam as piores possíveis, sua condescendência com quem emprega violência a ela, e a consequente docilidade e submissão fazem com que os atentados a sua auto-estima sejam cada vez mais frequentes, ao ponto dela questionar até o seu amor próprio. A transformação que ela sofre é perfeitamente cabível, pois a Filha preocupa-se em não atrapalhar a reabilitação de seu Pai – que parece, ao menos aos seus olhos,  começar a superar seus traumas.

    Os fatos que seguem com Alejandra e a abordagem escolhida pelo diretor é cruel e mostra uma realidade atual, forte e visceral, tudo nela é angustiante, as tentativas de fuga, a rejeição que só cresce a degradação gradativa do homem. A preocupação maior é em explorar o drama e não em poupar o espectador das situações fortes, e mesmo tocando em temas assim, passa longe da vulgaridade – artimanha que seria até compreensível, visto o caráter e gênero do filme.

    Depois de Lúcia é como uma tortura implacável, que em determinados momentos chega a ser cínica, mas que é exercida aos poucos, tratando primeiro de afeiçoar os personagens para depois jogar com os fatos que acontecem em suas vidas, e todas as consequências que estes geram. O suspense final e a desforra de um dos protagonistas é extrema, porém cabível e demonstra perfeitamente como uma tragédia – ou a sucessão de várias tragédias – podem modificar as pessoas. Demonstra de maneira crível como fatos traumáticos podem isolar os indivíduos, e fazê-los se abnegar em preocupação com aqueles que amam e que sobreviveram a tragédia.

  • Crítica | Vocês Ainda Não Viram Nada!

    Crítica | Vocês Ainda Não Viram Nada!

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    Um filme, que na verdade é uma peça de teatro, dentro de outro filme em que os atores reproduzem a peça de teatro. Confuso? Nem tanto.

    O filme começa com vários atores – representando a si mesmos – recebendo um telefonema avisando do falecimento de um dramaturgo, Antoine d’Anthac (Denis Podalydès), autor da peça “Eurídice”, encenada por esses atores, em épocas diversas. O último desejo do falecido era reunir todos eles para que assistissem à filmagem da encenação dessa mesma peça por um grupo de teatro jovem, Compagnie de la Colombe, cabendo aos atores decidir se a nova companhia terá ou não autorização para apresentá-la.

    A peça baseia-se no mito de Orfeu, músico e poeta, que se casa com a belíssima Eurídice. A beleza dela atrai Aristeu, um apicultor, que, ao ter seus galanteios refutados, passa a persegui-la. Tentando escapar à perseguição de Aristeu, Eurídice pisa numa serpente, que a morde, causando sua morte. Inconformado com a morte da amada, Orfeu desce ao Inferno na tentativa de resgatá-la. Sua lira e suas súplicas emocionam Perséfone, que convence o esposo, Hades, a atender o pedido de Orfeu. A única condição é que Orfeu não olhe para Eurídice até que ela esteja novamente à luz do sol. Perto da saída do túnel, vira-se para confirmar que Eurídice o seguia. Ele a vê por um instante apenas antes de ela desaparecer para sempre. Orfeu passa então a vagar pelo mundo, sozinho, em total desespero.

    Durante a projeção, os atores presentes reencenam o que se passa na tela, mesclando teatro e cinema. A proposta é, a princípio, bastante original e criativa. Nos momentos iniciais, paira a dúvida sobre o que realmente está acontecendo. São os atores, representando a si mesmos, vivenciando aquelas situações ou são os personagens? Solucionado esse mistério, o interesse na trama vai decaindo. A reprodução das cenas por mais de um grupo de atores deixa o filme cansativo após a primeira meia hora, enquanto o espectador ainda está descobrindo o jogo metalinguístico proposto pelo diretor.

    Interessante notar o contraste entre os dois “cenários”. Enquanto a mansão de Anthac é ampla, grandiosa e ostensivamente elegante – lembra demais um palco de teatro – , o cenário usado pela Compagnie de la Colombe é um galpão meio sujo, despojado, com poucos elementos de cena. E, enquanto o espectador assiste ao filme da peça e é convidado a imaginar os ambientes, quando os atores veteranos reencenam, em muitos momentos Resnais os coloca em cenários “imaginários”, já que o salão em se encontram contém apenas os sofás em que estão sentados. Em vários momentos, o tom surrealista é reforçado pela iluminação e pelo jogo de luz e sombra, criando uma sensação de sonho.

    É nítida a intenção de homenagear o teatro e glorificar o ator como peça essencial ao dar vida aos personagens, mas o exagero das encenações poderia ter sido evitado. Some-se a isso a complexidade da estória de Orfeu, por si só bastante carregada, e tem-se um desenvolvimento lento que termina por desperdiçar uma boa premissa.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Máquina Mortífera 3

    Crítica | Máquina Mortífera 3

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    A série Máquina Mortífera é a primeira cagada caça-níquel trilogia estendida que eu consigo me lembrar. O primeiro e o segundo filmes apontavam para um final de trilogia bastante esperado, ou pelo menos é isso o que os números mostram. Enquanto o primeiro filme da série abriu com 6 milhões de receita nos cinemas americanos, Máquina Mortífera 3 arrecadou mais de 33 milhões de dólares na abertura (em 92, isso era muita grana!). Com um número de salas dobrado em relação ao primeiro da série, o terceiro (e que deveria ter sido o último) filme faturou 5,5 vezes mais, provando que todos os americanos, 5 anos após a primeira aventura de Riggs e Murtaugh, ainda tinham fôlego para mais.

    No terceiro filme, a dupla de policiais descobre um esquema de tráfico de armas roubadas do depósito da polícia e distribuídas nas ruas com munição perfurante. Sabendo que um ex-policial importante do distrito está envolvido no esquema, Martin Riggs e Roger Murtaugh trabalham com uma agente da corregedoria e precisam fechar o cerco ao ex-oficial, impedindo seu plano.

    O filme é bom e teria, como citei no primeiro parágrafo, fechado a série Lethal Weapon numa trilogia de qualidade. Houve, durante os 5 anos que separam o primeiro e o terceiro filme, um bom trabalho de amadurecimento dos personagens, ainda que o roteiro deste terceiro seja o mais fraco de todos, na minha opinião. Máquina Mortífera sempre foi mais sobre os personagens, e muito menos sobre o plot policial em si.

    A série sempre foi dedicada e explorar a relação entre os detetives Murtaugh e Riggs, e o terceiro filme não é diferente. Neste, vemos Roger Murtaugh (Danny Glover) já cinquentenário e a uma semana de sua aposentadoria do departamento de homicídios. Martin Riggs (Mel Gibson), apesar de não deixar isso bem claro durante a maior parte do filme, se ressente de perder o parceiro e teme por acabar também com a amizade entre eles. Leo Getz (Joe Pesci) volta para “auxiliar” a dupla mais uma vez e temos ainda a adição da detetive Lorna Cole (Rene Russo), uma detetive da corregedoria que trabalha em uma investigação sobre Murtaugh e se vê obrigada a ajudar na missão da dupla de detetives. Quase tão “mortífera” quanto Martin Riggs, Lorna compõe o quarteto que caça Jack Travis (Stuart Wilson, o vilão Rafael Montero de A Máscara do Zorro) e tenta impedi-lo de escapar impune da venda de armamento roubado do depósito da polícia de Los Angeles.

    Mel Gibson dá mais um show na pele do surtado Martin Riggs e Danny Glover tem uma de suas melhores atuações nesse terceiro filme da série, interpretando um Murtaugh ainda mais inseguro e amedrontado do que no primeiro filme, quando seu personagem conheceu o de Gibson. Joe Pesci repete o trabalho que havia feito no segundo filme sem nenhuma novidade, o que não chega a ser ruim. Rene Russo impressiona na pele da agente especial que é, a princípio, rival da “verdadeira” Máquina Mortífera da polícia, mas depois acaba se tornando seu interesse romântico. Em uma das cenas, Lorna enfrenta sozinha quatro ou cinco capangas do vilão principal, numa sequência bastante cômica e inesperada. O vilão de Stuart Wilson, apelidado carinhosamente por um integrante do Vortex como “Seu Bigode”, é totalmente inexpressivo e com certeza o pior vilão de toda a série Máquina Mortífera. É tão sem graça que sua morte pode passar até desapercebida, ao final do filme, se você não prestar atenção direito…

    A trilha sonora impecável e a direção de Richard Donner, outras duas marcas registradas da quadrilogia, se repetem neste filme. O roteiro e o plot principal, que nunca chegaram a ser protagonistas de nenhum filme da série, são deixados ainda mais de lado neste terceiro filme, dando espaço para os hilários diálogos entre os personagens e os bem dosados momentos de drama com boas atuações. Ao contrário dos outros filmes, este terceiro tem bem menos “massaveísses”, limitando um pouco as cenas de ação e dando um pouquinho mais de importância ao trabalho investigativo dos personagens. Na minha opinião (fortemente influenciada por meu gosto pessoal por roteiros bem trabalhados ou por ação desenfreada), Máquina Mortífera 3 pode ser considerado um trabalho bastante “ok”. O final do terceiro filme certamente não foi tão impactante quanto imaginei, mas com certeza teria sido um fechamento legal para a trilogia se Hollywood fosse sobre cinema, e não sobre dinheiro.

    Ouça nosso podcast sobre Máquina Mortífera.

  • Crítica | Se Beber, Não Case! – Parte III

    Crítica | Se Beber, Não Case! – Parte III

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    O último capítulo da Saga Hangover começa de forma grandiosa, nas primeiras cenas o público tem uma prévia do que está por vir. Todd Phillips opta por fugir do lugar comum em que a franquia estava, sai de sua zona de conforto e explora pela primeira vez uma história fora de sua fórmula usual.

    Dessa vez a jornada heroica cabe a Alan – Zach Galifiniakis. Suas atitudes impensadas dão início a uma cadeia de eventos, que culminaria em uma tragédia familiar. Após o ocorrido, é mostrado um pouco do background do personagem, e escancara algo que antes já era apenas sugerido: os problemas de ordem mental de Alan. A situação se agrava pela recusa dele em tomar seus remédios prescritos. Stu, Phill e Doug voltam para tentar conscientizá-lo de que precisa se tratar, e as desventuras do grupo começam a partir daí. Os absurdos e as tiradas únicas do protagonista ainda são frequentes, as gags e piadas de humor ácido continuam afiadas, mas o foco na evolução do personagem mais memorável da série é o mais importante.

    Mesmo sendo uma fita de comédia, nessa continuação os gêneros acabam se misturando. Em alguns momentos é um filme de assalto, em outros é de espionagem, contém elementos de drama em quase toda sua totalidade, etc. O roteiro toca em temas pesados como psicopatia, esquizofrenia, assassinato, latrocínio, criminalidade internacional, rixas entre criminosos, assim como nos filmes anteriores, mas dessa vez o enfoque é um pouco menos superficial.

    A qualidade na direção aumentou muito, Todd Phillips evoluiu a olhos vistos e o seu script – unido a Craig Mazin – está mais maduro e assim como seus enquadramentos, o realizador parece querer demonstrar as suas influências, pegando emprestado estilos e modos de filmar de seus contemporâneos – o repertório de imagens emula desde Christopher Nolan, a Sam Mendes e Paul Greengrass, ainda que em um tom de paródia. Sua câmera deixou de ser tão estática, agora ela é móvel e viaja junto com os personagens. Certamente esse é o episódio mais épico e bem realizado da franquia.

    Mais uma vez a química entre Bradley Cooper, Zach Galifiniakis e Ed Helms provou-se eficaz. Mesmo as pequenas participações de Heather Graham e do Bebê Carlos enriquecem a trama. Ken Jeong e seu Leslie Chow ganha ainda mais destaque, seu personagem é o melhor explorado (fora o trio de protagonistas), e tem até bastante substância, guardadas as devidas proporções.

    O espectador que procura uma comédia despretensiosa certamente irá rir muito nesse Se Beber, Não Case! – Parte III, mas o filme é realizado para o fã dos personagens, pois demonstra como cada um dos integrantes da alcateia está após tantas aventuras juntos, o quanto a relação entre eles se fortificou e tornou-se algo estritamente necessário e simbiótico. E o final extraordinário mostra que não importa o quanto eles podem crescer e evoluir, não há como fugir ou negar a própria natureza.

  • Crítica | Depois da Terra

    Crítica | Depois da Terra

    after earth - poster

    Muitos anos depois de os humanos serem responsáveis por uma catástrofe de proporções suficientes para destruir as condições de sobrevida na Terra, obrigando-os a se retirar do planeta, a humanidade encontra-se estabelecida em Nova Prime. Cypher Raige (Will Smith), general lendário que foi peça importante na colonização do novo planeta, garante à sua esposa, Faia (Sophie Okonedo), que após mais uma missão irá se aposentar. Na tentativa de aproximar-se do filho de 13 anos, Kitai (Jaden Smith), leva-o junto na viagem. Ao ser atingida por uma tempestade de asteroides, a nave em que estão realiza um pouso forçado – ou, melhor, cai – num planeta perigoso que, por acaso, é a Terra.

    Aliás, acasos, ou pré-condições para a trama se desenrolar, não faltam. Vejamos. Por acaso, pai e filho são os únicos sobreviventes humanos. Por acaso, o dispositivo para acionar o resgate está destruído. Por acaso, existe outro, mas está na traseira da espaçonave que, por acaso, caiu a 100 km de distância. Por acaso, Cypher fraturou ambas as pernas na queda e não tem condições de acompanhar o filho na busca. E, por acaso, um monstro predador de humanos, um(a) Ursa, que estava sendo transportado na nave, conseguiu sobreviver à queda. E, também por acaso, Cypher foi um dos primeiros a dominar a técnica necessária para derrotá-los.

    E com essa introdução, não é muito difícil antever o que se segue. Aliás, o roteiro não decepciona nesse quesito, pois é totalmente previsível. Não há qualquer surpresa, ou reviravolta súbita durante todo o filme. Não há ousadia alguma. Os clichês se acumulam – o filho que tenta impressionar o pai, o pai que o julga culpado pela morte da irmã, a necessidade de interação, o confronto, e por aí vai. Há até uma frase de efeito – “Danger is real, fear is a choice”, dita por Cypher – que tenta sem sucesso transformar a corrida contra o tempo de Kitai numa espécie de jornada espiritual ou num ritual de passagem. Certamente, por esses motivos (e mais alguns), apesar de se desenrolar em pouco mais de uma hora e meia de filme, a trama dê a impressão de se arrastar por infindáveis minutos.

    Quanto aos absurdos, há vários, mas dois especificamente abusam da suspensão de descrença e fazem o espectador comentar irritado: “Isto não faz o menor sentido!”. Um deles refere-se a uma auto-cirurgia que Cypher faz em uma das pernas para reverter um problema circulatório devido à fratura. E outro é digno de um filme Disney, quando Kitai consegue um amigo/protetor improvável, durante a sua jornada. Se o espectador ainda estiver tentando levar a estória a sério, esses dois momentos se encarregam de fazê-lo desistir.

    Num filme em que o desenvolvimento da estória se apoia em apenas dois personagens, espera-se que ao menos as atuações sejam memoráveis. Contudo isso não ocorre. Will Smith passa praticamente todo o tempo tentando assumir um ar autoritário e arrogante, mas consegue apenas fazer cara de quem comeu e não gostou. Enquanto que Jaden Smith não vai muito além, e passa a maior parte do tempo com cara de cachorro perdido, se lamentando.

    Enfim, se o espectador abstrair a enorme quantidade de acasos e relevar os absurdos, o filme consegue cumprir a função de entreter. Mas apenas isso. M. Night Shyamalan, mais uma vez, decepciona.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Turistas (2012)

    Crítica | Turistas (2012)

    Turistas 2

    O cinema britânico vem nos dando algumas ótimas comédias no últimos anos, principalmente aquelas encabeçadas pela dupla Edgar Wright e Simon Pegg. Apesar de ambos não serem os responsáveis diretos por Os Turistas (Sightseers), Wright é o produto deste longa, o que pode ser considerado um indicativo de um mínimo de qualidade.

    O diretor Ben Wheatley foge dos estereótipos clássicos, e cria outros um pouco fora do comum, ao retratar um casal de ingleses em uma viagem pelo interior do país a fim de conhecerem paisagens e lugares pitorescos da Inglaterra. Chris (Steve Oram) é o novo namorado de Tina (Alice Lowe). Ele quer levá-la nessa viagem e compartilhar suas experiências com ela, que é dominada por uma mãe ciumenta e possessiva em um nível doentio, que passa de uma gentileza a ofensa em segundos, causando desconfortos até no espectador.

    O longa se inicia na preparação da viagem, e podemos conhecer um pouco da personalidade de cada um, além do cotidiano da vida de pessoas simples da Inglaterra. Porém, um simples evento que parece acidente, transforma toda a narrativa do filme, que passa de um simples road movie a uma escalada de violência de Chris, que descobrimos ser um serial killer. Para nossa surpresa, o medo de rejeição de Tina a faz aceitar, abraçar e até compartilhar e tomar gosto das mortes de Chris conforme a viagem avança, tudo para agradar ao namorado.

    E a partir daí o filme adota um tom de uma comédia de humor negro ácida e seca, com doses às vezes exageradas de violência gráfica contrastando com situações bobas e inusitadas, bem ao estilo comedido inglês. Acostumados como estamos ao cinema policial norte-americano, o fato de os dois assassinos sempre escaparem ilesos e sem deixar pistas dos assassinatos causa estranheza, mas ao mesmo tempo é feito com um realismo que convence, pois sabemos que na vida real o trabalho policial é mais difícil do que seriados como CSI nos mostra.

    Os problemas começam quando Tina sente ciúmes de Chris e mata uma mulher sem os cuidados necessários, o que faz a polícia obter uma descrição de ambos. E aí podemos ver Chris justificar suas mortes: Ele só executa quem, de alguma forma, merece, como todo serial killer pensa fazer, enquanto ela matou por puro capricho. Isolados e fugindo da polícia, o casal pensa ter se encontrado e se entendido de tal forma que sugerem um pacto, e o final do filme nos mostra a evolução de Tina, que de uma personagem totalmente submissa e controlada, passa a ser a dominadora em uma relação doentia, nos fazendo perguntar a partir de que ponto ela deixou de ser dominada por Chris e passou a controlá-lo.

    Apesar de não garantir gargalhadas espalhafatosas, Os Turistas é um bom filme, que às vezes se perde em estabelecer o tom ou em abusar dos recursos gráficos para demonstrar a violência dos assassinos, porém, consegue manter o ritmo e diverte o espectador.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Vigaristas

    Crítica | Vigaristas

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    Após ter visto o bom filme Looper e o excelente A Ponta de um Crime, descobri que o diretor Rian Johnson tinha mais um filme, chamado Vigaristas (The Brothers Bloom), de 2008. Por ser o segundo filme de Johnson, o elenco famoso chega a impressionar, pois conta com Mark Ruffalo, Adrien Brody e Rachel Weisz como protagonistas.

    O filme conta a história de dois irmãos, Stephen (Ruffalo) e Bloom (Brody), que desde crianças, por serem órfãos e trocarem sempre de lar adotivo, aprendem a dar golpes e enganar pessoas, mas Stephen faz questão de, nestes golpes, usar uma teatralidade para maximizar o efeito e fazer com que a vítima não perceba que caiu no golpe. Ao mesmo tempo, o filme estabelece desde o início a relação conturbada de Stephen e Bloom, pois este último não se sente feliz ao ver que sua vida toda, desde criança, foi ser um personagem nos elaborados golpes do irmão, sem nunca poder ter tido uma experiência de vida real. Porém, tudo isso irá mudar quando os irmãos combinam em dar um último golpe na milionária e solitária Penélope (Weisz).

    A partir daí, o filme usa e abusa do recurso das camadas de histórias e de golpes em cima de golpes, que vão se desenrolando e tentam a todo instante confundir e instigar o espectador a tentar descobrir se aquela situação (e o risco envolvido nela) é real ou apenas mais uma parte do golpe dos irmãos. Essa estratégia, quando estabelecida, diverte, mas com o aprofundamento das camadas e a rapidez dos eventos, personagens e situações, o filme acaba perdendo a densidade e ficando confuso, nos fazendo prestar atenção mais nos pormenores da história do que nos personagens e suas nuances em si.

    Também com um ar nostálgico e um pouco noir, mas diferenciando do tom de A Ponta de um Crime, Vigaristas possui um toque de comédia dramática, flertando também com os filmes de assalto dos anos 70. Essa característica retrô do filme está muito presente nas roupas, penteados, acessórios e veículos usados pelos personagens, apesar de o filme se passar em nossa época. Pelo tom dos diálogos, trilha sonora e todo um universo indie, o filme chega a lembrar muito Wes Anderson e talvez por essa tentativa forçada de se encaixar nesse universo lúdico, falhe em aprofundar os personagens e suas relações de uma maneira mais real e arriscada, pois em momento algum sentimos que essas relações do filme estão em risco, pois pelo foco excessivo na trama e nas subcamadas dos golpes, os personagens acabam ficando em segundo plano, prejudicando o clímax, que seria justamente sobre eles.

    Porém, cada ator executa perfeitamente seu papel e apesar das falhas, o filme traz cenas memoráveis sem apelar para a infantilidade gratuita do cinema indie, como quando Penélope embaralha as cartas fazendo um truque e conta sua história de vida, pois são essas cenas que estabelecem os personagens e suas motivações. E o principal problema do filme foi, ao final, deixar isso de lado para se render a um final teatral e digno aos personagens, mas que não disse muito ao espectador, já que naquele momento da narrativa, a expectativa era tão grande que qualquer evento espetacular pareceria trivial, como de fato pareceu.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.