Categoria: Cinema

  • Crítica | Straight Outta Compton: A História do NWA

    Crítica | Straight Outta Compton: A História do NWA

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    Straight Outta Compton: A História do N.W.A. era um dos filmes mais aguardados pelos fãs de rap e de música alternativa em geral dos últimos anos, e conseguiu entregar o que prometeu: a cinebiografia de um dos principais grupos da história do hip-hop.

    Na metade dos anos 80, cinco jovens da cidade de Compton, Califórnia, se juntam e fundam o grupo de hip-hop N.W.A. e acabam se destacando no meio do cenário local, e depois nacional, com a proposta de músicas mais realistas, que retratam a rotina violenta das gangues e do tráfico de drogas. Assim nascia o gangasta rap.

    O roteiro de Jonathan Herman e Andrea Berloff, baseado na história escrita por ela, Alan Wenkus e S. Leigh Savidge, preferiu seguir a ordem cronológica dos eventos que levaram a formação do grupo de rap e o consequente sucesso local e nacional. No entanto, faltaram mais informações para ajudar na contextualização e dar ao espectador uma melhor compreensão da origem do N.W.A., de como eles se conheceram até o sucesso consolidado, entender como funcionava aqueles bastidores. As informações são brutas, jogadas. Faltou lapidar, deixar o roteiro mais didático. É nítido o descaso com a narrativa no início até a metade do filme. Uma ou outra cena também podem incomodar por causa do maniqueísmo desnecessário que acabou por dar um tom panfletário, como na cena da abordagem no estúdio de gravação e quando a polícia interdita o show.

    O roteiro evolui bastante quando começam as desavenças internas e Ice Cube e Dr. Dre deixam o grupo, enquanto Easy-E tenta segurar os outros junto do empresário. A ruptura através do bom personagem do Suge Knight e os bastidores da Death Row ajudaram a elevar os conflitos, e as rápidas aparições de Tupac e Snopp Dogg deram um ganho substancial de qualidade ao filme. Apesar de centrar boa parte da narrativa na figura de Easy-E, um grande acerto foi não criar protagonistas, deixando o grupo como um personagem enorme e disforme, um Frankenstein cheio de conflitos. A conclusão foi satisfatória: a morte de Easy-E não representou somente a morte do grupo, mas sim de uma era. O gangsta rap precisava acabar ali para evoluir e evoluiu.

    CapturaaaaaaarOs atores que interpretaram e os integrantes reais do N.W.A. Mais informações aqui.

    Nenhuma das atuações foi memorável, porém nenhum ator comprometeu o personagem em algum momento. O filme poderia ter um bom diferencial dramático, mas acaba preferindo se segurar no roteiro. Dos destaques, O’Shea Jackson é a cara do pai, Ice Cube, e o bom Paul Giamatti consegue dar qualidade sempre que aparece.

    Como diretor, F. Gary Gray podia ter exigido um melhor tratamento para o roteiro. Seu domínio da narrativa visual não condiz com o material que recebeu, e o resultado final acaba ficando incompleto. Faltou uma direção de atores mais atenciosa. É nítida a sua negligência com o elenco principal.

    A fotografia levemente estilizada de Matthew Libatique ajuda na retratação da época. O ótimo fotógrafo, de filmes como Cisne Negro e Réquiem Para Um Sonho, conseguiu dar qualidade à obra nas cenas de festas e dos shows.

    A edição de Billy Fox e Michael Tronick poderia ter cortado cenas desnecessárias, e dar mais ritmo ao filme teria tornado-o melhor. No geral, a edição foi satisfatória: como a fotografia, ela se destaca nas cenas de festas, de shows e nas cenas da Death Row.

    Straight Outta Compton: A História do N.W.A. vale a pena para quem é fã do universo musical. Para quem gosta de rap, é essencial. Apesar das críticas, o filme acaba funcionando no quadro geral.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Reza a Lenda

    Crítica | Reza a Lenda

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    A estreia de Homero Olivetto como diretor é bastante curiosa. Seu background é como roteirista, e sua obra mais conhecida anteriormente era Bruna Surfistinha, de Marcus Baldini. Reza A Lenda tem uma ligação extrema com o filme já citado, não em temática, mas em produção, já que Baldini é um dos produtores do longa-metragem. A comparação mais justa é com o recente Dois Coelhos, de Afonso Poyart, no sentido de tentar emular uma estética pouca vista no cinema nacional e utilizada sem restrições no cinemão comercial. O roteiro de Olivetto, Patrícia Andrade e Newton Canitto explora o estigma de uma terra sem lei, onde há uma temível luta por sobrevivência por parte de um grupo de jovens que busca trazer a chuva para as áridas paisagens do nordeste interiorano brasileiro. Segundo o mentor e líder Pai Nosso (Nanego Lira), baseado em profecias antigas, as torrentes de água só viriam por meio de um milagre, de uma santa localizada em um ponto desconhecido, sabido somente por um mago do deserto chamado Galego Lorde (Júlio Andrade). A missão de Ara (Cauã Reymond) e seu grupo de motoqueiros é intervir junto ao bruxo e seguir as estranhas instruções dele.

    A gravidade está na posse do ídolo, uma vez que o artigo é um souvenir do poderoso coronel Tenório (Humberto Martins), um tradicional manda-chuva da região, violento e autoritário ao extremo. Durante o percurso da jornada, o grupo de motoqueiros que acompanha Ara se vê em posições complicadas, repletas de contravenções, raptos e atos de moral discutível. Nesse ínterim, eles tomam como refém a jovem e bela Laura, vivida por Luisa Arraes, o que causa ciúmes na personagem de Sophie Charlotte, Severina, mulher do líder do bando.

    A ambientação no sertão nordestino e o figurino de maltrapilhos dos personagens fazem o longa ter algumas semelhanças imagéticas com a franquia Mad Max, comparação essa fortificada pelo clima apresentado no trailer. Já nas primeiras cenas de ação o estigma é contrariado, uma vez que a situação de caos não parece ser global, e sim localizada em um pequeno trecho daquela paragem, fazendo daquele lugar quase como uma pátria independente, esquecida por Deus, pelas autoridades e pelos forasteiros. A boa intenção de produzir tal isolamento esbarra num montante de sotaques mal construídos, forçados ao extremo, parecidos com a multiplicidade inexistente no repertório de ator de Tony Ramos, maximizado e distribuído por quase todo elenco. Poucas atuações passam impunes a isto, exceção, claro, a Nanego Lira e Jesuíta Barbosa.

    O longa consegue driblar a possível imitação barata produzida pela expectativa pré-filme, mas se perde em um amontoado de clichês e ideias bobas de argumento. A base dos problemas locais é real e a discussão poderia se aprofundar, mas não há harmonia entre o curioso modo de contar a história e a real problemática da região nordestina, que há anos sofre com o estado de secura e dificuldade de irrigação de plantações e demais instalações rurais.

    Somente fugir do fiasco é pouco para um produção que buscava ser um diferencial no circuito brasileiro mainstream, no entanto a qualidade da fotografia e a direção de arte fazem salvar um pouco o todo de Reza A Lenda, que evolui o conceito de filme de gênero tentado por Operações Especiais, principalmente por não conter um sub-texto tão risível e preconceituoso. A trilha sonora prejudica também a imersão na história e o acréscimo do fator fé é mostrado de modo bobo, causando risos ao invés de gerar empatia no drama dos personagens. A direção de Olivetto é competente, o que gera expectativas sobre seus futuros trabalhos, fazendo desse o aspecto mais positivo da produção, sem dúvida, além é claro da atuação de Martins, Andrade e de Lira.

  • Crítica | Pasolini

    Crítica | Pasolini

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    Há uma conexão peculiar a ser observada entre os cinemas de Pier Paolo Pasolini e de Abel Ferrara. Pasolini, cria da segunda geração do neorrealismo italiano, inicialmente poeta, seguia o que chamava de cinema de poesia, onde filmava símbolos, ideias, referências e ideais com pouco compromisso com a realidade, preservando as regras do jogo de sua própria razão, alternando entre o lírico e o lúdico para questionar os elementos sociais italianos. Tal ideologia o levou a filmar disparidades, de Saló ou 120 Dias de Sodoma até Édipo Rei, e de alguma forma todos pareciam se completar e complementar naquele universo “pasolinesco” criado pela figura complexa que foi Pasolini, um dos grandes cineastas da Itália nos anos 70, que encontrou seu fim trágico em um assassinato bárbaro em 1975.

    Em contrapartida, Abel Ferrara surge no underground dos anos 70, profissionaliza o cinema policial nos 80 e se consolida como um dos grandes cineastas dos anos 90 através dos viscerais O Rei de Nova York e Vício Frenético, onde se preocupa em emergir naquelas que se tornariam a maior característica de seu cinema: o pecado e a redenção. Usando das duas pulsões inatas a qualquer ser humano, o cineasta meio americano, meio italiano sempre tenciona uma implicância em seus filmes. Por seus olhos, todos somos capazes de andar por dois caminhos estritamente opostos onde todos tentam sobreviver às tentações e se libertar de qualquer grilhão. Há uma fé componente no cinema de Ferrara, mas nenhum dogma. É uma linha tênue existencialista, com filmes muito mais focados nas escolhas do que na predestinação característica.

    Ser homem é vasto e perigoso. É um tratado em que Pasolini e Ferrara pensam de forma igual. Se o cineasta italiano naturalmente filmava a prazerosa entrega ao desejo com o horror perverso do autoritarismo e do moralismo e só por si já era um flutuante por entre movimentos políticos e círculos intelectualistas, nobrezas e periferias, um saudoso provocador que encontrava preciosidade em fazer com que moralistas fossem para suas camas com olhos estalados, cutucando o povo e os fazendo (se) questionar, sendo o 8 ou 80 do “ame ou odeie”, então não há nada estranho que o encontro entre os dois cineastas acontecesse sem qualquer estranhamento. Na quarta colaboração de Abel Ferrara com Willem Dafoe (que encarna Pasolini), todas as polaridades do italiano são expostas. De um lado, temos as últimas horas do cineasta em sua autodestruição. Do outro, vemos o que seria o futuro: um novo filme após Saló, com Eduardo de Fillipo e o ator fetiche Ninetto Davoli.

    Não por motivo qualquer, a cinebiografia carrega um tom que parece ensaiar o diretor italiano. Inicialmente, o projeto de Ferrara era tão afundo na obra de Pasolini que o cineasta era mera inspiração para um filme estrelado pela atriz e roteirista Zoë Tarmerlis Lund, que interpretaria uma diretora vivendo da mesma forma que Pasolini. Seria a segunda parceria com o diretor americano. Anteriormente, a atriz já havia trabalhado no roteiro de Vício Frenético. O projeto foi frustrado pela infeliz morte da atriz. Dados os fatos, o filme assume uma narrativa episódica, recheada de momentos que não se enveredam pela história principal, mas partem dela para criar momentos delirantemente visuais em algum tipo de homenagem ao cineasta italiano, usando de algumas das marcas registradas do diretor, como os atores-fetiche, narrativas simbólicas e histórias deslocadas dentro de histórias. Se estende uma série de parábolas “pasolinescas”.

    Ferrara vai atrás de um Pasolini caseiro, que acaba de chegar de sua viagem. Um Pasolini que reencontra família e amigos e que, em momento algum, veste a casaca do gênio ou do maldito. É um homem coloquial, seguindo sua história coloquial, com sua acalorada simplicidade de estar no mundo. Um homem como qualquer outro e, ao mesmo tempo, único. Após uma entrevista incompleta sobre Saló e uma advertência familiar para que pare com as polêmicas cinematográficas provocativas,, ganha sua queda pelo garoto de programa que, momentos depois, assassina o diretor com mais um grupo de homofóbicos. Pasolini em todo tempo se mostra sincero no que deseja e ácido no que questiona, tomando rumos próprios com coragem e com uma intolerante e variável rotina. Torna-se a dizer mais uma vez: Pasolini era um homem comum, mas, ao mesmo tempo, único.

    Pasolini, como o próprio dizia, vivia de impulsos. Dizia não para si mesmo e não para o povo. Há uma recusa de qualquer drama fácil, de qualquer transgressão didática em nome de uma necessidade de um filme realista, que choque o público ao mostrar o choque da expressão contra a repressão quando o artista expõe sua obra. Entretanto, o medo da repressão nunca impediu nem Pasolini nem Abel Ferrara. Não há, em momento algum, uma separação entre carne e espírito e fantasia e realidade. Há apenas Pasolini sendo quem é. E Pasolini, antes de ser qualquer obra de homenagem, é um discurso. Um discurso onde Ferrara fala sobre sua mais íntima criação em sua obra estritamente intimista.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Crítica | Últimas Conversas

    Crítica | Últimas Conversas

    últimas conversas

    Invadir a privacidade alheia feito hospedeiro foi a sina de Eduardo Coutinho, compartilhada num mangue de estórias por nós; cúmplices. Muitos, hoje em dia, de vlogueiros a cientistas sociais, defendem que a privacidade deve, repito, Deve ser invadida (como vem sendo) para estreitar nossas laços e fazer das relações uma tela de cinema, exímia janela aberta que é (entre pessoas bem-intencionadas, detalhe). Mas caso o tal do privê seja assim, tão importante, tocando até nas vias do sagrado, Coutinho, nosso fotógrafo de almas, quebrou a quarta parede desde sempre, investigando até o fim e as facadas que recebeu o ser humano brasileiro (Cabra Marcado para Morrer), o que o move (Edifício Master) e o que alimenta (Um Dia na Vida, Canções e Peões, entre outros), virando famoso, ou celebridade anônima, por ser o menino xereta de cabelos brancos que sabe usar a curiosidade em prol de vasculhar as solitudes, mazelas e as putarias que causam ao Brasil o mérito delator de ter, entre seus melhores filmes, vários do cineasta assassinato no polimento de sua última lupa social: As Últimas Conversas d’O cara. Quem não queria narrar sua vida pra ele?

    Eu queria, mas minha vida é chata, desinteressante, normal, e ao saber disso, o cara faria abrir minhas experiências com a fúria de uma câmera IMAX na minha cara. Nos ensinou que não existe normalidade quando a mesma é filtrada pela “lupa de Coutinho”, remetendo pela metáfora ao ditado popular que Todos somos loucos, se olhados mais de perto… É que o importante à ele não era respeitar, mas tornar público, no limiar das funções da arte a realidade de um povo, usando como objeto o Cinema. Essa era a função do artista, potencializada nas vias da encenação no extraordinário Jogo de Cena, peça-chave e obelisco do Cinema mundial dos primeiros anos do séc. XXI – aula impreterível do sábio numa ação de glorificar imagens, sons e a palavra bem vivida.

    Nós não queremos que o filme acabe, simples. Se o que faz do homem comum um homem comum pode ser filmado, Coutinho tal Orson Welles grava em retrato e cinefilia a matéria-prima de um conjunto da obra que carrega, em cada exemplar, um testamento diferente. Não encaremos Últimas Conversas como obituário, dado que recolhe as visões de jovens brasileiros num terceiro mundo que desafia suas mentes globalizadas. Um genuíno ponto de partida, como todos os filmes d’O cara, bicho curioso que enquanto escrevo, não demora a perguntar pra São Pedro quem tem a culpa do aquecimento global aqui embaixo. A gente adorava as respostas do vovô. Os casos de outrora, eternizados por uma câmera eternizada por seu mestre. No dicionário de Coutinho, conclusão era reles verbete mudo. Sendo assim, ao arqueólogo do involuntário o caminho é a chegada.

    Falar de Últimas Conversas é discutir Moscou e remeter a Teodorico, o Imperador do Sertão e Jogo de Cena, de novo. Porém, o último de Coutinho nos reserva um sentimento de perda e novidade exalantes. Novidade devido ao admirável mundo novo que todo adolescente traz, dentro de si, alguns olhando para o mestre como se estivessem diante de um monge, outros para uma relíquia ultrapassada tentando entender o presente. E perda, pois os créditos finais logo vão subir depois de 90 minutos e… fim. São as Últimas Conversas! Seus registros, tão autênticos, consumidos por uma licença poética e delírio do que se extrai do audiovisual e inerentes ao ser, e forma estética. Relatos crus, mas olhando bem, apenas em sua essência, posto que jamais são no trajar mais refinado que sempre os permeia (no caso, uma montagem que expande os sentidos e não resume nada!). Coutinho era fera ferida, mas masoquista, graças a Deus. Por tudo isso, daí vem a birra do artista com a ficção, cozinhada e açucarada demais, a ponto até de perder aquele tal do caráter virginal e cru de suas obras pueris, e pueris como só.

    E quem não queria narrar sua vida a Coutinho?

    Tarde demais.

     

  • Crítica | As Sufragistas

    Crítica | As Sufragistas

    As Sufragistas - Poster

    Na história das civilizações, os domínios de poder sempre foram associados aos homens, fazendo da mulher um habitante de um universo paralelo, ambos unidos apenas na composição da sociedade. Diante destes papéis, a luta feminina por uma voz igualitária eclodiu em diversos momentos conforme o desejo da época: a procura de salários igualitários, presença na sociedade pelo voto e outros temas atuais comprovando a necessidade constante desta discussão.

    Dirigido por Sarah Gravon, As Sufragistas é lançado em momento oportuno aproveitando discussões em voga sobre o feminismo contemporâneo, para apresentar um movimento feminino no início do século XX, na Inglaterra, quando um grupo lutou pelos direitos de voto no Reino Unido. Focado na trabalhadora Maud Watts (Carey Mulligan), a trama apresenta o cotidiano da classe operária britânica e a pressão diária enfrentada pelas mulheres, tratadas socialmente como inferiores e cuja remuneração também era menor do que os homens no mesmo posto de trabalho. Mesmo sem formação política, diante de um cotidiano de violência, a moça assume uma postura ativa para combater tais desigualdades e passa a colaborar com o movimento sufragista, marcado por protestos a favor da mulher.

    A roteirista Abi Morgan (Shame, A Dama de Ferro) opta por uma personagem central para representar o contexto da época, tentando fugir de outros filmes históricos que apresentam grandes personagens e falham em sua execução. Porém, a trama não entrega uma personagem forte para representar este importante tema. Mesmo que se compreenda que Watts é uma mulher reprimida e se entenda suas motivações em, a princípio, não querer se envolver com o movimento, as demais personagens que surgem em cena parecem mais ricas dramaticamente, como a líder do movimento Emmeline Pankhurst, na época conhecida suficiente para aparecer pouco em público, evitando a polícia que tentava prendê-la. Ainda que esteja presente no pôster de divulgação, a personagem de Meryl Streep aparece pouco e tem somente uma cena como principal e nem mesmo forte suficiente para causar comoção. Uma participação que parece um chamariz de público – ainda mais considerando suas recentes declarações sobre feminismo e direitos iguais – e que nos deixa a impressão de que se a trama fosse focada nesta personagem histórica haveria maior intensidade narrativa.

    Com uma composição semelhante ao filme Pride, lançado ano passado, sobre os levantes trabalhistas da era Thatcher em simultâneo com a luta por direitos iguais do homossexual, a narrativa se destaca mais por abordar uma época importante do que como um bom filme a respeito. A dramatização de fatos históricos é primordial para o debate mas necessita também de apelo dramático para que se conecte com seu público além da vertente informativa. As Sufragistas funciona como obra que destaca um movimento importante da história mas não se sustenta ao representar este momento. À procura de um didatismo histórico, a trama perde fôlego e força quando deveria comover e ser um símbolo significativo de um período específico.

  • Crítica | Rocky III: O Desafio Supremo

    Crítica | Rocky III: O Desafio Supremo

    Rocky III - blu ray
    Dando continuidade ao arco do amado, querido e agora verdadeiramente ídolo de uma cidade, o pugilista Rocky Balboa começa a enfrentar conflitos pessoas e profissionais. Após as lutas com Apollo e com o lutador de luta livre Thunderlips (Hulk Hogan), em um evento beneficente, Rocky deseja se aposentar.

    No entanto, é desafiado por Clubber Lang, interpretado por Mr.T, um lutador agressivo e desmoralizante, que se torna o maior desafio na carreira de Rocky, até então. Consequentemente, Rocky está afetado pela fama e pelo sucesso recorrente, o que determina sua “aparente” falta de comprometimento aos treinos, acarretando na derrota pra Clubber e na perda do cinturão dos pesos-pesados.

    Nesta continuidade de filmes mais sérios, a terceira parte caminha para uma perspectiva mais sábia. As cenas de lutas permanecem agressivas e ferozes, não havendo passividade e defesa. Além, claro, do triste acontecimento que ocorre após a luta, perturbando Rocky.

    Sylvester Stallone, como sempre, emprega muito carisma e personalidade a seu icônico personagem. A química com Carl Weathers apresenta uma nova interface, desta vez como aliados e iniciando uma reformulação em conjunto. O segundo e terceiro atos são basicamente construídos por seus diálogos e cenas de sabedoria.

    A direção é mais elétrica, se mostrando até um pouco acelerada em alguns momentos, mas sem atrapalhar a montagem das cenas. O uso de uma trilha sonora mais sortida, além da clássica Eye of the Tiger deixa as cenas mais vivas.  O roteiro até mesmo explora o racismo e outras vertentes sociais, mas sem tendenciar, por exemplo, Paulie como preconceituoso maléfico.

    Rocky III é um ótimo serviço de manutenção e glorificação do personagem principal. A partir deste filme, que ele começa a aprender e adquirir uma filosofia que o leva consigo, ensinando outros personagens, e principalmente seu filho, em Rocky Balboa.

    Texto de autoria de Adolfo Molina Neto

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  • Crítica | Resident Evil 4: O Recomeço

    Crítica | Resident Evil 4: O Recomeço

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    Os efeitos em slow motion nos minutos iniciais de Resident Evil 4: O Recomeço já escancaram lastimavelmente que Paul W. S. Anderson voltou à cadeira de diretor apresentando os aspectos muito negativos que lhe são peculiares, especialmente no estilo videoclíptico que imitam porcamente o visual e estilo de Matrix.

    O começo da trama é efetuado por mais um recordatório, tornando claro que os produtores julgam que seu público sofre de amnésia crônica. A ideia de arquitetar um plano com dezenas de clones a uma instalação de segurança máxima é demasiado fraca, só servindo para tornar a Alice de Milla Jojovich em algo menos poderoso. Mesmo voltando a ser humana de novo, a protagonista e heroína de ação consegue sobreviver à queda de um avião. Após a mini odisseia, ela toma um aeroplano e viaja até o Alaska à procura de sobreviventes, sem qualquer explicação mínima, mas somente uma tela preta informando que seis meses haviam se passado.

    Milla volta à sua canastrice habitual. Os personagens secundários são sofríveis, mesmo os que funcionaram bem em Resident Evil 3 A Extinção. As mudanças de personalidade são “justificadas” por uma lavagem cerebral e controle da mente, e por incrível que pareça esses ainda os problemas pequenos. Wentworth Miller faz do seu Chris Redfield um prisioneiro que aparenta ser badass, mas que, diante dos perigos que se aproximam, pouco tem ação. O CG, antes bem feito, volta a ser tosco; parece até ter piorado em comparação com o filme anterior. A desconstrução de Claire Redfiled (Ali Larter) é de uma incompetência ímpar. As situações de perigo se tornaram fúteis mais uma vez, os zumbis pouco ameaçam – mesmo com todos os upgrades, Alice volta a ser intocável, executando exibições de saltos ornamentais dignas de uma gata molhada.

    Resident Evil 4 Recomeço 3

    A desconstrução do que foi visto anteriormente torna-se estranha, por perceber-se o óbvio fato de que o roteiro também era de W.S. Anderson. Entretanto, de todos os aspectos patéticos, o pior momento é de Albert Wesker. Sua palidez mórbida, os óculos escuros – que servem até como arma – e sua falta de talento dramatúrgico são sensacionais, e formam o arquétipo de um dos piores vilões que o cinema já produziu, graças e muito ao desempenho ridículo de Shawn Roberts, que só faz estalar o pescoço e ameaçar Alice. Mas não há como culpar somente o intérprete, que está limitado por um realizador que não parece saber instruir seus subalternos. Wesker é uma amálgama de Neo e Agente Smith, o que deve tornar a figura de Anderson em algo insuportável na roda de amigos ligados aos irmãos Watchowski.

    A batalha final é anticlimática, sem pé nem cabeça, e mesmo após todas as pirotecnias, a Umbrella está firme novamente, pronta para aprontar mais confusões e para infernizar a vida de Alice e do público do cinema. A cena pós-crédito é um acinte, e mostra que nada está tão ruim que não possa piorar mais ainda, encerrando o filme de modo quase tão desrespeitoso quanto Resident Evil 2: Apocalipse.

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  • Crítica | Loucuras de Verão

    Crítica | Loucuras de Verão

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    Trazendo à tona o ideário adolescente estudantil, repleto de descobertas sobre o funcionamento da vida, Loucuras de Verão (ou American Grafitti) é uma produção conjunta da Lucasfilm e Copolla CO, orquestrada por George Lucas quatro anos antes de seu sucesso indiscutível em Guerra nas Estrelas, e que se passa no ano de 1962, tratando com saudosismo o enfoque na década anterior à produção do filme.

    O roteiro de Lucas, Gloria Katz e Williard Huyck mostra jovens no início de suas carreiras amorosas e profissionais, dando vazão a uma ingenuidade típica dessa fase da vida, com um espaço enorme para inocência típica da descompromissada curtição de uma vida ainda não lotada de preocupações ordinárias e rotineiras.

    Loucuras de Verão 5

    A trilha sonora respira classicismo, graças ao caráter de Rockabilly que evoca. Os personagens são genéricos, e as atitudes que tomam para si quase sempre tangenciam pequenos atos de rebeldia, ainda que sejam bastante pueris, como a tentativa de burlar a lei comprando bebidas alcoólicas mesmo sendo menores de idade.

    Uma das obsessões do diretor, largamente exibidas em seu longa, é seu amor por carros, com uma longa exposição de espécimes clássicos, fator este que seria também explorado em outros produtos da Lucasfilm, como Indiana Jones e a trilogia clássica de Guerra nas Estrelas. A miscelânea mostrada é tão bela que se assemelha a uma coleção de brinquedos nas mãos de uma criança, que, ao encontrar seu objeto de desejo, não faz outra coisa se não brincar com aquilo.

    Loucuras de Verão 3

    Como seria de praxe na trilogia que seguiria após este longa, Lucas já imprimia cenas alegóricas, não tão pretensiosas como as de Star Wars, mas igualmente ligadas à contracultura. Atos travessos dos jovens inconsequentes eram facilmente notados como manifestações de libido mais enérgicas, mas sem o caráter explícito comum às franquias Porkys e Picardias Estudantis.

    Apesar da fotografia competente e uma trilha sonora pontual, não há muito mais a elogiar em Loucuras de Verão, já que o argumento não tenciona alcançar nenhum objetivo maior que a simples representação do começo da vida de americanos médios, sem muito significado, conteúdo ou exigência da parte de seu elenco, que já contava com Harrison Ford e Richard Dreyfus, antes de se tornarem famosos. American Graffiti funciona melhor como um preâmbulo sobre a despreocupação juvenil de um homem antes de embarcar para a guerra, seja literalmente no certame ou na vida tediosa e rotineira de um civil que gasta toda sua vida funcionando como parte da engrenagem fordista, ainda que essa última análise sirva mais por parte do espectador do que de seu criador.

  • Crítica | Cinco Graças

    Crítica | Cinco Graças

    Cinco Graças 1

    Situado em uma aldeia no norte da Turquia, o roteiro de Cinco Graças explora as desventuras de cinco irmãs, que são criadas exclusivamente para o ofício de esposas, em casamentos arranjados em futuro próximo e prematuro, conceito distante da tradição mundial atual, em permitir que a mulher possa tomar as suas decisões sobre o seu próprio destino.

    O filme de Deniz Gamze Ergüven toca em questões aviltantes, desde seu início recriminando o recalcante comportamento que tole pequenos atos de boba e ingênua imoralidade ocorridas nas brincadeiras infantis. Um boato malfadado faz com que Lale e suas irmãs sejam tratadas como criminosas pelos tios que as criam, restringindo o alvorecer da libido, bem como o crescimento saudável das mulheres que afloram a partir das experiências antes infantis, que evoluem para juvenis.

    O quinteto vive suas experiências de modo unido, desde a época da recém orfandade, driblando inclusive as faixas etárias diferentes. A medida que cada uma é cortejada, com o contingente diminuindo, sente-se uma falta enorme, tanto por parte dos personagens, quanto da trama, que perde cor, brilho e interesse cultural. As melhores aventuras são as que reúnem a totalidade das moças, fato cada vez mais raro à medida que as esposas assumem seu lugar enquanto cônjuges de homens que sequer permitem que elas falem.

    A denúncia que Ergüven produz torna-se ainda mais cara por ser orquestrada por uma cineasta mulher, acompanhando o embate por um roteiro que evita banalizações e pasteurizações do drama mostrado, exibindo a dor inescapável fruto do terrível, triste e irrefutável destino que é imposto às moças, que encontram alternativas rebeldes para o restante de suas ainda breves vidas, servindo para propagar uma ode à liberdade merecida por todas.

  • Crítica | Os Oito Odiados

    Crítica | Os Oito Odiados

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    Após uma decepção que poderia ser resumida na vontade de um diretor em alcançar um público ainda maior, finalmente o sadismo, a visceralidade e a ultra violência de Quentin Tarantino retorna em Os Oito Odiados, sua versão do que seria a discussão sobre a Guerra Civil Americana. A trajetória do novo longa da filmografia tarantinesca retoma a mesma divisão capitular que ocorre desde os tempos de Kill Bill, o que faz fortificar a ideia de que o diretor tem trabalhado para desenvolver um estilo próprio, e até mesmo autorreferencial, ainda que sua marca seja claramente a de emular os seus muitos ídolos.

    O início se dá de forma bastante lenta, com uma diligência atravessando o deserto enevoado de Wyoming, em companhia da trilha original de Ennio Morricone. O trajeto, até então inóspito e tranquilo, é interrompido pela figura de um negro, no meio do caminho, sentado sob uma pilha de corpos. O sinal visual é intenso e simbólico, demonstrando a predileção do diretor em favorecer os negros como figuras passivo agressivas. A bordo da carruagem estão o caçador de recompensas John “Bob” Ruth (Kurt Russell), sua prisioneira Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), que será enforcada assim que chegar na cidade, e  o cocheiro O.B. Jackson (James Parks). O negro se apresenta como Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), outro caçador de recompensas, e que tem o objetivo em comum de chegar até Red Rock para que também possa receber pela suas recompensas. Rapidamente um acordo é firmado e Warren se junta à diligência de Bob. A caravana ainda seria ocupada do pretenso xerife sulista e racista Chris Mannix (Walton Goggins).

    O chamado à aventura ocorre em uma pequena cabana à caminho de Red Rock, que servirá como abrigo para a nevasca que se aproxima. Lá dentro, uma gama de novas personagens são apresentadas, com o veterano sulista General Sanford Smithers (Bruce Dern), o responsável pela taberna Bob (Demián Bichir), o futuro carrasco de Red Rock Oswaldo Mobray (Tim Roth) e o misterioso Joe Gage (Michael Madsen). O ingresso na cabana ocorre sob a orquestra de Ennio Morricone, através de uma música misteriosa, remetendo aos filmes de terror giallo – gênero cinematógrafico italiano típico dos filmes de Mario Bava e Dario Argento, por exemplo -, denotando ao espectador a hostilidade do lugar onde a trama irá se desenvolver.

    A direção de Tarantino trabalha entre planos fechados e abertos, não mais os super closes ao estilo Sergio Leone, tal aspecto denota evolução no trato do diretor, e em lugar disto há planos  gerais, que contemplam toda a paisagem, curiosamente partindo a imagem de ambientes internos, fator que gera a sensação de um corte da imagem, referenciando ainda ao western spaghetti, e aos defeitos de reprodução dos filmes em território americano, com os cinemas não compatíveis a este tipo de formato.

    The-Hateful-Eight

    O aspecto mais saudosista de Os Oito Odiados certamente é o uso indiscriminado da violência e dos limites do corpo humano, não só na exposição de tripas, vísceras e afins, mas também no castigo corporal aos aventureiros que tem de se expor à neve, com uma terrível tempestade. As cenas longas, mostrando o momento em que os personagens guardam os cavalos não está posta gratuitamente, serve de deboche a prática comum do cinema norte-americano com uma estética repleta de preciosismo, pecado este cometido até pelo próprio Tarantino, como visto em Django Livre.

    O estado mental de paranoia é normalmente associado aos norte-americanos nos períodos da Guerra Fria. A proposta de Tarantino é propagar essa sensação por toda a historiografia do país, através da já conturbada época do Oeste Selvagem, onde sequer o crime era organizado. A insegurança de Ruth se manifesta através do recolhimento das armas dos seus desconhecidos, mas passa principalmente pelas câmeras coladas no teto, no porão e nos lugares menos usuais para um ponto de vista pleno, antecipando visualmente até os plots que seriam revisitados em flashbacks.

    O argumento do filme é simples, quase simplório, propicia a mesma premissa de Kill Bill, unindo alguns dos elementos de fracasso criminoso visto em Cães de Aluguel. Basicamente há uma plataforma para que – novamente – Samuel L. Jackson possa brilhar em um exploitation repleto de sangue e restos mortais, podendo enfim liberar toda a violência acumulada e contida desde o mesmo volume dois da história de Beatrix Kiddo. É na tranquilidade de não tentar ousar demasiado que o texto vence.

    O desfecho chega a ser surpreendente, não pelos acontecimentos desencadeados, e sim pela forma como o nível de sangue vai subindo, ao ponto de quase afogar os personagens em meio aos restos mortais dos que não restaram. A crescente de adrenalina só faz o filme enriquecer, bem como sua filmagem em cinemascope, aspecto que embeleza demais as cenas. Tarantino finalmente retorna ao seu cinema habitual, encarando a violência como a mola motriz do seu universo, sem receio de parecer superficial e sem maiores preocupações em atingir um público que não é seu.

  • Sai de cena o grande Alan Rickman

    Sai de cena o grande Alan Rickman

    Alan-Rickman

    Alan Rickman, um dos mais admirados atores britânicos da atualidade, faleceu nesta quinta-feira, aos 69 anos de idade. Segundo familiares próximos ao ator, Rickman vinha lutando contra um câncer.

    O astro britânico se tornou mundialmente conhecido após interpretar o icônico vilão Hans Gruber, adversário de John McClane (Bruce Willis) em Duro de Matar. Além disso, Rickman ganhou uma nova legião de fãs ao interpretar o Professor Snape, na série de filmes de Harry Potter.

    Rickman interpretou personagens notáveis no cinema, TV e teatro; dirigiu e roteirizou; foi premiado com Globo de Ouro, Emmy, Bafta, entre outros prêmios, restando apenas um Oscar no currículo, que infelizmente não virá – azar da Academia; além disso, foi militante ativo de causas sociais e trabalhistas, e claro, dono de um carisma hipnótico.

    Como Rickman disse uma vez em entrevista, “Os atores são agentes de mudança. Um filme, uma peça de teatro, uma música ou livro pode fazer a diferença. Ele pode mudar o mundo”. Uma perda inestimável.

  • Crítica | A Grande Aposta

    Crítica | A Grande Aposta

    A Grande Aposta 1

    Baseado em uma premissa humorística, tomando por base a pré-crise financeira que acometeu os Estados Unidos em 2008, A Grande Aposta brinca com o mercado de especulação, usando a bolha imobiliária como ponto de partida de seu drama. O lugar comum da jornada ocorre a partir da visão privilegiada de Michael Burr (feito por um Christian Bale inspiradíssimo) que percebe a aproximação do período terrível para a economia mundial.

    A direção surpreendente de Adam McKay consegue reunir na louca história escrita por ele e Charles Randolph (Sexo, Amor e Outras Drogas) – na adaptação do livro de Michael Lewis, o mesmo autor de Moneyball e Um Sonho Possível – um elenco prolífico e muito talentoso. Outros especuladores, liderados por Steve Eisman (Steve Carell) percebem as mudanças do mercado, mas demoram a ceder aos encantos de Greg Lippman (Ryan Gosling), um sujeito sorrateiro e falacioso, que pioneiramente se atenta para os investimentos que sobreviverão ao ambiente quase apocalíptico que se aproxima.

    A experiência em comédias rasgadas, aliadas quase sempre a Will Ferrell, a exemplo de O Âncora e Tudo Por Um Furo, credenciam o diretor a conduzir uma paródia do efervescente mundo de Wall Street, com uma perversão metalinguística, evoluindo o conceito aberto anteriormente por Martin Scorsese em O Lobo de Wall Street, e uma marca pessoal curiosa, atribuída ao seu produtor, que também atua no filme. Além de um Brad Pitt mais preocupado em equilibrar todas as forças da fita do que tornar seu personagem no galã que comumente apresenta.

    O argumento, jocoso em essência, apresenta um mundo masculinizado, se assemelhando em espírito ao universo proposto por Andrew Dominik em O Homem da Máfia, ainda que seja o cinismo, e não a crueldade, a mola motriz da política do filme. Há alguns momentos de interrupção da trama, apresentando a quebra da quarta parede, unicamente para demonstrar ao espectador que toda a realidade exposta ali é digna de risos, com piadas do sofrimento alheio.

    Dentro do trabalho dos homens de Eisman há um bocado de sequências cafonas, apelando para um sentimentalismo extremamente barato. Olhar para este aspecto como um simples erro, ou tentativa de redenção aos homens cheios de retórica, é uma atitude banal, já que a intenção do texto em fazer tais apelos é aludir à necessidade que as cobras têm em gerar esperança em seu público, povo e consumidores, associando ao jogo político um sentimento que em nada condiz com a realidade e com o pragmatismo com que um regime governamental é levado.

    A estilização dos barões industriais não esconde as suas reais intenções, tampouco salvaguarda os exploradores de seus pecados, ao contrário, humanizando os personagens reais, mostrando-os com defeitos, amores não correspondidos e problemas pessoais, aproximando o espectador de uma história praticamente inacreditável por meio de atuações que beiram a perfeição, com um elenco tão afinado que rivaliza com o recente Spotlight – Segredos Revelados em talento conjunto, ainda que sua trama necessite ainda mais desse aspecto do que o filme de Tom McCarthy, diferenciada em praticamente tudo se comparada com seus primos premiáveis. McKay produz uma comédia negra, que em suma desconstrói todo o seu esforço em sua filmografia anterior, já que este é seu produto mais visceral, realista, pessimista e cru.

  • Crítica | Steve Jobs

    Crítica | Steve Jobs

    poster

    1. “Vão te frustar quando tentar o seu melhor,
    2. Vão te frustar exatamente como disseram que iriam.
    3. Vão te frustar quando tentar ir pra casa,
    4. Vão te frustar quanto estiver na solidão…” 

    Versos de Rainy Day Women, de Bob Dylan (Blonde on Blonde).

    Danny Boyle adora gente desconectada. Curte jogar o peixe fora d’água e filmar o que acontece, na esteira do que o (um dos) fundador(es) da Apple acreditava ser: “Criatividade é conectar as coisas“. Seja numa Londres de zumbis ou numa índia de underdogs, a pegada de Boyle é primeiro entender o estranho, e depois, o ninho. O maior nome da tecnologia nos anos 2000 construiu seu próprio habitat, e foi demitido de sua própria empresa por ser indomável, nas palavras do próprio comitê da companhia. O cara era inflexível, consigo e com todos em sua coleira de disciplina e utopia graças a necessidade individual de mudar o contato entre as pessoas, mas Jobs não devia se olhar no espelho como ser humano (“Tô cercado de idiotas!”), e tampouco Boyle deve ter seus amiguinhos pra conversar, de igual pra igual. Daí fica fácil perceber como as intenções se casam em mais um filme hiper-cerebral sobre um ícone que não merecia ser reduzido a suas capacidades penianas, no caso de um ator pornô. Steve Jobs não vem do entender os pilares do mundo moderno, e sim incorpora as necessidades existenciais de um cara que não se sente parte deste mundo, e mesmo assim precisa aprimorá-lo já!

    Notável é o equilíbrio entre o pessoal, como a treta do gênio com sua filha, e o trabalho onde o gênio sai da lâmpada e faz acontecer, ao custo de perder o amigo, mas a piada, jamais… O filme é leve, ganhando nossa simpatia por esculpir uma selva complexa de forma tranquila e mastigada, tal o superior Margin Call faz com o mercado financeiro. Cosmos intrincados e decifrados numa tela de Cinema; distantes, ainda que avistados por uma lente de aumento onde tudo é de fato mais bonito, só que na ótica de Aaron Sorkin, conhecido por escrever diálogos destruidores no estilo pingue-pongue, a fórmula de mostrar uma personalidade cheia de camadas e mistério funciona no paralelo com a Apple, fundação egocêntrica feito criança que não quer dividir seus brinquedos, mas já começa a cansar, sem aquele frescor de A Rede Social e outros ensejos – aliás, o próprio Sorkin se trai aqui em vários momentos, percebendo que, quando a lógica de suas histórias começa a cansar, pula do exagero para a licença poética como no confronto de ideologias versus emoções, entre Jobs e sua assistente (Kate Winslet, melhor atuação do filme), num corredor abaixo de uma plateia louca por outra de suas épicas palestras.

    A figura de Jobs e o interesse que surge dela jamais o sugere ser um computador humano, Steve Hardware, mas vem do que fala, uma dialética que nutre o comportamento de quem vive ao redor de um assumido workaholic, a partir de uma atuação cirurgicamente precisa de Michael Fassbender, ironicamente fora das mãos de seu mentor, Steve McQueen (12 Anos de Escravidão). Na pele do ator, o homem e o gênio sente seu Q.I. em cada batimento daquilo que parece não bater em seu peito humanoide – é nos diálogos que Fassbender nos remete ao Zuckerberg de Jesse Eisenberg, em 2010, na forma seca, introvertida e objetiva que encaram as pessoas como conquistas, e não semelhantes. Um gênio sabe que é um gênio, mas talvez genialidade ande de mãos dadas com a humildade de não admiti-la. Bill Gates, Bob Dylan e Da Vinci não nos atraem pelos seus triunfos, mas pela coragem para erguê-los, no caso, o elixir da megalomania em suas veias. “Estamos aqui para fazer a diferença no universo, se não, porque estamos aqui?”, alegava Jobs. Como diria Carl Sagan: Humildade.

    Como diria a Globo: A gente vê por aqui. Um filme que sabe muito o que é, e ainda melhor: O que não pode ser. Boyle consegue nos passar o efeito unidimensional da história (pro bem e pro mal) combinando com o sentimento que temos diante de um potente notebook. Steve Jobs é isso, uma ferramenta para conhecermos os componentes de uma vida de lutas e batalhas em busca de um futuro visado por um homem que, feito Boyle e Sorkin, cineasta e escritor, sabia quem era e o que precisava fazer para chegar lá. São as decorrências do caminho até o “lá”, o El Dorado de Jobs (o reconhecimento (a duras penas) do público) que o filme aborda, e nos conduz de boa adentro dos corredores da Apple, apostando senão no carisma visionário do gênio de calça jeans para impedir o filme de ser frio tal suas invenções. O filme aposta mesmo é no caráter benéfico da tecnologia, como essa pode mudar o mundo, e acerta em cheio nisso, na abordagem direta em honrar a simetria do passado que traçou o amanhã, hoje vivido por todos nós.

    Fato é, positivo ou negativo, que a biografia moderna no molde americano já foi definida pelos méritos de A Rede Social, filme fruto de quem é visionário (David Fincher) e não de quem pensa ser (Boyle), o que não é mero detalhe, ok? Steve Jobs não será referência no futuro, mas o criador do iPad merecia um bom filme em torno do que seu nome representa, sugere e fez crescer, cultivando uma era de tecnologia e tal, mas não em torno de sua ambição. Falta a ousadia do cara no filme homônimo de sua vida, os próprios funcionários que trabalharam diretamente com ele eram intimidados pelo Corleone da Apple a cada dia. Talvez é o que faltou, aqui: Um verdadeiro gênio, exigindo o máximo de todos neste bom filme, previsivelmente certinho e correto até mesmo na edição, mas é claro, celebremente aquém das várias frases inspiradoras do crânio.

  • Crítica | Victor Frankenstein

    Crítica | Victor Frankenstein

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    Na mitologia grega, Prometheu é o titã apaixonado pela espécie humana que roubou o fogo dos deuses e o entregou à nos. Devido a isso, foi severamente punido por Zeus (que tinha medo de a humanidade se tornar tão poderosa quanto os deuses). Acorrentado por toda eternidade no topo de uma rocha, uma águia comia seu fígado que se regenerava no dia seguinte, quando seu calvário recomeçava. O fogo desempenha papel fundamental na história humana, sendo a luz usada como símbolo da engenhosidade e poder. Relacionando-se com os pilares que trouxeram o desenvolvimento da sociedade pré e pós industrial, o fogo é a descoberta mais importante da nossa espécie ao lado da roda e origem de nossas maiores tecnologias. Durante boa parte da história do cinema, o cientista é muitas vezes colocado no papel de Prometeu, como aquele que trará o fogo do conhecimento à humanidade, a vida, a autonomia e roubar o papel que os deuses têm no dia a dia, estando fortemente inserido no clássico literário Frankenstein: ou o Moderno Prometheus de Mary Shelley.

    Aqui, a ideia é subverter uma questão irônica disfarçada na obra de  Shelley: a confusão sobre quem é Frankenstein. O nome muitas vezes atribuído ao monstro é na verdade de seu pai e criador, Victor Frankenstein, e com isso nasce a pergunta sobre quem seria o verdadeiro monstro da história. O filme Victor Frankstein é bem menos complexo do que o romance original, que envolvia uma trama de acusações, romances, assassinatos, bem como uma criatura inteligente e letrada capaz de fazer frente à humanidade.

    Construída por Victor Frankenstein e considerada tão repugnante por seu criador que fora abandonada por ele, “A Criatura” tinha por objetivo encontrar seu próprio mundo, já que do mundo dos seres humanos só conheceu a rejeição. Assassinando o irmão de Victor e o coibindo à construir uma fêmea para viver com ele, a história se envolve em diversas reviravoltas e um grande número de personagens. Boa parte desses elementos aparecem desvirtuados no novo filme, alterando seus propósitos e a linha do tempo.

    Esta nova roupagem conta a história de Victor de maneira bastante energética (James McAvoy, em um excelente trabalho de ator, essencial para dar alguma substância aos bobos diálogos entregues à ele) correndo zoológicos e circos atrás de partes de animais para assim completar sua criação secreta. É no circo que ele conhece Igor (Daniel Radcliffe também muito bem, mas destinado à atuar em situações quase constrangedoras), criatura corcunda e rejeitada, até então sem nome, e que apesar de ser visto como ser repugnante, é dotado de extrema inteligência e empatia. Ao perceber suas habilidades, Victor decide resgata-lo do circo para assim lhe servir de escudeiro em seus experimentos. A partir disso, eles são perseguidos pelo inteligentíssimo e religioso investigador Roderick Turpin (Andrew Scott).

    O próprio título já estabelece um recorte bem específico sobre a ótica com a qual contará sua história, mas em nenhum momento a discussão sobre a ética científica, o medo da ciência e do avanço da tecnologia que permeia questões sobre a existência ou não de um regente superior; além amizade; amor e honra são elaborados em cena. Todas essas são colocadas de maneira à manter Victor como o grande filtro da humanidade e com isso acaba perdendo toda a tese ao longo da jornada do herói e sua dicotomia com a vilania e loucura genial. Há ainda um número grande de personagens secundários que buscam aproximar esta versão do romance de Mary Shelley enquanto apresentam uma nova abordagem à esses elementos, mas que têm como resultado final apenas inchar uma trama que já se satisfaz em caminhos para seguir, porém carentes de substância.

    Novamente o trabalho de ator serve para melhorar o roteiro do instável Max Landis — o qual anunciou em seu Twitter que o roteiro original era incrível e surpreendente, mas que na verdade não é – já é terceiro filme em que usa essa afirmação. A direção de Paul McGuigan lembra muito o trabalho feito por Guy Ritchie para Sherlock Holmes. Inclusive, o diretor já é conhecido por emular o estilo de Ritchie em seus outros filmes. A dinâmica e estética são as mesmas, e ainda que aqui os assuntos sejam essencialmente mais profundos, parece uma versão pior de tudo aquilo que já foi visto com esses personagens.

    O romance original foi concebido numa época de profundas transformações tecnológicas e éticas da ciência da década de 1820, com as experiências de Orsted, a invenção do motor elétrico por Michael Faraday e a posterior unificação do eletromagnetismo por James Clerk Maxwell. As inspirações dos cientistas e experimentos da época são claras, pois no início dos experimentos sobre eletricidade havia o conceito ainda primário de que haveria algum tipo de eletricidade nos objetos e uma eletricidade biológica, esta última contida apenas em espécies vivas e que poderia ser reproduzida de alguma maneira. Foi desta forma que foi realizada a experiência com uso de rãs mortas presas às lanças de cemitérios em dias de tempestades. Durante a queda de descargas elétricas, as pernas das rãs se mexiam devido a geração de uma pequena corrente elétrica que atingia os terminais nervosos do animal gerando espasmos. Para testar mais e melhor esse tipo de hipótese, alguns cientistas usaram pedaços de corpos humanos.

    Com todo um arco improdutivo e baseado em ignorância, com falas artificialmente ateísta e outras artificialmente deístas que obviamente visavam apenas provar o seu contrário para chegar em algum tipo insosso de meio termo sobre o papel da nossa espécie na Terra e dos mitos que criamos, Victor Frankenstein erra ao pensar ser genial aquilo que todos já elaboraram e acaba entregando um material que parece ser apenas um apêndice de referências. Quando ameaça alguma conclusão ou amarração de seus conceitos, o faz olhando para trás numa espécie de gancho para futuras produções. Uma obra problemática, que reforça ideias obscurantistas mesmo sem aparentemente querer fazê-lo, e com tantas dificuldades de compreender e encontrar seu papel quanto seus pobres personagens.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | O Bom Dinossauro

    Crítica | O Bom Dinossauro

    O Bom Dinossauro - poster

    Em espaço normalmente dedicado às novas animações do estúdio Disney, O Bom Dinossauro foge à regra de lançamentos anteriores como Operação Big Hero, Frozen – Uma Aventura Congelante e Detona Ralph promovendo mais um filme do estúdio Pixar após seis meses do lançamento de Divertida Mente.

    Mesmo sendo um produto inédito após o grande sucesso da animação anterior e carregando o selo de qualidade da Pixar, o filme parece ecoar em argumentos anteriores, tanto da própria casa quanto de estúdios concorrentes. Em 2000, a Disney lançava a animação mais cara da época, Dinossauro, um gasto desproporcional à recepção morna da crítica. Dois anos depois, a 20th Century Fox lançava Era do Gelo em mais um retorno ao período jurássico. Recentemente, a Dreamworks realizou o mesmo em Os Croods, desgastando o tema pela repetição.

    A trama subverte a extinção dos dinossauros, desenvolvendo-os uma evolução que os fazem dominante no planeta. Arlo é um dinossauro adolescente, caçula da família, vivendo o difícil período de auto-conhecimento e representação familiar. Após uma tempestade que o leva para longe de casa, o dinossauro deve demonstrar sua coragem ao retornar para seu lar. No caminho, conhece o jovem humano, Spot.

    A narrativa se centra nestes dois personagens e na jornada de retorno ao seu habitat, transformando a trajetória no amadurecimento do dinossauro e no aprofundamento da relação com o garoto selvagem, o espaço para desenvolver os temas comuns de uma animação voltada para a família. Boa parte da história situa-se somente com a dupla em cena. Considerando que a parte humanoide não possui fala, a trilha sonora serve como apoio para nutrir os diálogos e a falta de ação, incorporando uma musicalidade que intenta ser selvagem, trabalhando-a a favor da história. Um recurso que não deixa de se aproximar da ousadia de Wall-E, demonstrando novamente a repetição de estilos narrativos além da trama.

    Desde o anúncio do longa-metragem, a produção passou por modificações, intensificando uma incoerência interna no estúdio. Inicialmente, Bob Peterson de Up – Altas Aventuras estava a cargo da direção. Em 2013, a Pixar considerou vagarosa a continuidade de seu trabalho, promovendo Peter Sohn, da equipe técnica de Os Incríveis e Procurando Nemo, ao cargo. Embora o argumento principal tenha se mantido, a história foi remodelada e talvez nestas modificações o roteiro de Peter Sohn, Erik Benson, Meg LeFauve, Kelsey MannBob Peterson se tornou plano ao extremo, distanciando-se do roteiro em camadas coerente com a tradição desenvolvida pela parceria Disney / Pixar.

    Nesta estrutura simples, a aventura é a tônica em uma história linear com poucos momentos de emoção – eclodindo em um desfecho evidente e repetido das citadas tramas anteriores – e quase sem nenhum riso. A animação cresce em comparação com anos anteriores do estúdio, porém novamente se espelha nos avanços dos estúdios concorrentes que também são capazes de produzir bons produtos plásticos, mesmo de enredo pífio.

    O Bom Dinossauro peca pela repetição, provavelmente desequilibrada pelos desencontros de sua produção, resultando em um produto final distante do selo de qualidade fundamentado pelo estúdio, retrocedendo mais um passo à sombra de sua própria trajetória.

  • Crítica | Snoopy e Charlie Brown: Peanuts, O Filme

    Crítica | Snoopy e Charlie Brown: Peanuts, O Filme

    Snoopy e Charlie Brown - Peanuts, O Filme - poster

    Criado em 1950 por Charles M. Schulz, Peanuts é um dos quadrinhos mais populares do mundo, representando um dos pilares das tiras gráficas ao lado de Calvin & Haroldo e Garfield, universos que partem de uma mesma forma distinta de narrativa. Apoiado pelo sucesso, a turma de Charlie Brown e Snoopy – personagens mais reconhecidos do público – torna-se também um grande produto de mercado reproduzido além das reedições da obra completa do autor, muitas vezes dissociando sua intenção original e se destacando pelas personagens em si.

    Os derivados mercadológicos trazem reconhecimento aos personagens, aproximando jovens e adultos, leitores das tirinhas, e as crianças pelo apelo infantil em brinquedos e outros produtos, indo além da mensagem de cunho filosófico contida na obra original e em adaptações animadas que tentavam equilibrar estes dois mundos. Com quase 65 anos de existência, Snoopy e Charlie Brown – Peanuts, O Filme é uma nova produção cuja intenção é acrescentar um novo público aos fãs, utilizando os conceitos vigentes na animação contemporânea, como o uso da terceira dimensão – tanto a estereoscopia quanto na composição do traços – e ainda mantendo os aspectos gráficos tradicionais da obra em um interessante contato com a fonte original.

    O roteiro escrito por Craig SchulzBryan Schulz e Cornelius Uliano abrange os perfis característicos das personagens, as quais o público está acostumado. A trama desenvolve tanto uma história própria quanto apresenta pequenas ações rápidas, típica das tiras, narrando duas histórias em uma: a turma de Charlie Brown e outra para Snoopy e o amigo pássaro Woodstock. Mantendo-se dentro da estrutura conhecida, Charlie Brown é o  menino azarado que se apaixona pela menina ruiva recém instalada no bairro. Inseguro quanto a sua abordagem, em um deslocamento que gera identificação a todos que se sentem diferentes, elabora planos para tentar conquistar a garota, enquanto permanece em sua rotina ao lado dos amigos, e filosofando pequenas pílulas de sabedoria, bem inseridas na histórias.

    Em paralelo, Snoopy contrapõe sua história em entreatos da primeira, em uma meta-narrativa a qual o próprio cachorro imagina aventuras de um aviador desafiado pelo Barão Vermelho. As cenas apelam para o conceito primordial do cinema, explorando dois personagens que, sem falas, se comunicam através de sons e da trilha sonora, dando vazão a um humor cênico que, como nas tiras, se contrapõe as reflexões adultas das tiras, costuram e simbolizando as tentativas de conquista de Charlie Brown. Transitando em totalidade ao universo conhecido e consagrado.

    Dirigido por Steve Martino de A Era do Gelo 4 e Horton e o Mundo Dos Quem, a longeva obra de Schutlz segue tendencia similar a adaptação de Os Smurfs tentando trazer um novo público a uma história tradicional e aclamada, um movimento semelhante com outra adaptação recente, O Pequeno Príncipe, que também ganha nova roupagem com uma narrativa contemporânea para dar força e se manter no mercado diante de novos lançamentos. A força das personagens garantiram uma abertura de US$45 milhões que surpreendeu positivamente a 20th Century Fox, uma prova da universalidade da obra do autor e uma evidencia de que o público também aceita antigos produtos desde que bem equilibrados ao apresentar uma história nova sem trair suas bases fundamentais.

  • Crítica | Atividade Paranormal: Marcados Pelo Mal

    Crítica | Atividade Paranormal: Marcados Pelo Mal

    Atividade Paranormal Marcados Pelo Mal 1

    Em “agradecimento” à boa recepção do público latino, os produtores Jason Blum e Oren Peli resolveram dedicar um spin-off voltado e protagonizado por descendentes de mexicanos, a exemplo do que houve com o episódio Atividade Paranormal: Tóquio . A câmera em primeira pessoa de Atividade Paranormal: Marcados Pelo Mal  é focada em Jessie Arista (Andrew Jacobs) e Hector (Jorge Diaz), dois amigos de longa data que se formaram há pouco no ensino médio.

    A curiosidade da dupla os faz começar a agir como stalkers de sua vizinha Anna (Gloria Sandoval), uma senhora que tem uma fama estranha, com boatos de que seria ela uma feiticeira. Quando a mulher falece, a curiosidade de ambos aumenta, a ponto de invadiram a casa já vazia para investigar o que há lá dentro, sempre acompanhados de sua câmera GoPro, o que justifica de certa forma a portabilidade das cenas – ainda que se levantem perguntas sobre como uma família de imigrantes teria verba para comprar uma câmera deste porte.

    A direção está a cargo de Christopher Landom, que auxiliou a feitoria do roteiro das partes dois, três e quatro da franquia, além de também escrever Paranoia. Após algumas cenas que fomentam arquétipos raciais e/ou xenófobos, há um mergulho um pouco mais profundo na origem dos fenômenos que ocorriam nos episódios anteriores, exibindo uma nova faceta da maldição, com práticas explícitas de ocultismo que aproximam esta obra muito mais de O Último Exorcismo do que de Atividade Paranormal, dadas as características mostradas.

    O protagonista parece ser enredado pelas estranhas aparições, demonstrando que brincar com jogos de espíritos não é algo tranquilo e que não se sai impune de um contato direto com essas entidades. Sua atitude passa a ser violenta, agressiva e descontrolada, como se estivesse ciente de suas próprias faculdades mentais. Os eventos começam a ocorrer após Jesse perceber um ferimento no braço, semelhante ao de Kristi em Atividade Paranormal 2, mostrado após sua possessão.

    O escopo imagético da fita é mais místico e colorido, tornando as tradições mexicanas em algo supérfluo e clichê, tratando os costumes estrangeiros de uma forma bastante debochada, o que agrava ainda mais a quantidade de defeitos do filme. Os fenômenos tornam-se ainda mais magnânimos e grandiloquentes, assim como o ritmo das perseguições. A passividade comum aos quatro filmes anteriores é abordada de modo diferente neste, com doses cavalares de revide, especialmente por parte de Arturo (Richard Cabral), personagem gangster que faz as conexões dos que se preocupam com o rapaz tomado pelas entidades e as personagens dos filmes anteriores.

    Mesmo com as mudanças, não há nenhum motivo que explique a insistência em montar mais e mais sequências para a franquia. Atividade Paranormal Marcados Pelo Mal tenta ser uma resposta às críticas sobre a mesmice que corria os outros quatro filmes, mas ao final, apela para a mesma causa, mostrando os eventos de filmes anteriores por outros ângulos, mas sem responder aos mistérios de qualquer um deles. A direção tenta ser diferenciada, mas segue risível em sua execução, realizando somente um ensaio do que seria uma evolução dos maus conceitos do primeiro.

  • Crítica | Rocky II: A Revanche

    Crítica | Rocky II: A Revanche

    Rocky 2 - blu ray

    Os primeiros minutos do filme dirigido por seu astro, Sylvester Stallone, começa com os momentos finais de Rocky – Um Lutador, mostrando a luta de Balboa (Stallone) e seu adversário, o campeão inconformado com a resistência do Garanhão Italiano, Apollo Creed (Carl Wheaters). A luta que deveria ser apenas amistosa tornou-se uma versão diminuta de uma guerra, o resultado de toda uma vida de sofrimentos, do capanga da máfia residente na Filadélfia que do alto de seu fracasso agarra as chances de enfrentar o maior atleta do mundo, por pouco não o nocauteando.

    O anúncio de Rocky II – A Revanche só acontece decorridos cinco minutos de exibição, após os espólios do capítulo anterior, e tem como primeira cena uma corrida de ambulância, muito bem executada por Sly, repleta de cortes rápidos e de simbolismo, associando o trajeto percorrido à tragédia do homem comum, do pobre e moribundo. No lobby do hospital, Creed se contradiz e o convida para uma nova luta, para provar ao mundo que a odisseia televisionada há pouco foi pura sorte de principiante.

    Apesar de todos os problemas sociais a que é acometido, Balboa toma sua pequena Adrian (Talia Shire), casando-se com ela para finalmente livrá-la dos braços do agressivo irmão Pauli (Burt Young). O decorrer da rotina do aposentado boxer inclui passeios pelas ruas da Filadélfia à noite; convites para investimentos de risco feitos por seu antigo patrão, Gazzo (Joel Spinelli); e gastos com o dinheiro que sequer tem, em tentativas malfadadas de virar garoto propaganda, já que não há talento dramatúrgico que o faça conseguir atuar minimamente bem diante de uma câmera.

    O roteiro deste lembra muito em estrutura o primeiro, ainda que neste haja o cuidado em contrapor Apollo e Rocky em momentos de derrocada distintos, com o vencedor se lamentando e não aceitando a quase derrota que sofreu, piorada sua situação com as cartas que recebe dos fãs raivosos. Sua moral só não está pior que a de seu adversário azarão, que é humilhado nos sets de propaganda. A mensagem passada é que o status quo prossegue intacto, e que todas as consequências da luta serviram apenas de verniz, um despiste para a realidade do mesmo homem sem sucesso.

    Rocky II d

    A limitação de Rocky aumenta, ele não é mais somente um fracassado, é também um deficiente visual, o que impede de seguir seus instintos e sua luta por dignidade. Continuações normalmente são caça-níqueis péssimos, sem chance para evolução de conceito, somente replicando fórmulas e as exagerando. Rocky II apela para todos esses defeitos, exceto na dificuldade em seguir da onde parou, já que o curso natural dos fatos contradiz o convencional e não incorre nas mesmas redenções bobas que permeariam os roteiros futuros de Stallone.

    Após mais uma carga de mini tragédias, depois da autorização de sua esposa, Rocky corre no mesmo trajeto que antes, perseguido por crianças e adolescentes, como orgulho da cidade que um dia o viu como pobre coitado. O pique que consegue executar está longe de ser um exercício puro e simples, é o símbolo tenaz da busca do ignorado e do subestimado por um lugar ao sol, pela oportunidade de enfim brilhar e de desempatar a disputa em aberto, e tal arremedo não é pouco, ainda mais na carreira de um diretor iniciante.

    É neste capítulo que os métodos de treino começam a beirar a insanidade, com táticas esquisitíssimas de Mike (Burgess Meredith), incluindo corridas atrás de galeto, socos desferidos com um dos braços amarrados, entre outros. A distância do método deste para o ministrado por Duke (Tony Burton), ao seu lutador, há claramente um receio enorme por parte de todos os envolvidos no certame, exceto no orgulhoso detentor do cinturão. É arrogância de outrem que poderia facilitar a volta do arruinado pugilista.

    A revanche se diferencia visualmente e em espírito do visto no filme inicial, a começar pelos calções de Apollo, não ostentando a bandeira americana. A postura é invertida também para o Garanhão Italiano, que decide usar uma estratégia que começa contida e que se torna agressiva com o tempo. O tema de Bill Conti ganha contornos de resolução e virada, tendo seus acordes finalmente alinhados com a vitória do protagonista.

  • Crítica | THX 1138

    Crítica | THX 1138

    THX 1138 - poster

    Finalizado com apoio de Francis Ford Coppola, o primeiro longa-metragem de George Lucas já deixaria claro uma das influências que o ajudariam a criar o arquétipo space opera que o tornou famoso anos mais tarde, ao selecionar cenas do seriado televisivo de Buck Rogers, para emular o escapismo como sua marca própria. A história, de Lucas e Walter Murch, contaria com dois nomes fundamentais da indústria cinematográfica, ambos já consagrados em suas carreiras.

    Robert Duvall vive THX 1138, mais um ser humano comum, dentro da estranha sociedade asséptica predominante naquela faixa de futuro, semelhante a de inúmeros romances distópicos. O modo de vida da população humana é viver em cidades subterrâneas, cuja rotina é intimamente ligada ao funcionamento de computadores, que por sua vez produzem nos seres de carne uma autoridade coercitiva, obrigando-os a fazer trabalhos sob efeitos de drogas que coíbem seus sentimentos e sensações básicas, incluindo demonstrações de sexualidade e afeto.

    THX começa a agir fora do protocolo imposto, dando vazão a sentimentos e sensações, se importando pouco com as consequências de seus atos, ao menos considerando que o estorvo das punições seriam “validados” pelo prazer que teria com sua parceira Luh (Maggie McOmie). Ao ser encarcerado, o personagem põe em risco a tranquilidade de todos que se envolveram com ele, gerando a partir daí uma justificativa para tencionar invadir o mundo terreno, a parte da Terra inalcançável para os humanos.

    Donald Pleasence vive SEM 5241, o comum sujeito aproveitador, um covarde homem que tenciona alcançar novos ares, mas que não tem coragem suficiente para fazê-lo sem ter alguém para se fazer de pioneiro. Em se tratando de um rascunho de sociedade autoritária, a pena para atos mínimos de rebeldia é altíssima.

    A partir do momento em que a fuga começa a ocorrer, novos cenários são explorados, e a direção de arte começa a ser exigida mais a fundo, além dos cenários brancos pasteurizados e de policiais mascarados com alumínio. As tentativas de se embrenhar atrás de novos rumos fazem lembrar a tentativa mal-sucedida de Michael Bay em A Ilha, mas sem o óbvio fracasso mega explosivo que os momentos finais reservam ao seu público.

    A versão remasterizada do longa contém os mesmos exageros que o diretor inseriu em suas versões pós-produzidas de Star Wars, mas ainda assim mantém grande parte do assombro e furor causado na época, preconizado pela versão em curta-metragem, lançada em 1967, ainda na universidade. THX 1138 discorre sobre o desejo de liberdade e sobre um regime fascista moderno, com uma crítica não tão profunda quanto a de Orwell e Huxley, mas igualmente ácida, inclusive sobre a inevitabilidade do drama no futuro reservado ao homem.

  • Crítica | Diplomacia

    Crítica | Diplomacia

    Diplomacia - Poster

    Fruto dos esforços do premiado diretor alemão Volker Schlöndorff, realizador também do clássico O Tambor, o longa Diplomacia trata de temas graves, sobre possíveis pecados de guerra, possivelmente evitáveis via negociações. As primeiras cenas se encarregam de alertar o público aos terríveis males que um conflito belicoso faz a uma nação, deixando claro o caráter do roteiro antes mesmo de prosseguir em sua narrativa.

    Os eventos ocorrem a partir da reunião no gabinete do General (e governador) von Choltitz, vivido por Niels Arestrup, responsável tático por uma possível explosão em Paris, evento que acarretará em baixas humanas, além de destruir monumentos históricos do país e a infra-estruturas ligadas ao saneamento básico. Nesta reunião, somente envolvendo aliados do militar, há forte oposição por parte deste conselho, ao ponto dos presentes precisarem buscar forças no álcool para verbalizar o ataque a França.

    O ofício de Choltitz é essencialmente solitário, dado o peso que suas decisões acarretarão, não só sobre a Alemanha nazista, incluindo, neste aspecto, lidar com a opinião pública nacional comumente ignorada em detalhes técnicos, mas também o eco global de uma ação tão enérgica sobre um país já quase todo tomado pelo exército. A interferência externa vem por parte do diplomata Raol Nordling (André Dussollier), responsável pelo país normalmente neutro, a Suécia, que teve a mesma postura durante a Primeira Guerra Mundial. Todas as expressões de Nordling determinam fortes emoções de choque, desde as cenas em que o próprio sequer tem fala, seguidas  de seu discurso que tenta, a princípio em vão, demover o chefe do exército em prosseguir com a matança e destruição.

    A discussão deixa o embaixador em situação crítica, quase sempre perdendo no embate ideológico proposto. A ideia de Schlöndorff é propor um filme de diálogo, muito mais reflexivo do que tantos outros filhotes dos filmes de guerra – incluindo outros da filmografia do próprio cineasta – pondo posições dissonantes para conviver em meio ao planejamento de um avanço predatório num conflito global. É a dignidade de Nordling que o põe em uma posição de confiança diante do general, mesmo em lados opostos do cenário político. A cena em que Choltitz tem um ataque médico é emblemática na demonstração disto, de que mesmo no momento de apuro, não seria o estado todo poderoso que acolheria seus alistados e seus líderes.

    O diretor diferencia com qualidade o cenário montado nas salas de reunião em que ocorrem as decisões mais importantes, compostas por homens da alta patente, que decidem os rumos de milhares, como também mostra a rotina dos não oficiais, de homens que são postos a trabalhar sem comida, sem dar vazão as suas necessidades básicas. A visão do diretor é importante por humanizar as figuras normalmente encaradas como vilões frios, já que em Diplomacia este são homens, comuns, falhos, que mesmo nessa composição, impõem terror .

    Não há, claramente, espaço para glória, após o sucesso do intuito do diplomata sueco, ao contrário, visto que a trajetória do longa-metragem está focada no general alemão, o qual, em seus momentos finais, tem de lidar com o avanço da resistência, e com a retomada ocorrida no Dia D. Nordling conseguiu entrar para história e recebeu medalhas e honras por salvar Paris. O argumento é competente ao extremo em registrar as nuances e dificuldades que os cônsules têm, usando suas falas e suas imagens para resumir bem tais esforços, em um fantástico registro da alma humana e da capacidade de convencimento via retórica.

  • Crítica | Introdução à Música do Sangue

    Crítica | Introdução à Música do Sangue

    Introdução A Musica do Sangue 1

    Filme que deveria ser o retorno das atuações de Ney Latorraca aos holofotes cinematográficos, Introdução à Música do Sangue é o novo longa de Luis Carlos Lacerda, inspirado no texto de Lúcio Cardoso. Seu começo é em um ambiente campestre, bucólico como a rotina na fazenda, e silencioso exceto pelos sons típicos da natureza. Os detalhes são dados em maior parte no serviço doméstico da jovem Maria Isabel (Greta Antoine), que obedece calada e desanimada às ordens de sua mãe, interpretada por Bete Mendes.

    A falta de assunto e o tédio são tão gritantes, que até a chegada de luz nas terras é um evento digno de falas repetitivas, que claramente enfadam Uriel (Latorraca). O surgimento de um novo capataz, Chico (Armando Babaioff) muda o panorama  familiar com seu carisma, causando furor e ciúmes dentro do núcleo familiar.

    O deslumbramento de Isabel se dá não só pelos encantos do moço novo, mas também por qualquer detalhe mais elaborado da rotina dos seus. Mesmo a demonstração da louçaria é um evento digno de estupefação e novidade. Esse mesmo vazio de lembranças acompanha a geração anterior, o que dá margem a duas possibilidades: considerar que  todos têm problemas sérios de ordem mental; ou esquecimento por parte dos roteiristas que construíram o texto confuso. O arremedo de cenas inúteis se avoluma durante o longa-metragem, o que incomoda e faz perder a força das questões graves, como a supressão da sexualidade masculina na velha idade, e as insinuações incestuosas muito presentes na ideia do romancista.

    A metade final perde-se em meio ao texto, misturando diálogos mal orquestrados e artificiais, com contradições em relação às alcunhas familiares, basicamente aludindo a confusão sobre a filiação de Isabel. A nebulosa origem da moça rivaliza em banalidade com o passado negro  e infiel de Uriel, que causou na esposa o asco ao sexo. Não há apelo nenhum que desperte interesse pelas situações vividas, talvez somente chamando a atenção para a nudez de Antoine e Babaioff, ainda que passe longe da perfeição, já que não existe química entre a dupla.

    Lacerda tenta dar importância às suas cenas, pondo de frente passado e presente do clã, mas não há por onde explorar conteúdo, sequer dentro da óbvia alegoria de os erros do passado estarem se repetindo no presente. Copiar a fórmula de um filme intimista não é fácil, principalmente quando os fatores que preconizam o sucesso da empreitada não são igualmente repetidos a partir dos bem-sucedidos. O texto, as atuações, o histrionismo e a tentativa de realizar uma cena de conteúdo explicitamente violento, mas sem tratar o drama com esmero, pesa demais nos últimos atos dos personagens, completamente deslocados, piorados pelas péssimas performances, o que inclui até a atuação de Latorraca. Introdução à Música do Sangue carece de sentido, tanto na trama mostrada, quanto na necessidade em dar luz a uma fita tão problemática.