Categoria: Cinema

  • Crítica | Mama

    Crítica | Mama

    mama

    Atualmente, o que mais tem por aí é gente dizendo que o cinema (e a produção cultural em geral) está em crise, tanto pela falta de criatividade e homogeneização do pensamento em Hollywood quanto pela massificação e velocidade de reprodução e consumo dos bens produzidos pela indústria cultural.

    O fato é que o cinema de terror vive uma crise maior que a do cinema. Desde os clássicos dos anos 70, como O Bebê de Rosemary e O Exorcista, que levaram e assustaram multidões aos cinemas, não vimos mais fenômenos tão marcantes ou duradouros. Com algumas raras exceções, os anos 80 e 90 produziram uma quantidade enorme de títulos no gênero, um mais genérico que o outro, e apesar de algumas tentativas recentes mais realistas, intimistas e autorais, como as levadas a cabo por Guillermo del Toro, o cinema de terror ainda patina frente a uma população mais cínica, esclarecida e acostumada com a violência que desdenha de grande parte das produções que aparecem.

    Mama, filme de Andy Muschietti baseado em um curta do mesmo autor, se situa na descrição acima. Ao mesmo tempo em que tenta invocar um terror intimista, falha ao pecar justamente na progressão das cenas e dos personagens, não fazendo jus as suas quase duas horas de duração. O filme conta a história de duas crianças abandonadas pelo pai, que some de forma bem clara e nem um pouco misteriosa, colocando já de cara as cartas do filme na mesa. (Não é interpretação. O sobrenatural existe mesmo. Ponto para a coragem da abordagem.) As duas crianças sobrevivem por cinco anos na casa com a ajuda de uma entidade misteriosa até serem descobertas pelo tio Lucas (Nikolaj Coster-Waldau), irmão do pai delas, que as leva para criar junto com sua namorada Annabel (Jessica Chastain).

    A história se desenvolve a partir de situações que vão do leve incômodo (como em filmes de terror qualquer funcionário de cartório é especialista em fantasmas) até o mais absurdo (como da cena final, onde qualquer possibilidade real de final resolvido, só caberia justamente em uma plateia dos anos 70, sem o atual vício realista).

    Em momento algum acreditamos na relação das personagens, que passam, de uma hora para outra, de estranhos a um amor incondicional, ou mesmo na sucessão de eventos que exige uma crença do espectador que ele dificilmente dará. Pessoas se encontram em estradas desertas sem combinarem, personagens resolvidos fazem pós-aparições provocativas sem resultado algum na trama, são só alguns exemplos de incongruências da história, que não é salva pela bela e assustadora fotografia de inverno no início do filme, que remete aos Irmãos Grimm.

    Guillermo del Toro produz o longa, e parece ter chamado para si toda a responsabilidade a respeito dos filmes de terror na última década, após belas realizações como Labirinto do Fauno. No entanto, suas últimas produções têm deixado a desejar, pois parecem seguir um roteiro formatado e estabelecido (“filme independente europeu de um diretor jovem e desconhecido adaptado para o público americano”), que nos trouxe também coisas positivas, como REC e O Orfanato, mas que agora definitivamente parece ter chegado à exaustão.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Acordo

    Crítica | O Acordo

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    Mais uma tentativa de Dwayne Johnson de encarar um papel sério num drama, não sendo apenas “o fortão” do elenco. Infelizmente, a tentativa não passou disso. The Rock não consegue dar peso e presença a seu personagem. Contudo, esse problema não é exclusividade sua. Mesmo que não fosse dele o papel de John Matthews, o pai empenhado em ajudar o filho de qualquer forma, o filme ainda estaria longe de ser considerado bom. Os demais personagens, assim como a trama, carecem de verossimilhança e carisma. É difícil dar credibilidade a uma estória em que o protagonista procura informações sobre cartéis e chefões do tráfico na Wikipedia.

    Matthews tem uma construtora e, coincidentemente, um dos funcionários – Daniel James (Jon Berntha, o Shane de The Walking Dead) – é um ex-presidiário que, coincidentemente, foi preso por tráfico e, coincidentemente, conhece um traficante local e topa (sem muita resistência) apresentar o patrão ao traficante que, também sem muita resistência, aceita testar o serviço de transporte proposto por Matthews, e por aí vai. As coincidências se sucedem de maneira quase vergonhosa e a maioria dos eventos se desenrola de modo tão simplista e óbvio que os momentos de tensão – se é que podem ser chamados assim – passam praticamente despercebidos.

    Os personagens são rasos, boa parte deles não parecem ter uma motivação para seus atos, alguns aparecem e desaparecem do roteiro de acordo com a necessidade – a ex-esposa de Matthews, assim como a esposa atual e sua filha, por exemplo, não têm qualquer relevância, sua presença (ou ausência) simplesmente não mudam em nada o rumo da narrativa. Fica difícil para o espectador criar qualquer identificação e sequer se importar com o destino dos personagens, mesmo de Matthews ou de seu parceiro circunstancial, James – cuja família também pouco influencia no rumo dos fatos.

    Some-se a isso a atuação em “piloto automático” de Susan Sarandon, o excesso de closes e planos-detalhes, as cenas desnecessárias, a insistência e a frequência exagerada de discurso anti-drogas nos diálogos, além de o espectador ser obrigado a ver o protagonista apanhando de quatro drogados – algo inadmissível em se tratando de The Rock – e tem-se uma estória que se arrasta por intermináveis 112 minutos.

    Neste filme, é tudo tão moderado (pejorativamente falando), tão morno que dá saudades daquela selvageria estilizada dos filmes de Braddock. É um daqueles roteiros que ficaria bom se tivesse sido feito nos anos 80, com algum dos brutamontes da época – Charles Bronson, Chuck Norris, Stallone ou Schwarzenegger – no melhor estilo “um destemido contra tudo e contra todos”. Desse modo, ao menos, os furos de roteiro, os clichês, a falta de consistência seriam mais facilmente perdoados e sem dúvida o filme seria muito mais divertido.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Linha de Ação

    Crítica | Linha de Ação

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    A consagração de Mark Wahlberg no cinema se consolidou, principalmente, com suas personagens duronas que surgiram desde o inicio de sua carreira. Em mais de dez produções, o ator foi um policial ou esteve do outro lado da lei, sendo este estilo o mais comum em sua filmografia.

    Normalmente, a repetição de um tipo específico de papel provoca cansaço, mas Wahlberg consegue sair-se bem até quando o filme não possui uma estrutura boa o suficiente para se tornar significativo.

    Linha de Ação tem ambientação levemente noir, situando o público em uma Nova York dúbia, em que não sabemos ao certo se a honestidade e a verdade são reais. Sob o mandato do político Nicholas Hostetler, a cidade vive um período atribulado de alguém que é tido como um ladrão mas, para parecer um político honesto, apresenta medidas populistas.

    Wahlberg é o ex-polícial Billy Taggart que, há sete anos, foi desligado da força policial por excesso de vigor em uma ação que matou um estuprador. A opinião pública transformou a atitude em um extermínio e hoje Taggart vive como um detetive particular, sobrevivendo da melhor maneira que consegue, perseguindo maridos infiéis e esposas desconfiadas.

    Quando o prefeito convoca-o para um serviço, o ex-policial acredita que se trata apenas de mais um caso de adultério. Mas a investigação é somente o início de um elemento maior que o envolve.

    Torna-se evidente que a linha divisória da trama situa-se entre o ex-policial julgado erroneamente e o político aparentemente honesto. Apresentando ao público pistas de sua narrativa, a história permanece no preceito básico de um policial desonrado que, ao se ver subjugado, resolve passar a limpo o que está acontecendo para, literalmente, encontrar uma verdade que se sustente.

    Se Wahlberg naturalmente encarna bem o perfil de um policial, Russell Crowe faz um apagado político que nem carisma ou ódio produz. Esta é a segunda interpretação do ator que permanece em uma linha padrão, como se estive sem vontade de dar vida ao personagem. Há uma única boa cena que se destaca, em um debate televisivo com outro político, em que Crowe demonstra seu domínio em frente às câmeras.

    Porém, a personagem fica ausente na maior parte do tempo da trama, como um grande mestre de fantoches, fazendo com que a investigação durante a história não tenha um rival declarado, surgindo com maior força apenas no embate final que, evidentemente, coloca as duas personagens em conflito.

    O desenlace sem reviravoltas formata uma produção que, antes de assistir, o público é capaz de visualizar do começo ao fim, pela trama risível que nada acrescenta e pela vontade ínfima de seus atores em dar maior profundidade aos seus papéis.

    Recomenda-se não ver o trailer da produção, que revela tanto da história que o impacto ao vê-la fica ainda menor.

  • Crítica | Uma História de Amor e Fúria

    Crítica | Uma História de Amor e Fúria

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    O Brasil não é um país com um histórico forte em animação. Em 1996 foi produzido Cassiopeia, filme em 3D feito no mesmo ano do primeiro Toy Story, mas pouca coisa foi feita desde então, o que torna surpreendente a excelência técnica de Uma História de Amor e Fúria.

    O longa é a estreia na direção de Luiz Bolognesi, roteirista de Chega de Saudades e As Melhores Coisas do Mundo, e acompanha um homem (dublado por Selton Mello) ao longo de 600 anos de história, enquanto ele se encontra e desencontra de sua amada Janaína (Camila Pitanga). Anteriormente chamado Lutas, o filme salta através de momentos importantes da história do Brasil e termina com uma visão distópica do Rio de Janeiro em 2096.

    É um roteiro pretensioso e reside aí o maior problema do filme. A narrativa começa com o conflito entre os tupinambás e os colonizadores portugueses, em seguida salta para a Balaiada (revolta de escravos que ocorreu no Maranhão no século XIX), o movimento estudantil de resistência a ditadura e por último para o ficcional grupo terrorista que busca democratizar o acesso à água, tornada o bem mais caro do mundo no futuro. Ao condensar quatro pequenas histórias em um filme que tem menos de uma hora e meia, Bolognesi planifica seus personagens e os transforma em estereótipos.

    O protagonista e Janaína se tornam símbolos da luta contra a opressão e advogados da liberdade, mas não são nada além disso. Esse tipo de arquétipo, unido a história de amor imortal e as excelentes sequências de ação, funciona talvez com o público juvenil, mas Uma História de Amor e Fúria é também uma animação para adultos e assim, tanto os personagens como os diálogos acabam soando rasos e bastante ingênuos.

    Outro problema é que o filme parece uma aula de história da oitava série: não há ambiguidades, a divisão entre oprimidos-bons e opressores-maus é absoluta e a história é inevitavelmente contada pelos vencedores. Há certamente um mérito nessa posição e na vontade de Bolognesi de explorar o outro lado da história brasileira, mas de novo, tudo se torna raso e superficial quando não existem zonas de cinza ou quando a vida interior dos personagens se resume à sua vontade de lutar. Esse maniqueísmo diminuí um pouco na última história, passada no futuro, que é de longe a melhor parte do filme.

    Visualmente Uma História de Amor e Fúria é impressionante:  o traço estilizado dos personagens e o detalhamento dos ambientes funciona muito bem. A trilha sonora, original em sua maior parte, mas com participação de bandas como Nação Zumbi, também é extremamente bem usada e reforça a sensação de que as sequências de ação são o ponto alto do longa. No entanto, a sensação final é de um filme com pontos fortes e que poderia ter ganhado muito se tivesse menos ambições, mas acabou um tanto plano, ingênuo e inseguro de seu público alvo.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Duro de Matar

    Crítica | Duro de Matar

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    Yippie Ki-Yay. O ano é 88 e o cinema de ação brucutu, com seus heróis de grandes feitos quase imortais, era um sucesso de bilheteria que duraria até meados da década seguinte. Dentro do panteão de personagens cheios de músculos que atiram primeiro e perguntam depois, Duro de Matar introduziria um inovador elemento primordial que hoje se tornou comum nas produções do estilo. No elemento humano chamado John McClaine, Bruce Willis e o diretor John McTiernan criavam um clássico do cinema de ação e, sem nenhuma dúvida, um dos melhores filmes natalinos de todos os tempos.

    A premissa de Duro de Matar não poderia ser mais simples. Apoiada em uma época em que não eram necessárias personagens profundas e reviravoltas para se fazer um bom roteiro, o policial de Los Angeles John McClaine visita a família no Natal e tem o azar de estar na empresa da mulher no momento em que um atentado está em andamento. A trama se passa em um ambiente isolado, um grande prédio comercial de que conhecemos poucos andares. Com quase nenhum armamento, sem ideia do que realmente acontece e sem sapatos, a personagem faz o que pode para defender sua esposa.

    O roteiro introduz um estilo novo de personagem durão indo além do perfil físico. McClaine é irônico, mal-humorado e, acima de tudo, humano. Não possui força descomunal e inteligência acima da média. É um homem defendendo a família, tentando cumprir seu dever, com um certo senso de treinamento e que sangra demasiadamente. O elemento humano acaba se perdendo nas sequências, mas aqui é uma das qualidades mais significativas que o perpetuaram como um dos melhores filmes do gênero.

    A personagem composta por Willis é carismática e desde este filme primordial identifica um de seus famosos tiques faciais de projetar a boca, parecendo que em algumas cenas o ator faz um pequeno biquinho. Independente do cacoete, foi aqui que sua fama se fez como um querido herói de ação que até hoje mantém sua carreira funcional interpretando o mesmo tipo de personagem, quando não o próprio McClaine.

    Os elementos inovadores do filme foram responsáveis por um novo protocolo no estilo de ação que, à procura de heróis mais humanos, causou um declínio dos grandes na década de noventa e que, no início da década passada, fez com que personagens não necessariamente dotados de qualidades físicas visíveis se tornassem a estrela principal do gênero.

    Se ainda atualmente temos personagens de ação resmungonas que alcançam seu objetivo de maneira dolorida e mais humana, devemos estes fatores a John McClaine. O homem errado na hora errada.

  • Crítica | Anna Karenina

    Crítica | Anna Karenina

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    Joe Wright é famoso por suas adaptações literárias: nos últimos anos ele dirigiu Orgulho e Preconeito, Desejo e Reparação e agora Anna Karenina.

    Adaptado do clássico de Tolstoi, o filme conta a história de Anna, uma mulher casada da alta sociedade de São Petersburgo que se apaixona por um jovem militar e acaba sendo levada a ruína. O romance se estende por mais de 800 páginas e é quase um tratado sobre o amor, a felicidade doméstica e os costumes da Rússia do século XIX.

    O primeiro acerto de Wright é abandonar essas pretensões e condensar a história: ele reduz ao mínimo a importância dos personagens secundários e das histórias laterais e se foca na relação de Anna e Vronsky. Uma sensualidade explícita, ausente do original, e o bom trabalho de atuação dos protagonistas confere intensidade ao que já é uma das histórias de amor mais emblemáticas da literatura mundial.

    Na verdade, boa parte da eficiência do filme se deve a adequação dos atores: embora nenhuma atuação seja excepcional (talvez o maior destaque seja para Aaron Taylor-Johnson como Vronsky) eles encarnam bem seus personagens e aquilo que eles representam na história.

    Além do foco no casal principal, Wright torna Anna Karenina mais adaptável ao abrir mão de qualquer naturalismo. A trama se passa em um palco e a movimentação dos atores é teatral e coreografada. Não se trata mais de uma análise da natureza humana ou uma investigação sobre o casamento, é uma história de amor, épica, trágica e fantástica. Essa impressão é reforçada pelos figurinos e pela direção de arte, que criam uma Rússia quase de contos de fadas, uma terra distante, fria e maravilhosa.

    No entanto, por mais que o diretor se esforce em fazer a narrativa caber no filme, Anna Karenina tem problemas de ritmo: a ação é corrida e a narrativa acaba cheia de pontas soltas. A rapidez também acaba tornando raso o desespero final da personagem e seu suicídio parece quase gratuito.

    No final, Anna Karenina é um bom filme e uma boa adaptação, Wright confia em seus atores e na riqueza visual e tenta contornar as nuances psicológicas (que são justamente o problema em seu Desejo e Reparação). Não é uma obra prima, mas é uma história de amor bem contada, intensa e comovente e um filme visualmente impressionante.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy

    Crítica | O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy

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    Mesmo depois da tragédia de Os Candidatos, resolvi ver outro filme do Will Ferrell. Dessa vez, O Âncora, que não poucas pessoas disseram que era bom. Realmente, é melhor que Os Candidatos, mas se só isso não diz muito, O Âncora falha em ter exatamente muitos dos elementos de que não gostei no anterior.

    A ideia é excelente. Ferrell interpreta Ron Burgundy, um jornalista local de San Diego, famoso na cidade, juntamente com sua equipe, por comandar o jornal de liderança no horário, durante a machista década de 70, quando o movimento feminista começava a sair das universidades e dos protestos nas ruas para engrossar a luta diária das mulheres no dia a dia por melhores condições, igualdade e, principalmente, respeito e reconhecimento no ambiente de trabalho e na sociedade. Nesse aspecto o filme é primoroso, pois, se as mulheres reclamam de como são tratadas hoje, nessa época era absurdamente pior, e soa ridículo vermos hoje como os personagens da época as tratavam – mas não soa de modo algum irreal, o que transforma algumas situações engraçadas, mas aquele engraçado que incomoda, no bom sentido.

    Também há a boa ridicularização do papel da mídia na sociedade, que sempre se desvia de histórias relevantes, mas que poderia desestabilizar o status quo para cobrir eventos com gatos fantasiados e partos de animais em zoológicos que são tratados como a maior notícia do mundo, sem a menor cerimônia. Além, é claro, de tirar um sarro do ego enorme de jornalistas da TV que se acham o centro do universo por terem 30 minutos diários de aparição.

    No entanto, o outro lado, o do riso forçado, das esquetes fora de contexto e dos exageros, não me pegam. Ainda não entendo porque Steve Carrell é tratado a toda hora como gênio do humor, já que parece interpretar o mesmo personagem, do mesmo jeito, em todo filme, com as mesmas caras, bocas, frases e trejeitos. Sua única exceção parece ter sido no excelente Pequena Miss Sunshine, quando justamente saiu do seu estereótipo.

    Do final não daria para esperarmos muito, nem sei se o filme deveria tentar algo além do desfecho onde inimigos fazem as pazes e resolve os conflitos nesse tipo de filme justamente pela proposta de satirizar o  gênero, mas seria interessante ver uma elaboração mais inteligente do que essa.

    Como resumo da obra, O Âncora é um filme redondo, que funciona para a plateia certa, mas cansa o espectador que exija algo a mais. Possui bons momentos, e deixa a profundidade que poderia alcançar ser atrapalhada pelo humor raso que tenta forçar a todo instante.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Hospedeira

    Crítica | A Hospedeira

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    Sem dúvida, uma parcela do público será atraída ao cinema pelo simples fato de que o filme é baseado no livro homônimo de Stephenie Meyer. Essa parcela, caso vá esperando ver algo minimamente próximo a Crepúsculo, terá as expectativas ligeiramente frustradas. Não totalmente, já que a porção “romance” está presente. Contudo, diferente da estória de Bella e Edward, não é o foco principal, apesar de ser importante para o desenvolvimento da trama. Sobre a relação livro/filme, apenas mais uma observação. Espera-se de adaptações de livros que o filme se sustente per se, isto é, o roteiro não deve pressupor que quem está assistindo já leu o livro. E neste sentido, a adaptação foi bem sucedida. Não há necessidade de conhecimento prévio da obra, nem ficam faltando detalhes essenciais (ou não) que apenas os leitores teriam conhecimento.

    Diferente de outras estórias que versam sobre invasão alienígena, esta não se prende ao início da invasão – os primeiros humanos “infectados”, a percepção dos demais sobre o que está ocorrendo e a luta contra os invasores. Nesta, a invasão já está consumada, os alienígenas já estão entre os humanos ou, mais especificamente, dentro deles, assumindo o controle do corpo e sobrepujando a mente, tomando o lugar do “eu” de cada um. E a trama se volta para os focos de resistência, os humanos reminiscentes, os “não invadidos”, como Melanie (a princípio) e Jared.

    O modus operandi da invasão levanta um questionamento interessante: como reagem ou devem reagir os 100% humanos ao se deparar com um hospedeiro conhecido? O corpo é o da pessoa que se conhecia. Suas feições, seu modo de andar, seu jeito de falar continuam os mesmos. Ainda é a pessoa com que se convivia. Mas ao mesmo tempo, não é mais, ao menos na maioria dos casos. Melanie é uma hospedeira que resiste à invasão. Ela e a invasora, Peregrina (Peg), “brigam” pelo controle do corpo de Melanie, o que gera algumas situações engraçadas quando Mel se irrita com alguma ação de Peregrina.

    É uma pena que o roteiro não tenha dado mais ênfase à faceta sci-fi do filme, certamente para tentar agradar aos fãs oriundos de Crepúsculo. Contudo, essa não é a maior falha do roteiro, já que quem não leu o livro não faz ideia que esse enfoque é bem mais explorado. Apesar de Niccol ter conseguido eliminar a maioria dos excessos do livro – cenas desnecessárias e estórias paralelas que pouco ou nada acrescentavam – o ritmo da narrativa é extremamente lento, quase sonolento em alguns trechos. É uma pena que Niccol, responsável pelos roteiros de Gattaca, O show de Truman e O senhor das armas – todos acima da média – tenha conduzido a trama dessa forma. E o que resta ao espectador é acompanhar Mel/Peg tentando ganhar a confiança dos demais e o triângulo – ou quadrado – amoroso em que ela se envolve, ou seja, situações clichês em filmes para adolescentes.

    O elenco está bem, nenhuma atuação surpreendente ou fora do comum. Saoirse Ronan poderia ter se dedicado um pouco mais a diferenciar a personalidade de Mel e Peg, mas a voz em off de Mel dá conta do recado. Diane Kruger encarna de modo convincente a fria, calculista e (aparentemente) insensível Buscadora. E William Hurt, no papel de Tio Jeb, está em sua zona de conforto representando o chefe do grupo, detentor de sabedoria.

    Apesar das paisagens chamativas, da premissa interessante e do roteirista/diretor merecidamente premiado, o filme não chega a ser memorável. Talvez o espectador se lembre dele apenas quando anunciarem a sequência – o final do filme dá brecha para essa especulação, e a própria Stephenie Meyer cogita escrever mais livros sobre o tema.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Jack: O Caçador de Gigantes

    Crítica | Jack: O Caçador de Gigantes

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    Mais um filme que revisita uma estória infantil, o conto de fadas inglês “João e o pé de feijão”. E ainda na onda do politicamente correto, desta vez, João (ou Jack) deixa de ser um ladrãozinho – que surrupia primeiro moedas de ouro, depois a galinha dos ovos de ouro e por último a harpa de ouro – para se tornar um jovem destemido que luta para defender seu mundo dos gigantes “malvados”. Porém, o cerne da estória – o garoto ludibriado numa troca que volta para casa com um saquinho de feijões ao invés de moedas – foi mantido, com alguns adendos na tentativa de enriquecer a trama.

    A aventura infanto-juvenil lembra bastante os filmes de fantasia dos anos 80 – Krull, A lenda, História sem fim – com valentes cavaleiros, donzelas em perigo, lutas de capa e espada, apenas com efeitos especiais mais elaborados, com menos maquiagem, maquetes e fantasias e mais computação gráfica. Contada de modo convencional e pouco inventiva, a trama não chega a entusiasmar, mas também não entedia o espectador. Com algumas pitadas de feminismo e tiradas de humor – bem ao estilo de Piratas do Caribe – entretém, mas está longe de causar empolgação. Tem-se a impressão de que o investimento foi grande na concepção dos efeitos especiais e pequeno na concepção do roteiro. Esperava-se bem mais de Christopher McQuarrie, o roteirista responsável pelo excelente Os Suspeitos.

    O elenco está bem, apesar dos personagens terem pouca ou quase nenhuma complexidade. São todos estereotipados: Jack (Nicholas Hoult) é o rapaz honrado, Isabelle é a moça (quase) rebelde, Elmont é o cavaleiro valente, Roderick (Stanley Tucci) é o conselheiro ardiloso. Aliás, enquanto o Elmont de Ewan McGregor vai ficando mais carismático à medida que o filme avança, a princesa Isabelle (Eleanor Tomlinson) parece cada vez mais apenas um elemento decorativo.

    Ao contrário do que aparentavam tanto nos trailers quanto nos anúncios, os efeitos de computação gráfica em combinação com a filmagem 3D deram um bom resultado final, exceto por uma ou outra falha pouco perceptível. Apesar de o 3D não acrescentar muito ao filme, também não chega a atrapalhar como ocorre em alguns casos, principalmente quando o filme é convertido de 2D para 3D. Vale destacar o pé de feijão que simplesmente enche a tela (e os olhos) com sua grandiosidade e riqueza de detalhes. E não se pode reclamar da aparência dos gigantes, já que eles são tão verossímeis quanto um personagem de conto de fadas pode ser. Sobre os gigantes, atenção especial para o “chefe” de duas cabeças, General Fallon, dublado pelo inconfundível Bill Nighy.

    Contudo, nem só de efeitos especiais sobrevive um filme. No máximo, este talvez seja lembrado como “aquele em que Ewan McGregor quase virou petisco de gigante”.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Crítica | Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Depois do excelente Na Mira do Chefe o diretor e roteirista Martin McDonagh volta às telas com Sete Psicopatas e um Shih Tzu. Apesar do primeiro ainda ser melhor, esse segundo ainda cai bem como uma comédia de humor negro e metalinguagem a respeito do cinema e violência, que lembra os bons tempos de Guy Ritchie com Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch – Porcos e Diamantes.

    Com um excelente elenco, que junta Colin Farrell, Sam Rockwell, Christopher Walken, Woody Harrelson e outros, o filme começa com o escritor Martin (Farrell) tentando bolar uma ideia a respeito de Sete Psicopatas com histórias interessantes de vida, e com a ajuda de amigos (Rockwell e depois Walken), vai acrescentando em seu bloco de notas um psicopata com uma história mais interessante e exótica que outra.

    Porém, conforme vai passando, podemos ver que a conversa dos personagens dentro do filme é cada vez mais metalinguística, e cada vez mais referencial ao próprio filme e ao que está acontecendo, subvertendo totalmente a experiência inicial do longa, que nos levava para um caminho tradicional do filme de “máfia-com-perseguição-e-vingança” (e que o próprio filme tira sarro de sua escolha).

    Quando é finalizada a subversão e a história vira totalmente auto referencial e se preocupa somente com isso, um pouco da mágica e da graça acabam, tornando tudo uma paródia dos filmes violentos de Hollywood, com seus finais grandiloquentes e redenções ainda mais carregadas de emoções milimetricamente construídas. Outro ponto positivo é que em momento algum os personagens são tratados como arquétipos tradicionais de “mafioso” ou “psicopata”, o que dá espaço a piadas e situações muito boas, principalmente com Woody Harrelson, cada vez melhor.

    A intenção da sátira é louvável, mas seu resultado acaba fazendo o filme perder um pouco da graça e da intenção original, apesar de garantir algumas risadas, porém, mais pela graça do escândalo do que pela inteligência da construção do clímax.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Os Miseráveis (2012)

    Crítica | Os Miseráveis (2012)

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    Em 2001, com Moulin Rouge – Amor em Vermelho, os musicais ganhavam novamente destaque nas produções Hollywoodianas, com uma história amorosa que inovava no estilo cinematográfico e ainda era repleto de referências ao pop. Talvez não seja exagero afirmar que, ao lado do Western, é o gênero que mantém suas características próprias, sem diluir-se em uma mistura de gêneros que normalmente situam-se as produções contemporâneas que sempre dão espaço para o humor, ao drama, a ação, perdendo parte dos referenciais de outrora.

    Embora muitos não apreciem o gênero, parte da Era de Ouro do cinema americana foi fundamentada em torno de musicais. O Mágico de Oz, primeiro filme colorido, é uma aventura musical, um exemplo entre tantos outros filmes que transformaram suas canções em sucessos, ganhando força além deles.

    O musical é o gênero mais teatral. Quebra a ideia da verossimilhança a favor da arte. A procura de uma maneira de se expressar com maior intensidade, além da interpretação física e da modulação da fala prosódica. Ao utilizar a música como representação, o público reconhece o distanciamento da vida real, mas, por sua força, aproxima-o pelo elemento emotivo.

    Dirigido por Tom Hooper, do vencedor do Oscar de Melhor Filme Discurso do Rei, Os Miseráveis traz ao cinema a versão do musical da Broadway do romance do francês Victor Hugo. Um dos maiores sucesso do famoso teatro trouxe um conceito inédito ao se filmar o gênero. É o primeiro em que as canções foram realizadas direto da cena, sem a gravação prévia em um estúdio. As interpretações das canções mantem-se a favor da emoção das personagens e do desejo dos atores, mas falham se o ator não possui um bom gogó para conseguir refletir o que sente.

    Na trama, acompanhamos o ladrão Jean Valjean, que após roubar um pão e ser preso, decide redimir os erros de sua vida. Mas aos olhos da lei e do inspetor Javert, nenhuma mudança transformaria sua marginalidade. O que faz o inspetor persegui-lo durante a vida toda. Mesmo tornando-se um homem melhor, Valjean não reconhece o sofrimento de uma de suas trabalhadoras que cai em desgraça após ser demitida. É um novo sinal para recuperar sua crença e prometer que cuidará de sua filha, Cosette.

    A história trabalha, em toda sua magnitude que abrange o século XIX como um todo, o viés do tempo e das mudanças históricas. Acompanhando a vida de personagens que foram marginalizados tanto pelas misérias da vida como pela situação da França como país, aqui situado entre a grande batalha de Waterloo e a Revolução.

    Críticas mencionaram o exagero dramático da produção, mas é necessário pontuar desde já que um musical potencializa as ações representadas com maior intensidade e o próprio romance de Victor Hugo é uma narrativa romântica por sua construção sensível e representação crítica da sociedade.

    O grande pecado do filme é não saber diferenciar que o teatro tem formato diferente do cinema. No espetáculo da Broadway, pode ser funcional uma história de 160 minutos em que quase todas as falas são ditas de maneira cantada. No filme, o efeito soa artificial como se as personagens estivessem obrigadas a dizer suas falas somente dessa maneira. Até os musicais mais antigos se pautavam de maneira equilibrada entre números de dança ou voz e partes faladas que dão sequência a ação. Em uma história que permanece demais sequenciando canção após canção, a força das mesmas se perde. Ainda mais quando a gravação foi feita no decorrer da cena, evidenciando quem tem talento e quem fez aulas específicas para as filmagens.

    O astro da produção é seu protagonista, Hugh Jackman, que expõe seu talento vindo da tradição do teatro e, portanto, familiarizado com o estilo. O algoz da personagem, Russell Crowe, parece desconfortável em cantar, ainda que realize uma boa canção solo. O Oscar dado a Anne Hathaway é uma das premiações que se valeu de sua intensa cena solo, da canção mais famosa da trama, I Dream a Dream. Nas outras personagens coadjuvantes, Sacha Baron Cohen, em seu segundo filme musical, demonstra segurança tanto na interpretação como na voz e parece diferenciar sua carreira entre as produções próprias com personagens excêntricos  e aquelas mais tradicionalista que realiza com outros diretores.

    Tentando manter a fidelidade com o musical da Broadway, mesmo não sendo um espetáculo filmado, Os Miseráveis perde parte de sua alma como uma produção cinematográfica. A inovação de cantar do próprio estúdio não salva excessos que poderiam ser evitados se a adaptação não se apoiasse somente no espetáculo teatral, esquecendo que a sétima arte tem um formato diferente.

  • Crítica | O Amante da Rainha

    Crítica | O Amante da Rainha

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    Nikolaj Arcel foi roteirista da versão sueca de Os Homens que Não Amavam as Mulheres, mas seu novo filme como diretor tem pouco em comum com o romance policial. O Amante da Rainha, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro pela Dinamarca, é um drama de época, clássico, embora violento a sua maneira.

    Caroline é uma adolescente inglesa enviada à Dinamarca para se casar com o jovem rei, o instável Christian. Entre a loucura de Christian  e a constante vigilância da corte, Caroline, ainda uma menina, vive infeliz e solitária até conhecer Johann Struensee o novo médico real. Excêntrico, Johann consegue se aproximar do rei e ajuda-lo a exercer realmente seu poder,de forma humana e moderna, além de começar um caso com a rainha. Mas O Amante da Rainha é uma tragédia e no final tanto o plano de uma nova Dinamarca quanto o romance do casal desmoronam.

    O fio condutor da narrativa é uma carta que Caroline escreve aos filhos no leito de morte e é a voz dela que guia os acontecimentos. Quase todo o filme se passa dentro do palácio, ricamente decorado, mas claustrofóbico, o único momento em que há luz e ar é quando Caroline se aproxima de Johann. Essa oposição entre ambientes fechados e abertos, iluminação dourada e cinzenta, marca de forma muito clara  as partes do filme: a solidão inicial de Caroline, o idílio com Johann e o sonho de uma Dinamarca iluminista e o drama final.

    Da mesma forma o filme opõe iluminismo e religião: a juventude de Caroline, Johann e Christian à velhice dos membros do conselho, suas roupas claras ao preto deles e inclusive a luz com que os personagens são iluminados. A discussão de Arcel sobre o peso da religião na política e os interesses do jogo político são extremamente atuais, ainda que ele cite filósofos do século XVIII.

    O Amante da Rainha se parece com uma tragédia grega, ou de Shakespeare: é a paixão dos personagens que os destrói no fim e desde o início o diretor anuncia isso. O espectador vê , devagar, o poder subindo a cabeça de Johann e Caroline se tornando menos cautelosa em esconder sua traição. O filme é tenso porque envolve o espectador no destino dos personagens, o faz gostar e torcer por eles, mesmo sabendo desde o início que o final não pode ser bom.

    Arcel fez um filme clássico, em termos de cinema e dramaturgia, extremamente minuncioso e bem feito. Mads Mikkelsen (aparentemente o ator nacional da Dinamarca) dá nuances variadas ao seu Johann, mas é Alicia Vikander que brilha no filme: o sofrimento de sua Caroline é real e pungente e ela é igualmente frágil e ousada.

    O Amante da Rainha é um filme longo e de pouca ação. Mas é bem filmado, muito bem atuado e angustiante como as melhores tragédias.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Amanhecer Violento

    Crítica | Amanhecer Violento

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    A cena inicial tem um estilo de documentário. São mostradas, em rápida sucessão, imagens jornalísticas (muitas delas reais) situando um conturbado cenário internacional. Crise econômica na Europa gerando protestos civis; o Oriente Médio em crescente agitação, o que exige maior participação militar norte-americana; a Rússia de alguma forma envolvida em tudo isso; e, principalmente, a Coreia do Norte assumindo uma postura cada vez mais belicosa, deixando os analistas políticos do mundo inteiro perplexos e apreensivos. Tal abertura parece indicar uma preocupação em ser realista, ou ao menos apresentar uma extrapolação crível da nossa realidade… “só que não” elevado à enésima potência. Amanhecer Violento é, mais que um filme, um ode à inverossimilhança.

    Um belo dia, os moradores da pequena cidade de Spokane, localizada próxima a Seattle, têm sua tranquilidade quebrada ao acordar e ver o céu cheio de aviões e para-quedas inimigos. Norte-coreanos. Exatamente: a Coreia do Norte está empreendendo uma invasão em larga escala aos Estados Unidos. Com as forças da Lei rapidamente dominadas, cabe a um grupo de adolescentes formar uma resistência contra os invasores. Liderados pelo deus do trovão, Thor (quer dizer, Jed, um jovem soldado interpretado por Chris Hemsworth), eles vão assumir o nome do time de futebol local, os Wolverines, e do dia para a noite vão virar mestres na arte da guerrilha.

    A direção do estreante Dan Bradley não é das mais inspiradas, as atuações são todas sofríveis (em especial a de Josh Peck vivendo o rebelde Matt, irmão de Jed), mas deixa isso pra lá. Muito mais divertido é analisar a coleção de furos desse inacreditável roteiro. Vamos considerar que os norte-coreanos enlouquecessem de vez e declarassem guerra aberta aos EUA. Bombardeios intensos seriam uma opção mais lógica do que uma invasão. Porém, o filme sugere que o interesse dos orientais não é destruir o inimigo, nem roubar seus recursos naturais, e sim algo como “tornar o país um lugar melhor para as pessoas que vivem lá, libertando-as do capitalismo maligno etc”. Fingindo que isso tem um resquício de sentido para podermos ir em frente, surge a pergunta natural: de onde a Coreia do Norte tirou os recursos (humanos, inclusive) pra fazer isso? Pois é dito no filme que a ocupação está acontecendo no país inteiro, não apenas nos grandes centros. Ah, os russos ajudaram fornecendo tecnologia, equipamentos? Tudo explicado, então.

    E quanto a todo o poderio bélico americano, que não dá as caras mesmo passando-se várias semanas desde a invasão? Sério mesmo que devemos aceitar que uma movimentação militar desse tamanho passou despercebida, ou talvez que TODO o contingente dos EUA estivesse no exterior? Quando, próximo ao final, a coisa adquire ares de ficção científica (é sugerido que os invasores têm uma nova superarma elétrica que desliga todas as máquinas inimigas), o filme se torna nada além de risível. Aliás, o fato de se levar totalmente a sério, o tempo todo, também contribui muito pra isso.

    Amanhecer Violento é na verdade um remake. No original, de 1984, os invasores eram soviéticos. Já era algo forçado, mas perdoável, dada a ameaça mais palpável da Guerra Fria e a ingenuidade geral que ainda havia na época. Esta nova versão foi filmada em 2009, e o atraso em seu lançamento deve-se a dois fatores. A gigantesca crise pela qual passou o estúdio MGM, e outra que adiciona uma nova camada de ridículo: originalmente o inimigo era a CHINA (o que até faria o filme ter um pouco mais de sentido, mas só um pouquinho mesmo). Como os chineses estâo entre os maiores investidores de Hollywood, além de um mercado consumidor altamente lucrativo, há uma diretriz de não mais colocá-los como vilões. Amanhecer Violento optou por simplesmente alterar falas e algumas imagens na pós-produção, e magicamente “China” virou “Coreia do Norte”. Asiáticos são todos iguais mesmo, afinal. Sabendo disso, fica hilário notar que permaneceram no filme vários cartazes em vermelho e amarelo, com mensagens comunistas.

    Depois de tudo isso, não há necessidade (ou mesmo vontade) de analisar os aspectos mais práticos da produção. Como a narrativa péssima, personagens rasos, sem carisma nem desenvolvimento, ou a fotografia e cenas de ação… vá lá, razoáveis. Amanhecer Violento merece ser lembrado como um dos filmes mais ERRADOS de todos tempos, perdendo por muito pouco para o inigualável Imortais.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Hitchcock

    Crítica | Hitchcock

    Hitchcock-2012

    Desde a fundação da sétima arte, alguns profissionais – sejam produtores, diretores ou atores – desenvolvem uma carreira tão ímpar, muitas vezes com talento destacado, que transformam-se também em personagens para futuras histórias, de criador para criatura.

    Retratar uma personalidade em um filme biográfico, apresentando sua vida em totalidade, sempre é uma missão ingrata. Algumas produções vêm optando por apresentar parte da história, em um momento significativo que apresenta o cerne do biografado de forma que seja possível compreendê-lo – Sete Dias Com Marilyn e Capote utilizaram-se deste estilo.

    Hitchcock abrange o período de criação de Psicose, uma das obras mais significativas do mestre do suspense. Prestigiado desde a época, o diretor sofria leve pressão da crítica e do público, que aguardavam ansiosos por um novo e excelente projeto, questionando se a idade não teria amenizado Hitchcock. Em meio as incertezas, Hitch investe em um romance recém-lançado de Robert Bloch, uma narrativa inspirada no serial killer Ed Gein – homicida, ladrão de lápides que utilizava cadáveres como troféus – que nenhum outro estúdio se atreveu a utilizar.

    A trama inicia-se em uma representação da história de Gein, emulando o programa de televisão “Hitchcock apresenta”, em que o diretor era mestre de cerimônia. Dialogando com o público, Hitch justifica que, se não houvesse a horrenda história do assassino, sua obra-prima não viria à tona.

    Filmar uma história real, violenta ao extremo, em época moralista e com censura cinematográfica era um processo difícil. O diretor teve que investir dinheiro do próprio bolso para a realização, já que a Paramount Pictures, com que tinha um contrato, aceitou somente distribuir a produção.

    Dono de um perfil genial e genioso, dedicado aos prazeres da comida, romântico ao se apaixonar por cada uma de suas estrelas loiras, boa parte da sustentação de Hitchcock vinha de sua esposa, Alma Reville, roteirista e editora que teve um papel fundamental na conclusão de Psicose mas que, durante a produção, sente-se negligenciada pelo marido.

    A problemática profissional e pessoal parece eclodir em Psicose, dando corpo à loucura da personagem e ao genialismo de Hitchcock, ciente de que a censura negaria a distribuição do filme e trabalhando de maneira minuciosa para produzir cenas que sugerissem as ideias mais agressivas, sem de fato mostrá-las, como a famosa cena do chuveiro, que se tornaria um marco cinematográfico.

    O desenvolvimento desta biografia consegue apresentar os bastidores de uma grande obra sem cair no fetichismo da curiosidade de revelar a história por trás da história. Sustenta-se principalmente pela composição das personagens, com Anthony Hopkins incorporando o diretor com pesada maquiagem, desafiando a imagem de um homem genial o tempo todo, também carente de atenção e estranhamente encantado por suas atrizes. E Helen Mirren sempre em atuações pontuais como a esposa porto seguro que compreende as limitações do marido sem nunca deixar de amá-lo.

    Foi um dos filmes mais grandiosos da carreira de Hitchcock e sua composição tornou-se exemplo para outros filmes que viriam. Nesse longa biográfico com direta homenagem a ele, com maquiagem indicada ao Oscar, a trama mistura-se à história do cinema para apontar como uma lenda se transforma em lenda.

    O roteiro foi baseado no livro Alfred Hitchcock e Os Bastidores de Psicose de Stephen Rebello, lançado no país pela Intrínseca, com tradução de Rogério Durst (Clique aqui para comprar). A história do diretor também gerou uma produção da HBO Films com a BBC, intitulada The Girl.

  • Crítica | O Voo

    Crítica | O Voo

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    Robert Zemeckis há muito tempo abandonou a direção de filmes live-action para trabalhar com animações, tendo um papel fundamental na evolução de técnicas como a captura de movimento, como visto em seus últimos trabalhos – O Expresso Polar, A Lenda de Beowulf e Os Fantasmas de Scrooge. Contudo, essa escolha o deixou bem pouco presente na grande mídia. Doze anos depois de Náufrago – último live-action do diretor -, Zemeckis retorna de onde parou e entrega um grande filme.

    O Voo conta a história de Whip Whitaker (Denzel Washington), um talentoso piloto de aviões comerciais, alcoólatra e usuário de drogas. A história se desenvolve como numa manhã qualquer na vida desse piloto. Whip acorda num quarto de hotel, acompanhado de uma de suas comissárias de bordo, ainda sob efeito de álcool da noite anterior, cheira cocaína para cortar o efeito da bebida e parte para mais um dia de trabalho rotineiro. No entanto, após uma falha técnica em sua aeronave, Whip é obrigado a realizar um pouso forçado de forma pouco usual e acaba salvando a vida de boa parte dos passageiros: 96 dos 102 que estavam a bordo sobrevivem.

    Após salvar praticamente toda a tripulação da morte iminente, Whip é celebrado como herói. Contudo, sua vida começa a sair do controle quando descobre que a FAA (Federal Aviation Administration) está realizando uma investigação e que exames de sangue já foram coletados comprovando o consumo de álcool e drogas antes de o avião decolar, fato que poderia comprometer toda sua carreira e colocá-lo na prisão.

    Com os aspectos centrais da trama colocados em seus devidos lugares, Zemeckis desenvolve sua narrativa, tirando o foco do acontecimento alimentado de modo sensacionalista pela mídia para acompanhar os dilemas éticos de seu protagonista. Whip é autodestrutivo, afastando todos ao seu redor, sua família, amigos e até mesmo seu novo laço afetivo, Nicole (Kelly Reilly), uma ex-viciada.

    O grande mérito do filme é não escolher lados em seus temas, e este é também um de seus maiores problemas. O Voo deixa claro que seu protagonista é um alcoólatra funcional, sugerindo que talvez ele mesmo não tivesse realizado o pouso de forma tão eficaz se não estivesse sob efeitos de álcool e outras drogas. Essa figura questionável não o isenta de suas responsabilidades, assim como também não o redime. Contudo, em seu desfecho só soa extremamente moralista e melodramático, jogando fora boa parte da narrativa que havia construído até então para se tornar um dos contos de superação que inundam Hollywood ano após ano.

    A composição de personagem de Denzel Washington é um show à parte. Pouco a pouco se vê na tela a decadência de um homem sem horizonte, que tenta em vão vencer seus vícios em uma interpretação minuciosa, que foge da obviedade de seus papéis anteriores. Os trejeitos e olhares com os quais o personagem pede uma bebida em dado momento do filme imprimem o quão frágil seu personagem é, numa atuação intensa que demonstra toda sua angústia através de pequenos gestos corporais de suas mãos e boca, assim como sua confiança parece retornar após tomar o líquido tão esperado ou inalar cocaína, se tornando novamente o sujeito arrogante e cheio de si. O elenco coajuvante é interessante, principalmente as participações de John Goodman e Don Cheadle, trazendo debates ou cenas interessantes para a trama; no entanto, a personagem de Reilly parece ter saído de não sei onde para ir para lugar algum, tamanha a importância e a forma abrupta com a qual é utilizada.

    O Voo, apesar de extremamente didático em seu desfecho, traz uma das melhores performances de Denzel Washington nos últimos anos, além de trazer o retorno de Zemeckis na direção live-action. Uma pena pecar em ousadia.

  • Crítica | Detona Ralph

    Crítica | Detona Ralph

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    Desde a parceria com a Pixar, as animações da Disney apresentaram uma significativa queda de qualidade, perdendo um espaço que antes era dominado por seus clássicos. Tentando reverter este quadro, o estúdio riu de si mesmo em Encantada, mistura de animação com live-action, resultando em uma ótima bilheteria e dando abertura para que Bolt – O Supercão, A Princesa e o Sapo e Enrolados trouxessem rentabilidade ao estúdio e recuperassem parte de seu prestígio.

    Detona Ralph foi aguardado e esperado pelo público desde que sua trama foi anunciada, principalmente por se conectar à nostalgia de uma época em que o videogame era a principal diversão da maioria dos jovens. A cada novo material promocional divulgado, ainda mais os que continham a participação de clássicos personagem dos games, a expectativa aumentava e, antes mesmo de sua estreia, havia uma parte do público ansiosa pela produção.

    A maior preocupação em realizar uma história que adentra profundamente um passado nostálgico é saber se ele é capaz de fundamentar-se além da colagem de referências, elemento que sempre agrada o público. E a resposta mais rápida para está questão é sim, o filme é bem-sucedido.

    A premissa retoma um conceito de Toy Story: a ideia de que todos os personagens dos jogos ganham vida após o game over e podem sair de seus jogos e conviver em uma área pacífica de descanso até o início do expediente no dia seguinte.

    O detonador Ralph, do clássico jogo Conserta Feliz Jr, criado há trinta anos, está cansado de ser o vilão da história. Deseja ser reconhecido por seus colegas e sai à procura de conquistar o que demonstre seu valor. A nostalgia vista nas peças de divulgação concentra-se nos trinta minutos iniciais da trama, tempo que deixa qualquer jogador com um sorriso no rosto ao ver tantos personagens clássicos interagindo entre si, como na cena em que diversos vilões realizam uma terapia em grupo assumindo sua função má sem preconceito.

    Após as referências tão aguardadas, a história se concentra no conflito de Ralph, que abandona seu jogo ao descobrir outro em que o vencedor ganha uma medalha do final. É o ponto de partida para que a personagem quebre uma das regras primordiais entre os videogames: não se pode entrar em outro jogo sem provocar danos e nem problemas de programação. Durante sua jornada, Ralph conhece a pequena Vanellope von Schweetz e, com ela, forma a dupla central da história, unindo a força bruta do grandalhão à sensibilidade e à inocência de uma criança.

    O desenvolvimento da trama segue a estrutura de outros desenhos do estúdio: parte de um deslocamento das personagens centrais, produzindo uma história de conquista centrada na ideia de nunca abandonar quem se é nem desistir dos sonhos. A diferença é que, enraizada em uma história nostálgica, com personagens carismáticos, a repetição do argumento não deve ser vista como um problema, mas sim como uma base primordial de diversas animações que, se bem contadas, são eficientes para compor um bom filme.

    Mesmo que não se queira comparar ou competir, Detona Ralph é mais bem sucedido em sua proposta que Valente, a animação da Pixar que falha devido a um roteiro simplista, como uma tentativa de despir-se de camadas mais profundas, tão características do estúdio da luminária.

    O público brasileiro, traumatizado por Luciano Huck em Enrolados, teceu reclamações sobre a dublagem feita por Tiago Abravanel, Marimoon e Rafael Cortez. Porém, ela é competente e muito próxima da original, feita por John C. Reilly, Sarah Silverman e Jack McBrian.

    O sucesso da produção prova que a Disney ainda é capaz de realizar boas animações sem a necessidade de se apoiar na Pixar. Mas hoje, devido à demanda e à concorrência, é necessário maior esforço para se manter como a grande idealizadora dos clássicos como foi outrora.

  • Crítica | Duro de Matar: Um Bom Dia Para Morrer

    Crítica | Duro de Matar: Um Bom Dia Para Morrer

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    Os astros reúnem-se para um épico filme em grupo e depois retornam para suas aventuras solo: Os Mercenários são Os Vingadores do cinema de ação old school. Depois de Schwarzenegger em O Último Desafio (e, pelo menos no Brasil, antes de Stallone em Alvo Duplo), é a vez do inoxidável Bruce Willis ser o centro das atenções. Ele encarna mais um vez seu personagem mais famoso, o policial John McClane, no recente lançamento Duro de Matar – Um Bom Dia Para Morrer. Mesmo desconsiderando a pra variar “genial” tradução brasileira de A Good Day To Die Hard (era díficil chamar simplesmente de Duro de Matar 5?!), é triste comentar sobre este que acabou se revelando o pior capítulo da franquia.

    Naquilo que se passa por “história”, McClane fica sabendo que seu filho Jack, com o qual não falava há anos, foi preso na Rússia e está sendo acusado de assassinato. Como canais legais e diplomáticos são para os fracos, ele resolve embarcar por conta para a terra do grande Zangief pra resolver a parada. Chegando lá, mas que vergonha, descobre que seu pimpolho trabalha para a CIA e está numa missão ultrasecreta visando a recuperação de (sim, isso mesmo) armas nucleares. A partir disso, pai e filho vão rapidamente se entender, sobreviver e derrotar os vilões. E só.

    Na linha do que aconteceu recentemente com Skyfall, grande parte das críticas negativas de Um Bom Dia Para Morrer vem se concentrando na alegação de que este não é o “verdadeiro” John McClane. Besteira. Os mais radicais (e chatos) falam isso desde Duro de Matar 3, e apesar disso os filmes foram empolgantes e divertidos (com o 4.0 sendo o ápice do massa véio bem executado). O problema agora é que o 5º filme é ruim, simplesmente. O roteiro é fraco até para os padrões do gênero, a ação nao consegue compensar isso por ser muito genérica, e nem o carisma do protagonista aparece.

    Bruce Willis costuma mandar bem mesmo no automático, mas aqui ele está em algum ponto abaixo disso. Ele parece se apagar em vários momentos, como se McClane quisesse deixar o filho brilhar. O que nunca passa nem perto de acontecer, naturalmente. E a culpa é mais do roteiro do que do esforçado Jay Courtney (visto em Spartacus e Jack Reacher). A história tenta trabalhar uma relação conflituosa entre pai e filho, mas de maneira rasa e extremamente indecisa. A mágoa que Jack sente pelo pai ausente acaba num passe de mágica quando John diz que o ama. A dinâmica do veterano acostumado ao improviso em contraste com o jovem metódico e certinho espião style, que poderia render algo interessante, fica apenas na sugestão. Isso porque tudo na trama acontece muito fácil e rápido, não há senso de perigo ou urgência em momento nenhum, então não faz diferença o modo como eles resolvem as coisas.

    A velha ironia de McClane, resmungando sobre a roubada em que se meteu, também sai prejudicada no meio disso. Como não demonstra estar passando por dificuldades, ele perde sua humanidade e torna-se chato repetitivo. Por exemplo, ao repetir umas doze vezes que estava de férias. As cenas de ação, que poderiam contar pontos a favor do filme (afinal, é um blockbuster), não chegam a impressionar. Com a breve exceção da perseguição de carros inicial, que começa burocrática mas diverte quando se torna galhofa e absurda. Depois, tudo se resume a tiroteios e correrias Comuns da Silva. Quando surge um lampejo de inspiração visual na cena do “yippee-ki-yay, motherfucker” ou até na referência ao final do primeiro filme, já é tarde demais pra salvar qualquer coisa.

    Com uma recepção amplamente negativa, e uma bilheteria mediana, difícil exergar um futuro para a franquia Duro de Matar. O que não deixa de ser uma pena, pois John McClane merecia um encerramento melhor. Mas pelo menos continuaremos a ver Bruce Willis chutando bundas por aí, certamente.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | As Sessões

    Crítica | As Sessões

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    Nos caminhos que nos levam ao autoconhecimento, a percepção de si em completude à concepção sexual são dois dentre diversos elementos significativos para esta jornada. Mesmo que muitos vejam a sexualidade como um sistema biológico ou um elemento instintivo, o sexo também é reconhecimento e consciência corporal, tanto da observação dos limites físicos do corpo como da percepção do prazer.

    Baseado na vida profissional de Cheryl Cohan Greene, As Sessões apresenta ao público a terapia sexual, uma vertente que trabalha ativamente com o paciente, de maneira breve e focal, para a melhora de disfunções ou qualquer problema referente ao sexo, esse elemento vital ainda hoje visto como tabu.

    A história apresenta um dos pacientes mais significativos da terapeuta: Mark O’Brien, poeta e jornalista de Berkeley que, devido a uma poliomelite na infância, sobrevive graças a um pulmão artificial, mas incapaz de mover seus músculos, ainda que os sinta. Motivado pelo pastor de sua paróquia, O’Brien procura ajuda terapêutica para tentar compreender, dentro de um corpo paralisado, a funcionalidade do sexo.

    A composição de John Hawkes para viver a personagem é equilibrada. Dividida entre o corpo inerte e uma criação católica que também se torna responsável pelo complexo sexual. Utilizar um personagem central deficiente não é argumento novo. Em Meu Pé Esquerdo, Daniel Day Lewis interpreta brilhantemente Christy Brown, e Sean Penn demonstra uma competente atuação em Uma Lição de Amor. Mesmo que tais comparações de outras produções seja inevitável, o poeta é, acima de tudo, um homem comum, divido entre os anseios de conhecer aquilo que ainda lhe é assustador.

    Nos encontros terapêuticos com Cheryl, interpretada por Helen Hunt, a personagem realiza uma jornada lenta de autoconhecimento, compreendendo que no sexo não só o corpo é funcional, mas também a extensão mental. O laço entre terapeuta e paciente é um dos elementos motivadores da trama. Evidenciando que o processo terapêutico é delicado e, para ser funcional, necessita-se de entrega de ambas as partes.

    Indicada ao Oscar por sua atuação, Hunt não compõe uma personagem carismática como O’Brien. Seu comprometimento com sua atuação vale-se mais da maneira natural com que se despe literalmente em diversas cenas de nudez. Sob este ponto, o roteiro escrito por Ben Lewin está distante de qualquer ideia julgadora. Expõe ao público uma vertente da terapia, com a esperança de que a história mostrada na tela produza a reflexão no espectador, evitando julgamentos precipitados sobre a terapia sexual.

    Mesmo que a composição dramática e a relação entre paciente e terapeuta pudessem ser melhor executadas, a história deixa uma reflexão pontual para o público. Através da vida de O’Brien projetamos também o que compreendemos sobre o sexo e as limitações como indivíduo, muito além de uma deficiência ou de um impulso sexual.

    O filme adapta um dos casos do livro homônimo lançado no país pela Editora Intrínseca que acompanha a vida de Sharon desde o início de sua carreira como terapeuta sexual, até os dias de hoje dando palestras e tentando, sem polêmica, explicar porque teve mais de 900 parceiros sexuais e que esse alto numero não significa nenhum elemento pejorativo sobre si própria.

  • Crítica | Fogo Contra Fogo (1995)

    Crítica | Fogo Contra Fogo (1995)

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    Sobre filmes que tentamos assistir por diversas vezes, mas sempre falhamos: nunca assisti inteiramente Fogo Contra Fogo. Admiro a obra de Michael Mann, mas sempre tive problema com essa produção. Ciente de que um filme necessita mais do que atenção, mas também vontade para vê-lo e abertura para compreendê-lo, dei mais uma chance para mim e o reassisti em Blu Ray. E o filme é excelente.

    Escrito e dirigido por Michael Mann, a trama desenvolve o embate entre duas personagens díspares, tanto em profissão, quanto em caráter. Não há a preocupação em julgá-las. Mann desenvolve os dois pólos da mesma história sem dar validade para nenhum dos dois. Promove um jogo em que se mostra as personagens lentamente, compreendendo aos poucos suas intenções.

    O diretor roteirista sempre se preocupa com a motivação de suas personagens. Chega a desenvolver antes do roteiro uma história completa de fatos e acontecimentos, para ter ciência de como suas personagens chegaram até a situação apresentada em sua história. O trabalho obsessivo tem valor na tela. Suas personagens são carregadas de minúcias que explicitam suas angústias internas.

    Além dos detalhes do roteiro, a maneira com que Mann trabalha a direção é única. Sempre integra suas cenas com o ambiente. Os ângulos não são em close nem em panorâmica. Ficam em um meio termo, que mostra tanto as personagens, como parte do cenário que vivem. Como se o ambiente também interagisse com naturalidade na cena. Os planos levemente colocados para cima equilibram a luz natural com a fotografia, parecendo um retrato de uma vida real.

    O trabalho cuidadoso em roteiro, filmagem, concepção de personagens, resultam em uma história densa. Não é um exagero afirmar que Mann faz um western urbano. Colocando dois personagens com objetivos diferentes em uma luta tensa em que, provavelmente, só haverá um vencedor. O duelo é lento, mas existe.

    Ampliando a credibilidade da história estão Al Pacino e Robert De Niro, como policial e bandido dentro desse jogo sutil. Em boa forma, os atores demonstram seu talento, promovendo uma cena memorável, localizada em um café, em que ambos improvisaram suas falas para gerar a estranheza de dois desconhecidos conversando.

    Diretor experiente, Mann é um obsessivo detalhista. O sutil trabalho de composição carrega dentro de si pequenas história épicas, primorosas narrativas consagradoras impressionantes.

  • Crítica | Lincoln

    Crítica | Lincoln

    lincoln

    Spielberg foi por muito tempo um marco do cinema hollywoodiano: seus sucessos comerciais, como Tubarão e Indiana Jones, entraram para a história e, em A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan, ele parecia ser o grande herdeiro do cinema clássico americano. No entanto, já há alguns anos o diretor vem perdendo a relevância, e cada novo filme seu parece apenas mais do mesmo: formulaico e um tanto monótono.

    Lincoln, embora melhor do que Cavalo de Guerra, não é muito diferente. O filme não é uma biografia do ex-presidente, mas se foca nos esforços deste para aprovar a 13ª emenda à constituição americana, que aboliria a escravidão em todo país e assim poria fim à Guerra de Secessão. Dessa forma, quase toda a ação é composta pelo jogo político: senadores convencendo uns aos outros, subornando, ameaçando. E a tensão fica por conta da aprovação ou não da emenda.

    A escolha do tema é acertada: a abolição da escravidão é algo que desperta a simpatia do espectador, algo pelo qual é possível torcer. Mas o filme não tem tensão: o espectador, mesmo que desconheça a história americana, adivinha de início o final e todos os artifícios de Spielberg para disfarçar o desfecho soam como clichês ineficientes.

    Por outro lado, o jogo político em si não deixa de ser interessante, principalmente quando se considera que o partido de Lincoln, a favor da abolição, era o partido Republicano. Outro ponto forte do filme é o próprio personagem central: para os americanos, Lincoln é uma figura gigantesca, quase mítica; para nós ele não possui o mesmo aspecto, mas Daniel Day-Lewis consegue infundir humanidade e dimensão no presidente. Não é que a atuação de Lewis seja excepcional: ele é sempre um excelente ator, mas não faz aqui nada além do esperado. Ainda assim, seu carisma carrega o filme e faz com que o espectador se apegue ao personagem.

    Talvez o maior problema aqui seja que Spielberg leva seu filme a sério demais: a fotografia é escura, contrastada e dramática, e os tons do cenário e do figurino, todos cinzentos. Spielberg quer enfatizar a todo momento o drama da Guerra de Secessão, os horrores que estavam sendo combatidos por seu personagem e ainda se manter fiel à história de uma forma quase didática. Nesse esforço ele perde o que seu filme poderia ter de melhor: a ironia fina, o caráter forte e a excentricidade do próprio Abraham Lincoln. É um filme potencialmente interessante, mas que se torna monótono por excesso de reverência.

    Além disso, no final, o filme se arrasta por uns 30 minutos desnecessários. Lincoln não se propõe a ser uma biografia, mas um recorte de um momento específico na vida do presidente; ainda assim, se alonga até seu assassinato, que, desconexo da história, faz com que Spielberg perca um ótimo final e com que seu filme perca boa parte da força.

    No fim, Lincoln não é um filme ruim, nem chega a ser excessivamente chato: tem momentos interessantes e alguns pontos fortes. Mas é facilmente esquecível, um filme preso em esquemas e fórmulas prontas.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Dívida de Sangue

    Crítica | Dívida de Sangue

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    Clint Eastwood sempre sentiu-se confortável com a proximidade da lei ou dentro de um senso moral que atravessa diversas personagens desde seu início de carreira até em produções de sua maturidade.

    Em Poder Absoluto e Crime Verdadeiro, Eastwood já demonstrava seu gosto por narrativas policiais de conteúdo político ou investigativas, histórias que sempre apresentavam elementos dúbios que se revelavam ao longo da história.

    Baseado na obra de Michael Connelly, Terry McCaleb é um ex-detetive aposentado, recém saído de um transplante de coração. Ao ser abordado por Wanda que lhe pede que investigue o assassinato da irmã, o policial teria muitos motivos para negar. Exceto que está vivo graças ao coração da vítima assassinada. A procura de trazer conforto a irmã, o investigador assume uma investigação informal sobre o caso.

    Divida de Sangue é um tradicional filme policial. Apresenta as circunstâncias do crime no início e no decorrer da trama é realizada a investigação. Não há arroubos narrativos, reviravoltas, nem vilões que chamam a atenção como no recente A Sombra do Inimigo. Mas uma investigação voltada a procura dos detalhes que conseguem produzir pistas.

    Eastwood escolheu para si um papel que condiz com sua idade. Seu detetive repete a personalidade de moral rígida e de pouco humor que permeia toda sua obra e foi composto de maneira exemplar em relação ao personagem do romance de Connelly. É um homem que ainda deseja estar ativo no trabalho mas impedido pelos limites físicos.

    A atmosfera da trama chega a resvalar em alguns momentos nas clássicas narrativas noir, com direito a trilha sonora regada a jazz e cenas que privilegiam a luz ambiente, dando um aspecto mundano a investigação.

    O filme é bastante fiel ao romance mas, devido a sua extensão, opta por encerrar a investigação antes sem perder o clímax que tem boa concepção mas poderia ser melhor executado se aprofundasse no sadismo doentio do assassino. Ao preferir deixá-lo mais simples, a trama eclode em uma desnecessária cena de perseguição policia e bandido.

    A partir deste filme, Eastwood produziria um longa metragem a cada ano. A atmosfera e a reflexão sobre a natureza humana é repetida com mais precisão e peso em Sobre Meninos e Lobos, outra narrativa do gênero, e um dos melhores filmes do diretor.