Categoria: Cinema

  • Crítica | O Caçador e a Rainha do Gelo

    Crítica | O Caçador e a Rainha do Gelo

    O Caçador e a Rainha do Gelo 1

    Amalgamando prequel com continuação, O Caçador e a Rainha do Gelo segue um estilo semelhante ao visto entre 300 e 300: A Ascensão do Império, mesmo sem a presença da protagonista do filme anterior vivida por Kristen Stewart. A premissa do longa de estreia de Cedric Nicholas-Troyan é remontar a origem de Ravenna, a rainha má de Charlize Theron, mostrando sua irmã Freya (Emily Blunt), fazendo ali um crossover entre os contos dos Irmãos Grimm e alusões da mitologia germânica, dentro do já misturado caldeirão de referências.

    A história de contos de fadas começa com uma narração e mostra uma história muito semelhante à de Malevóla, filme também produzido por Joe Roth e Sarah Bradshaw, dois dos três que assinam a produção, ao lado de Palak Patel. A personagem de Blunt tem sua filha assassinada por seu amado, fato que faz ela despertar seus poderes mágicos, semelhantes aos de Elsa em Frozen: Uma Aventura Congelante, além de fazê-la criar um reino próprio, com um exército para ocupar o vazio emocional que tem consigo, referência que também é semelhante à animação da Disney.

    Apesar do nome em português, este filme tem foco no personagem do Caçador, que agora recebe o nome de Eric, ainda vivido pelo Thor da Disney Chris Hemsworth, que na atualidade vive nos arredores do reino de Branca de Neve e é chamado às pressas para socorrer a sua rainha, levando o espelho mágico para longe da adoentada realeza. Apesar da morte da vilã, o ardil seria a desculpa para a ausência da antiga protagonista, e a jornada do fraco personagem teria envolvimento com seu passado, resgatando sua origem no reino de Freya e seu antigo amor, Sara (Jessica Chastain), figura esta que havia sido dada como morta.

    O tal artefato mágico traria a Freya um grande poder, e tudo que o envolve parece seduzir os que estão em seu caminho. Como se não houvesse mais dinheiro para arcar com os custos do filme anterior, só há presentes dois anões, dos quais somente um estava em Branca de Neve e o Caçador, Nyon (Nick Frost) e seu irmão Gryff (Rob Brydon), que são o alívio cômico, ao lado de mais personagens presunçosos e de moral óbvia.

    A jornada floresta adentro reserva momentos que imitam visual e narrativamente o recente João e Maria: Caçadores de Bruxa, além de mostrar um flerte bobo e carente de consistência entre o antigo casal. A continuação segue com o mesmo problema do primeiro filme: tentando transformar qualquer momento em algo épico, incluindo aí duas irmãs rainhas exímias em estratégia militar.

    A solução final para o confronto que deveria ocorrer entre as partes boas e más beira o ridículo, arranjando uma luta com desfecho anti climático cujo maniqueísmo extremo rivaliza com a falta de identidade, o aspecto mais negativo do filme, de intermináveis deles. Quase nada funciona em O Caçador e a Rainha do Gelo, especialmente por entrar em contradição com tudo o que foi apresentado no já ruim episódio anterior.

  • Crítica | Barbara

    Crítica | Barbara

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    Barbara segue na esteira de filmes alemães recentes como Adeus, Lenin! e A Vida Dos Outros que se propõem a fazer uma revisitação histórica sobre o período para tentar entender o seu impacto no país até hoje.

    Na Alemanha Oriental dos anos 80, uma médica é transferida para uma cidade do interior por causa dos seus planos de fugir do país.

    O roteiro sólido do diretor Christian Petzold em parceria com Harun Farocki acerta ao focar no desconforto da protagonista ao chegar na nova casa. O contraste vem através das cenas de amor escondidas com o seu amante e a frieza no trato com os colegas de trabalho com suas falas curtas e rápidas. Barbara é obrigada a passar por sessões de constrangimento nas visitas dos oficiais do governo, além de ser monitorada pelo colega de trabalho, e é obrigada a lidar com uma paciente que sobreviveu a um campo de concentração de trabalhos forçados. Tendo em vista o lema comunista da obrigação do trabalhador em devolver para a pátria o que lhe foi investido, a premissa do roteiro é bem clara neste ponto: o preço da liberdade.

    Ao mostrar a dificuldade burocrática de se conseguir equipamentos e na incompetência dos médicos locais, a decadência daquela cidade do interior representa o retrocesso que foi para a Alemanha estar parcialmente dividida sob ocupação soviética. O local só se transforma depois que a protagonista chega. Sua presença traz mais humanidade ao hospital, a eficiência no trato com os pacientes aumenta significativamente. A sua humanidade deixa o final do roteiro bonito e comovente.

    Christian Petzold é um diretor competente. A sua habilidade mantém a uniformidade da narrativa, e ao mostrar tempos mortos, seu objetivo é claro retratar a melancolia e tristeza da protagonista, além de ressaltar o regresso do local, que parece que estacionou no tempo. Outro trunfo é a direção de atores, Petzold consegue extrair boas atuações de seu elenco.

    Nina Hoss é o grande nome do filme. A sua boa atuação contida consegue expressar o desconforto de estar ali. A vontade de viver existe, porém está paralisada. Destaque ainda para Ronald Zehrfeld, que interpreta seu colega de trabalho.

    A fotografia de Hans Fromm é uniforme e competente, porém não se sobressai em nenhum momento, da mesma forma que a edição de Bettina Böhler deixa o filme em um bom ritmo e só.

    Barbara vale a pena por fazer parte de um movimento (se é que se pode chamar assim) de filmes que se propõem a fazer uma revisitação histórica sobre um dos períodos mais difíceis que dividiu um país por mais de 50 anos.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Aprendendo Com a Vovó

    Crítica | Aprendendo Com a Vovó

    Grandma 1

    Baseado no enorme carisma de sua protagonista, Grandma é uma comédia de situação, que tenciona atingir temas complicados sob uma ótica simples, bela e normativa. A história gira em torno da senhora desbocada e misantrópica Elle Reid, vivida pela inspirada Lily Tomlin, que acaba de terminar uma relação de quatro meses com sua namorada Olivia (Judy Greer) e que percebe já nos primeiros minutos, um novo chamado à aventura.

    O estilo de vida adotado recentemente pela matriarca a impede de ajudar sua neta Sage (Julia Garner), que ainda muito nova se vê grávida e com vontade de executar um aborto longe dos olhos opressores de sua mãe. A partir dali, começa uma odisseia de vó e neta, em busca dos pouco mais de 600 dólares para executar a tal operação.

    A direção de Paul Weitz não ousa muito, apesar de ser este um filme muito mais redondo que a sua filmografia mais antiga. Ainda assim, grande parte das piadas de American Pie: A Primeira Vez é Inesquecível, O Céu Pode Esperar e até Tudo Pela Fama, claro, muito mais amadurecido que o primeiro citado, mérito do redondo e comum roteiro também assinado pelo diretor.

    Grandma 3

    Apesar não apresentar qualquer ineditismo nos eventos mostrados, as tiradas, diálogos e discussões acoloradas executados por Elle são hilários ao extremo, compensando qualquer redundância de Grandma com as atuais comédias lançadas em circuitos. O filme é um presente para Lily Tomlin, uma grande atriz que, graças a um preconceito bobo de Hollywood, não consegue muitos papéis, e o principal aspecto a que uma comédia exige, o longa tem, pois sobram alma e vivacidade no drama.

    O filme trata de assuntos como envelhecimento, mágoas do passado e os fantasmas que insistem em visitar os homens, especialmente nas situações em que o sujeito está encurralado. O término do filme já era esperado, mas o modo como é conduzida a unidade familiar compensa qualquer repetitividade com uma química impressionante, entre Garner, Tomlin e Marcia Gay Harden (Judy, a mãe de Sage), o que proporciona uma simpatia ainda maior pelos personagens, que já eram bastante interessantes em suas personificações.

    Grandma não é uma comédia imperdível, mas ainda assim apresenta muito mais substância mesmo nas pequenas participações especiais entre as cenas/esquetes. A direção quadrada serve até em seus defeitos para fortificar o principal adjetivo positivo, que é a brilhante apresentação de Lily Tomlin, o que faz lamentar profundamente o modo como a indústria a sub-aproveita, aspecto comum a tantos outros antigos astros.

  • Crítica | Hipócrates (2014)

    Crítica | Hipócrates (2014)

    Hipócrates 1

    Utilizando o nome do filósofo grego, conhecido como pai da medicina, o filme de Tomas Lilti tem um formato diferenciado: Hipócrates mostra uma visão peculiar sobre o trabalho e serviço médico. A história é focada em Benjamin Barois (Vincent Lacoste), um jovem estudante francês que acredita ter um potencial tremendo dentro do ofício. Os quase 120 minutos de duração servem para, aos poucos, desconstruir a idílica ideia sonhadora que o rapaz tem em relação a sua vocação.

    Sobre a cabeça de Benjamin recai uma responsabilidade diferente, já que seu pai é dono do hospital em que começa a trabalhar. Apesar de alguns comentários ácidos de seus colegas, não há qualquer favorecimento a ele, graças ao parentesco com o patrão. A realidade explicitada no cotidiano clínico é bem diferente das versões midiáticas de Plantão Médico e House M.D., fazendo referências diretas a este último em uma cena metalinguística na qual um enfermeiro assiste ao seriado e assume que o programa é bem mais interessante do que sua rotina.

    O desenrolar da história prima pela monotonia do dia a dia, com poucos momentos de descontração entre pessoas comuns e tediosas, que conseguem em alguns momentos alegrar o ambiente através de piadas fracas e interações repletas de gracinhas típicas dos momentos de sociabilidade movidos a vinho.

    O roteiro de Pierre Chosson, Baya Kasmi,Julien Lilti e Thomas Lilti consegue fazer menções importantes, sem necessariamente tornar o tema panfletário. Em meio ao dia comum, há greves por parte de funcionários que trabalham na clínica, demonstrações de pacientes sofrendo com cicatrizes terríveis e, claro, mostras do quão inconsequente pode ser um profissional da saúde, sem tratar essas pessoas como vilões maniqueístas que só possuem defeitos de caráter.

    Os 20 minutos finais fazem bifurcar o protagonismo, mostrando um desfecho dramático interessante para Benjamin, além de finalmente dar uma amostra mais certeira e visceral das condições difíceis a que os funcionários são submetidos, os quais precisam lidar com cortes extremos no orçamento básico do hospital, o que afeta a quantidade de recursos de trabalho, bem como comprova o descontentamento dos trabalhadores em receber menos do que o combinado anteriormente.

    É curioso o modo como o filme se encerra: com a musica Tell Me Something I Dont Know, de Herman Dune, que tem uma melodia alegre e uma letra que desconstrói o herói clássico, assim como a obra desfaz mitos sobre o proceder médico. Doses de melancolia e obsolescência mostram que a força das circunstâncias também atrapalha o ofício normalmente idolatrado daqueles que fizeram o juramento de Hipócrates.

  • Crítica | Z

    Crítica | Z

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    Em 1964 as forças ocultas tomaram posse do Brasil. Foram controladas e guiadas por interesses estadunidenses para evitar o que poderia ser um novo governo socialista na América Latina. O preço disso foram vinte anos de dor e sofrimento. Em 1964 o desejo de um povo criado para temer o levante comunista foi um dos principais fatores para um retrocesso social e político. Um retrocesso histórico. Um lembrete do quanto temem aqueles que não entendem. E de quanto fazem por medo.

    Os pais que marcharam aos gritos de Pra Frente, Brasil nas ruas, aqueles em nome da família com Deus, tiveram suas filhas e filhos raptados, estuprados, mortos. Ainda que os saudosos repitam Nunca Fomos Tão Felizes, eles não são capazes de saber. Esses não estiveram nos porões da ditadura. Não estavam cientes das dívidas em que o país se afundava com empréstimos do estrangeiro. 1964 foi o ano em que os pais de tantos saíram de férias. O ano em que a ditadura militar se instalou no Brasil com o apoio do povo, mas em outros países ela se fez de outra forma, ainda que com mesmas peças em um tabuleiro de cores diferentes. Há sempre o medo e conservadorismo de valores estimados pelas classes dominantes, há sempre forças ocultas à espreita e alguém que simboliza o que pode haver de melhor. Um cabra marcado para morrer.

    Em grego, Z quer dizer: ele vive.

    Costa-Gavras é conhecido por fazer filmes políticos. Fez filmes como Desaparecido – Um Grande Mistério (vencedor da Palma de Ouro em Cannes) e seu mais recente, O Capital. Z é vista como sua obra mais famosa, possivelmente devido a tratar sobre algo de seu país de origem. Roteirizado por Jorge Semprún e baseado no livro de Vasilis Vasilikos: conta a história verídica do assassinato de Grigoris Lambrakis.

    z-costa-gavras-sceneQualquer semelhança com fatos ou pessoas vivas ou mortas não é casual, é intencional.

    Z (Yves Montand). Líder do movimento socialista na Grécia. Uma figura carismática e de esperança aos jovens que não se interessavam em integrar grupos extremistas de direita. Pregavam a paz e o desarmamento de uma Grécia com forte poder militar. Perturbavam o status-quo com seus gritos e protestos legítimos, mas que antes da instalação da ditadura já se demonstravam sabotados. Espiões e ameaças já eram comuns. Os jovens, no fim, eram vistos como as pragas de uma plantação, como infectados por uma doença.

    Quem combatia o que era visto como praga, doença, era a cura, ou pelo menos assim se exaltavam. Viam-se como os anticorpos no combate a ideologia que crescia no país. Os defensores da democracia. Desprovidos de ideais políticos externos. De novo, assim se viam. Isso é afirmado na primeira cena do filme, quando ocorre um monologo sobre o crescimento do socialismo em um encontro de militares. Demonizam a ideologia e buscam maneiras de poda-la. Controle dos jovens, repúdio aos intelectuais. O que se segue é a demonstração dos sentimentos fervorosos da população, seus comportamentos. Como os grupos se comportam perante seus diferentes. Z chega no país para comparecer a um comício em meio a uma enorme briga entre grupos e com presença da polícia. É na saída desse evento que sofre o atentado. O que ocorre depois são reações e investigações. Tentativas de transformá-lo em mártir e tentativas de calunia-lo.

    A maneira que lidam com a relação massa, imprensa e governo se faz pela tentativa de controle da primeira, sempre. A imprensa segue as ordens do governo e não busca iniciar rebeliões, exceto por um jornalista investigativo que deseja montar o quebra-cabeça para publicar no jornal. Há também o personagem do promotor pragmático, que muitos apontam como verdadeiro protagonista. Segue somente fatos que se depara na investigação, ainda que seja afetado pela suspeita e repulsa perante o que puder identificar como comunismo. Esses dois não são tão vistos como personagens quanto são como conceitos, mas encaixa. Os outros personagens se dividem entre o grupo socialista de Z, sentimental e intenso; os militares, contidos e frios; assassinos e contratados avulsos.

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    A montagem do filme é uma qualidade de destaque, especialmente pela rapidez e intensidade das informações que lida com precisão e agilidade, ainda que com problemas de continuísmo perdoáveis devido a grandeza do filme. Fatos se aceleram em cortes rápidos e a memória de personagens também, em uma forma não linear, o que torna impactante para o telespectador. Rende também um ritmo fluido ao filme, até mesmo quando confrontando os opostos entre os personagens. A câmera se movimenta pelo meio dos personagens e de suas dinâmicas bem atuadas em takes que podem ser considerados longos para o padrão, somado a frames bem compostos e por vezes carregados de simbolismo e significado. A trilha sonora apresenta um ar quase cubano, com seu violão fervoroso e emocional, exagerado.

    Z se demonstra um filme ainda atual, principalmente para países que enfrentam momentos como o Brasil. Levantes de conservadores por medo dos avanços progressistas. Mais do que nunca é a hora de entender e compreender o contexto, entender como melhor lidar e como evitar o aproveitamento por parte de forças ocultas, que não precisam ser necessariamente os militares, mas o sentimento de retrocesso, sentimento de desumanidade. Não importa o quão desolador pareça o momento, deve-se exaltar e sentir a humanidade. Deve-se sentir o pesar daqueles que não escolheram, no seu tempo, o lado fácil da história. E continuar.

    O coração não quer parar. Ele bate.

    Ele vive.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Vai Que Cola: O Filme

    Crítica | Vai Que Cola: O Filme

    Vai Que Cola 1

    O cenário humorístico brasileiro mudou muito nos últimos anos. Um acréscimo de influências nonsenses começou a permear o modus operandi de muitos comediantes mais novos, assim como surgiu uma nova “tradição” de stand-up. Na exata lacuna no meio deste novo arquétipo e o estereótipo de piadista comum e ordeiro, típico da rede aberta de televisão, o afetado Paulo Gustavo se inclui, apelando normalmente para uma persona debochada e irônica, mas que não chega a fazer discutir, tampouco leva seu espectador a ter qualquer reflexão. O seu Valdomiro Lacerda em Vai Que Cola – O Filme repete a mesma graça do seriado homônimo, ainda que haja pequenas diferenças entre as abordagens.

    O folhetim pratica o desserviço de propagar um pensamento bastante preconceituoso em relação ao cidadão carioca suburbano, sempre representando-o como um ser barulhento, sem modos e afeito a selvageria, salvo unicamente por uma condição de bondade extrema, movida por uma ingenuidade primorosa que faz parecer que esse povo é bobo e fácil de enrolar. A gravidade do programa ocorre por sua enorme popularização, em especial com as classes menos favorecidas e menos estudadas, que veem pastiches de suas situações corriqueiras, tendo enfim alguma coisa em que se enxergar.

    Ao contrário do que as últimas temporadas propagavam, na Multishow, todo o show é de Valdomiro, que até permite algum brilho para o seu elenco, formado por Catarina Abdalla, Cacau Protásio, Samantha Schmutz, Emiliano D´Avila, Fiorella Mattheis e Fernando Caruso, com pequenas cenas para cada um desses conseguirem mostrar seu valor, ainda que não haja qualquer possibilidade de aprofundamento em seus dramas. A exceção é feita ao personagem Ferdinando (Marcus Majella), que faz uma figura homossexual ainda mais cômica e caricata que Valdo, até tem momentos de protagonismo, o que fomenta qualquer situação de representatividade.

    Apesar do claro problema em retratar um Rio de Janeiro que está nos cartões postais, às custas de uma zona de moradia que produz todo o material de exploração de todo o município, há algumas interferências de seu diretor, Cesar Rodrigues, que tateava ainda como cineasta, mas que punha sua experiência como condutor da novela Labirinto e da série da HBO, Filhos do Carnaval, em especial no desenvolvimento da metalinguagem e na fala direta de Paulo Gustavo com o público. Para o realizador, méritos enormes, para o astro, segue a mesma vergonhosa e covarde postura vista em Minha Mãe É Uma Peça, deixando cada vez mais claro o quão preconceituoso e ferino é o ideário do comediante, que se vale do conservadorismo para se acomodar em sua carreira já fundamentada.

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  • Crítica | Truman

    Crítica | Truman

    Truman 1

    Simples, sensível e tocante, Truman é mais uma típica comédia argentina, que se vale da sutileza e do talento/carisma de Ricardo Darín para dar liga ao roteiro. A direção de Cesc Gay oferece ainda mais sentido ao drama leve, a exemplo de seu mais recente filme, O Que Os Homens Falam. O argumento sabe tratar do campo sentimental, mas sem apelar para a gratuidade emocional.

    Darín dá vida a Julian, um ator de meia-idade que recebe a isita misteriosa de Tomás (Javier Cámara). Viajando do Canadá a Madri, a trama se inicia envolvendo uma gama de viagens e muitos gastos da parte do resignado e calado homem. Logo se revela o real motivo da viagem, que seria a escolhe de Julian por não executar a quimioterapia, desistindo de salvar-se do câncer. A epopeia acontece na tentativa de achar pessoas ideais para a adoção do cão do moribundo, alcunhado de Truman em homenagem a Capote.

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    A trajetória dos amigos envolve uma busca ao passado, com despedidas e viagens intensas. Julian e Tomás se vêem em situações nas quais o choro trava em suas gargantas e olhos, em que um mundo é segurado em meio aos personagens. Vivem comunicados, lembranças e reencontros com os seus. Apesar da acidez na amizade, nota-se uma cumplicidade que começa velada e, aos poucos, se demonstra mais evidente. A recusa em mudar a postura da possível eutanásica envolve os antigos amantes de Julian, bem como seus herdeiros e sua prima, Paula (vivida pela bela Dolores Fonzi de O Crítico), a pessoa mais próxima do ator em terras espanholas.

    O processo de cuidar do amigo causa um misto de riso e choro, o que faz discutir o gênero de comédia do longa. O roteiro foge do apelo à pobreza e cafonice, mesmo ao retratar a decadência da saúde do artista, que se vê cada vez mais distante dos holofotes, bem como do domínio de suas funções motoras mais básicas. Até os desastres emocionais são conduzidos de modo sutil, deixando ao público se emocionar no nível que seu próprio estado de espírito permite. Truman é sensível e fecha o ciclo de modo sincero e bonito, arrematando de modo justo tanto o nome do filme quanto a ponte de amizade de Tomás e Julian, justificando o sentimento de irmandade sempre fortificado pelo redondo argumento.

  • Crítica | Superman: O Retorno

    Crítica | Superman: O Retorno

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    Após longos anos sem qualquer representação áudio visual no cinema, depois da fracassada tentativa de realizar uma nova abordagem do herói no Superman Lives pensado por Tim Burton, o projeto de reativar a saga do azulão em tela grande recairia sobre o promissor Bryan Singer, que já havia reimaginado os X-Men sob uma ótica interessante. A produção dessa vez seria de Jon Peters, que retornaria à posição que ocupou em Batman de 1989, substituindo os Salkind na empreitada de prosseguir o legado do herói.

    O filme inicia-se com um recordatório sobre o fim de Krypton, fato que explicaria em parte tanto o hiato do personagem quanto a ausência de versões feitas para o cinema. Com momento posterior ao prelúdio e a abertura ao estilo da versão do Superman 1978 de Richard Donner, e a reintrodução de Lex Luthor.

    Apesar de ser a afirmação não oficial, a produção de Singer somente levaria em conta os filmes produzidos por Donner, compondo assim a parte posterior a Superman II – Donner Cut. O desenrolar do roteiro de Singer, Michael Dougherty e Dan Harris mostra herói e vilão redescobrindo origens, com Clark (Brandon Routh) retornando à fazenda em Pequenópolis, como um alienígena novamente, e com Luthor descobrindo as instalações da Fortaleza da Solidão, descobrindo as origens de seu opositor.

    Singer tenta equilibrar sua obra em dois pontos básicos, mostrando uma continuação, com Kal-El buscando suas origens e possíveis sobreviventes de Krypton, e claro, um filme de origem, para situar qualquer espectador desavisado, atento à questão que Stan Lee tanto gostava de citar, que toda história de herói pode ser a primeira história para alguém. A problemática maior é que este quinto volume vive neste limbo, com dificuldade de assumir uma identidade própria, já que somente na exibição do filme não fica exatamente claro o que vale ou não na cronologia, quando o conceito de reboot não era tão comum quanto nesta década.

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    O ambiente do Planeta Diário prossegue muito parecido com o dos anos 1970, claro, acrescido da tecnologia que avançou nos quase 30 anos entre as versões. Outro fator semelhante é a devoção de Jimmy Olsen (Sam Hutington) a Kent, mesmo após sua ausência. O tom de comédia forçosa deixou a maioria dos núcleos resumindo-se somente aos vilões, que ainda assim não são tão necessariamente bobos quanto Hackman e seus capangas. Ainda resta a aura mágica e fantasiosa, em especial nas cenas em que a gravidade é superada, em argumento narrativo que explicita que o mundo onde Superman habita é um campo mais escapista que o comum.

    Não havia na produção um compromisso de retratar a premissa de um modo que fosse explicado racionalmente, em especial levando em conta as leis da física que regem o mundo tangível, mas Superman – O Retorno é ligeiramente menos utópico que os filmes de Richard Lester e Sidney Furie, exceto pelos planos megalomaníacos de Luthor, que parece ter se mantido na linha anacrônica da Era de Ouro dos Quadrinhos, longe de qualquer resquício de modernidade.

    De diferente na abordagem há a relação do mito com Lois Lane. Kate Bosworth faz uma repórter incrédula, que em um primeiro momento se mostra independente e resoluta, escondendo uma profunda mágoa de ter sido abandonada por seu par ideal. O prêmio Pulitzer que recebeu pela matéria O Mundo Não Precisa do Superman já é a mostra de que a mulher seguiu em frente, ou ao menos tentou, atitude ratificada pelo noivado com Richard White (James Marsden), do qual resultou em seu herdeiro Jason (Tristan Lake Leabu), o simpático e frágil filho que carrega consigo. A demora para introduzir a moça na história é sábia, e faz do distanciamento desta com Kent/Superman o artigo mais inteligente do roteiro.

    Há pedaços e falas inteiras retiradas dos filmes anteriores, que podem ser encarados com easter eggs ou como muletas para a dificuldade que Singer tem em seguir em frente. O receio de mexer no patrimônio de herói, que para si era muito caro desde sua infância pobre e conturbada, graças ao fato de ser judeu, órfão e homossexual, acaba por tornar o filme um objeto covarde, que se vale mais da autoria de outros, e não só de Donner. Os pontos altos do filme são as referências à primeira capa de Action & Comics e à narração do programa televisivo dos anos 50 executado por George Reeves.

    A mitologia do personagem mudou ao se basear em outro arquétipo bíblico. Joe Shuster e Jerry Siegel tinham em Moisés o ideal para a construção de seu herói, seguido por quase todas as versões transmídia. A ideia de Singer era parafrasear o messias cristão, o que vai na contramão do judaísmo dos autores e do próprio diretor, que se rebelava mais uma vez contra os dogmas ensinados a si desde o berço. Há muitos outros signos bíblicos, como o salvamento da nave espacial Genesis, que acomodava sua amada, e mais um capítulo do avanço do homem ao espaço inexplorado.

    O modo como Superman – O Retorno é registrado é belíssimo. A fotografia de Newton Tomas Sigel é competente ao reprisar o mundo abstrato pensado pelos Salkind. Destaca-se também a direção de arte de Hugh Bateup, resultando no aspecto mais equilibrado, principalmente quando foge do genérico cenário de Metropolis. O problema é que os aspectos visuais não fazem superar o ritmo demasiado lento, não condizente com a época em que se situa. Este aspecto faz a união entre este universo e o de Batman Begins tornar-se ainda menos passível de uma unidade tardia entre os heróis da DC.

    A crítica mais frequente a Superman – O Retorno é em relação às cenas de ação, atribuindo o clímax ao salvamento aéreo, ocorrido com menos de uma hora de filme. A cena em que o filho de Krypton levanta o pedaço de Terra, repleto da matéria prima que o faz vulnerável é igualmente épica, no entanto, para o herói funcionar, é necessário um inimigo à altura, e isso não ocorre com o Luthor de Spacey, que até se esforça, mas funciona somente como paródia. Não há embate físico, não há medo de que o protagonista pereça, até os laços consanguíneos são mais interessantes do que o destino do messias que retornou para remir a humanidade. A construção do herói clássico parece ser a mais fácil de se construir mas de fato não é, e a aura de fantasia não se sustenta caso os sinais não fossem levados a sério. Como não são, no filme de Singer, resultam-se em um produto muito desequilibrado e sem caráter próprio, com um herói que, ao final de sua jornada, se mostra falido e anacrônico.

  • Crítica | Chinatown

    Crítica | Chinatown

    8FItRq1pNPeni9FkDYUug7YhfggLançado no meio dos anos 70, Chinatown aproveitou a contracultura que revolucionou o cinema norte-americano e inseriu a marca de autor baseada em um realismo dramático dentro do gênero noir, que havia estacionado no cinema clássico hollywoodiano dos anos 40 e 50.

    Na Los Angeles de 1937, um detetive particular é contratado por uma mulher para investigar a traição que esta sofre do marido, mas descobre que foi enganado quando a verdadeira esposa aparece, revelando uma conspiração na Companhia de Água da cidade.

    O ótimo roteiro de Robert Towne aproveitou fatos verídicos e conseguiu criar uma ambientação diferente de um filme noir mantendo as características do gênero. O interessante do argumento são os elementos noir que variam dos filmes clássicos: a investigação de J.J. Gittes (Jack Nicholson) vai desenrolando uma trama simples até revelar um complexo sistema de corrupção; a falsa mulher fatal que inicia o filme também foi outra marca interessante do autor; os motivos que movem o protagonista são mais sólidos, como ser enganado e virar piada no seu meio de trabalho; os perigos que ele enfrenta são reais, já que está mexendo com a máfia que existe em uma grande empresa como a Companhia de Águas.

    A direção de Roman Polanski conduz com habilidade e destreza o bom roteiro de Towne, desde a escolha dos enquadramentos, passando pela boa direção de atores, até a ótima mise-en-scene. Enfim, Polanski é um maestro que mantém a ótima direção que o havia revelado para o mundo no clássico O Bebê de Rosemary seis anos antes.

    A atuação de Nicholson é um dos pontos altos do filme. O ator consegue compor o detetive com passado obscuro, de moral duvidosa, que tem sentimentos contraditórios quanto a Evelyn, a ótima Faye Dunaway que dá vida a mulher fatal, objeto de desejo do protagonista. Roman Polanski faz uma rápida aparição como o Homem Com Uma Faca. Destaca-se também a participação do ator e diretor John Houston (que, talvez com Humphrey Bogart, seja um dos maiores expoentes dos filmes noir).

    A boa fotografia naturalista de John A. Alonzo mantém os tons alaranjados e amarelos do filme, características dos filmes rodados em Los Angeles que focam muito a fotografia de deserto. Ela se sobressai nas cenas com Dunaway. A edição de Sam O’Steen, além de ser invisível, mantém o filme com um bom ritmo. Ela se destaca nas cenas de ação, como a da perseguição de carro na fazenda e sempre que os dois protagonistas se encontram.

    A direção de arte de W. Stewart Campbell, aliado à composição de cenário e locação de Ruby R. Levitt e ao figurino de Anthea Sylbert, ambientou de forma muito competente os anos 30 de Los Angeles.

    Chinatown vale a pena por ser o tipo de filme que transcende não só o gênero noir, mas também a preferência dos amantes do cinema norte-americano dos anos 70. O tipo de clássico obrigatório para quem aprecia a sétima arte.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | O Escaravelho do Diabo

    Crítica | O Escaravelho do Diabo

    O Escaravelho do Diabo 1

    Invocando o saudosismo através dos livros infanto-juvenis da Série Vaga-Lume, que foi muito popular a partir dos anos 1970, O Escaravelho do Diabo é o filme de estreia de Carlos Milani, adaptando a obra literária da mineira Lúcia Machado de Almeida. A intenção do filme é derrubar o paradigma de que o cinema brasileiro não consegue trabalhar bem com diversos gêneros, dando vazão a uma história de investigação policial voltada para os infantes.

    A história é contada através da vivência de Alberto Maltese (Thiago Rossetti), um menino que vive com seu irmão mais velho Hugo (Cirillo Luna), mentor e figura mais próxima da paternidade do garoto, uma vez que este é órfão de pai e sua mãe está longe. A idade dos irmãos é invertida, já que no livro Hugo é o caçula, e cabe ao primogênito fazer as investigações em torno dos estranhos assassinatos de pessoas ruivas na cidade, incluindo aí um dos irmãos Maltese. A desculpa utilizada para a característica enxerida do rapaz é um déficit de atenção, que no roteiro não é bem estabelecido nem como resposta médica oficial, e nem como desculpa do garoto para sua falta de atenção geral.

    Quando o menino vê seu irmão assassinado, há um contato estranho com o indelicado delegado Rubens Pimental, com um Marcos Caruso que repete muitos trejeitos de seu papel em Operações Especiais, inclusive pela falta de naturalidade de seu linguajar e comportamento cotidiano. O problema, tanto com seu personagem quanto com o argumento adaptado por Ronaldo Santos e Melanie Dimantas, é a completa falta de naturalidade agravada pela fraca direção de Milani, que conduz o longa como se fosse responsável por uma das novelas que costumava filmar, com direito a aparições relâmpago de personagens prejudicados intelectualmente e a videoclipes péssimos que se fazem incapazes de se levar a sério.

    O menino, na ânsia por ter provas para fazer assertiva em sua teoria, rouba provas bem abaixo dos olhos dos policiais e não há qualquer consequência para isso, nem descrédito a respeito do testemunho de uma criança. Vale das Flores parece uma cidade habitada por pessoas inábeis, por isso um garotinho mais inventivo consegue ter intelectualidade superior a de jornalistas, advogados, padres e policiais, e isso é vergonhoso, em qualquer instância, ainda mais vindo de um filme que pretende ser sério.

    O potencial da trama é desperdiçado, tanto na gravidade dos assuntos tratados, como em questões de saúde relativas à doença degenerativa de Pimentel, e também como na óbvia discussão envolvendo os homicídios e a perseguição. O conteúdo prometido desde o início do filme é só sugerido, nunca aprofundado.

    Com todos os defeitos de concepção – e não são poucos – O Escaravelho do Diabo serve apenas como uma base interessante para futuros lançamentos, ainda que sua versão final tenha se perdido quanto ao gênero, já que o personagem misterioso de Lourenço Mutarelli tem muito mais a ver com um assassino slasher do que com um simples serial killer que assombra pessoas com as mesmas características capilares, inclusive rompendo a própria promessa ao final. O desfecho gera ambiguidade, com a possibilidade de prosseguir em uma continuação. Porém, para fazer sentido, a obra deveria ter um texto mais maduro e que apelasse menos para coincidências, mesmo em se tratando de um objeto para o público infanto-juvenil.

  • Crítica | Mente Criminosa

    Crítica | Mente Criminosa

    Mente Criminosa - poster

    Se existe algo corriqueiro no cinema de ação é o exagero. Explosões, planos de dominação mundial, perseguições, entre outras distrações que, combinadas, nos enchem os olhos e, algumas vezes, até nos fazem perdoar as imperfeições e deficiências de alguns longas. É exatamente este o problema de Mente Criminosa, do diretor israelense Ariel Vromen. Aqui, o exagero é elevado à enésima potência, causando um desconforto quase que imediato ao espectador em sua primeira metade de exibição.

    Bill Pope, interpretado por um apagado Ryan Reynolds, é um agente da CIA que foi assassinado ao tentar desmantelar um plano de destruição que, segundo a trama sugere, teria consequências globais – temos aqui o primeiro clichê. Na tentativa de dar prosseguimento ao trabalho de Bill, a CIA convoca um cientista vivido por Tommy Lee Jones para realizar um transplante da mente e de suas emoções para um prisioneiro de sanidade mental comprometida (Kevin Costner). Forma-se assim uma história que ganha tons surreais com as oscilações de personalidade de Jericho, personagem de Costner, que se divide entre a vingança àqueles que lhe impuseram esta nova condição e a predestinação em ser o herói, herança deixada por Bill.

    Se a deficiência do roteiro está clara, a direção do filme não fica atrás. Vromen tinha um time e tanto de atores à sua disposição e não conseguiu extrair deles atuações capazes de salvar o longa. Gal Gadot, que aqui interpreta a esposa do policial assassinado Bill, é um dos poucos acertos do elenco. Aliás, a moça que foi uma das poucas unanimidades positivas em Batman Vs Superman – A Origem da Justiça mostrou neste filme que não precisa de um escudo para ser notada. Gary Oldman, que completa o elenco, empresta um pouco de sua credibilidade ao filme. Em suas aparições, surge até mesmo a sensação de estarmos assistindo a outra fita, tamanha a desproporção das atuações.

    Com roteiro irregular, direção confusa e atuações destoantes, Mente Criminosa não consegue ser sério quando precisa. Justamente por isso acaba por se tornar uma experiência cansativa e suas quase duas horas de exibição são sentidas pesadamente. Faltam elementos que gerem empatia com os personagens e facilitem a digestão do texto. Não é nem de longe um dos piores exemplares do gênero, mas certamente não será lembrado com carinho nas carreiras dos envolvidos no projeto.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | O Cheiro da Gente

    Crítica | O Cheiro da Gente

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    Larry Clark acredita mais na minha geração do que eu mesmo. Kids e o Cheiro da Gente não só têm a ver com quem está na faixa dos 20 anos, mas também com a molecada que os anos 70 produziu até hoje, desde muito antes das redes sociais, quando o Facebook ficava nas garagens e nos porões cheios de música e gente que fazia mais do que mostrava. Clark filma a juventude que muda de visual mas segue a mesma, sempre em busca ou vivendo as liberdades que aos poucos a vida foi tirando de nossos pais e avós, mas mais do que isso: Clark, tal como Richard Linklater e John Hughes, não se interessa pela transição do tempo de uma sociedade oprimida e opressora, mas prefere focar sua lente na era pós-Woodstock, quando já começamos a poder ser o que sempre fomos: Livres, como Joan Crawford, que já tentava fazer seu intolerante marido entender, em Possuída, de 1931. Filmes que resumem uma época.

    Três amigos corriam à vontade por um museu, no auge da nouvelle vague de Jean-Luc Godard. Um tipo de Cinema sociopolítico, mais por inevitabilidade que proposital, é bem verdade, mas que sobrevive e pulsa forte, tangente à expressão por si só, em cada nível de interpretação que o cinema independente europeu ou mundial já se submeteu. Agora, é tanta maconha, sexo confundido com amor, amor com paixão, impulso, instinto, nuances de Cláudio de Assis e fogo puro que fica difícil não se atrair por O Cheiro da Gente, infestado de um aroma jovial de quem enxerga e admira, no escuro, o brilho do suor de quem vive rápido e morre jovem! Filme de representação bem-sucedido por não caber em rótulos, tipo os recentes TangerineBande de Filles, saladas contemporâneas isentas de explicação ou gênero – mas que ousam ser cinema de qualidade e abrangência inquestionável.

    Para Clark, então, a liberdade é um triunfo sobre os fantasmas do passado que ninguém ainda sabe usar direito, o que pode gerar a tal libertinagem, ou seja, o excesso de ousadia. Quando um mendigo numa pista de skate vira obstáculo para os moleques ultrapassarem, nota-se a indiferença do indiferente, como Luis Buñuel soube tão bem interpretar no clássico Os Esquecidos, à medida que um indigente é agredido num México desigual por um bando de rebeldes sem causa. Essa rebeldia fruto do tudo-ou-nada é a matéria-prima para um cinema tão vivo quanto a sociedade que observa; curioso, que pulsa através de uma arte também revolucionária por essência. Cinema também é primavera, nem sempre precisa de camisinha – ou se importar onde suas flechas acertam. O proibido é proibir nas relações das quais fazemos parte e nos fazem ser quem somos – David Bowie sabia disso e ajudou o mundo a reconhecer o fato.

    Cada vez menos existem “filmes de excluídos”, mas sim “filmes de pessoas”. O tempo moldou essas “obrigações” da arte. E nessa onda, em que só o que é honesto é mostrado, o falso é ignorado e só quem goza a vida tem valor. São filmes que acabam por ser veículos que prestam serviço às novas revoluções ideológicas, racistas e sexuais do presente, pequenas jóias nas quais Bob Dylan e Clark aparecem do nada para nos lembrar de que continuam vivos, sim, vagando relevantes por aí, e tais os verdadeiros ídolos deste mundo, se tornaram incapazes de desaparecer por completo. Porque, no fim das contas, é a importância da liberdade de expressão que explica o porquê de O Cheiro da Gente ser indispensável.

  • Crítica | A Bruta Flor do Querer

    Crítica | A Bruta Flor do Querer

    A Bruta Flor do Querer

    Após os curiosos curtas O Capitão Chamava Carlos e A Triste História de Kid Punhetinha, que dá vazão a uma mensagem metalinguística dialogando diretamente com a feitoria de cinema, Andradina Azevedo e Dida Andrada realizam um novo longa-metragem. A Bruta Flor do Querer tem uma estética bastante naturalista, referenciando um estilo típico de cineastas que iniciam suas filmografias promissoras, o que não necessariamente retrata uma realidade de sucesso garantido ao longo deste desenrolar artístico.

    Diego (Dida Andrade) é um fillmaker, que vive em crise por trabalhar com vídeos de casamento, depois de acreditar ter um enorme potencial enquanto ainda era aluno da faculdade de cinema. Seus dias são repletos de álcool, uso livre de entorpecentes e decepções amorosas com as poucas mulheres das quais deixa se aproximar. Sua personalidade é autodestrutiva e pessimista, como o perfil básico de grande parte da juventude vigente.

    Os dias do protagonista se revezam entre seu trabalho enfadonho e pensamentos sobre as mulheres por quem tem amor platônico. Os 76 minutos de duração são divididos em capítulos, com cada um deles tratando de um período de seu tempo livre, normalmente dialogando de modo bastante popular.

    A trilha sonora do filme reúne músicas brasileiras clássicas e tem um papel fundamental na trama, servindo de atalho emocional paras as inseguranças e agruras de Diego. Todo o seu cotidiano é atravessado por situações frustrantes, em que suas paixões não são correspondidas e sua valentia é posta à prova unicamente para fracassar diante de sua amada. O rapaz é completamente impotente, mesmo diante do desejo intenso e puro que ele tem por suas figuras de louvor.

    A câmera registra uma São Paulo particular, uma cidade longe dos holofotes do mainstream, mas também distante do subúrbio. São pessoas comuns e sem muitos atrativos físicos ou financeiros, sujeitos que lutam até seus últimos esforços para atingir a auto-aprovação que necessitam, no sentido de conseguir haver dinheiro com o ofício que aprenderam e pelo qual são apaixonados. O drama é verdadeiro e de fácil empatia, mas o desenrolar excessivamente melancólico praticamente impede o espectador de se afeiçoar aos personagens de qualquer outra forma que não seja seguindo o caminho que os realizadores querem.

    A transposição de realizadores como atores funciona pouco e, na maioria do tempo de tela, soa preciosista, inclusive a demonstração dos nus. Ao final, do longa, há um artificio metalinguístico que é bastante pessoal e pouco universal, função que talvez faça um sentido maior para quem tem alguma intimidade com os dois cineastas, já que a poesia tencionada acerta pouco, não atingindo essa parcela do público. Apesar do bom começo, A Bruta Flor do Querer soa amador e infantil em quase tudo o que se propõe, piorando demais pela falha em ser um objeto ensaísta.

  • Crítica | Zootopia: Essa Cidade é o Bicho

    Crítica | Zootopia: Essa Cidade é o Bicho

    Zootopia - poster

    “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor”. Esta frase do educador Paulo Freire rege boa parte do contexto de Zootopia, novo filme da Disney Studios. Adaptada ao contexto do mundo governado por animais da bela animação, é dito: “O sonho da presa é se tornar predador”. Isso dá a dimensão das ousadias tomadas pelo estúdio na concepção de seu novo filme, ao falar sobre as relações entre pessoas de origens diferentes, sobre o não determinismo genético, anti-especismo e a necessidade de cooperação entre seres distintos. Tudo isso com a clara intenção de fugir do clichê básico de que é possível ser tudo aquilo que se quer ser. Não é, a vida traz reviravoltas, mas é possível tomar seu destino nas mãos quando a a oportunidade surge.

    Na animação, a empolgada coelhinha Judy Hopps (Muito bem dublada por Mônica Iozzi) sonha em ser a primeira policial coelha da linda e cosmopolita Zootopia, uma cidade onde seus sonhos podem se realizar. Lá sofre com o preconceito contra sua espécie, oprimida pelo sistema que insiste em rebaixá-la independente de seus méritos. Na cidade ela conhece a raposa Nick Wilde (Muito bem dublado por Rodrigo Lombardi), um típico representante daquele personagem que apresenta um potencial imenso, mas acaba frustrando suas oportunidades por conta de uma visão confusa da vida. Eles se veem unidos para a resolução de uma série de crimes de desaparecimento, e a partir disso criam laços de amizade e troca de experiências.

    A animação sofre com algumas pressas na resolução de alguns conflitos menores, mas tem uma coragem que a coloca como superior: ter uma trama realmente importante, e não apenas a burocracia das histórias típicas que servem apenas como escada para as lições do filme. O mistério do filme é realmente um mistério, te leva a desconfiar de vários personagens passearem por dentro da trama de maneira natural.

    A profundidade dos personagens é realmente o ponto alto de Zootopia. Indo além do bom mocismo típico, diversas cenas são montadas de forma a mostrar que uma boa pessoa ou animal, de mente recheada com boas intenções, pode também ser a cara do preconceito, e que o segredo pra modificar um pouco o mundo é apontar o dedo pra si antes de tudo, pois o verdadeiro rosto do fascismo cotidiano não é uma caricatura de ditador, mas as diversas pequenas ações que fomentam a opressão no outro. Não é fácil, e muitas vezes confuso, afinal “um coelho pode chamar o outro de fofinho, outros animais não”.

    As lições aqui não são morais, mas sim éticas. A moral, algo amplamente distribuído pelos contos de fadas e fábulas, é algo muito mais dogmático e que te obriga a ser de uma tal forma através do castigo e da punição, numa espécie de karma ideológico. Ética, por outro lado, trabalha o tipo de mundo em que se escolhe viver; trabalha convivência e constante diálogo, bem como cotidianas modificações sobre o que é a realidade que nos cerca.

    Mais divertido que o enfadonho Frozen – Uma Aventura Congelante, e conceitualmente mais interessante e profundo que Operação Big Hero ou Detona Ralph, Zootopia estabelece-se como o melhor filme da recente safra de animações 3D da Disney ao ocupar-se de temas relevantes, evitando o antropomorfismo carente de significado que ocorre em animações recentes como em Madagascar, olhando para o racismo e demais formas de preconceito com um olhar otimista e palatável para o público infantil, mas sem diminuir a complexidade do tema.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Superman III

    Crítica | Superman III

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    Muito mais voltado para a comédia, exemplificando pela apresentação de Gus Gorman como mais um vagabundo desempregado vivido por Richard Pryor, a continuação de Richard Lester para Superman III assumiu de vez seu tom jocoso, já iniciado pelo próprio diretor nas cenas finais de confronto em Metrópolis, em Superman II: A Aventura Continua. Tais momentos risíveis são reprisados após a cena de abertura, com uma sequência entrópica de alívios cômicos que fazem desse filme uma sequência mais próxima a Apuros e Trapalhadas de um Herói, também protagonizado por Pryor.

    A ausência dos créditos estilizados é sentida, bem como a música de Ken Thorne, que substitui John Williams. Outra mudança sentida é a conveniente saída de Lois Lane (Margot Kidder) de cena, para dar lugar a novos conflitos, eventos esses fracos e sem necessidade. Pela parte do Gorman, há a contratação de seus talentos para o oficio de programador de computadores, em que já na primeira semana ele prova ser genial, conseguindo descobrir uma falha no sistema de pagamento, executando uma fraude a fim de enriquecer em pequena escala.

    É nesta encarnação que Alexander Salkind começa a deixar suas funções de produtor, deixando para seu filho Ilya a função de produtor, sendo somente o sujeito que apresenta o filme. A mudança nos roteiros de David e Leslie Newman faz Clark retornar a Pequenópolis para uma reunião de colegiados, onde reencontra sua paixão platônica da adolescência, Lana Lang (Anette O’Toole), que está convenientemente divorciada, como uma mãe solteira. As indiscrições do texto incluem até o uso indiscriminado do super sopro por parte do tímido repórter, a fim de ajudar o filho de sua antiga amada em um jogo de boliche.

    O núcleo dos vilões, capitaneado por Rosse Webster (Robert Vaughn mas acostumado a filmes de terror do tipo B) é uma extrapolação do trio de antagonistas capitaneado pelo Luthor de Gene Hackman, ainda que as caricaturas sejam ainda mais evidentes e irritantes. É questão de tempo até notarem a fraude de August, e de – novamente de forma conveniente –  inserir Pryor na cidade pequena também, fazendo-o cruzar o mesmo destino do herói, que gasta seu tempo fazendo piqueniques em meio ao mato alto.

    Há mudanças drásticas de cenários, como se todos os personagens tivessem a mesma capacidade de viagem rápida que o azulão. A suspensão de descrença é bastante atacada, com as construções de coberturas geladas ao bel prazer de Webster, bem como a transposição química da kriptonita, facilmente executada por Gorman, sem qualquer ressalva ou necessidade de conhecimento científico.

    Superman III 3

    Mesmo quando dividem tela, o kriptoniano parece subalterno ao humorista, em uma óbvia declaração sobre de quem é a jornada a ser seguida, apesar do título oficial. As desculpas para mudanças de humor e postura do herói só não são mais vexatórias que as manifestações das Nações Unidas, que votam contra o Superman, exceto a Colômbia, que dever ter percebido que o vigilante não tem cargo eletivo em esfera nenhuma. As piadas seguem ao se tentar subverter de maneira esdrúxula o papel de mulher fatal supostamente burra de Lorelei (Pamela Stephenson), que apesar de seus trajes sumários fala sobre a obra de Immanuel Kant, em um monólogo tão pueril que chamá-lo de argumento acaba por ser superestimado.

    Não há motivação válida para Wester e Gorman quererem a derrocada de Superman, nem razão plausível para esse filme ter sido finalizado e lançado ao público. Em tudo que se propõe ele falha, pois não é nem uma aventura escapista interessante, nem uma comédia descompromissada válida, e muito menos um filme épico. As discussões a respeito do petróleo e de como a questão afeta os menos abastados é patética, tanto quanto o drama da Lang, ao ser perseguida pelo inconveniente galanteador Brad Wilson (Gavan O’Herlihy), ainda que nenhum desses aspectos cause mais vergonha do que o escurecimento da paleta de cores do uniforme do Super-Homem e sua barba por fazer, que é a mostra de que sua postura mudou para a de um cara malvado. Nenhum maniqueísmo de época é capaz de suavizar a péssima escolha deste tipo de arquétipo.

    A luta mental interna, ocorrida no ferro velho, entre a versão malvada e a tacanha e tímida de Clark Kent exige de Reeve uma atuação mais esmerada, fator que soa como piada ainda maior dada a péssima construção de tensão, diálogos e da arte conceitual. Há até o trabalho da face ruim em retirar com cuidado os óculos do repórter, para logo depois esmagá-los em uma negação de sua própria identidade, que seria interessante em essência, não fosse a imbecilidade de sua condução.

    A batalha de mísseis, acompanhada de uma simulação de vídeo game, é tão ruim que basicamente credencia toda a ideia do que viria a ser o quarto capítulo da saga, já longe da chancela da Warner. A ideia da máquina inteligente, com ódio pessoal do Superman, é um deboche terrível da figura de Brainiac, que seria o vilão em uma das versões do roteiro. Os 124 minutos parecem uma eternidade, dada a completa falta de ritmo e carga dramática presente nos eventos contados no longa-metragem.

    O embate entre o gênio do humor e um ícone americano retirado dos quadrinhos resulta em um filme sem alma, que faz troça da carreira anterior do personagem no audiovisual e se presta a momentos vexatórios com interferências humorísticas de monumentos estrangeiros, o que, em suma, resume o texto paupérrimo que baseia este Superman III, desnecessário em cada segundo de exibição.

  • Crítica | Dois Amigos

    Crítica | Dois Amigos

    Dois Amigos - poster

    Em determinada cena de Dois Amigos os protagonistas se infiltram em um set de filmagens como figurantes. Há a gravação de uma rebelião de estudantes revolucionários, com direito a fogo e hastear de bandeiras. É possível ouvir a fúria e expectativas dos jovens atores por um futuro melhor, talvez porque não estivessem atuando. E é assim que o diretor quer que seja. Com a veracidade de todos, as emoções compõem aquela juventude. Mas o que há além de pirotecnias e barulho quando não há nada realmente sendo dito?

    Dois homens e uma mulher desenvolvem um estranho relacionamento de “triângulo amoroso”. Entre os membros do elenco: Louis Garrel. E não, não é uma sinopse rasa para Os Sonhadores de Bernardo Bertolucci, mas o primeiro longa-metragem dirigido por Garrel e roteirizado junto com seu amigo Christophe Honoré, que já dirigiu e escreveu outros filmes com atuações de Garrel, como Canções de Amor e Em Paris. É de uma estranha coincidência o longa ressoar o filme mais famoso de Garrel como ator. Mais estranho ainda devido a sua abordagem e progressão de uma história que tem a beleza e as vezes até inocência dos jovens revolucionários, assim como sua visceralidade, que, porém, demonstra um discurso pseudo-progressista.

    Vincent (Vincent Macaigne) se apaixona perdidamente por uma barista da estação de trem. Barista essa com quem já saiu para beber algumas vezes, Mona (Golshifteh Farahani), mas, por motivos que não sabe, não houve retorno. Ele decide, então, pedir ajuda a seu amigo Abel (Louis Garrel) para conquistá-la. O principal conflito é que Mona é presidiária e precisa seguir estritamente as regras do presídio no que diz respeito aos horários de saída e chegada. Esse fato não é sabido pelos rapazes, até porque ela não tem interesse de falar sobre. Eles não se importam em perguntar a ela sobre seus interesses e objetivos, mesmo quando Mona não se mostra interessada. Eles a tiram de sua realidade e a colocam à força em uma jornada pelas ruas da cidade para que pense melhor a respeito de Vincent. Fazem isso visivelmente contra sua vontade.

    De acordo com Abel, “quando uma porta vai fechar você deve meter o pé! ”. Tal frase já denota um dos motivos do pseudo-progressismo do filme. O outro é a promoção, por parte de Garrel, de como esse seria um filme que lidaria com relações “poliamorosas” de forma a introduzir o público a outras realidades; o que não se sucede. Somente seu personagem parece ter uma vida com várias mulheres e ocasionais homens, mas isso não é suficiente para a revolução prometida. Há somente um filme sem estofo suficiente para atingir seu objetivo, ainda que lampeje aqui e ali.

    Os personagens masculinos agem de forma misógina enquanto se disfarçam com o véu dos sentimentos puros e amorosos. Só importa o desejo dos românticos, o daquele que quer ter seu “feliz para sempre”. E até se poderia dizer que assim são realmente os personagens, talvez como uma crítica social aos “homens desconstruídos” e “vanguardistas”, mas não é essa luz que se coloca sobre eles durante o filme, o que torna a mensagem dúbia e danosa. O trio se organiza em dois homens quebrados e egoístas a seu próprio modo, detentores do “direito por amor”, e uma mulher segura de si, que é capaz de se recompor mesmo após se despedaçar; capaz de beijar sem amar. Há então uma dinâmica entre eles que se mostra de forma fluida e bem construída, especialmente devido à naturalidade das atuações. Destaque em especial para Mona e sua cena de dança, que demonstra com contexto e movimentos as complexidades de sua personagem, mesmo sem palavras.

    Em questões técnicas o filme não deixa a desejar, na verdade é o que melhor faz. Garrel apresenta conhecimento técnico tanto em composições de cena como na direção de seus atores, ainda que o problema seja a maneira de abordar profundamente temas complexos. A fotografia ressoa a introspecção dos personagens, geralmente em tons escuros vibrantes, assim como a trilha sonora. A montagem, por sua vez, ordena-se com as aventuras de cada um deles e o conjunto, não dando mais atenção a qualquer um. O final poderia ser poderoso supondo um desenvolvimento que não desse margem para ser “cômico”.

    Louis Garrel estreou com capacidades técnicas e personagens relacionáveis, ainda que com apresentação e evolução duvidosa. Mostra capacidade para desenvolver uma história, ainda que esse fato não seja certeza. Assim como seu personagem, Abel, o público é deixado sem realmente uma conclusão que indique um veredito sobre o que presenciou. Quando se segue uma promessa de protesto revolucionário, é preciso mais do que grito e fogo.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Cloverfield: Monstro

    Crítica | Cloverfield: Monstro

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    Produzido por J. J. Abrams e sua Bad Robot, o filme de Matt Reeves – que futuramente faria Planeta dos Macacos: O Confronto – tornou-se um pequeno clássico instantâneo, por dar prosseguimento ao novo exploitation do segmento found footage (câmera em primeira pessoa). Os 84 minutos de Cloverfiel: Monstro se preocupam em manter viva a sensação de que o filme exibido é na verdade uma fita particular encontrada nos arquivos da Segurança Nacional, o que ajuda a montar o caráter pseudo real do longa-metragem.

    As primeira cenas mostram detalhes da rotina de Hudson ‘Hud’ Platt (T.J. Miller), que começa a registrar a despedida de seu amigo Rob Hawkins (Michael Stahl-David), o qual está prestes a deixar Nova York para se mudar para o Japão. Para louvar sua saída, o sujeito chama os amigos mais próximos para uma reunião na qual desabafa parte dos sentimentos complicados que teve por cada um deles, momentos registrados por seu inconveniente colega. Um evento cataclísmico ocorre na cidade, causando agitação e pavor em seus habitantes, com destruição de muitos dos símbolos nacionais.

    O estudo da humanidade praticado por Reeves é curioso, em especial na cena em que há a queda da cabeça da Estátua da Liberdade, mostrando em 2008 as pessoas se aglomerando em torno dos destroços para fotografar o artefato, dando vazão à necessidade fútil de se registrar tudo mesmo sob risco de perecer.

    Cloverfield O Montro 2

    Como nos filmes de zumbis, populares desde os anos 60, há a mesma sensação de impotência e de inevitabilidade da morte. Os sobreviventes se aglomeram e a sensação agorafóbica aumenta graças ao estilo de filmagem com câmera na mão e edição de som, que focaliza a destruição dos pontos locais, e ao suspense proveniente de visão restrita apenas aos olhos de Hud, e não do todo.

    As saídas que os poucos amigos que restaram, e que envolvem adentrar os esgotos e registrar os fatos por câmera, passam a ser uma necessidade. O desconhecimento dos personagens sobre os fatos ocorridos no externo faz temer não só a si próprios, mas também quem os acompanha, mesmo com pouca informação de seu passado, fato que faz universalizar as questões, já que cada um dos personagens genéricos poderia ser facilmente substituído pelo público.

    Cloverfield se vale muito do fator cinema, desde o isolamento e espetáculo individual, típicos da sétima arte, até a acústica das salas de exibição. É evidente que o plano sequência não é real, e sua continuidade se dá através de cortes bruscos nas sombras, nas pausas de respiração dos personagens e na tentativa fútil de fugir do destino terrível que aguarda os jovens que estavam em Manhattan.

    A sensação de que a morte se aproxima rivaliza com a claustrofobia inerente à sensação provinda da movimentação da câmera. O conjunto de sensações faz imergir o público, que viaja junto com os condenados à morte. O roteiro de Drew Goddard é simples e evoca o senso de sobrevivência que é comum a qualquer plateia, independente de língua, credo ou raça. Ao final, são mostradas cenas do casal que teria de se separar por causa da viagem, em um momento de ternura, momento ironicamente interrompido pelo evento do monstro que destruiu a cidade e fez lembrar do trauma de 11 de setembro.

    Compre: Cloverfield: Monstro

  • Crítica | Conspiração e Poder

    Crítica | Conspiração e Poder

    Conspiração e Poder

    Os meios de comunicação se modificaram na década anterior com a rede virtual, possibilitando que qualquer pessoa em potencial noticiasse sobre um acontecimento presente. Mesmo que a divulgação de uma notícia esteja ao alcance de todos, o jornalismo como profissão permanece como veículo de denúncia, registrando fatos e apresentando reportagens eficientes para gerar opinião pública. Um bom corpo editorial ainda é capaz de trazer à tona assuntos polêmicos, ainda que seja notável um interesse empresarial além da divulgação de uma notícia, fator que mantém seus profissionais entre idealistas e desencantados.

    Em tempos em que o espaço editorial e opinativo se torna restrito, com grandes redes apenas noticiando fatos e sendo replicadas por periódicos de menor circulação, o jornalista e sua equipe são protagonistas para fundamentarem uma notícia, apurando fontes e criando uma estrutura coesa e coerente para um furo de reportagem.

    Conspiração e Poder configura a estreia na direção do produtor e roteirista James Vanderbilt, responsável por filmes medianos como O Espetacular Homem-Aranha, Bem Vindo à Selva e O Ataque, e de uma grande obra, Zodíaco. A trama acompanha a produtora Mary Papes da CBS em uma suspeita contra o presidente George. W Bush, que teria utilizado sua influência para não combater na Guerra do Vietnã.

    A trama se desenvolve a partir da composição da reportagem exclusiva para o 60 Minutos com cópias de documentos que comprovavam a denúncia. Conforme as fontes negam a veracidade das informações, a história se aprofunda na destruição da reputação da produtora e de seu parceiro profissional, o âncora Dan Rather. O que deveria se tornar uma reportagem de impacto, potencializando uma queda de popularidade do presidente, que na época concorria à reeleição, adquire maior carga dramática quando os envolvidos são atacados e suas credibilidades discutidas.

    Dois interesses em conflito permanecem em oposição. A prova em si, apoiada pela legalidade ou não, e seu significado intrínseco. Além dos relatórios, há fontes que inicialmente confirmaram a ausência de Bush nas Forças Armadas, evidenciando um interesse político em esconder tal fato, ainda mais considerando a campanha eleitoral (em tempo, o tema também foi destacado no documentário de Michael Moore, Fahrenheit: 11 de Setembro).

    As provas são delicadas. Remetem a documentos antigos e opiniões que devem ser confiados para estruturar um caso e, assim, uma reportagem. Mesmo que consideremos que faltou maior apuro à procura de fontes, a equipe de Papes se transforma em um alvo ao lado da CBS. A empresa decide apurar os fatos e a reportagem, que é apresentada no filme como tendenciosa, para evitar grandes revelações sobre o presidente em comando.

    Se o jornalismo sempre é apresentado em cena com certo idealismo, o roteiro é eficiente em equilibrar a ambição e ética pessoal de uma equipe, em contraposição com uma corporação midiática, esta sim com interesses além da divulgação de notícias como verdade absoluta. A visão é desencantada e abala a editora e seu âncora, cujas reputações foram destruídas no caso, registrando demissão de todos os funcionários envolvidos. Em cena, Cate Blanchett mantém seu alto nível interpretativo, transitando entre a confiante editora para uma vacilante profissional que perde o prazer pela profissão ao reconhecer que a estratégia de sua empresa foi altamente defensiva e não favorável aos seus trabalhadores.

    Em meio a este desequilíbrio, Conspiração e Poder é eficiente em demonstrar as facetas que compõem a profissão, um jogo entre a necessidade da elaboração de notícias, e de certo idealismo, perante a luta de poder que vai além de um mero exercício informativo no qual a política é equação primordial.

  • Crítica | De Onde Eu Te Vejo

    Crítica | De Onde Eu Te Vejo

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    Ana Lúcia (Denise Fraga) é arquiteta. Fábio (Domingos Montagner) é jornalista. Conheceram-se há 20 anos, ao chegar em São Paulo. Ele, vindo do interior; ela, do Rio de Janeiro. Apaixonaram-se pela cidade e um pelo outro. Tiveram uma filha, Manoela (Manuela Aliperti), agora em idade para cursar a faculdade. A história desse casal e a história construida na capital paulista é contada a partir da sua separação, a partir do momento em que Fábio está de mudança para outro apartamento – que fica do outro lado da rua, exatamente em frente ao apartamento do casal.

    Separados, mas não distantes, ambos tem de aprender a lidar com a nova situação, agravada com a ida da filha para Botucatu, para cursar Veterinária. A tal “síndrome do ninho vazio” se intensifica exponencialmente, já que cada um tem de enfrentar a solidão de seu lado da rua. Aliás, equilíbrio é a palavra-chave para o tom do roteiro de Rafael Gomes e Leonardo Moreira, que combina, na medida certa, drama e humor. Não há extremos, e isso facilita a identificação com os personagens e, consequentemente, a imersão na história. Afinal, as situações vividas por eles são tão do dia-a-dia que dificilmente alguém assistirá sem pensar ao menos uma vez “ah, eu passei por isso também”.

    Interessante notar que Ana, tão conectada ao universo enquanto está no âmbito familiar, mostra-se tão pragmática durante seu trabalho. Ao procurar proprietários de imóveis antigos ou abandonados a fim de conseguir um contrato de exclusividade de negociação da propriedade, seu discurso sobre a transformação, a evolução, a necessidade de mudança bate de frente com os pensamentos de cada uma das pessoas abordadas. Desde Yolanda (Laura Cardoso) criando seus pássaros e curtindo o solzinho do final de tarde; passando por uma loja de sapatos sob medida e outra de vestidos de noivas – “Será que o passado da loja, a quantidade de histórias de amor que passaram por aqui não vale um acréscimo no preço do imóvel?”; até Afonso (Juca de Oliveira), dono do prédio do finado Cine Marabá, que o casal costumava frequentar.

    A relação entre a cidade e o relacionamento de Ana e Fábio – o “destruir para construir” –  é bastante óbvia. Várias das memórias afetivas do casal estavam em locais que não existem mais, assim como os sentimentos que os mantinham unidos. É significativo que em dado momento alguém diga a Ana justamente o que ela costuma dizer aos clientes em potencial sobre a necessidade de transformação, de mudança, de encarar o novo. E, enquanto quem está falando pensa no aspecto físico, fica claro que quem ouve, Ana, está pensando no aspecto pessoal. No seu próprio reinventar.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

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    Sem arroubos estilísticos, de linguagem, montagem ou fotografia, a direção sóbria de Luiz Villaça envolve o espectador e o conduz por flashbacks inseridos cuidadosamente, sem excessos e sem melodramas. Contando a história do casal como um amigo conta um causo a outro. Ou melhor, como Ana – quebrando a quarta parede – a conta ao público. E para ajudar a narrar a história, destaque para a cenografia no apartamento do (ex) casal. Além de ser um daqueles apartamentos em prédios antigos, com pé direito alto, sala ampla, grandes janelas, percebe-se o cuidado com que foi preenchido com objetos adquiridos – ou ganhos – durante a vida de casados e que, em certos momentos, são motivos óbvios de discussão sobre quem fica com o quê.

    Vale destacar o elenco. Tanto a sinergia entre Denise e Domingos, quanto as participações dos coadjuvantes – pequenas, mas bastante significativas, enriquecidas pelo talento de Juca de Oliveira e Laura Cardoso, Marisa Orth e Fulvio Stefanini.

    De Onde Eu Te Vejo é uma declaração de amor à cidade, e uma constatação da necessidade de lançar-se em novas empreitadas sem deixar as lembranças de lado.

  • Crítica | Rua Cloverfield, 10

    Crítica | Rua Cloverfield, 10

    Rua Cloverfield 10

    Localizada em uma versão paralela, que pode ou não ter ligações diretas com seu primo de nome Cloverfield: Monstro, a nova produção de J. J. Abrams chega às telas para estabelecer mais possibilidades dentro desse presente distópico e pouco otimista visto no capítulo de 2008. Rua Cloverfield, 10 começa na esteira de seu estiloso trailer recente, usando a música para estabelecer as lacunas de intimidade ainda não mostradas no ínterim da jovem interpretada por Mary Elizabeth Winstead, com a trilha sustentando uma falsa realidade melodiosa forte.

    Winstead interpreta Michelle, uma moça confusa, que foge de seu relacionamento anterior por sentir-se pressionada. No caminho da fuga, um acidente ocorre, cena que coloca a prova o talento de Dan Trachtenberg em momento interessante, violento, muito bem filmado e que casa quase a perfeição com a edição de som. A moça se vê cativa, e para manter vivo o mistério, são mostradas poucas imagens do tal agressor, deixando que o som produza o horror, que aos poucos se torna uma sensação dupla, semelhante a Síndrome de Estocolmo.

    Com o desenrolar dos fatos, a trama deixa qualquer maniqueísmo de lado, mostrando que a presença da mulher é motivada por uma causa externa forte, já que algo parece ter envenenado a população do lado de fora. Com isto estabelecido, o argumento se dedica a construir um personagem dicotômico, Howard (John Goodman), um adorável psicótico, sendo altruísta o suficiente para salvar desconhecidos e insano ao ponto de manter cativos aqueles que não querem permanecer em seu bunker anti fim do mundo. Outra figura que habita o esconderijo subterrâneo é Emmett (John Gallagher Jr.), que já conhecia o dono do endereço na rua Cloverfield, antes inclusive do ingresso de Michelle no local.

    Ao menos neste começo, o roteiro de Damien Chazelle, Josh Campbell e Matt Stuecken desenvolve bem a ambiguidade, adocicando a figura do agressor para causar no espectador a mesma sensação de dúvida que a protagonista tem, antes mesmo de ganhar um nome. O filme aos poucos deixa de ser um objeto despretensioso para se tornar um louvor a paranoia, valendo-se de um sentimento típico dos que vivem nos Estados Unidos, como eco da Guerra Fria, onde a razão é a lei de um sociopata convicto e senhor de seus domínios totalitários.

    A sensação de conforto aparente ajuda a esconder a total falta de privacidade dos confinados, o que ajuda a ligar o público com o filme, ainda mais em tempos em que reality shows são tão populares. A harmonia entre um filme sobre a obsessão humana e um objeto de atomic horror também soa interessante, gerando um confronto de sub gêneros que poucas vezes acertou tanto quanto neste, inclusive na quantidade tímida de gore dedicada ao longa.

    O final soa conveniente, principalmente nos seus onze minutos finais, onde as capacidades da personagem principal são elevadas a um nível quase heroico, e onde suas habilidades de improviso também são supervalorizadas. Não há qualquer problema na exposição da catástrofe, nem com as semelhanças deste Rua Cloverfield, 10 com a série Falling Skies, mas os pecados seguem vivos, quando se trata das soluções fáceis e da perícia adquirida a partir do acaso, incluindo nesta algumas convenientes vitórias de uma raça supostamente inferior e sem preparo para outra invasora. Ainda assim, as manifestações dos monstros, previstas no material de divulgação é muito bem explorada, de um modo que faz o conteúdo desta versão ser muito superior a produções semelhantes.

  • Crítica | Deuses Do Egito

    Crítica | Deuses Do Egito

    Depois de um começo de carreira promissor, seguindo os dois estilosos longas de estreia O Corvo e Cidade das Sombras, Alex Proyas colecionou altos e baixos em sua filmografia, desde malfadadas adaptações de Isaac AsimovEu, Robô – até filmes risíveis, estrelados por Nicolas CagePresságio. Quando surgiu a ideia de adaptar a mitologia egípcia para um estilo semelhante ao que fizeram com a refilmagem de Fúria de Titãs, seu nome foi aventado e prontamente recebido, ainda que isso não tenha garantido a Deuses do Egito qualquer sobriedade.

    A história se passa em tempos clássicos, ignorando a óbvia questão inerente à cor da pele dos homens e mulheres do Egito, que só permitem ter a pele mais morena em alguns camponeses e serviçais, salvo raras exceções. A jornada comum cabe a Bek (Brenton Thwaites), um rapaz jovem e apaixonado, que habita um lugar com faces vivas de todos os deus clássicos. Logo é mostrado Horus (Nikolaj Coster-Waldau), uma divindade de gostos populares incluindo aí a predileção por mulheres de decotes bastante generosos.

    Próxima da coroação de Horus como rei, a cerimônia é interrompida por seu tio Set (Gerard Butler), que se apresenta como um homem honrado, ainda que sua postura conciliadora dure pouco, já que há uma alta traição de sua parte que fere mortalmente Osíris (Bryan Brown), provocando neste protagonista uma fúria imensa. Os problemas do filme se manifestam com maior força neste ínterim, excluindo é claro as inconveniências estéticas, já que as soluções soam muito fáceis, com consequência fúteis para questões que deveriam ser complexas, como a tomada de poder por um tirano, a qual é assistida por uma multidão pronta a aceitar as ordens de qualquer um, dada a letargia de seu povo.

    A tentativa de aproximar os seres poderosos de meros mortais em essência é uma boa ideia, mas sua execução tropeça em erros básicos, como a composição da corte real e total ignorância em relação aos hábitos e costumes da civilização retratada, em especial pelas duas figuras femininas principais, Zaya (Courtney Eaton), a amada de Bek, e Hathor (Elodie Yung), antiga amante de Horus, que só fazem expor sua carne, seja em quaisquer de suas atividades corriqueiras, incorrendo em uma ofensa ao estilo e roupas da época, algo que não foi visto sequer nos filmes das múmias e em Cleópatra, ainda que estes sejam passados em época diferentes deste longa.

    Também há o agravante de que os ambientes em CGI e efeitos práticos funcionam em alguns pontos da trama e em outros não. A transformação em peças de combate é ruim, mas até pode ser relevada em alguns pontos. Porém, as lutas coreografadas com bonecos digitais do medievo, ou escorpiões sem a mínima textura, fazem toda a suspensão de descrença se tornar algo monumentalmente terrível, ao invés de ser apenas uma fuga da incredulidade.

    Os eventos contidos no argumento de Burk Sharpless e Matt Sazama são genéricos, tanto que serviriam em um ambiente moderno de caça a feiticeiras – como em O Último Caçador de Bruxas – ou em uma remontagem de Vlad, o Empalador – assim como Drácula: A História Nunca Contada.

    O reclame de Proyas em relação às críticas negativas que recebeu é injusto, mas não surpreendente, visto o deslocamento da realidade que o mesmo sofreu ao dar sequência a sua carreira. Seu filme causa exaustão pelos erros crassos de roteiro e por ter uma duração grande demais para uma aventura descompromissada, além de habitar um limbo entre ser um produto extremamente caro e ainda tencionar uma aventura escapista e sem amarras com realidade ou coesão textual.

    Os reviews negativos não ocorrem por moda, e sim pela clara falta de qualidade e identidade de Deuses do Egito. O público habitual de Transformers, Piratas do Caribe, Velozes e Furiosos e demais franquias semelhantes talvez não se choque com os problemas de concepção, e é esse tipo de cinema que a carreira recente de Proyas abraça. Por isso, é comum que a crítica especializada o espanque, acima de suas próprias reclamações.

    A fotografia de Peter Menzies Jr. ambiciona muito e entrega pouco, atrapalhada por uma arte trôpega e repleta de efeitos especiais que primam pelo preciosismo. Talvez o único motivo real para assistir ao filme seja no sentido de conferir a performance de Elodie Young em um blockbuster, antes dela encarar Elektra na segunda temporada de Demolidor, como havia ocorrido com Henry Cavill, em Imortais, filme o qual muito se assemelha a essa obra.

    A intenção de ser épico não é atingida em nenhum grau, nem nas lutas, que são bastante anticlimáticas e óbvias, tanto em relação ao resultado final, quanto no desenrolar da ação. Se a intenção do diretor e produção fosse produzir um filme de efeitos especiais, cuja qualidade é discutível, Deuses do Egito acerta em cheio, já que o sucesso de público não foi estrondoso, com arrecadação pífia em suas primeiras semanas. Ecos da falta de qualidade do filme, além de quase sepultar a intenção da Lionsgate em transformar isso em uma franquia.