Categoria: Cinema

  • Crítica | Busca Implacável 2

    Crítica | Busca Implacável 2

    Liam Neeson não é um ator novato. Há mais de 30 anos ele dá vida a personagens em Hollywood e o faz com bastante propriedade, diga-se de passagem. Desde 2000, entretanto, podemos dizer que os holofotes tem se virado muito mais brilhantes para ele. No curriculum, o inglês tem o orgulho de ostentar nomes muito poderosos. Nas telonas, nesses últimos 12 anos, o cara já viveu Qui-Gon Jinn, Ra’s Al Ghul e até o soberano do Olimpo, Zeus.

    O papel mais importante de sua carreira recente, entretanto, foi o não tão renomado Bryan Mills, protagonista do filme Busca Implacável (“Taken”, no título original). O fodalhão agente da CIA aposentado foi o personagem central de um filme que chegou bem quietinho aos cinemas mas causou um frisson em sua desesperada busca pela filha, sequestrada por uma rede internacional de prostituição e tráfico humano. Até 2008, ano em que o filme foi lançado, Neeson nunca havia demonstrado tamanha aptidão para representar um astro de um thriller de ação como fez naquele filme. Foi uma grata surpresa.

    Protagonista de uma das frases mais empolgantes do cinema deste século, o ator chegou a ilustrar, também, um meme relativamente espalhado através da comunidade 9gagger do planeta (você talvez não saiba o que é o 9gag, mas certamente já viu alguma pérola de lá traduzida na sua timeline do facebook). A célebre citação figura entre uma das minhas preferidas do cinema dos últimos anos (dos últimos anos!):

    “I don’t know who you are. I don’t know what you want. If you are looking for ransom, I can tell you I don’t have money. But what I do have are a very particular set of skills; skills I have acquired over a very long career. Skills that make me a nightmare for people like you. If you let my daughter go now, that’ll be the end of it. I will not look for you, I will not pursue you. But if you don’t, I will look for you, I will find you, and I will kill you.”

    O filme foi um sucesso tão grande e inesperado ao redor do mundo, que obviamente não passaria sem uma continuação. Em 2012, chegou as salas de cinemas Busca Implacável 2.

    Na sequência do thriller de ação de 2008, Bryan Mills precisa enfrentar o pai de um dos homens que ele executou no primeiro filme e que trama uma vingança contra ele. Em busca de retaliação pela trilha de cadáveres que o ex-agente havia deixado no primeiro filme, o pai de Marko sequestra ele e a esposa. Enfrentando uma grande quantidade dos homens do albanês Murad, Mills precisa evitar que a filha seja também sequestrada e salvar a ex-esposa das garras do inescrupuloso pai colérico.

    O personagem de Neeson continua brilhante, sereno e estrategista, três das características que garantiram o sucesso do primeiro filme. Todo o restante do elenco, entretanto, começa mal e decai fortemente no decorrer da trama. A bela Maggie Grace (Emili Warnock no “horrível/terrível/não veja” Sequestro no Espaço) vive novamente a filha de Mills, que foi sequestrada no primeiro filme e que parece ter superado bem o trauma gerado pelos efeitos de seu violento sequestro. Famke Janssen (a Jean Grey da trilogia X-men) interpreta a ex-exposa do agente Mills mas não convence, como não havia convencido na primeira vez que interpretou a personagem.

    O ritmo do filme segue mais ou menos a pegada do primeiro, mas desta vez ele demora um pouquinho mais para acelerar. Dividindo um pouco genericamente, eu diria que enquanto Taken demora uns 20% do tempo para acelerar, Taken 2 leva 50% do tempo na tela para ganhar ritmo e tornar-se propriamente um filme de ação. Mesmo quando entramos na parte mais porradeira do filme, ainda, ele perde em adrenalina para a primeira obra, o que prejudica um pouco a avaliação geral do filme.

    O roteiro das duas produções é, também, bastante distinto. Enquanto a primeira filmagem ocupa-se unicamente em mostrar o personagem principal em sua “Busca Implacável”  (sacou, sacou?!) pela filha, o segundo mostra um Bryan Mills não tão infalível e que envolve, vejam só, a própria filha em sua escapada do cativeiro. Há, sim, alguns momentos muito interessantes que mostram o quanto o agente é um gênio e como consegue reagir inacreditavelmente diante situações de crise, mas a trama se sairia muito melhor com o personagem salvando o dia sozinho novamente.

    Existem situações pontuais da trama que mostram uma certa incoerência com a construção do personagem principal feita no primeiro filme, e estas questões fazem deste um filme muito abaixo do primeiro. Isso sem falar das falhas grosseiras como, por exemplo, o agente disparar sua pistola uma quantidade impossível de vezes com o mesmo cartucho de projéteis. Há uma ceninha de luta desarmada no final que também é totalmente desnecessária e fora do comportamento padrão deste que foi um dos personagens originais mais impressionantes que vi nos últimos anos.

    A sequência de Busca Implacável só está nas salas hoje graças ao sucesso inesperado do primeiro filme e por isso não acho descabida a óbvia comparação com o primeiro título. Maggie Grace trabalha melhor no primeiro filme, quando é apenas uma vítima dos acontecimentos que precisa ser salva pelo personagem principal. Em alguns momentos da trama, ela chega a trabalhar como uma parceira do pai em sequências que, apesar de serem até bem filmadas pelo diretor Olivier Megaton, desviam-se bastante do que emplacou o sucesso do primeiro filme.

    Não é a primeira vez que Megaton (que tem o pseudônimo mais sem sentido que eu já vi na vida, seu nome de batismo é Olivier Fontana) recebe uma continuação forçada pela indústria para dirigir. Ele é o diretor do fraco Carga Explosiva 3, e já deveria ter aprendido a lição. Hollywood precisa aprender a deixar seus sucessos em paz. Infelizmente, ao que tudo indica, a continuação de Busca Implacável virá até as telonas, mas já não posso mais afirmar com tanta certeza que irei conferi-la no cinema.

  • Crítica | Ted

    Crítica | Ted

    Ted

    Ted é um ursinho de pelúcia que encantaria qualquer criança, exceto pelo fato de xingar, ser arrogante e meio louco. Resultante de um daqueles desejos infantis que se tornam realidade nos filmes, Ted definitivamente é um brinquedo de adultos.

    Filme de estreia de Seth MacFarlane (criador dos aclamados desenhos adultos Family Guy, Uma família da pesada e American Dad!), Ted trata de John, um menino solitário que ganha um urso e faz um pedido para que ele fale. Seu desejo é atendido e os dois acabam passando para a fase adulta.

    O interessante é que o urso falante se torna comparável a uma pessoa. As pessoas de verdade se relacionam com Ted quase como se ele fosse um humano – inclusive, ele é uma ex-celebridade, já que fez muito sucesso na mídia quando “ganhou vida”.

    MacFarlane coloca neste filme a linguagem e as características de seus desenhos. Ted é machista, rude, preguiçoso, que vive xingando, bebendo e fumando maconha (Ted tem uma alma meio Charlie Sheen) e é o melhor amigo de John, que compartilha quase todas as características de Ted. O interessante é que o próprio MacFarlane faz a voz de Ted, e com muito brilhantismo.

    John (Mark Wahlberg) tem um trabalho entediante em uma empresa de aluguel de carros e namora Lori (Mila Kunis), que, ao contrário de John, é uma mulher bem sucedida que vive sendo assediada pelo próprio chefe e que se incomoda pelo fato de que John está estacionado mentalmente na adolescência. Ela deseja que seu namorado seja mais independente de Ted e que a acompanhe em seus objetivos.

    O filme se presta a piadas dos tipos mais variados, ligadas ao relacionamento cômico entre John e Ted. Mark Wahlberg está muito bem no papel de um homem que tem uma adolescência prorrogada por sua relação com Ted, o que é o ponto alto do filme.

    Durante o filme há a introdução de uma sub-trama que trata de um fã maníaco de Ted (Giovanni Ribisi), com um filho adolescente obeso (Aedin Mincks), que Ted comicamente trata como Susan Boyle. Pai e filho tentam sequestrar Ted. Esta sub-trama é a parte mais sem graça do filme. Sua existência serve unicamente para criar ação, o que reforça a suspeita de que o roteiro ficou sem ideias, já que o filme tem algumas outras partes pedantes, em que o roteiro perde o ritmo (principalmente nas partes em que mostra a tradicional crise de casal de comédias românticas).

    Um grande destaque é o fato de o personagem Ted ser inteiramente desenvolvido em computação gráfica – de forma primorosa, diga-se de passagem. Em entrevistas, MacFarlane falou sobre o processo caro e trabalhoso com que o urso foi digitalmente inserido no filme: “O meu conselho seria usar um fantoche, que teria sido mais barato, mais fácil e mais engraçado”. De certa forma, MacFarlane faz alusão ao filme Um Novo Despertar, não só nesta declaração mas também em algumas passagens do filme, em que John se vê em meio a uma crise de idade e dá vazão às suas angústias através de Ted.

    Ted pode ser considerado um filme de piadas, mas as piadas são engraçadas, e os efeitos especiais são tão críveis que até nos esquecemos de que não existem ursos de pelúcia tagarelas e debochados.

    Texto de autoria de Robson Rossi.

  • Crítica | Polissia

    Crítica | Polissia

    polissia

    Polissia (Polisse), filme francês de 2011, dirigido por Maïwenn Le Besco, roteiro também de Maïwenn em parceria com Emmanuelle Bercot, traz uma série de histórias baseadas na observação da própria diretora, ao departamento de crimes contra a criança, da polícia francesa.

    O filme tem um tom documental. Com a câmera sempre na mão e sem uma linha narrativa principal, Polissia alterna entre casos policiais, infelizmente tão comuns – basta ligar qualquer noticiário pinga sangue, para constatar isso. E cenas cotidianas da vida daqueles agentes de polícia, tanto com suas famílias, quanto entre eles próprios.

    Um dos grandes méritos do longa é o seu distanciamento daqueles casos escabrosos a que somos apresentados. Uma investigação de abuso sexual infantil, abordada de forma relativamente fria, sem tomar posição, apenas colocando os fatos, deixando com que o espectador forme sua opinião sobre aquilo que vê, apenas pelo fato em si. Sem forçar o tom. Sem um pré julgamento moral sobre quem está certo ou quem está errado. Isso é reforçado, por uma das vitimas de abuso, ao ser informada que o criminoso será preso. Faz uma pergunta simples: mas se ele é doente, porque vai para a cadeia e não para um hospital? Com isso, além de reforçar sua proposta de levantar questões ao público, o filme traz também um novo questionamento: quem realmente precisa ser salvo?

    As ações policiais são intercaladas quase sempre com cenas descontraídas das pessoas por trás da farda, seja dançando, contando piadas, ou em algum momento com a família. O objetivo com isso talvez seja mostrar como a exposição àquele tipo de violência, que gera revolta em qualquer pessoa, pode também nos tornar indiferente a ela. Indiferente, não no sentido de estar imune a ela, e não aflorar sentimentos com aquilo que acontece. Pois os policiais sentem, se envolvem. Mas sim, no sentido, de que para conseguir levar as suas próprias vidas adiante. Eles não podem se deixar envolver. Eles precisam esquecer daquilo que faz parte de suas rotinas, caso contrário não conseguirão ter uma vida realmente digna.

    Outro ponto a se ressaltar do longa, é quanto ao sentimento de injustiça, dentro da própria força policial. Algo tão importante como é a proteção à criança, muitas vezes é negligenciado, tratado como um departamento de menor importância. Um exemplo é quando precisam de um carro para salvar uma criança, mas este foi cedido para a divisão antidrogas. Ou até mesmo quando um abusador confesso, que tem conexões, contatos, faz pouco caso do seu crime, pois sabe que será absolvido. Isso nos traz um novo questionamento: tal negligência a esse departamento, seria apenas um reflexo da nossa sociedade? Ou também, seria esse pouco caso com os menores, um dos motivos de tanta violência futura? Afinal, sem uma proteção adequada a eles, quais os traumas que eles sofrerão e os impactos disso na sociedade como um todo? Mas novamente, o filme não toma uma posição, cabe a você refletir sobre o assunto. E sobre essa crítica aos valores da nossa sociedade.

    Além de seus temas, os personagens são outro ponto muito positivo de Polissia. Todos com uma personalidade desenvolvida, apesar do pouco tempo dedicado a cada um deles individualmente. Méritos para os atores, tanto os infantes quanto os adultos, com ótimas atuações. E méritos também para o roteiro, quase todo baseado em diálogos rápidos, que com pouco dito, conferem grande profundidade sobre os personagens.

    Outro ponto a se destacar, é a presença da própria diretora, atuando em Polissia. Ela interpreta uma fotógrafa, que está acompanhando aquele departamento de polícia. A personagem inicialmente tem distanciamento da equipe de policiais e de tudo aquilo que acompanha. Mas com o decorrer do filme, ela não consegue sair ilesa de tudo aquilo, e também acaba por se envolver. Isso claramente serve a dois propósitos, um deles é uma autorreferência de sua observação dos casos na polícia de verdade. E também de levantar como essa violência afeta àquelas pessoas que lidam com isso diariamente, e dizer que não há como não tomar posição sobre isso. Isso no contexto do filme, porém, não me pareceu uma escolha acertada. É uma das personagens menos desenvolvidas na trama, e com um pano de fundo que pouco acrescenta a tudo que é discutido e aos temas do próprio filme. Nada que torne o resultado final ruim, mas é um ponto a ser ressaltado.

    Polissia é um ótimo filme, humano, crítico. Tocante por seus temas, e não pela sua forma, que deixa que aquele que assiste desenvolva suas próprias emoções pelo que pensa da situação, e não por apenas exagerar no tom e levar o público para a direção que quer. E tratando ainda de temas tão delicados e de certa forma, revoltantes, como ele trata, é um mérito maior ainda, não cair pelo caminho fácil e barato de conquistar o espectador através do drama exagerado que não se faz necessário.

  • Crítica | Poder Paranormal

    Crítica | Poder Paranormal

    Poder Paranormal

    O diretor espanhol Rodrigo Cortés, do competente Enterrado Vivo, retorna com um elenco forte em seu novo filme, Poder Paranormal, e conduz de maneira débil e pretensiosa o olhar do espectador ao longo da trama.

    No roteiro, também de Cortés, temos Tom Buckley (Cillian Murphy) e Margaret Matherson (Sigourney Weaver) como dois cientistas que investigam eventos paranormais. O objetivo de ambos é descobrir fenômenos metafísicos, mas só o que encontram são charlatões. Margaret deposita toda a razão de sua vida em desmascarar supostos psíquicos, porque seu filho vive em um coma irreversível há anos, e o único apoio para que ela não desligue seus aparelhos é encontrar alguma evidência do sobrenatural.

    Sob outro ponto de vista, somos apresentados a Simon Silver (Robert de Niro), um vidente cego mundialmente conhecido que reaparece depois de mais de 30 anos fora dos holofotes, após um episódio polêmico envolvendo sua última apresentação. Com esse retorno, Tom fica obcecado em desmascará-lo, mas Margaret é contrária à ideia de investigar Simon.

    A estrutura de Poder Paranormal procura reproduzir o momento do “prestige” dos ilusionistas, conduzindo o olhar do público para fora do alcance de onde ocorre o truque, algo já abordado por Christopher Nolan em O Grande Truque, mas parece se render a uma reviravolta típica dos filmes do cineasta indiano M. Night Shyamalan – porém, sem o mesmo talento dele. O que tem início com uma trama promissora e cheia de potencial pouco a pouco se perde em algo extremamente raso e com muito pouco a dizer.

    O principal problema do longa são os ares extremamente pretensiosos do diretor em nos levar a crer que estamos diante de algo diferente, mas que no final das contas deixa claro ser apenas mais um produto bobo e risível. Não que a trama não dê sinais do que está por vir: muito pelo contrário, isso fica claro em vários diálogos do personagem de Cillian Murphy. O problema está na forma como algumas reviravoltas são expostas ao longo da trama, que chega ao ponto de se tornar insustentável.

    As atuações são extremamente competentes, porém a construção dos personagens é falha. Tom cai nas convenções de protagonista do gênero e não parece saber a que veio; Margaret e Simon ensaiam um embate que, infelizmente, nunca acontece. Mas nem tudo são erros, Cortés soube utilizar a iluminação como parte fundamental da narrativa, bem como a edição do filme, com cortes precisos que colaboram para a apresentação do truque que está sendo criado.

    Cortés propõe um diálogo entre ciência e fé, mas não oferece argumentos sólidos para nenhum dos dois lados, impossibilitando qualquer possibilidade de debate. Apesar de tudo, Poder Paranormal traz uma atmosfera interessante e um enredo promissor. Uma pena se perder na metade final do filme em um crescendo de frustrações para um final inverossímil.

  • Crítica | Cosmopolis

    Crítica | Cosmopolis

    Cosmopolis

    “Nós precisamos de um corte de cabelo”, diz Eric Packer (interpretado por Robert Pattinson), um multimilionário de 28 anos, antes de entrar em sua limusine particular e altamente tecnológica. Um presidente está na cidade, um rapper morreu e anarquistas estão realizando manifestações nas ruas. Packer insiste em querer cortar o cabelo. Esse é o cenário que temos ao longo de toda a extensão de Cosmopolis.

    Packer é a clara personificação do poder do dinheiro. Investe todo o seu dinheiro contra o crescimento da moeda chinesa – com o objetivo de inverter a sua valorização -, insiste em querer comprar uma capela e os quadros que estão dentro (mesmo quando não está à venda) e não se importa com o fato de um presidente estar na cidade. Está acima da política, da religião e de todo o resto. O interior altamente tecnológico de sua limusine serve como uma casca para o mundo exterior.

    A contraposição à figura de poder de Packer vem com sua mulher Elise (Sarah Gadon) – com a qual acabou de casar e que é dona de uma enorme riqueza -, que não quer ter relações sexuais com ele. Em um ponto do filme, Elise diz não querer transar com seu marido porque sentiria dor. Não conseguiria fazer o sexo ser impessoal para ela. O dinheiro compra sexo – e Packer de fato tem relações sexuais com várias mulheres durante o filme -, mas não poderia comprar o sexo de sua esposa, que não o ama.

    Aqui vemos uma clara crítica ao capitalismo, que reage contra o movimento natural e linear da história e contra sua queda, ignorando completamente as reações e reagindo contra a teoria marxista de ascensão/queda dos sistemas de produção. Visualmente esta crítica fica muito bem apresentada nas cenas em que Packer permanece calmo e indiferente dentro de sua limusine, enquanto o caos e a anarquia se encontram do lado de fora. Por outro lado, narrativamente, a crítica é fraca e se perde em diálogos que falam muito e dizem pouco.

    A genialidade da direção de David Cronenberg é muito evidente no filme. Por mais de 70% do filme estamos junto de Packer dentro de sua limusine, mas em nenhum momento temos a impressão de que as cenas estão se repetindo. A escolha do elenco foi também um acerto. Considerando a fama dúbia que Robert Pattinson possui devido à sua carreira, ninguém melhor do que ele para representar o tão amado, mas ao mesmo tempo tão odiado, dinheiro. Pattinson foge de seu estereótipo vampiresco sentimental e dá lugar a um milionário excêntrico e de reações frias. Atinge seu ápice contracenando com Paul Giamatti, que rouba a cena com sua excelente atuação, nos últimos 15 minutos de filme, no melhor e mais profundo diálogo de todo o longa.

    Cosmopolis se mostra uma obra complexa e extremamente verborrágica. A falta de linearidade de sua narrativa exige demais de um espectador que procura entender todos os diálogos que se sucedem, porém com pouco sucesso. A genialidade da direção é evidente, como também o é a fraqueza de seu roteiro.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | O Fantasma do Futuro

    Crítica | O Fantasma do Futuro

    Ghost in the Shell

    Ghost in the Shell (Fantasma do Futuro em sua tradução) é a primeira adaptação para os cinemas do mangá homônimo criado por Masamune Shirow. Dirigida por Mamoru Oshii, a adaptação acabou se tornando um dos maiores ícones da ficção científica no cinema, sendo influência direta nas obras de diversos cineastas posteriormente, além de ser uma das principais obras responsáveis pela popularização das animações japonesas no Ocidente.

    Em 2029 temos um mundo em que a tecnologia atingiu níveis neurais. A capacidade de processamento de dados a nível cerebral se tornou algo banal e a tecnologia já se tornou algo inerente na vida de todas as pessoas. A Seção 9 é um departamento especial de polícia, liderado pela Major Kusanagi Motoko, cuja especialidade é combater cyber-terrorismo e crimes relacionados. A trama se desenvolve quando Kusanagi e sua equipe investigam um criminoso conhecido como “Puppet Master”, que começa a roubar informações secretas do governo hackeando o “ghost” de suas vítimas.

    A narrativa do filme se desenvolve através da busca existencialista em que a protagonista se aprofunda. Em uma sociedade em que a tecnologia faz parte inerente da vida das pessoas, a única coisa que diferenciaria um humano de um robô seria a presença de um “ghost” (uma alma). Temos um distanciamento e intangibilidade da alma humana. O corpo é apenas uma casca para essa subjetiva alma e esse único fator seria definidor da humanidade e individualidade de alguém.

    Logo no início somos apresentados à Major Kusanagi, uma mulher com corpo inteiramente mecânico, porém com cérebro orgânico. Em sua primeira cena, Kusanagi entra em combate totalmente despida de suas roupas, apenas trajando uma capa de invisibilidade militar. Já aí podemos observar que o corpo cibernético transcenderia o que é humano e a sexualidade. O Paradoxo de Teseus, que foi discutido por filósofos como Heráclito, Sócrates, Platão, Thomas Hobbes e John Locke, diz: “Será que um objeto que teve todos os seus componentes trocados permaneceria sendo o mesmo objeto?”. Essa é a pergunta que a Major se faz ao longo do filme.

    A discussão continua com a presença do Puppet Master, que era apenas uma inteligência artificial criada pelo governo para fazer “trabalhos sujos”, mas que atingiu o auto esclarecimento. Não aceitando o fato de que seria desligado, ele se rebela e foge.  Seria o androide com tal racionalidade isento de humanidade? Quando se encontra com Kusanagi, diz: “A vida se perpetua através da diversidade e isso inclui a habilidade de se sacrificar quando necessário”.  A junção das duas personalidades – robótica do Puppet Master e humana de Kusanagi – poderia formar um ser completamente novo, mais grandioso e evoluído. Algo maior de fato é criado, mas Oshii nos deixa em dúvida do que seria essa entidade.

    A arte de Ghost in the Shell é  muitíssimo bem trabalhada, passando ao espectador a atmosfera opressora e sombria de um futuro dominado pela tecnologia através dos tons azulados e cinzentos acentuados. A animação é suave e natural, mas ao mesmo tempo detalhada, e se mescla sutilmente com a trilha sonora.

    Ghost in the Shell é uma obra grandiosa e complexa, que levanta questões e deixa o ar de dúvida como uma verdadeira obra de ficção científica o faz.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Looper

    Crítica | Looper

    Rian Johnson conseguiu alguma notoriedade como diretor em 2005 quando seu filme de estreia, Brick, ganhou atenção em festivais como Sundance e Toronto. Brick era um filme estranho, sobre um adolescente (Joseph Gordon-Levitt) que buscava a namorada desaparecida. Looper mantém de certa forma o estilo de Johnson, mas essas características, quando colocadas em um filme com propostas muito comerciais, acabaram perdendo parte do sentido.

    Looper se passa em um futuro próximo, 30 anos antes da invenção da viagem no tempo, banida pouco depois de seu surgimento. Loopers são assassinos encarregados de se desfazer de vítimas vindas do futuro e que, em algum momento, terão que eliminar a seus próprios “eu” futuros. Tudo isso é explicado didaticamente por uma narração em off de Joseph Gordon-Levitt, e começa aí um dos problemas do filme.

    Looper é excessivamente verbal. A narração em off explica detalhes desse mundo futuro que seriam muito mais interessantes se fossem explorados dentro do filme. Ao mesmo tempo, o roteiro tem buracos enormes, e mesmo o nó central do filme parece não fazer sentido.

    Outro problema é a manipulação do rosto de Joseph Gordon-Levitt para deixá-lo mais parecido com Bruce Willis. Não funciona, deixa o ator beirando o ridículo, rouba boa parte de suas possibilidades de atuação e, principalmente, seu carisma. Seus melhores momentos estão quando ele consegue aparecer por baixo da computação gráfica e finalmente parecer humano para o espectador.

    Por outro lado, Johnson traz aquilo que tornou Brick um filme notável: um cinema que expõe de forma muito clara seus próprios mecanismos e referências. Looper é uma ficção científica com ares de noir; sendo assim, a cidade, a trilha e diversos planos ecoam Blade Runner e, óbvio, O Exterminador do Futuro. Muitos clichês de gênero são tratados com certa ironia, e a intenção inicial do filme parecia ser não se levar tanto a sério.

    No entanto, essa intenção se perde e Looper acaba um filme que não funciona como uma ironia ou uma brincadeira de linguagem e nem como um filme de ficção científica. No fim, resta um filme que usa as ferramentas do cinema de forma muito interessante, e parece esboçar uma discussão sobre o peso das escolhas e o que nos faz o que somos. Além disso, a direção de arte e edição de som são muito bem feitas e a montagem é usada com uma criatividade rara, mas no fim o filme se afoga em um roteiro ruim e no excesso de maquiagem em um bom ator.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • A Necessidade de Cotas para o Audiovisual Nacional

    A Necessidade de Cotas para o Audiovisual Nacional

    ideias-no-vortice

    Cotas costumam ser um assunto polêmico. Depois que o Ministério da Cultura anunciou a criação de editais para negros, vieram as criticas pelas redes sociais.

    Geralmente quem é contrário as cotas pertence ao grupo que sempre foi privilegiado, e o discurso mais usado é o da meritocracia. No entanto, esses se esquecem que a mesma meritocracia esbarra quando encontra o preconceito indireto, a intolerância racial velada ou simplesmente a cultura que privilegia a exclusão.

    Outro argumento falho é apelar à falta da liberdade de expressão quando tentam sem sucesso inverter a ordem de conquistas deste tipo, pegando o exemplo acima do Minc, de querer ter o direito inalienável a um edital só para brancos. O problema é que as pessoas se esquecem que as relações entre brancos e negros não são iguais, e não adianta fingir que são, elas são desiguais desde sempre. Até hoje os negros ainda pagam a dívida de séculos de escravidão e opressão que sofreram dos brancos, através de preconceito e desvantagens de todo o tipo.

    Hoje em dia temos poucos negros e negras inseridos no audiovisual nacional. Dos diretores, os mais notáveis são o mineiro Joel Zito Araújo e o paulista Jeferson De. Na parte técnica como fotógrafos, diretores de arte, sonoplatas e editores, são poucos também, mas não estou conseguindo lembrar de nenhum, você está? Caso positivo, informe que eu atualizo o post.

    É na atuação que aparecem mais, mas ainda assim muito pouco. Desde a retomada até 2005, segundo esta dissertação (gráfico 1, página 14) estreamos em média 27 filmes por ano, sendo que em 2010, de acordo com o informe anual da Ancine (tabela 12), chegamos ao lançamento de 75 longas. E agora em 2012, na revista de setembro do portal Filme B (que divulgamos aqui), pode-se conhecer os 100 longas que estão em produção atualmente no Brasil.

    Desta quantidade toda de filmes recentes, em quantos deles negros, mulatos e indígenas são protagonistas? Em quantos filmes são roteiristas, diretores ou técnicos importantes como fotógrafos ou editores? Agora, relacionando com todos os outros onde brancos são os protagonistas, diretores, roteiristas e editores, qual a proporção que teríamos entre os não brancos e os brancos? 10:01? 20:01? 50:01? Ou chegaríamos aos absurdos 100:01? Deixo aqui em aberto aos mais interessados correrem atrás.

    Dos blockbusters que me vêm a cabeça são “Cidade de Deus” (2002), “Tropa de Elite” (2007), “Tropa de Elite 2” (2010) e “5 x Favela, Agora Por Nós Mesmos” (2010) (Se conhecer mais algum, avise para atualizar a postagem). Isso sem falar, é claro, nos filmes dos diretores citados até o momento.

    No entanto, o caso mais exemplar da necessidade das cotas está na série de tv fechada do canal GNT “Sessão de Terapia”, adaptação do original israelense “BeTipul”, dirigido aqui por Selton Mello e com Maria Fernanda Cândido no elenco. Nela, o psicanalista Theo atende em seu consultório pacientes diversos. O curioso é que o elenco principal da série, composta por 8 atores, são todos brancos, como pode ser visto abaixo, não há um negro, oriental ou indígena, nada.

    Por mais que o argumento contrário as cotas neste caso seja de que o público alvo do GNT seja composto em sua maioria por mulheres entre 25 e 49 anos de classe média e alta, já se provou que boa parte dos negros estão inseridos na classe média. A não ser que o público alvo do canal seja formado por mulheres BRANCAS de classe média e alta, o que acredito que não seja.

    “Sessão de Terapia” se passa na cidade de São Paulo, a maior do país, e, por conta disso, a que mais possui problemas, pois é formada por uma quantidade de pessoas de diversas origens étnicas, com crenças variadas e de orientações sexuais tão distintas que, por mais que seja bem dirigida pelo Selton Mello, bem escrita e conte com atores competentes, torna uma difícil identificação do público com a série para quem não é branco.

    Ou seja, como um negro, mulato, indígena ou oriental vai enxergar os seus próprios problemas e relacioná-los com os dilemas dos personagens se eles não se vêem nos mesmos? De que forma o público poderá atingir a reflexão com as situações geradas? Por mais que seja de classe média, um negro, mulato vai conseguir compreender a dor dos personagens?

    Quem novamente for contra as cotas, deve vir com o argumento de que se a obra for universal, qualquer um se identifica. É verdade, mas não se aplica ao caso brasileiro, onde a nossa maior característica é sermos plurais e contar com pessoas de cores, credos e orientações sexuais tão distintas quanto. Vocês se lembram que recentemente tentaram esbranquiçar o mulato Machado de Assis em uma propaganda da Caixa Econômica Federal, né?

    Portanto, não se justifica a escolha de um elenco inteiro que não representa nem um terço da pluralidade do povo brasileiro. É questão de identidade, ou no caso, a falta de. Nos EUA, o movimento negro conseguiu avanços no cinema e na teledramaturgia do país durante os anos 60 e 70 com as cotas para atores negros, conseguindo na década seguinte gerar séries que tratavam de seus dilemas, como Cosby Show (1984-1992) e Fresh Prince of Bel-Air (1990-1996), no mar das séries que só tratavam das famílias brancas (não é preciso inumerar, né?).

    Como noticiado em muitos podcasts, os nerds se lembram, é claro, do episódio onde Martin Luther King convenceu Nichelle Nichols a não abandonar sua personagem Uhura na série clássica de Star Trek, por que ela representava os negros do país.

    E assim como os EUA, o Brasil é um país complexo, e apesar das dificuldades estamos cada vez mais conseguindo avanços significativos no combate as várias discriminações para que consigamos atingir uma sociedade mais livre e mais justa através da inclusão. E essa inclusão passa pela necessidade de se ter negros, mulatos e indígenas como roteiristas, diretores e técnicos em cargos importantes na indústria, como também encarnando protagonistas etnicamente diferentes nas grandes séries dos canais fechados.

    Ainda mais agora desde que a PLC 116 foi aprovada em setembro de 2011, obrigando os canais a cabo a exibir conteúdo produzido no Brasil, aumentando a expectativa do setor. O que acontece com isso? Que iremos ver a economia do audiovisual brasileiro girando, isso significa produtoras independentes como a Conspiração Filmes no Rio de Janeiro, a O2 em São Paulo, entre outras, contratando mais gente para produzir conteúdo revelante e de qualidade que serão exibidos nos grandes canais fechados, como HBO, Sony, Warner, Fox, AXN, canais Globosat e por aí vai. Mais informações sobre esta lei aqui.

    A abordagem do problema até aqui foi superficial. Não é possível dimensionar em um texto pequeno toda a problemática representada pela escolha equivocada da produção de elenco da série do GNT. O que é possível fazer é: a) inventariar as questões possíveis a ser levantadas (a escolha de 8 atores brancos para o elenco principal da série de destaque de um dos principais canais a cabo foi pontual); b) tentar desvendar os motivos (o que o GNT deseja comunicar para o seu público?); entre outras questões diversas.

    Por último, se é que alguém ainda não entendeu que as relações entre brancos e não brancos vão demorar para se equiparar, e que até lá, negros, mulatos e indígenas irão precisar de medidas a longo prazo como uma educação pública melhor, como também medidas diretas como cotas, este desenho abaixo exemplifica bem a questão:

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Os Infiéis

    Crítica | Os Infiéis

    Os Infiéis

    Os Infiéis (Les infidèles) é uma comédia francesa que foi um sucesso de bilheteria em seu país de origem, além disso, traz em seu elenco Jean Dujardin, ganhador do Oscar de melhor ator em O Artista, por fim, o filme ainda foi rodeado de polêmicas, tendo inclusive seus cartazes retirados de circulação devido as imagens de conotação sexual envolvida. Talvez por esses fatores, fique mais fácil entender o motivo da chegada do longa-metragem não só em salas de cinema de Arte, mas algumas poucas do grande circuito nacional.

    Seguindo um formato narrativo fora do tradicional, Os Infiéis traz uma antologia de contos, alguns deles funcionam apenas como esquetes rápidas, mas todos com o objetivo de discutir os dilemas da figura do homem moderno, mais precisamente sobre a fidelidade e o papel do “homem” na sociedade atual, tudo isso com o cinismo habitual das comédias francesas. O longa é uma grande sátira aos conceitos tidos como verdades absolutas, o que poucas pessoas parecem ter percebido, e no meio disso tudo, ainda consegue espaço para surpreender o espectador em bons momentos.

    Jean Dujardin além de atuar, foi o grande idealizador do projeto, sua assinatura está na produção, roteiro e direção, além de contar com o auxílio de Gilles Lellouche em todas as áreas, exceto produção. Dujardin tem a companhia de um grande grupo para fazer o filme acontecer, entre os cineastas que participam da obra estão o vencedor do Oscar Michel Hazanavicius (O Artista), Emmanuelle Bercot, Fred Cavayé, Alexandre Courtès, Jan Kounen e Eric Lartigau, além dos já mencionados, Dujardin Lellouche, que também dirigem alguns dos episódios do longa.

    Como todo longa-metragem que possui vários segmentos, Os Infiéis acaba se tornando uma obra desigual, com bons e maus momentos, mas ainda assim é sincero no que se propõe, e evita o uso de moralismo barato, a hipocrisia do cotidiano que muitos parecem se apoiar, e o puritanismo sexual que parece ter dominado o mundo. A todo momento somos bombardeados com situações satíricas, algumas engraçadas, outras nem tanto, mas sempre com muita sexualidade, erotismo, e uma ferocidade latente na abordagem dos temas discutidos em cada episódio.

    Dujardin e Lellouche atuam em vários episódios do longa, sempre com muito carisma ao interpretar uma série de personagens propositadamente estereotipados. E neste emaranhado de histórias e personagens, algumas se destacam mais que as outras. Impossível não destacar algumas delas como o episódio “Lolita”, onde o personagem de Lellouche percebe todo o erro que cometeu ao retornar para casa e também em “A Questão”, episódio que dá voz feminina ao longa, com um excelente trabalho de atuação de Dujardin e Alexandra Lamy.

    Aos puritanos de plantão, revejam seus conceitos, o filme pode ser uma experiência recompensadora. Aos demais, assistam sem medo, Os Infiéis é um filme irregular, mas que ainda assim não tem medo de errar.

  • Crítica | Dredd

    Crítica | Dredd

    Dredd

    Sem fazer muito alarde em um ano no qual adaptações de quadrinhos dominaram a cena cinematográfica, chega essa nova versão do Juiz Dredd, policial casca-grossa dos quadrinhos ingleses. Conhecido pelo grande público graças ao filme de 1995 estrelado por Sylvester Stallone, desta vez o personagem ganhou um filme quase independente e de baixo orçamento. O que para os fãs foi uma boa notícia, pois possibilitou uma interpretação mais fiel às origens, que não fez concessões quanto à ultra-violência (a censura é 18 anos) e a marca registrada de NUNCA tirar o capacete.

    Na trama, vemos um futuro pós-apocalíptico (existe outro tipo de futuro, aliás?) onde as metrópoles cresceram tanto que a criminalidade e o caos social chegaram a níveis alarmantes. A solução foi ampliar os poderes da força policial, os oficiais (chamados de Juízes) agora tem autoridade para julgar os crimes e aplicar as respectivas sentenças no momento da prisão dos suspeitos. Nesse cenário, Dredd é o mais temido juiz de Mega City One (cidade com 800 milhões de habitantes), e num belo dia tem a missão de avaliar a novata Anderson, que não passou nos testes para o cargo de juíza mas ganha uma chance graças a seus poderes telepáticos. Em sua primeira missão juntos, eles acabam presos em um gigantesco condomínio governado pela traficante Ma-Ma, que obviamente ordena a morte dos juízes.

    Filmes do gênero, que apresentam uma realidade diferente da nossa, tendem a ser grandiosos, no sentido de contar uma história que vai alterar aquele status quo. Por isso mesmo, um dos elementos mais interessantes de Dredd é seu caráter episódico. Não vemos uma história de origem, nem um grande evento destinado a mudar a vida do protagonista. É simplesmente um dia de trabalho em que as coisas deram mais errado do que o habitual. Essa simplicidade de proposta, que alguns podem erroneamente enxergar como ponto negativo, se revela um alento de originalidade.

    Também digna de nota é a inteligência do filme em usar suas limitações. Grande parte da ação acontece em cenários simples, e a pobreza do local justifica a fotografia escura. A exceção são os momentos em que algum personagem usa a droga slo mo, que reduz a percepção da passagem do tempo. Desculpa perfeita pra empregar câmera lenta e cores vivas, com um 3D muito bem utilizado, simbolizando a fuga daquele mundo sujo e cru. Pelo menos até o momento em que as balas implacáveis de Dredd arregaçam os corpos dos vilões, com uma riqueza de detalhes que chega a ser gore.

    Apesar de prejudicado pela falta de queixo, Karl Urban faz um trabalho interessantíssimo como o protagonista. Focado inteiramente na base da expressão “bucal” (pois nem dá pra chamar de facial) e da voz sempre no mesmo tom baixo e rouco, ele constrói o personagem mergulhando na caricatura que ele é nos quadrinhos. E mesmo com o personagem não tendo desenvolvimento nenhum, chama a atenção sua praticidade e profissionalismo diante de todas as situações, por mais desesperadoras que pareçam. Ele não perde o controle e responde emocionalmente, mas se limita a aplicar a lei. Ou melhor, ELE É A LEI. Olivia Thirlby surpreende no papel da rookie juíza Anderson, pois apesar de ser uma gracinha ela convence enquanto durona. Já Lena Headey, conhecida por suas limitações, até ensaia algo interessante com sua canastrice aplicada a uma vilã também caricata, mas não fica só na sugestão mesmo, sua Ma-Ma não consegue assustar de fato.

    Pra não dizer que o filme é perfeito, fez falta uma maior ênfase à fodacidade de Dredd. Fica apenas subentendido que ele é o pica das galáxias daquela cidade. Algo sem dúvida perdoável diante de todos os méritos que a produção teve. Por isso mesmo, não deixa de ser lamentável, ainda que previsível, o péssimo desempenho na bilheteria, tanto nos EUA quanto no Brasil (o único lugar onde o filme se deu razoavelmente bem foi no Reino Unido, terra natal do personagem). Com uma continuação praticamente inviabilizada, o que resta é que essa ótima experiência tenha seu valor reconhecido ao menos dentro de seu nicho.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • 007: As Canções da Franquia – Parte 1

    007: As Canções da Franquia – Parte 1

    Retomando nossa coluna esquecida, aproveito que hoje uma das franquias mais bem-sucedidas do cinema completa 50 anos, 007. O agente-secreto britânico surgiu nas páginas dos livros de Ian Fleming, e ganhou as telas em 5 de outubro de 1962, com o filme 007 Contra o Satânico Dr. No, nos EUA.

    Desde então, James Bond já foi vivido por 6 atores, em 23 filmes da franquia, e com mais de 12 diretores diferentes(contando os filmes não-oficiais), mas até agora não chegamos a conclusão da razão desse post em uma coluna de música, pois bem, outra assinatura da franquia, são suas cancões-tema, um elemento marcante e inesquecível em quase todos os filmes do agente-secreto, por isso, vamos aproveitar nossa coluna musical para relembrar as canções marcantes que já tocaram na franquia:

    Dr. No (007 Contra o Satânico Dr. No, 1962)

    No primeiro filme da série, ainda não existia o conceito de escrever uma canção e convidar cantores para interpretá-las, até então não havia nem previsão de que 007 seria o sucesso que se tornou, mas já em seu primeiro filme a trilha-sonora já se destaca em sua cena inicial, tocando as notas  que daí pra frente seriam conhecidas mundialmente. Apesar disso tudo, a trilha de 007 Contra o Satânico Dr. No é considerada por muitos como uma das mais fracas da franquia. O tema de 007 foi composto por Monty Norman e John Barry foi convidado para arranjar e maestrar a música. O resto é história…

    From Russia With Love (Moscou Contra 007, 1963) – Matt Monro

    O segundo filme da franquia marca a consolidação de John Barry como compositor da trilha-sonora do filme, bem como o primeiro filme a ter uma canção-tema propriamente dita. From Russia With Love foi composta por Lionel Bart e cantada por Matt Monro. O tema é um dos mais desinteressantes de todos os 007 e muito inferior a trilha-sonora de Barry.

    Goldfinger (007 Contra Goldfinger, 1964) – Shirley Bassey

    Shirley Bassey teve sua voz em três canções da franquia, algo que não aconteceu com nenhum outro artista. Goldfinger foi a primeira delas, e provavelmente a mais marcante. Em 1965, Goldfinger se tornou hit nos EUA, Shirley Bassey alcançou a 8ª posição com seu single e a trilha sonora do filme foi o número 1 da Billboard. O tema foi escrito por John Barry, autor de toda a trilha do filme, e escrita por Anthony Newley e Leslie Bricusse.

    Thunderball (007 Contra a Chantagem Atômica, 1965) – Tom Jones

    Considerado um dos melhores filmes da série, 007 Contra a Chantagem Atômica trouxe mais uma vez John Barry para compor a trilha. Thunderbal é provavelmente uma das canções mais curiosas de toda franquia. Inicialmente, o tema era Mr. Kiss Kiss Bang Bang, que foi cogitada para Shirley Bassey cantar, mas acabou sendo gravado por Dionne Warmick. Contudo os produtores não queriam uma canção com um título diferente do filme, assim, a música anterior foi descartada, John Barry convidou o letrista Don Black e em um fim de semana compuseram Thunderball, gravado por Tom Jones. Entre as lendas que rodeiam a franquia 007, muitos dizem que Jones desmaiou ao cantar a nota final de Thunderball. Apenas à título de curiosidade, Johnny Cash chegou a compor um tema para o filme, mas foi recusado pelos produtores.

    You Only Live Twice (Com 007 só se Vive Duas Vezes, 1967) – Nancy Sinatra

    Com 007 Só se Vive Duas Vezes foi o penúltimo filme com Sean Connery e um grande sucesso. Para a canção-tema convidaram Nancy Sinatra cantando o tema do filme. Em 1966, Nancy havia estourado com a música These Boots Are Made for Walkin, e já no ano seguinte foi convidada para cantar o tema do próximo 007, onde colocou toda sutileza de sua voz, transformando a canção em um grande clássico da série. You Only Live Twice foi composta por John Barry, também autor da trilha do filme, e escrita por Leslie Bricusse.

    We Have All the Time in the World (007: A Serviço Secreto de Sua Majestade, 1969) – Louis Armstrong

    https://www.youtube.com/watch?v=vNcl_IsfGTM

    Diferente do habitual, a canção-tema é instrumental, composta por John Barry, mas já que estamos comentando dos grandes cantores que deram sua contribuição à franquia, deixemos esta de lado para comentar da belíssima We Have All the Time in the World, ouvida nas cenas de romance do filme. A canção também foi composta por Barry, com letra de Hal David e cantada por um dos mestres da música e considerado a personificação do que foi o jazz, Louis Armstrong. Infelizmente, esta canção foi a última gravada por Armstrong.

    A Serviço Secreto de Sua Majestade foi o primeiro e único filme estrelado por George Lazenby.

    Diamonds are Forever (007: Os Diamantes São Eternos, 1971) – Shirley Bassey

    Após a saída de Lazenby, Connery retorna à franquia. Diamonds are Forever também traz de volta Shirley Bassey, que já havíamos mencionado em 007 Contra Goldfinger, para cantar canção-tema. Composta por John Barry e letra de Don Black, Diamonds are Forever quase foi retirada do filme pelo produtor Harry Saltzman, e só com muita insistência do coprodutor Cubby Broccoli, foi mantida no filme. Segunda Saltzman, a letra da canção era uma insinuação sexual. Anos depois, John Barry ainda revelou que pediu a Bassey para cantar a canção imaginando que estava sobre um pênis.

    Live and Let Die (007: Viva e Deixe Morrer, 1973) – Paul McCartney

    O primeiro de sete filmes que marcam a fase Roger Moore no personagem. John Barry estava indisponível para compor a trilha sonora, por isso a produção do filme convidou George Martin, o famoso produtor de vários álbuns dos Beatles e outros grandes artistas. Os produtores do filme pediram a Martin convidar Paul McCartney para compor a canção-tema, mas com a intenção de outro artista cantá-la, Martin só concordou se a versão dos créditos fosse do próprio Paul, o que foi prontamente acatado.

    Paul compôs o tema do filme após ler o roteiro do filme em uma tarde sábado, e finalizando-a no domingo. A versão final foi composta por Paul e sua esposa Linda, gravada com os Wings durante as sessões do álbum Red Rose Speedway. A canção-tema foi um sucesso, sendo regravada por vários outros artistas.

    Parte 2.

  • Crítica | 13 Assassinos

    Crítica | 13 Assassinos

    13-assassins-poster

    O ano é 1844. O Japão passa por um período de relativa estabilidade e a maioria dos samurais aposentaram suas espadas. Essa estabilidade começa a ser ameaçada por Lord Naritsugu, irmão do atual Shogun, um nobre sádico que abusa, estupra e mata os mais pobres ao seu bel prazer. Um oficial do shogunato, por revoltar-se com relação às atitudes do tirano, temendo pelo Japão caso ele se tornasse o próximo Shogun, reúne um grupo de samurais para o matarem.

    13 Assassinos é um remake do filme homônimo de 1963 de Eiichi Kudo, trazido à luz em 2010 pelo aclamado Takashi Miike. Seus filmes são conhecidos por sua violência extrema, mas aqui Miike dá atenção para um modelo clássico de filmes de samurai. Ao mesmo tempo em que não abandona a violência gráfica (porém aqui não tão visceral como de costume), dá atenção para planos contemplativos, diálogos ricos e atuações expressivas.

    A narrativa do filme começa com os samurais angariando companheiros para enfrentar o lorde maligno. Samurais de mais experiência e que viveram na época das guerras se juntam com alguns de seus aprendizes para lutar pelo Japão e não pelos seus nobres, por isso acabam se tornando assassinos. A influência de Sete Samurais de Akira Kurosawa é evidente, até mesmo quando um ronin se junta à causa do grupo de samurais, representando o ar descontraído da seriedade e disciplina dos demais companheiros.

    Aqui temos uma divisão bem definida entre o bem e o mal, característica marcante em filmes de samurai. No primeiro ato do filme vemos tortura, assassinato, estupro e mutilação. O espectador está preparado psicologicamente por quem torcer no segundo ato, quando os samurais estão recrutando aliados, e finalmente no terceiro, em que a grande batalha acontece.

    O que vemos é uma cidade inteiramente construída pela produção simplesmente para ser totalmente destruída durante 45 minutos de batalha sem interrupções e coreografadas, se afastando positivamente de efeitos especiais por computação, tão utilizados atualmente. A atuação conjunta de uma dezena de pessoas ao mesmo tempo é simétrica em diversas cenas do filme.

    O pensamento de que 13 assassinos lutando contra 200 homens da guarda real poderia parecer forçado cai por terra nesta produção grandiosa. Takashi Miike consegue fazer com que seu remake seja um dos filmes de samurai mais significativos dos últimos anos e reafirmar sua competência como diretor. Esta é talvez sua obra mais madura.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | O Ditador

    Crítica | O Ditador

    O Ditador

    Ao começar O Ditador com a dedicatória “À memória do querido de Kim Jong-il”, Sacha Baron Cohen mostra novamente a que veio. Dessa vez ele deixa de lado as situações pseudo-reais dos anteriores, Brüno e Borat, mas novamente coloca um estrangeiro nos EUA fazendo piadas machistas, escatológicas e politicamente incorretas com o objetivo de fazer graça da nossa sociedade, modo de vida, governo e hipocrisia com alguma crítica social entre uma piada e outra.

    Sacha Baron Cohen interpreta o líder supremo, Aladeen, da república de Wadiya – nome que em português ficou ainda melhor. Somos introduzidos às excentricidades de seu general, como reduzir o dicionário de Wadiya e introduzir vários significados para a palavra Aladeen (uma referência clara a 1984 e à novilíngua), trazendo uma piada instantânea, com um médico dizendo que a um paciente que ele é HIV-Aladeen, e este em dúvida se chora ou se ri. Além disso, carros folheados a ouro, jardins esculpidos com a face do líder e um próprio discurso em que o general não consegue conter a risada ao dizer que seu programa nuclear será usado apenas para fins pacíficos e medicinais.

    Dirigido por Larry Charles, o filme tem roteiro do próprio Sacha Baron Cohen, além de Alec Berg, David Mandel e Jeff Schaffer. A maior parte do filme se passa nos EUA, onde Aladeen pretende discusar para a ONU, “colocando-os em seu lugar”, mas acaba caindo em uma conspiração para tirá-lo do poder, organizada por seu tio e conselheiro, Tamir (Ben Kingsley). Este o entrega para um agente americano interpretado por John C. Reilly (que não é creditado no filme), e ambos protagonizam uma cena hilária na qual, além de cortar a “barba sagrada” do opressor supremo, passam por uma discussão sobre os equipamentos de tortura ultrapassados do agente.

    A partir daí, Aladeen é obrigado a se passar por um qualquer, já que não é reconhecido sem sua barba, e é quando conhece Zoey (Anna Farris): uma ativista vegetariana, feminista e completo oposto do ditador, mas que o completará e, mesmo sem saber, o ajudará a retomar o poder. Além disso, ela e sua loja de produtos orgânicos são o estopim de uma quantidade imensa de piadas machistas e politicamente incorretas, que atingem em cheio defensores de ecologia, feministas, entre outros grupos. E tudo isso funciona, muito por todos esses estereótipos e o sarro tirado serem em função do próprio humor e uma crítica aos seus exageros, e não apenas por agressão banal a um grupo determinado.

    Além de Zoey, outro personagem importante é Omar (Sayed Badreya), um físico nuclear exilado de Wadyia que, nos EUA, trabalha como Apple Genius. Juntos eles farão planos mirabolantes para que o ditador volte ao poder, e assim ele terminará seu projeto nuclear “pacífico”.

    O roteiro tem seus problemas, seus furos, não é original – afinal, a mesma estrutura do estrangeiro deslocado já foi usada tanto em Borat quanto Brüno -, mas é aceitável, tanto pelo nonsense do que vemos na tela como por ele cumprir exatamente o que se propõe: fazer o espectador rir, por mais escabrosa que seja a situação representada.

    Outro ponto positivo para O Ditador é a trilha sonora com várias músicas de sucesso regravadas em arábe, como Everybody Hurts, do R.E.M., ou The Next Episode. As versões muito bem inseridas no filme já são motivo de riso imediato.

    O Ditador finaliza, então, com aquela figura infantil, mimada pelo poder e completamente deslocada da nossa própria realidade, que é Aladeen, fazendo um discurso contra a democracia e a favor de sua ditadura, usando argumentos que são justamente a realidade que vivemos em nossas democracias modernas: 1% do povo com toda a riqueza, a mídia manipuladora e controlada por apenas uma pessoa e suas famílias, entre outras. A cena me parece uma homenagem ao estilo Sacha ou até mesmo uma antítese do clássico de Charles Chaplin, O Grande Ditador, de 1940, que nos levanta o questionamento: mesmo tantos anos depois, talvez os nossos problemas continuem sendo os mesmos, apenas com outras figuras e uma nova roupagem.

    Não espere, é claro, o filme mais engajado e político dos últimos tempos. Ele é apenas uma comédia com um bônus bem-vindo que é sua crítica social, e que muitas vezes espera que o próprio espectador se sinta culpado por achar aquilo tão engraçado. Vale lembrar que Sacha é judeu e algumas das melhores piadas do filme são justamente anti-semitas.

  • Crítica | Intocáveis

    Crítica | Intocáveis

    Intocáveis

    A França tem uma tradição forte em cinema: filmes franceses frequentemente levam prêmios nos festivais importantes, Oscar de melhor filme estrangeiro e boa parte dos grandes diretores da história do cinema trabalhou no país. Mas de vez em quando um filme francês acaba se destacando por conquistar uma inesperada bilheteria mundial. Foi o caso de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (provavelmente o filme francês mais visto fora do país), Albergue Espanhol e agora Intocáveis.

    Baseado em uma história real, Intocáveis apresenta Philipe, um milionário que ficou tetraplégico em um acidente de parapente e precisa de um assistente em tempo integral, para ajudá-lo com coisas como tomar banho, comer, ir ao banheiro e se vestir. Inusitadamente, Philipe contrata Driss, um jovem da periferia, pobre e sem qualquer experiência para o cargo.

    Em um diálogo com o irmão, Philipe afirma que contratou Driss porque pela primeira vez alguém não o olhou com pena, e é exatamente esse aspecto da relação entre os dois que torna o filme notável. Driss não tem pena de Philipe, ele reclama de boa parte de suas obrigações, responde ao chefe e faz piadas como “onde você encontra um tetraplégico? onde você o deixou pela última vez”. E é justamente essa falta de crença nas limitações de Philipe que o leva a ultrapassá-las.

    O filme lança um olhar divertido sobre a amizade entre Philipe e Driss e, assim como o jovem, evita o melodrama e uma delicadeza extrema, que poderia transformá-lo em algo piegas ou previsível. O maior mérito de Intocáveis é justamente olhar para seus protagonistas, ambos “condenados” de uma certa forma, com leveza e buscar o potencial cômico de uma história que parecia um drama. A própria narrativa do filme brinca com essa expectativa: a primeira cena deixa o espectador tenso, preparado para uma tragédia e ao final se mostra só uma piada.

    Há momentos delicados e mesmo emocionantes, mas eles se mantêm leves e o tom geral é de comédia. Intocáveis poderia ser um filme óbvio, mas essas escolhas, aliadas aos bons diálogos e o carisma dos atores, o tornam inesperado, divertido e um dos melhores exemplos do cinema francês recente.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Indie Game: The Movie

    Crítica | Indie Game: The Movie

    indie game the movie

    Indie Game: The Movie, é um premiado documentário (Sundance 2012), criado, produzido, dirigido, filmado, fotografado, editado e escrito por apenas duas pessoas, James Swirsky Lisanne Pajot. Ou seja, bem ao padrão de uma produção independente. O filme foi financiado por dois projetos no kickstarter, o primeiro em maio de 2010, levantando os fundos necessários (U$ 15.000) em 24 horas e atingindo 23.341,00 ao final do funding. O segundo “financiamento”, para finalizar o filme, com objetivo de (U$ 35.000), conseguiu quase 200% de sua meta inicial, atingindo mais de 71 mil dólares. Provas de que a comunidade de games independentes, apoiam uns aos outros não faltam. Essa foi só mais uma.

    O filme não cai na fácil armadilha da comparação, colocando a indústria de games triple-A como vilões, e o pessoal do independente como os salvadores da cultura gamer. Pelo contrário, aqui o foco é total nos independentes e de seus valores por eles próprios, e não pela análise comparativa.

    O documentário tem entrevistas com Jonathan Blow, criador de Braid, Edmund McMillen e Tommy Refenes, criadores de Super Meat BoyPhil Fish, criador de FEZ. Além de algumas outras participações menores, todos relacionados a cena indie. Além de uma série de extras, como a entrevista com Alec Holowka, da Infinite Ammo, que foi a centelha inicial do filme. Algumas pequenas entrevistas com outros desenvolvedores. Além de adicionais sobre a própria produção do documentário, entre outras coisas. Todas usadas como material de divulgação entre o período de produção e financiamento do projeto.

    Com Jonathan Blow, o documentário explora a veia mais filosófica e artística dele próprio, tentando trazer à tona o que motiva, e o que é em sua essência o desenvolvimento de games, que não tem uma forte pressão de estúdios e a necessidade de vender milhões de cópias. Já com os outros participantes principais é mais explorada a motivação e a condição deles próprios, como desenvolvedores independentes.

    Os produtores tentam nos mostrar, que aquilo que está sendo produzido não é apenas um jogo, feito apenas para diversão pueril e nada mais. A obra produzida é um reflexo das pessoas nela envolvidas. É a forma que eles melhor têm pra se expressar. Dizer algo para o mundo, algo que representa eles próprios. O próprio Jonathan, em dado momento fala o seguinte (em tradução livre):

    Parte de tudo isso, é sobre não ser profissional. Muita gente vem pros jogos indies, tentando ser uma grande empresa. E o que essas empresas fazem, é criar produtos muito polidos, que atendem ao maior número de pessoas possível. Removendo todas as imperfeições possíveis. Se há um canto afiado, você confere se esse canto não vai ferir ninguém, ninguém irá se machucar com o seu produto. Criar esses produtos, polidos e comerciais é o oposto de se criar algo pessoal. O que é pessoal tem falhas, vulnerabilidades. Se você não vê a vulnerabilidade de alguém, você provavelmente não conhece essa pessoa o suficiente, ou de uma maneira verdadeiramente pessoal. É a mesma coisa com o Game Design, em que fazê-lo, é pegar minhas próprias falhas e vulnebilidades mais profundas, colocá-las no jogo, e ver o que acontece.

    Além disso,  o documentário investe uma carga bastante dramática, sobre o que tudo aquilo representa pra vida desses desenvolvedores e também para aqueles que estão no seu entorno. O que significa aquela realização, e tudo que foi deixado de lado na busca por esse sonho.

    Um outro ponto muito interessante, é que o documentário acerta em cheio com as escolhas daqueles que serão entrevistados e acompanhados no desenvolvimento, diria até que foi uma jogada de sorte, já que as filmagens começaram antes do lançamento dos jogos em questão. E o contraponto foi excelente, ao pegar o Team Meat (Super Meat Boy), um sucesso estrondoso de crítica e vendas, e FEZ, um jogo que passou quase 5 anos em desenvolvimento, prometia ser um dos maiores, mas que acabou perdendo muito da força, quase por um abandono da base de fãs que havia conseguido, que desistiram da espera.

    Enfim, Indie Game: The Movie, deve ser assistido, gostando você ou não de jogos de videogame. Porque além de sua ótima construção, também defende essa forma de expressão artística que muitos ainda teimam em desqualificar, considerando apenas como uma forma menor de entretenimento, muito porque não consegue enxergar o que está por trás do “apertar botões”, e entender o significado, o objetivo, que o game designer quis passar com aquela experiência.
  • Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas – Parte 1

    Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas – Parte 1

    The-Dark-Knight-Returns-Part-1

    Neste mundo injusto, qualidade e sucesso comercial nem sempre coincidem. Após o triste anúncio do fechamento da Warner Premiere, divisão da empresa responsável por animações lançadas direto para o home vídeo, ficou a expectativa em relação à última produção do selo: nada menos do que a adaptação da obra máxima do Homem-Morcego, O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, que não só redefiniu o personagem como toda a indústria dos comics (ao lado de Watchmen) após sua publicação em 1986.

    Somente os mais ingênuos esperariam uma transcrição cem por cento fiel de todo o estofo presente no material original, mesmo numa animação voltada a um público mais adulto. Afinal, são 200 páginas de uma narrativa extremamente densa, aprofundada não apenas na psicologia perturbada do herói, como também em ferrenhas críticas ao governo, à mídia e à própria sociedade norte-americana. Mesmo com a acertada decisão de dividir a história em duas partes, é preciso ter isso em mente e fazer certas concessões para poder apreciar este grande trabalho.

    Na trama (que é um futuro alternativo a partir do que o Batman era nos anos 80), Bruce Wayne se aposentou da função de vigilante urbano após a morte do segundo Robin, Jason Todd. Na casa dos 50 anos, ele vive como uma fera enjaulada, esforçando-se pra ignorar seu interior enquanto assiste Gotham se afundar cada vez mais num caos social. A numerosa e sádica gangue dos Mutantes domina as ruas e, com o Comissário Gordon prestes a ser aposentado compulsoriamente, parece não haver esperança, visto a total incapacidade das autoridades. Até que o retorno de um velho inimigo motiva Bruce a vestir mais uma vez a capa e o capuz e voltar à ação mais violento do que nunca, com uma ajuda inesperada.

    Batman: O Cavaleiro das Trevas – Parte 1 não foge da lei suprema de qualquer adaptação de uma obra fechada: parecer, aos olhos de quem conhece o material original, uma versão resumida e simplificada. Ainda assim, grande parte da força da história se mantém, como a construção de todo o cenário levando gradativamente ao retorno do Batman. Alguns elementos são bem datados, como as gangues com visual punk, mas o retrato de uma sociedade em frangalhos, praticamente entregue ao poder paralelo do crime, sem dúvida é atemporal.

    Houve um exagero, porém, na forma por demais explícita como o poder constituído na figura do prefeito é retratado com um imbecil incapaz. Compreensível, pois um cuidado maior nisso levaria mais tempo e arriscaria prejudicar o ótimo ritmo que a animação conseguiu ter. Nessa linha, a opção por reduzir ao mínimo as inserções televisivas na história foi provavelmente a melhor coisa da animação. Parêntese pessoal aqui: por mais que isso sirva pra situar o impacto que o Batman tem sobre a cidade (e criticar o tendenciosismo e desinformação da mídia), preciso dizer que na graphic novel era maçante e cansativo todo o espaço dedicado aos telejornais. Se o objetivo é cumprido sem cair no tédio, ponto para a animação.

    Mas nem tudo são flores. É preciso apontar a falha maior: a ausência das narrações em off dos pensamentos do herói. Marca registrada de Frank Miller, era através desse recurso que tínhamos noção do quão próximo da psicopatia estava Bruce Wayne. Da forma como ficou, isso pode até ter passado um tanto despercebido pra quem não conhece a HQ. Ainda que a violência exacerbada tenha permanecido, ao menos visualmente, algumas cenas perderam muito. Em especial, sem dúvida alguma, o momento em que o Batman é acuado por um inimigo armado e analisa suas opções, descartando as que desarmam com mínimo contato e optando pela que ALEIJA.

    Apesar de tudo, há que se destacar que a animação trouxe excelentes cenas de ação: as lutas contra o líder mutante por si só já valeriam o filme. O visual ficou num válido meio termo entre o estilo oriental padrão nas produções animadas da DC e uma reprodução do traço “quadradão” característico de Miller, embora muito mais “limpo”.

    Como se ainda precisasse, a Warner/DC mostrou mais uma vez que sua especialidade são as produções animadas, muito mais do que os filmes live action (polêmica mode on). Só nos resta lamentar o fim desse inspiradíssimo filão da empresa, enquanto aguardamos até o início de 2013 para conferir a segunda parte de Batman: O Cavaleiro das Trevas, com os aguardados confrontos contra o Coringa (dublado por Michael Emerson) e Superman.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Sobre Meninos e Lobos

    Crítica | Sobre Meninos e Lobos

    mystic-river

    O cinema de Clint Eastwood sempre se aproximou da Tragédia: seus personagens parecem operar em um universo cruel e aparentemente sem sentido, onde ainda assim alguns desfechos se mostram inescapáveis. E talvez em nenhum de seus filmes isso seja tão claro quanto em Sobre Meninos e Lobos.

    Jimmy, Dave e Sean são amigos de infância que acabaram se afastando, mas convivem com a lembrança de quando Dave foi levado por um carro e passou três dias desaparecido, durante os quais foi repetidamente estuprado. A lembrança é carregada como trauma por Dave e como culpa pelos outros dois.

    A escolha de Dave é aleatória, qualquer um dos outros dois meninos poderiam ter sido levados, mas não foram. Ao mesmo tempo é possível questionar se Jimmy teria entrado no carro ou saído correndo, ou se os homens escolheriam um menino capaz de sair correndo. A linha fina, e por vezes invisível, entre aquilo que é possível escolher e aquilo para o qual somos inevitavelmente conduzidos parece ser o principal tema de Eastwood aqui, mais do que nunca o diretor se pergunta o que nos faz o que somos e porque.

    Os três personagens se reencontram quando a filha de Jimmy é assassinada e Sean se torna o detetive responsável pela investigação. Desde o início o espectador é levado a crer que Dave é o responsável pelo crime e Eastwood manipula com maestria o que vemos ou não, os ângulos de câmera e recortes de montagem que incriminam Dave cada vez mais. No fundo, ele está condenado antes de qualquer investigação, o espectador já o julgou quando a câmera passa dos seus olhos para a menina dançando sensualmente na mesa.

    Assim, Eastwood começa construindo uma história de vingança, um mundo razoavelmente ordenado em que o dano gerado por uma violência se desdobra em mais violência. É cruel, mas faz sentido. Aos poucos o cineasta subverte seu próprio filme e no fim o assassinato de Katie nada mais é que um azar cujas condições foram criadas por uma série de escolhas e circunstâncias aparentemente desconexas.

    Eastwood também desconstrói seus personagens conforme se aproxima deles: vemos a fraqueza em Jimmy e o trauma de Dave ganha contornos mais nítidos e a repulsa inicial causada por ele vai se transformando em compaixão e finalmente dor quando fica claro o quão inescapável é seu final.

    Em Sobre Meninos e Lobos, mais uma vez Clint Eastwood assume um filme de gênero, nesse caso o policial, e distorce seus elementos: não há lógica ou ordem moral aqui, como na maior parte dos filmes policiais, apenas personagens quebrados que agem de acordo com suas próprias limitações e tentam fazer escolhas, mas é questionável até que ponto eles realmente tem a liberdade de fazer essas escolhas.

    Ao mesmo tempo o diretor constrói seu filme com planos mais bonitos: é notável quando a câmera se afasta e vemos Sean Penn desesperado, cercado de policiais, impotente e angustiado. Em diversos momentos a câmera assume um ângulo a partir de cima, diminuindo seus personagens ou criando sombras estranhas e distorcidas, quase expressionistas. Sobre Meninos e Lobos é uma obra sobre ilusões e manipulação, e Eastwood imprime isso impecavelmente na forma do filme.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Assim Caminha a Humanidade

    Crítica | Assim Caminha a Humanidade

    giant

    Em 1956, chegava aos cinemas Assim Caminha a Humanidade, uma obra épica que acompanhava a vida de personagens no Texas ao longo de gerações, passando por conflitos sociais, políticos e étnicos, além do drama pessoal carregado por esses personagens, tudo isso somado a deslumbrantes panorâmicas do oeste dos EUA.

    George Stevens, diretor de clássicos como Um Lugar ao Sol, Os Brutos Também Amam e tantos outros, foi o responsável pela adaptação do romance de Edna Ferber, Giant, de 1952. O best-seller de Ferber foi alvo da indignação dos texanos, pela forma como a autora os retratava e pela abordagem que decidiu dar à nova classe de texanos que fazia fortuna de uma hora para a outra, graças ao descobrimento de poços de petróleo em suas terras.

    Adaptar o romance de Ferber não seria uma tarefa fácil para Stevens. Por isso, o diretor contou com o apoio de Fred Guiol e Ivan Moffat na adaptação do roteiro de Assim Caminha a Humanidade, que, assim como o livro, sofreu duras críticas durante a pré-produção do longa-metragem.

    Na trama, o filme percorre a história de três gerações. Ao longo dos anos, conhecemos seus dilemas, conflitos e comoções. A história tem início em 1923, quando conhecemos Leslie (Elizabeth Taylor) ainda sendo apresentada a Bick (Rock Hudson), um texano dono de muitas posses. Ambos se apaixonam, se casam e partem para o Texas. Chegando lá, Leslie tem de se mostrar uma mulher forte para a irmã durona de Bick, Luz (Mercedes McCambridge), enquanto enfrenta a postura ríspida e tradicional de seu marido. No meio disso tudo, ainda conhecemos o empregado de Bick, Jett Rink (James Dean), que será fundamental no decorrer da trama, deixando de ser um mero coadjuvante para ganhar espaço como um protagonista.

    Ao longo de mais de três horas de filme, conhecemos o íntimo desses personagens e como eles são moldados ao longo dos anos. A prepotência da juventude se torna a sabedoria dos mais velhos. O que inicialmente tratava apenas de conflitos familiares, disputas por terras e petróleo, ao longo das décadas dá lugar a temas mais importantes como a intolerância racial. Um dos grandes méritos do roteiro de Assim Caminha a Humanidade é o fato de podermos acompanhar esses personagens e suas constantes mudanças. As relações pessoais se tornam reais, seus personagens criam vida e, com eles, seus problemas.

    Nos dias de hoje o filme pode soar um tanto manipulador e maniqueísta em suas escolhas, mas, em plena década de 1950, certamente tocou fundo ao abordar temas como sexismo, exclusão social e, como já citado anteriormente, intolerância social. Algumas dessas críticas surgem com passagens sutis, outra abusam no melodrama, o que de forma alguma invalida sua mensagem.

    Elizabeth Taylor faz um papel belíssimo interpretando uma jovem doce, e aparentemente frágil, que abandona sua família para se casar e morar longe de casa. Liz mostra sua personalidade forte e seu feminismo em um ambiente tipicamente masculino. Rock Hudson entrega o papel do fazendeiro texano que possui qualidade dúbias, mas que no decorrer da trama se mostra capaz de mudanças, tudo isso de maneira bastante convincente.

    O destaque é sem dúvida James Dean, com apenas 24 anos de idade e em seu terceiro (e último) filme. Jett Rink, interpretado por Dean, cresce em tela cada vez que surge e, assim como Bick, também passa por mudanças ao longo da trama e se deixa levar por sentimentos negativos (mera semelhança com o protagonista de Sangue Negro?). Difícil não ser cativado pelas cenas em que James Dean está presente.

    Stevens faz um trabalho de direção que o consagra como diretor de grandes épicos. Apesar da direção clássica, sua câmera discreta captura com muita intensidade as mudanças do Texas ao longo do tempo, tudo isso somado à excelente direção de fotografia de William Melor. Stevens tinha um filme com mais de 3 horas de duração e quem em momento algum se mostra como algo enfadonho, longe disso: o filme é puro sentimento.

    Assim Caminha a Humanidade é um grande clássico, obrigatório para todos os cinéfilos, e que ainda serve como aula de como contar uma história longa sem perder seu foco narrativo, tudo isso ainda discutindo temas relevantes até os dias de hoje.

    PS: Não poderia deixar de mencionar uma das minhas cenas preferidas do James Dean. A imagem fala por si só:

  • Crítica | Vidas Amargas

    Crítica | Vidas Amargas

    east_of_eden

    O distanciamento criado pela temporalidade de um filme antigo produz uma apreciação diferenciada. O costume ao estilo de narrativa, espaço, composição de personagens contemporâneos, indiretamente potencializa o efeito de estranhamento. Não estranhe se, ao assistir um filme antigo, você permanecer mais reflexivo do que comumente.

    As tramas antigas não eram tão explícitas ou não necessitavam de razões extensas sobre motivações. Enredos eram contados de maneira inteligente, em que o público inferia situações pela funcionalidade da fotografia, do ângulo escolhido para filmagem.

    Longe de afirmar um detrimento da indústria cinematográfica – a reflexão caberia em outro espaço – é necessário conceituar que os tempos são diferentes. Com eles, a maneira de apresentar uma história para o público também se tornou mais rápida, eficiente e, assim, mais pasteurizada.

    Vidas Amargas é uma daquelas produções erigidas em uma tríade inesquecível. Interpretação de James Dean – primeira com destaque e também a primeira indicação póstuma ao Oscar. A direção precisa e sempre sensacional de Elia Kazan. E a obra de John Steinbeck, na qual se baseia.

    A referência bíblica da produção se perde no título brasileiro, mas está presente no original. Ao leste do Éden foi o local em que viveu Caim, após discussão com o criador. Não à toa a referência é explícita. Mesmo inserido no contexto americano, em época de guerra e recuo econômico, o embate central da trama se desenvolve entre a família Trask, formada por um pai e seus dois filhos.

    James Dean interpreta Cal Trask, elemento rebelde da família. Ele é o errante que deseja a demonstração do amor paterno quando este tem olhos apenas para Aaron, o cidadão modelo, trabalhador e noivo. É a amargura do não reconhecimento que permeará a construção de toda a trama.

    Ao contrário do livro de Steinbeck, que perpassa gerações de duas famílias da guerra civil à Primeira Guerra Mundial, o filme de Kazan centra-se apenas em um dos embates: a bíblica briga entre pais e filhos. A exclusão de boa parte da obra funciona para gerar maior dramaticidade e demonstra bem uma época em que uma adaptação não necessariamente significava contar toda a história original.

    Kazan tem domínio do elemento dramático. É preciso nos pequenos detalhes que fazem do elemento visual um primor espantoso. Evidencia sombras em cenas dúbias, retrata com ângulos obtusos o equilíbrio instável da relação paterna e utiliza o scope para cenas em amplitude. Sequências belíssimas da cidade do Vale de Salinas, onde se ambienta a história. Nada é estabelecido por acaso, mas gerado em uma teia de inferências que enriquecem a experiência do espectador.

    O talento do jovem novato James Dean é impressionante. Tem nas mãos a personagem mais densa da história e foi capaz de realizá-la de maneira crível com a dramaticidade fatalista da trama. Mesmo que se tente fugir de comparações, é notável que a maneira de se interpretar um papel situava-se em outro patamar. Mais explícita, centrada em outras nuances se comparada à maneira contemporânea, com uma atmosfera que ampliava a potência do drama. Suas três atuações perpetuavam começo, meio e fim de um rebelde que, não por acaso, tornou-se uma lenda e um sinônimo para o ator que morre em seu auge, muitas vezes sem conhecê-lo.

    Ecoando silêncio no espectador, Vidas Amargas é uma experiência aterradora. Uma necessária jornada devastadora.

  • Crítica | Juventude Transviada

    Crítica | Juventude Transviada

    rebel-without-a-cause-movie-poster

    Nicholas Ray é um nome tão importante no cinema moderno que Jean-Luc Godard disse uma vez que “o cinema é Nicholas Ray” e Wim Wenders acompanhou seus últimos dias e transformou-os no excelente Um Filme Para Nick. Não é a toa que seu filme mais famoso revolucionou o cinema americano e transformou James Dean em um ícone.

    Juventude Transviada começa com Dean deitado no chão, bêbado, brincando com um macaquinho de dar corda. Ele em seguida deita o boneco, o cobre com um pedaço de papel, como se o pusesse para dormir, e deita ao seu lado. A cena é estranha, incômoda e diferente de tudo que o cinema americano tinha feito até então. Essa sequência inicial, uma espécie de prólogo antes do início real do filme, também marca o que será o personagem de Dean: um misto de fragilidade, insolência e estranheza.

    A trama apresenta uma série de adolescentes de subúrbio, todos eles com casa, família e uma situação confortável. No entanto, há uma sensação de desconforto que passa pelos personagens do filme e mostra de forma sutil a parcela de trágico e dolorido que existe na juventude média americana.

    Esses adolescentes buscam um lugar, uma espécie de entendimento e conforto que não encontram em casa: Jim se divide entre uma mãe histérica e um pai extremamente passivo; Judy entre uma mãe apática e um pai que a repele porque já é “muito crescida”; e os pais de Plato, milionários, estão sempre viajando. Ray coloca seus personagens em um lugar delicado: já são grandes o suficiente para terem consciência das fraquezas de seus pais (e no caso de Judy para despertar um tipo de desejo que deve ser afastado), mas incapazes ainda de romper com a estrutura familiar.

    Nicholas Ray é o primeiro cineasta a olhar de perto a adolescência e, mais que isso, a leva-la a sério suficiente para lhe dar ares de tragédia. Desde o início, quando ouvimos na delegacia que Plato atirou em cachorrinhos, sabemos que há algo de incontrolável e violento nele. Buzz, o namorado “popular” de Judy, morre tentando provar que é mais corajoso que Jim: provar algum valor, ser aceito, é algo tão importante que vidas são postas em risco. Ao mesmo tempo a morte de Buzz serve para acentuar o rompimento dos adolescentes com seus pais: eles habitam em um mundo perigoso, onde tragédias ocorrem, mas seus pais mal sabem, eles estão definitivamente sozinhos.

    Juventude Transviada toma o adolescente como símbolo daquele que não encontra lugar na sociedade, que não está em nenhuma das caixas delimitadas e explora com sensibilidade a tensão entre querer permanecer à margem e querer se encontrar. Esse olhar para personagens desajustados ou incompreendidos é parte do que torna o filme tão inovador e um elemento que acompanha todo o cinema independente americano e o cinema francês da década de 60.

    Com esse filme Nicholas Ray criou um ícone e mudou o cinema, ao mesmo tempo que fez um clássico que, embora com alguns elementos datados, ainda diz respeito a uma certa experiência universal.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | O Legado Bourne

    Crítica | O Legado Bourne

    bourne-legacy

    Era grande o desafio da Universal Pictures ao continuar sua lucrativa franquia Bourne, uma vez que tanto o diretor Paul Greengrass quanto o astro Matt Damon decidiram não retornar após o terceiro filme. Sobrou então para Tony Gilroy, presente desde o início na trilogia como roteirista e produtor, assumir também a direção e descascar o abacaxi. Felizmente, ele não optou por transformar de vez Jason Bourne em James Bond, trocando simplesmente o intérprete e contando uma história qualquer. Isso jamais funcionaria num série tão bem amarrada quanto esta. A solução foi partir para uma trama paralela e, entre a necessidade de conectar-se ao que veio antes e ao mesmo tempo desenvolver vida própria, pode-se dizer que O Legado Bourne tropeçou um pouco mas conseguiu esse complicado equilíbrio.

    A história começa em paralelo aos eventos de O Ultimato Bourne, quando a merda cai no ventilador e a imprensa começa a divulgar informações sobre Jason e o Projeto Treadstone. Uma equipe governamental chefiada pelo Coronel Eric Byer (Edward Norton) se encarrega do controle de danos, e o principal temor é quanto à exposição de outros projetos secretos destinados à criação de super-espiões. O mais ameaçado deles é o chamado Outcome, que, além das técnicas de reprogramação psicológica vistas nos filmes anteriores, envolve até mesmo alterações genéticas nos pacientes. Quando começa a queima de arquivo, um dos agentes, Aaron Cross (todo espião tem nome maneiro, isso é regra), e a Dra. Marta Shearing se unem na fuga pela sobrevivência.

    Seria inevitável comparar este filme com os anteriores, sendo eles tão bem conceituados pela crítica. Mas o quarto capítulo não faz feio diante dos demais, principalmente por apresentar uma história mais complexa, com mais cenários e desdobramentos políticos. Ponto positivo: dessa vez não ficamos limitados a ver perseguições e incessantes cenas da central de monitoramento. Os dois protagonistas são desenvolvidos antes de se encontrarem, e mesmo depois têm um objetivo mais claro do que puramente fugir e buscar informações. Por outro lado, essa preocupação comprometeu um pouco o ritmo do filme, que oscila entre o interessante o maçante. Também questionável é a decisão de eliminar de forma radical o Projeto Outcome: ficou a impressão de que uma abordagem mais cirúrgica eliminaria os riscos e permitiria manter o programa.

    Jeremy Renner segue tentando se firmar como astro de ação e, após várias participações como coadjuvante após Guerra ao Terror, finalmente tem um filme pra chamar de seu. Ainda não foi dessa vez que ele chegou lá – não tem o carisma de um Tom Cruise ou Jason Statham -, mas se mostrou competente e conseguiu segurar o rojão. Está bem à frente de Sam Worthington ou Taylor Kitsch, por exemplo (não que isso seja algum mérito, mas enfim). Edward Norton, se é que alguém tinha alguma dúvida, interpreta ele mesmo e o faz bem, mesmo com o espaço limitado. Rachel Weisz, já meio veterana mas ainda linda, até no automático é uma atriz fantástica, e ganha como bônus alguns momentos para brilhar. De resto, uma pena que Joan Allen e David Strathairn tenham aparições relâmpago; seria legal ver mais desses ótimos atores.

    Em linhas gerais, este poderia ter sido um filme à parte, já que Jason Bourne serve simplesmente como uma desculpa para tudo acontecer. Só que aí seria quase um plágio, pois o plot de projetos secretos de aperfeiçoamento de agentes e o clima de conspiração política justificam (ou quase) o “Bourne” no título. E, próximo ao final, temos as célebres marcas da franquia: parkour numa cidade exótica, perseguição no trânsito com a câmera fechada, e a música Extreme Ways, do Moby, chamando os créditos. Só faltou, e esta foi provavelmente a maior falha do filme, o épico combate mano-a-mano com um rival do mesmo nível, apesar da finalização desse inimigo ter sido muito inspirada. Com o final aberto, claramente deixando a intenção de prosseguir a franquia dentro da franquia, é triste que O Legado Bourne passe um tanto despercebido em meio aos vários lançamentos do verão norte-americano. Mas, como sonhar não custa nada, bem que Matt Damon podia mudar de ideia pra termos Jason Bourne ao lado de Aaron Cross num quinto filme.

    Texto de autoria de Jackson Good.