Destaque no ultimo Festival de Veneza, a película de Giuseppe M. Gaudino trata de uma personagem central feminina, que tem na tragédia a base de sua rotina. Anna – vivida pela premiada Valeria Golino – é uma mãe de família, que sofre abusos físicos de seu marido e luta como pode para sustentar uma casa repleta de filhos praticamente sozinha.
A fotografia em preto e branco e as inserções musicais e de animações de cunho barato, demonstram que a intenção de Gaudino é em exibir uma fita estilística, equilibrando suas intenções entre grafar denúncia, e fazer chacota dos dramas reais mostrados em tela, uma vez que todas as situações terríveis pelas quais passa Anna são universais, envolvendo um filho deficiente físico, problemas financeiros e amorosos, além é claro de uma forte propensão a esquizofrenia, manifestada através de visões, cuja origem ou influência certamente está ligada aos maus tratos que recebe.
O uso visual das cores faz toda a jornada resultar em uma tragicomédia ainda mais intensa, por vezes desnecessária e cansativa dada a redundância da abordagem. O limite para o uso de metalinguagem beira o “ultrapassar”, de tantas vezes que é usado, na maioria dos casos de forma gratuita ao extremo. A ode ao amor alheio e a falta de auto estima tem sua importância diluída, graças a pretensão exacerbada.
Nem mesmo a atuação de Golino faz muita diferença, dentro do escopo tedioso do filme, que não consegue aprofundar nem as questões ligadas a traição e extorsão. Per Amor Vostro decepciona qualquer expectativa de uma drama mais profundo, sendo salvo quase unicamente por toda sua beleza técnica e esmero por parte da produção do longa-metragem, a despeito até dos tropeços de seu cineasta.
A preocupação de TomMcCarthy em emular Alan J. Pakula em Todos Os Homens do Presidente é tamanho que todo o visual da redação do Boston Globe faz lembrar os clássicos momentos em que os repórteres setentistas desvelaram o Watergate. Nada à toa, mas os esforços de Spotlight Segredos Revelados são bem maiores do que uma simples cópia, apesar da clara aproximação dramática entre a fita de 1976 e esta.
O plot se inicia com a aposentadoria anunciada de Walter Robby Robinson (Michael Keaton), e segue a partir dos seus últimos esforços enquanto chefe de um pequeno grupo de jornalistas, tendo como base uma acusação de corrupção envolvendo uma das instituições mais tradicionais no país, tocando em pecados graves e tradicionalmente associados ao catolicismo romano moderno. A manutenção do tabu é exatamente o inverso do ideário dos homens e mulheres que formam a equipe de Robby, e um extensivo trabalho conjunto se inicia já nos primeiros minutos de fita.
O grupo de jornalistas, não necessariamente subordinados ou diretamente ligados a Robinson, formado por Ben Bradlee Jr. (John Slattery), Marty Baron (Liev Schreiber), Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Matt Carroll (Brian d’Arcy James) e Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) é muito bem desenvolvido, com momentos únicos de brilho para cada personagem e intérprete. É no desenrolar dos depoimentos das vítimas que mora a maior emoção do roteiro baseado em fatos de McCarthy e John Singer (Quinto Poder), já que nas declarações dos antigos infantes abusados mora não só o trauma pelo temível abuso, bem como a morte de sua fé em uma crença maior, tirada de seu imaginário sem qualquer possibilidade de escolha ou refuto.
Há um cuidado em registrar nuances e diferenciações básicas no comportamento dos entrevistados, mostrando como tais violências podem afetar homens e mulheres adultos, marcados tão fortemente em uma fase em que o ethos e a sexualidade não foram desenvolvidos. Desde sujeitos absolutamente inseguros e retraídos, até homens broncos, passivos, ativos, agressivos e mais dóceis, todos são marcados na alma. Os detalhes incluem até jogos de falsidade em níveis de aceitação e falácias por parte dos abusadores que visavam aproveitar-se da carência de meninos, incluindo os comumente excluídos por identificarem cedo a homossexualidade latente, e que viam nos sacerdotes o primeiro sinal positivo para sua orientação sexual, claro, pautados no engano mesquinho.
A gravidade da situação faz unir dois comunicólogos de perfis diferentes, uma vez que Rezendes procura Mitchell Garabedian (Stanley Tucci) para ajudar a popularizar a causa através dos meios de comunicação por rádio. O impressionante dentro do proceder dos atores, em especial de Schreiber e Tucci, é a discrição e silêncio que produzem, gerando gama de emoções de modo comedido e nada histriônico. A contenção da indignação é algo comum também às personagens de McAdams e Ruffalo especialmente, já que a distância para o estourar da repulsa com a ética da apuração dos fatos é um aspecto em que a passionalidade deve, ao menos em tese, não fazer parte do conjunto de fatores que compõem a denúncia.
Alguns dos investigados demonstram uma atitude estranha, por vezes assumindo a responsabilidade por seus atos, mas sem conseguir expressar culpa, já que a rede de agressão é antiga, passando de geração a geração e causando um impacto de normalização assustador, aspecto tão amedrontador quanto a letargia paralisação anestésica apresentada por alguns ex-padres, que em sua senilidade não conseguiam enxergar a extensão de suas graves transgressões, que atingiam tanto a Deus quanto aos homens criados à imagem e semelhança do primeiro.
Há um mérito enorme na direção econômica de McCarthy, já que o realizador sabe dosar um roteiro que se desembrulha de modo gradativo e pontual, além de equilibrar como poucos um elenco tão multi talentoso e de perfis tão diferenciados. Conduzir um Michael Keaton pós Birdman e em um papel completamente diferente, mas igualmente exigente, não deve ter sido uma tarefa das mas fáceis, e o ator só brilha graças a toda a base que a fita lhe dedica, bem como Ruffalo só consegue exercer seu repórter inquieto graças à urgência de um assunto bem conduzido.
A duração do filme faz o texto e abordagem amadurecerem ainda mais, fazendo um eco narrativo com as atitudes de seu protagonista, que nos primeiros dois terços permite aos seus subalternos fascinarem o público, com a procura e as descobertas dos sujos segredos sagrados. O arremate é inteiro de Walter, que se torna cada vez mais agressivo em sua abordagem, servindo como o canto de um cisne, a despedida silenciosa de toda uma carreira bem combatida. A composição da comparação metalinguística é tão cabível que se torna um crime achar que tais fatores casam por coincidência e não planejamento, já que Robinson e Keaton se misturam em uma intimidade muito maior do que a simplicidade de personagem e intérprete.
A condução é elegante e correta, faz deslanchar uma história repleta de terríveis acontecimentos trazidos à luz em um momento de crise externa no país. Spotlight mostra parafilias terríveis de pessoas ditas normais, e que são comumente protegidas por um verniz social terrível. A cena final na redação da Boston Globe encerra o ciclo de trabalho e negligência de modo redentório, emocional e denunciativo, sob equilíbrio distante demais do comum a obras laureadas.
Proposta ousada do diretor David Pablos – também realizador de A Vida Depois – As Escolhidas é um filme-denúncia que aborda o gravíssimo assunto de sequestro de menores seguido de exploração sexual, um tema que infelizmente é conduzido de um modo peculiar e sensacionalista pela mídia.
A trama gira em torno de Ulises (Óscar Torres, em uma interpretação que não convence em momento algum), o caçula de uma família estranha, que se apaixona pela bela e jovem Sofia (Nancy Talamantes) e está prestes a apresentar a moça para seus parentes, em um misto de orgulho e vergonha.
A questão relacionada a escravização sexual poderia ser muito bem explorada. No início, há uma boa base quando há uma discussão que revela as mentiras e trapassas por parte de Ulises. Porém, em seguida, reviravoltas levam o longa-metragem a repetições de ciclos, discutindo até mesmo as verdades sentimentais trocadas entre o casal de apaixonados.
O núcleo familiar que pratica os crimes nefastos é composto de personagens extremamente caricaturais, o que compromete a inserção do público junto ao drama de Sofia e de tantas outras meninas. O cuidado de Pablos em não sexualizar sequer as prostitutas é válido e a solução para representar a incursão delas dentro dos programas é bem executada. Mas diante do esburacado roteiro, tais aspectos positivos soam quase ofensivos, exatamente por evocarem uma qualidade ímpar que em nada combina com todo o resto do caráter do filme.
Apesar de expressar todos os maus tratos em uma boa composição, As Escolhidas não sobrevive a uma análise mais profunda, piorando ainda mais na solução vista no último ato, banalizando todo o silêncio ensurdecedor que permeia tantos os personagens coniventes com tais pecados, bem como trata a possível redenção justa que se aproximava de acontecer. A película que tinha tudo para ser primorosa em texto acaba de modo surpreendente mas catastrófico em níveis de qualidade.
“Porque está tão sério?” – O Cavaleiro das Trevas. “Eu vou fazer uma oferta que ele não vai recusar.” – O Poderoso Chefão. “Precisamos de um barco maior.” – Tubarão. “Não se pode chegar aqui sem grana, e também não se pode sair daqui sem ela.” – Chorei Por Você. Todo filme, peça e livro possui uma frase que resume tudo. Faz parte do show.
Ao pintar em preto e branco a energia dos musicais, o mundo sentia o colorido que deles emanava com uma vibração superior as matizes que hoje se apropriam, em bizarrices feito Chicago ou Moulin Rouge. Talvez o sapateado e a cantoria numa tela de cinema seja a última das tangentes que precisam de cor, dada a sensação naturalmente radiante que se sente, e depois se assiste, perante a espetáculos de pirotecnia, luzes e fumaça artificial. O mundo da Broadway sempre teve urgência pelo som, vide O Cantor de Jazz, o primeiro filme falado, mas também carrega a democracia em usar, ou não, a paleta que ilustra o pulsar das coreografias e o retumbar dos corais. A maioria apela a este estilo. Outros como o brasileiro Quem Roubou Meu Samba e este Chorei Por Você, deixam suas frases, ritmo e sua história ditando seu lugar na história de uma arte.
Se isso é bom, ou ruim? Depende da referência. Não porque é impossível imaginar O Mágico de Oz em preto e branco, mas porque técnica é tudo quando o filme se apoia nela pra existir. Chorei Por Você é o típico filme de maré: existe (e persiste como boa obra) pelos acontecimentos que, na realidade, são extra-filme e permeavam os fatos que obrigam a arte a se apoiar no real em suas narrativas de heroísmo e redenção, vez ou outra. Nada mais natural que, do lado de cá das câmeras, os desdobramentos da vida continuem a insuflar as artes. Essas sim, dependentes uma da intervenção da outra, diferente das relações abertas entre cor e celuloide. Até mesmo para Sinatra e sua inconfundível voz. O mito tinha outra arma, e tão boa quanto: era também um belo ator.
A exposição de Sinatra está proporcional a esta obra como um estudo fundamental de personagem, com um homem à beira da culpa e de um caminho sem volta: a odisseia rumo a fama, e às consequências que a mesma acarreta na vida de quem a vive, além daqueles coadjuvantes que o observam brilhar nos palcos, enquanto poucos reconhecem os bastidores da alegoria. A culpa do comediante e músico, daí motivo pelos gêneros entrelaçados do filme, cresce e viabiliza leves pinceladas de metalinguagem na trajetória de quem se arrisca, aos poucos, nas veredas dos holofotes. O que vem quando as cortinas fecham, senão a tristeza do palhaço? O filme não investiga, tampouco critica, mas apenas relata, num roteiro simples e previsível à praxe das fitas regulares da época.
Uma história forjada na expectativa de traçar uma espiral em torno de uma alma dividida entre o certo, o errado e a necessidade de agir na competição primitiva do show business. O cantor Joe E. Lewis ganha profundidade no olhar de Sinatra, com ombros pesados sobretudo por uma crise existencial e corrosiva, porém, sem fim. Quando o artista leva uma surra, logo no começo do filme, nota-se a fragilidade de um status pueril. O que busca essa gente que vivem pela fama? Diz-se que, de qualquer forma, um grande homem não existe sem a grande mulher de sua vida, no caso, as paixões do cantor que tornam seu andar um pouco mais leve, e sua respiração, tal como a fluidez da história, mais equilibrada e identificável, perante a plateia.
É claro que, no contexto de uma época, no qual se situa outro filme estrelado por Sinatra, o clássico A Um Passo da Eternidade, a guerra se torna um conceito onipresente muito longe dos campos de batalha, mas nos conflitos interiores de quem imprime sua voz em diálogos afiados e canções a base de piano e bebida. Um filme boêmio, sim, com ecos de um realismo que, em plena era de ouro (os anos 50), ainda não ia muito longe, emoldurando uma sociedade americana, muito antes de ser global, em seus costumes e na aurora de seus valores ainda em desenvolvimento. Uma sociedade do espetáculo, tal como é descrita pelo filósofo Guy Debord. Isto, sobretudo, é o grande trunfo deste misto de drama, comédia e musical, sob a ciência artística de que é possível mixar tanto som, quantos gêneros. Ser o espelho que registra um mundo de carência, lenitivos aplausos e doce ilusão. Filmes nascidos sob a premissa de qual realidade se pode extrair da ficção.
A parte final da trilogia sobre a existência é iniciada como os outros dois filmes, Canções do Segundo Andar e Vocês, os Vivos, apelando para o idílico e o lúdico sob a premissa do encaramento da morte. Roy Andersson organiza cenas a principio desconexas, cuja câmera segue os passos de uma adaptação curiosa da tela de Pieter Brueghel, denominado Os Caçadores na Neve, e que tem em comum a proximidade do fim.
Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência tem o título agigantado, visando a enormidade da discussão a respeito dos sentidos buscados pelo homem sobre sua própria vivência, debochando da necessidade de se ter respostas para tudo, com o mesmo humor negro, capaz de rir de eventos cotidianos, acinzentando questões normalmente doces ao homem comum, além de associar contos comumente cristãos ao uso indiscriminado do álcool.
As pessoas que habitam este universo são comuns, sem receio ou pudor de não se enquadrar em padrões estéticos usados no escopo hollywoodiano. A métrica e narrativa tampouco segue esses padrões, trazendo à baila assuntos graves sob uma ótica não-normativa, usando sua estética diferenciada para aludir a questões universais e particulares da alma humana.
A fita passa algumas vezes sobre a questão da letargia, aludida tanto na lentidão dos fatos que ocorrem frente à câmera, bem como na inércia da maioria dos personagens, que aguardam a chegada do fim de suas vidas passivamente, apoiados também pelo modo como o registro é feito, através de um ponto de vista estático, onde as imagens resumem um conteúdo muito maior do que a fala dos personagens.
O ensaio de Roy Andersson finalmente encontra o seu fim, resultando em três filmes complementares, redundante em alguns momentos, mas que tem em sua proposta um intimismo que certamente abrange o imaginário do espectador de modo particular e muito variante, tendo em comum a proposta de causar incômodo, quase sempre gerando um conjunto de sensações diversas ao fim da exibição.
Trama infantil de Robert Connolly – diretor também de Balbo e Underground: A História de Julian Assange – Aviãozinho de Papel é focado nas experiências de Dylan Webber (Ed Oxenbould, o mesmo de Alexandre e o Dia Terrível, Horrível, Espantoso e Horroroso), um menino deslocado dos colegas de mesma idade, graças ao anacronismo em que vive. A situação do rapaz muda após lançar um pequeno avião de papel diante de um professor, descobrindo assim um novo talento, que o credenciaria para uma competição.
A atmosfera de despreocupação típica da escola, onde as cores vivas prevalecem, escondem a realidade do menino de 11 anos que vive em condições complicadas, quase sem dinheiro, inclusive para se inscrever nos campeonatos. Durante a noite, ele sonha com a figura materna, ausente por um motivo não dito no início do roteiro. O único a quem ele recorre é seu desatento pai, Jack, executado pelo igualmente péssimo Sam Warthington que basicamente não precisa atuar.
Dylan prossegue em seus objetivos, sem apoio dos que o cercam, especialmente de seu pai, que além de não ajudar a financiá-lo ainda o atrapalha, pondo-o de castigo sem motivo plausível logo após passar para as finais do campeonato australiano. O fato serve de alegoria para a recusa que os parentes mais velhos tem em aceitar o destino que seus filhos escolhem.
Aos poucos, o quadro dos Webber muda e eles partem em viagem, para tentar realizar o sonho do garoto, ainda que por vias tortas. Apesar de todo o efeito lúdico, típico da mentalidade infantil, há forte carga subliminar. Além de uma discussão sobre abandono, orfandade e senilidade, a cargo de cada um dos homens da família Webber, reunindo nos personagens padrões as mesmas questões amplamente discutidas em consultórios psicanalíticos, com a grave diferença de não haver qualquer doutor para tratar das dores emocionais dos personagens, tampouco para enxugar suas lágrimas.
Todo o esforço de Dylan é basicamente para que seu pai o note, como um grito desesperado por atenção, um clamor não atendido pelo homem graças a depressão causada pela precoce viuvez. Através de falas padrão, o menino consegue finalmente alcançar o emocional do patriarca, a quilômetros de distância, quando já está locado no Japão para o torneio internacional. Como era de se esperar, as palavras edificantes causam comoção no homem que se retira da inércia para enfim se lançar em direção ao seu rebento.
A história termina de modo nada inédito como a trajetória de superação de inúmeros filmes da década de oitenta, emulando características desde Karatê Kid, até o recente e oscarizado O Discurso do Rei. Os poucos méritos de Aviãozinho de Papel estão em sua conjuntura infantil, já que vem de Dylan toda a força para realizar seus próprios sonhos, sem nenhuma figura de mentor indiscutível, semelhante ao visto na composição muitos dos heróis do faroeste, que só podiam contar consigo mesmo.
A década de setenta foi um período difícil pro cidadão americano. Também conhecida como a Era da Recessão, a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) triplicou o valor do barril após os EUA apoiarem Israel na guerra do Yom Kippur, fazendo com que a inflação aumentasse de forma considerável e, consequentemente, a desvalorização do dólar. Ademais, o povo pôde acompanhar de perto pela televisão o Caso Watergate, que depôs o até então presidente republicano Richard Nixon, eleito de forma esmagadora. O caso em questão, a título de curiosidade, consistiu numa investigação de dois jornalistas do jornal Washington Post sobre o assalto ao prédio Watergate, sede do Partido Democrata, um dos diversos atos de espionagem promovidos pelo Partido Republicano para dar a Nixon certa vantagem na disputa presidencial. Com diversas provas apreendidas, o caso levou-o à renúncia.
Muitos não entendem o motivo de Rocky – Um Lutador ter feito tanto sucesso. Como pôde um filme de boxe ganhar 3 Oscar, sendo o de melhor filme, melhor diretor e melhor edição? A produção não é um simples filme de boxe, mas um drama que fala sobre superação e, principalmente, sobre as oportunidades que aparecem na vida nas pessoas e no quanto se deve abraçá-las por mais difícil que seja o momento. Justamente o que o povo americano precisava em 1976, quando o filme escrito e estrelado pelo novato Sylvester Stallone foi lançado. A situação não seria ainda mais curiosa se um dos rivais de Rocky – Um Lutador e maior ganhador do prêmio da Academia, em 1977, não fosse Todos Os Homens do Presidente, ótimo filme que conta a história justamente do Caso Watergate. Neste mesmo ano, também disputavam a estatueta grandes filmes como Taxi Driver, Rede de Intrigas, King Kong e Carrie – A Estranha.
Na trama, Rocky Balboa é um jovem boxeador nascido nos subúrbios da Filadélfia que vive de pequenos trabalhos para se sustentar. O boxe, esporte que ama, não arrecada dinheiro suficiente, o que obriga o tímido lutador a trabalhar para um agiota local. Seu trabalho consiste em cobrar os clientes e eventualmente surrá-los quando se encontram inadimplentes. Uma rotina relativamente mecânica. Acorda no fim da madrugada quando ainda é noite, bebe uma vitamina de ovos crus, sai para correr, passa pela feira e ganha alguma fruta, cobra algum devedor, vai treinar na academia surrada de seu técnico, o velho rabugento Mickey (vivido brilhantemente por Burgess Meredith) e, na volta pra casa, passa numa pet shop para comprar suprimentos para seus peixes e também para ver Adrian (Talia Shire), uma jovem tímida que nunca reage às piadas sem graça que o boxeador lhe conta. Muito de sua timidez vem do assédio moral e do machismo de seu irmão Paulie (Burt Young) que vive alcoolizado.
A vida de Rocky muda quando o campeão mundial de boxe, Apollo Doutrinador (Carl Weathers) convida-o para uma luta, dando a oportunidade única de um lutador pequeno enfrentar o campeão. Uma bela jogada de marketing visando os milhões de dólares que seriam arrecadados com a luta. É possível sentir um bizarro sadismo por parte de Apollo em querer humilhar Rocky fora dos ringues, aproveitando-se de sua condição social e seu intelecto comum. Aliás, quando se trata da vida da personagem central, podemos perceber a certeira e clara intenção da fotografia ser mais monocromática, adicionando um certo drama decadente e deprimente ao subúrbio da fria e úmida Filadélfia, sendo uma analogia com a situação da classe trabalhadora americana em épocas de recessão. A analogia social que o filme imprime continua no emocionante embate entre Rocky, O Garanhão Italiano e Apollo Doutrinador, onde Rocky claramente representa o povo americano sofrido e diminuto contra o boxeador famoso, o ídolo que representa, de certa forma, o lado orgulhoso dos Estados Unidos.
Quando os dois boxeadores entram no ringue, os méritos da luta em questão se devem realidade empregada pelo diretor, pela destreza dos atores e pela maquiagem hiper realista das violentas marcas deixadas nos rostos dos lutadores. Vale destacar um ponto curioso da versão dublada brasileira que acabou por alterar o resultado da luta.
O sucesso do filme se apoia diversos fatores, a começar pela atuação de Stallone que conseguiu emular uma atuação no melhor estilo gente como a gente, fazendo com que a maioria das pessoas, em algum momento, se visse na pele da personagem. O ator também soube calibrar bem sua relação com os outros coadjuvantes, a começar com a química que teve com Talia Shire, principalmente na cena em que Rocky leva Adrian para patinar no gelo e terminando, mais tarde, na cena de seu primeiro beijo. Também fica marcado quando o protagonista está com Mickey, um rabugento que não hesita em criticar Rocky na maioria das vezes que está no ringue, relação essa bem retratada nos filmes seguintes. E, por fim, a relação do diminuto Rocky com o absoluto Apollo. É possível perceber o quanto Rocky é frágil em sua essência, tentando ser gentil ou engraçado e falhando nessa missão, além de estar completamente desacostumado com todas as pompas promovidas por um grande evento de boxe, como entrevistas coletivas, sessões de imprensa e as tradicionais provocações fora do ringue.
Diante destes fatores, ainda é necessário destacar uma das cenas mais emblemáticas da história do cinema que mostra o treinamento de Rocky para a grande luta com Apollo. Acompanhada de uma trilha carregada emocionalmente pela música Gonna Fly Now, escrita por Bill Conti e terminando nas escadarias do Museu de Arte da Filadélfia, um dos locais mais visitados no mundo por fãs de cinema, a cena faz com que o telespectador se reconheça na motivação de Rocky para também dizer “eu posso, eu consigo”, levando tal situação como exemplo para qualquer situação que possa enfrentar em sua vida, o que vai ao encontro a discussão do início, devido ao paralelo da situação que o cidadão se encontrava ante a péssima situação econômica que seu país vivia.
Terceiro episódio da franquia, Resident Evil 3: A Extinção é aparentemente o mais distante da história do jogo e da cine série como um todo. No entanto, é o filme que mais se aproxima de ser correto. A direção está a cargo de Russell Mulcahy, realizador dos dois primeiros Highlander e começa com um recordatório ambienta o espectador desavisado do que se trata a situação até ali. Após a mostra do destino da humanidade, é explicitado que a Infestação Umbrella destruiu toda forma de vida no planeta, extinguindo praticamente qualquer subsistência do ecossistema mundial.
Há basicamente dois cenários: o deserto e as Instalações da antiga Umbrella. As partes acertadas do filme ocorrem na primeira conjuntura, onde os raros sobreviventes lutam contra a praga zumbi. Ao contrário do anterior, este ganha pontos na diversão, primeiro por não levar-se tão a sério e também porque os personagens não são simples bonecos com frases de efeito. Apesar de não ser um conjunto que prima pela profundidade, ao menos causam comoção no público, seja pelos apuros reais ou pelo simples instinto de sobrevivência.
Os períodos ocorridos no interior dos laboratórios são fracos, relembrando os piores momentos dos outros episódios. O pastiche involuntário presente no paradigma do cientista louco irrita, mas não compromete, principalmente em comparação com os absurdos anteriormente vistos. Até mesmo a Milla Jojovich está melhor que antes, pois Alice aparece e continua distribuindo seus golpes em quem aparece, mas se mostra insegura em usar seus super poderes, receosa em fazer mal aos seus amigos. A dúvida e a ambiguidade sobre a sua manipulação acrescenta muito suspense a trama e consegue funcionar sob a clara influência de Mulcahy.
Os absurdos dramatúrgicos continuam presentes, especialmente nos cabelos femininos, que prosseguem lisos, vividos e esvoaçantes mesmo sem shampoos e em ambiente arenoso. Quase nunca há escassez de munição, as piadinhas prosseguem, e o clima Massa Véio permanece vivo. Mas tais aspectos são bem pontuados, tornando a experiência menos traumática, em alguns pontos acrescentando charme ao produto final. Mesmo esses clichês são ofuscados por causa de muitas referências a filmes clássicos, desde Os Pássaros, em uma boa ideia de contaminação do T-Vírus, até O Planeta dos Macacos, com uma Las Vegas soterrada. As mais óbvias comparações com Mad Max 2: A Caçada Continua se notam nas claras inspirações nas locações que formam o mundo comum do filme que, em suma, resgatam a ecologia discutida em Highlander II: A Ressurreição.
A história melhora muito quando se assume o tom de filme B. Residente Evil 3 A Extinção é palatável por não ludibriar o espectador, fingindo-se um filme sério. Como filme de ação pouco peca, os combates são bem filmados, os efeitos especiais e maquiagens dos monstros são acertados – pela primeira vez. A direção é de Russell Mulcahy é ótima. Porém, as cenas finais são fracas, quase pondo tudo a perder. Uma lástima que a atmosfera criada nesta produção tenha que dar lugar mais uma vez a roupas apertadas, golpes plásticos, vilões de desenho animado e pirotecnias de Paul W.S. Anderson, especialmente pela perda de um diretor mais hábil enquanto realizador que o marido de Milla.
Fruto da parceria de Dean Martin com Frank Sinatra, iniciada em Deus Sabe o Quanto Amei, a versão original da trama de cassino Onze Homens e Um Segredo seria uma das últimas fitas do prolífico Lewis Milestone, que inauguraria um filão de filmes de assalto ligados ao classicismo que glamourizava as figuras dos bandidos, tão forte em essência que seria revisitadas décadas depois, abrindo outra sangria de exploração do tema.
O objeto sessentista tem seus créditos personalizados, semelhante a abertura psicodélica dos primeiros 007, mas acompanhado de uma fanfarra de jazz que introduz seu espectador no micro universo de Las Vegas e seus jogos de azar. A câmera acompanha um grupo de vigaristas, que aos poucos vão se encontrando, em torno de Danny Ocean (Sinatra) e Jimmy Foster (Peter Lawford), as cabeças pensantes do grupo. Em comum, há o fato da maioria dos contraventores terem servido juntos, durante a Segunda Guerra Mundial, o que faz um eco metalinguístico com a carreira de ator de Sinatra, visto o grande número de dramas de guerra que fez.
Ocean pode ser visto facilmente como a evolução de alguns dos antigos papéis de astro, como o de Angelo Maggio de A Um Passo da Eternidade, ainda que neste o viés de caráter do personagem seja muito mais pervertido. Por serem agentes fora da lei, alguns dos personagens estão em situações limites. Sam “Saul” Harmon (Martin), retorna de viagem, enquanto Tony Bergdorf (Richard Conte) acaba de ganhar liberdade, disposto a mudar sua vida, deixando de lado a criminalidade. Ao receber a notícia de que pode ter contraído câncer, suas intenções mudam, aceitando a trama de Ocean para integrar a equipe que tentaria realizar um assalto na véspera de ano novo.
Apesar de tocar em temas chave como a proximidade da morte, tentativa de reabilitação social e indiscrição conjugal, o roteiro dá mais atenção ao escapismo do roubo, usando todos esses aspectos como elementos subalternos. A personificação dos personagens soa engraçada, por se assemelhar ao comportamento comum de seus interpretes, fazendo nos perguntar se estavam as estrelas atuando ou agindo como elas mesmas, fator este que não compromete a qualidade, carisma e charme da película.
A construção do megalomaníaco plano é feita primordialmente por Ocean, Harmon, Foster e Josh Howard (Sammy Davis Júnior), acompanhados do atrapalhado Spyros Acebos (Akim Tamiroff). Logo, todos se reúnem ao redor do mapa de Nevada com os cinco alvos do saque – Sahara, Riviera, Wilbur Clark Desert Inn, Sands e o Flamingo – os maiores postos de apostas da cidade.
A trilha sonora é estupenda, tendo números de Jonah Jones, Norman Brooks e Red Norvo. A música é um elemento importante dentro da trama, uma vez que é o ritmo musical que preenche o papel de propiciar suspense dentro da operação do assalto as casa de jogos, brincando com as emoções dos personagens e do público.
O desfecho talvez seja o ponto mais fraco da trama, uma época pré-Poderoso Chefão onde as histórias com anti heróis eram findadas com a falha de seus planos, tradição estabelecida desde Inimigo Público, Scarface – A Vergonha da Nação e Alma no Lodo. A escolha do diretor Lewis Milestone por mostrar a reunião dos sobreviventes dentro de uma igreja, propicia a ideia de um arrependimento tardio que nunca teve êxito, como o plano praticamente irreal. A parceria entre Martin, Sinatra e Davis Jr. seria reprisada em Robin Hood de Chicago, uma comédia executada anos depois, produzida pelo astro desta fita, somente ocorrida graças ao sucesso desbravador de Onze Homens e Um Segredo.
“Eu não luto mais!”, ainda dizia a América, ao mundo, em 1953, enquanto todos recolhiam os cacos e a vergonha de uma guerra global, à priori. É o sentimento do briguento que, após vencer a briga, não tem mais motivos para brigar. Ingmar Bergman conseguiu refratar essa timidez internacional, num mundo sujo pelo pó da bomba de Hiroshima em Vergonha, filme-gráfico de 1968 sobre os efeitos psicológicos do conflito nas pessoas mais humildes que se tem notícia. “Eu não luto mais!”, gritava Harry Truman através da política americana hippie de paz e amor em plena metade do século XX, mas sobre um custo deveras elevado – custo de algumas milhares de vida que nenhuma publicidade conseguiria esconder. Uma vergonha triunfante ou triunfante vergonha?
Sabe-se que a arte bebe bastante do real, a custo também de uma apropriação às vezes exagerada, mas refletindo os humores de uma nação (de um mundo) cheio de feridas e com seus mortos voltando para casa, em caixões fechados. Gestos políticos na sétima-arte foram inevitáveis por muito tempo, independentemente se isso era bom ou não. E disto surgem filmes como A Um Passo da Eternidade, um verdadeiro alívio e redenção dos EUA, Truman e de seus vingadores.
O patriotismo de filmes como os do diretor Steven Spielberg, com a bandeira americana no topo do mastro e a paleta de cores variando entre vermelho e azul, durante toda a projeção, são evitadas nesta produção. A consciência do conflito não faz propaganda política explícita no destemido e equilibrado filme vencedor de 8 Oscar, mas é estereotipada como na maioria dos filmes de guerra em forma física, com homens brutos e destemidos num exército mostrado como ele é, sendo esse o ponto forte da produção, muito além do famoso beijo na maré: A honestidade.
De sargentos a reles oficiais, o abuso de poder parece ser uma constante despercebida na corporação, talvez a favor de uma moral resistente diante de um bombardeio inimigo que, cedo ou tarde, parece ser iminente de arrebatá-los. Um clássico equilibrado que, tal Agonia e Glória, de Samuel Fuller, converte sua reputação em torno do malabarismo de vários gêneros em uma única narrativa, bem temperada com direção e atuações e momentos inspirados por recursos que, na época, eram tidos como corajosos. Exemplo: São as mulheres que esclarecem o destino dos homens os quais se relacionam, antes mesmo deles admitirem o jogo de sobrevivência que o filme emoldura.
Seja numa briga de bar, no (superestimado) beijo na praia ou correndo contra os japs (termo que os americanos usavam para chamar os japoneses que atacaram Pearl Harbor e fizeram o Tio Sam comer poeira, mesmo que brevemente), o tempo do filme é tratado como um ensaio para o mergulho que os Estados Unidos protagonizou durante a 2º Guerra, a grande guerra. Um país que se atolou em dívida moral com o mundo e, hoje no século XXI, nos paga sua barbárie com entretenimento de última geração.
A Um Passo da Eternidade denuncia e aplaude a pátria Superman ao mesmo tempo, tal um edital de jornal que aplaude um candidato sem poder ignorar sua corrupção aparente. É imparcial quando o pobre recruta Prewitt (Montgomery Clift) se orgulha em combater o Japão em nome dos EUA, mas que em outro momento tem de escavar um buraco para enterrar um jornal que escracha a dura realidade americana. São nesses momentos dúbios onde Nascido para Matar, o primo contemporâneo do filme, aferra-se ao passado e encontra seu DNA. A um passo de serem imortais, como os nomes que o fizeram ser obras inesquecíveis, por motivos não tão diferentes assim.
Imersos num filme que nem de longe se torna uma propaganda política pró ou contra qualquer ideologia, Prewitt e o soldado Angelo Maggio, vivido por Frank Sinatra, no que lhe rendeu reconhecimento pelo papel, tornam-se irmãos, amigos num lugar onde a competição faz a história fluir em ação e na própria essência do filme: A guerra, a tensão bélica que não existe só nos campos, mas nos olhares que a precede. A maldita da guerra que, mais uma vez lembrando ao leitor, machucava o mundo, nos idos de 1953, personificada no batalhão do sargento Milton Warden, na pele do grande ator Burt Lancaster, o eterno J.J. de A Embriaguez do Sucesso. Estes três homens, em especial Prewitt, dão o tom do que nunca tenta ser um estudo do ser humano, até porque Vá e Veja definiu a tentativa.
O filme inteiro roda em torno do que faz a vida de soldados valer a pena: A bravura, a coragem de fazer o certo e não pedir desculpas quando o outro está errado, e até mesmo o desejo compartilhado por cineastas e outros artistas de não sucumbir, perante o que nasceram para fazer: Defender um ideal, até o fim. Dentre tudo isso e mais um pouco, A Um Passo da Eternidade remete a certeza, também imortal, que nenhuma arte dialoga tão bem questões atemporais, num espaço mesmo que restrito por um formato full-screen preto e branco, que o bom e velho Cinema. Ainda mais aquele, feito em plena era de ouro, numa Hollywood ainda intensa de boas ideias.
Lançado em 1968, Crime Sem Perdão é mais um dos filmes policiais de Frank Sinatra realizado em parceria com o diretor Gordon Douglas. Se em Tony Rome, de 1967, e A Mulher de Pedra, também de 1968, Sinatra interpreta o ex-policial Tony Rome como um bon vivant que divide seu tempo entre flertes com belas mulheres e trabalhos como detetive particular – personagem bastante similar ao de Paul Newman em Caçador de Aventuras, de 1966 – nesta produção vemos um estilo completamente diferente, em um verdadeiro trabalho de desconstrução da figura do carismático detetive anterior para a composição do soturno investigador Joe Leland.
A personagem interpretada por Sinatra no longa é o oposto de tudo aquilo que já havíamos visto. Se seus papéis anteriores são filmes leves e sem grandes pretensões, aqui ele é pesado, duro e sem escolhas fáceis. A tomada inicial dá o tom do longa, ao retratar a cidade de Nova Iorque de ponta cabeça, revelando que as personagens apresentadas estão fora de lugar, bem como os valores e ideais estão de cabeça para baixo.
Na trama, o detetive Leland investiga um crime o qual a vítima de assassinato foi espancada até a morte e teve seus órgãos genitais removidos. Com o decurso da investigação, somos apresentados ao fato de que o assassinato pode ter sido motivado por razões de gênero, já que a vítima era um homossexual, e que a solução pode ser bem mais profunda do que o investigador pode imaginar. A trilha de Jerry Goldsmith dá o tom soturno necessário com seu naipe de metais e uma guitarra cadenciada.
Se isso não fosse o bastante, a produção ainda retrata temas como violência estatal, infidelidade conjugal, sexo livre, e a citada homossexualidade, assuntos considerados tabus deste esta época, mas que, não à toa, foi lançado em um ano marcado por uma série de greves, levantes e manifestações populares ao redor do mundo em favor de melhores condições de vida e trabalho. Nem tudo são flores, e isso é percebido nos dias atuais, ao nos depararmos com visões estereotipadas e até mesmo caricatas de alguns dos homossexuais. Contudo, não podemos nos esquecer que um filme é uma expressão do seu tempo, do contrário, seria anacrônico ao contexto temporal apresentado, motivo mais do que suficiente para que consideremos os acertos de Crime Sem Perdão maiores que seus erros.
Douglas entrega um filme conciso e corajoso que parece retirado do que viria se tornar a chamada Nova Hollywood, tudo isso somado a grande entrega de Sinatra na composição de sua personagem que parece lutar uma batalha perdida, além de ser um verdadeiro contraponto aos policiais como Dirty Harry – que só iria estrear em 1971 -, que não veem como sinal de força ultrapassar qualquer linha de torpeza moral, mas de fraqueza.
Paz Fábrega conduz um filme de duração curta e de abordagem igualmente efêmera e veloz. Viagem começa em uma festa americana, repleta de pessoas jovens e despreocupadas, que lá estão unicamente para curtir umas as outras e esquecer de problemas do cotidiano. Luciana, a pretensa protagonista vivida por Katia Gonzales, logo encontra Pedro (Fernando Bolaños), um homem fantasiado que tenta abordá-la de modo direto e é refutado.
O roteiro une as personagens e explora uma relação pouco usual e bastante moderna, cujas vestimentas de urso fantasiado já prenunciavam a estranheza e fuga do lugar comum. O flerte se torna mais enérgico e sério, não por possíveis discussões sobre compromisso, já que ambos refutam isto e são duramente criticados por quem não vive nesse micro mundo em cenas hilárias, as quais demonstram que a vida é muito mais que só o sexo sem compromisso.
As lições de moral não freiam o novo casal, ao contrário, servem de combustível para o intenso desejo carnal mútuo, cuja intimidade instantânea preconiza a química absurda entre ambos, tão grande que o espectador embarca no montante de viagens que se avolumam e que ocorrem a partir do momento em que se conhecem. E até mesmo em momentos anteriores como no mergulho na intimidade prévia de Luciana, apresentado de maneira gradativa e tímida, uma vez que o receio da moça em se expor é tremendo.
Viagem é um filme simples, sem muitas invenções de direção, como foi no anterior filme de Fabrega, Água Fria do Mar. A fita se fundamenta em um roteiro redondo e funcional, que explora os temores ligados a solidão e a dificuldade em manter um compromisso vivo, com aforismos interessantes sobre a experiência de se viver longe da moral e bons costumes e sobre a dificuldade em se despedir e evoluir até a rotina do homem adulto.
O campo do Sampaio é palco de um campeonato muito menos suntuoso do que o certame abrigado em seu vizinho Maracanã em meados de 2014. Localizado no subúrbio carioca, montado com orçamento completamente diferente do mundial da FIFA, o campeonato anual de favelas conta com catorze times, devidamente registrados pelo documentarista Eryc Rocha, que mergulha na intimidade dos jogadores amadores e claro, em seu entorno, exibindo paixão, raça e suor no evento que marca a final do torneio.
O modo escolhido pelo diretor para retratar o jogo entre os times Geração e Juventude faz engrandecer os atletas, utilizando ângulos que se originam de baixo, tornando-os tão míticos quanto as figuras dos ídolos que se tornam estátuas. Outro enquadramento comumente usado envolve o andar dos jogadores em campo, com a câmera como espécie perseguidora dos passos dos atletas.
A experiência visual proposta é visceral e emocionante, visa enquadrar o público dentro de todos os detalhes do jogo, sepultando o velho sofisma comumente usado para criticar o futebol, contrariando a máximo de que “é apenas um jogo”, mostrando preleções, concentrações, o brado e a bateria da torcida, unindo esses elementos aos esforços de quem entrará em campo.
A relação simbiótica entre time e torcedores, perdida há muito pela necessidade de modernizar o futebol profissional, não conhece fronteiras dentro do campeonato de comunidades carentes, abrindo espaço assim para um outro futebol, para uma tradição há muito esquecida.
A mistura do discurso simples, dos instrutores técnicos humildes, baseado na pura motivação repleta de frases lugar comum, dão lugar a cenas intimistas, que exalam uma poesia típica do classicismo de um futebol mais antigo e condizente com os anseios do povo. A ode de Eryc Rocha é a um público mais humilde, ao geraldino e arquibaldo, ao torcedor de radinho de pilha que tinha no coração unicamente a paixão por seu time ou por sua seleção, e que tinha na pelota de domingo a sua diversão garantida. Campo de Jogo é um filme tocante, mas também possui um caráter de denúncia e repúdio a elitização do esporte que sempre foi uma manifestação popular, fugindo de qualquer panfletarismo barato.
Segunda parte da trilogia sobre a existência, Vocês, Os Vivos também é regida por Roy Andersson, mas tem seu formato diferente do anterior, Canções do Sétimo Andar, a começar pelo fato das cenas serem vinhetas realizadas sobre filmagem estática. Os pedaços do roteiro de Andersson envolvem a aleatoriedade da vida que, em uma análise visto o produto final, faz um sentido narrativo maior, ainda que os significados das 57 esquetes sejam únicos em si.
As semelhanças com a primeira produção estão na métrica de explorar a alma do homem por meio de situações grotescas, valendo-se de arquétipos humanos comuns, repletos de defeitos, que visam democratizar a face estranha da humanidade a um modo universal. Um dos elementos escolhidos para estabelecer a narração no roteiro é o uso indiscriminado da trilha sonora incidental por vias de um modo semelhante aos musicais clássicos.
O caráter agridoce neste é mais presente do que a felicidade indiscutível que normalmente permeiam os musicais famosos. A temática abordada envolve elucidações com a vida, morte, solidão, desprezo, doença, volúpia e amores não correspondidos, sempre com um aspecto visual que flerta com estranhamento ou que se baseia nessa sensação, uma vez que as personagens são enquadradas em um perfil estético normalmente distante do pregado pelo cinema comercial norte-americano.
A variação entre personagens, quase nunca nominados, apesar de evocar situações inexoráveis a rotina do homem, também produz uma forte dose de enfrentamento, seja no visual da nudez ou nos diálogos travados nas cenas onde a erotização é a tônica. Mesmo estas cenas de cunho sexual, além de desafiar o conceito de erotização ocidental, apelando para fetiches, também transcorrem em meio a discussões sobre finanças, em um paralelo nada sutil da velha discussão sobre a capitalização da sexualidade e da banalização do coito em detrimento da moeda e do que o capital produz.
A escolha estética de Vocês, Os Vivos inclui ao final uma pequena parcela de cenas de jovens, interagindo entre si em um momento onde a sexualidade deveria aflorar, pós casamento, ainda que a localidade temporal não seja exatamente uma noite para as núpcias. Os momentos que seguem a vinheta final fazem referência ao vazio existencial em que o homem pode se inserir através de uma passeata de pessoas e eventos grotescos, frutos do mundo e universo pensado por Andersson que, em análises herméticas, representam o cenário comum aos homens atuais.
Obra de Joshua Oppenheimer, O Peso do Silêncio é um documentário sobre uma família destruída pela violência na Indonésia, graças a repressão da Ditadura Militar e da automática associação de opositores ao comunismo. A esteira do longa evidentemente faz lembrar o filme anterior do diretor, O Ato de Matar. Além de ter sido captado ao mesmo tempo, contendo cenas igualmente fortes, a trama narra os fatos através das vozes dos que sofreram o mal agouro, dos vitimados do mesmo núcleo familiar.
A carga de humor sarcástico é utilizada para desconstruir a paranoia típica da Guerra Fria usada para justificar os mesmo abusos à população que ocorreram também no Brasil, ainda que em registros de mortes, os indonésios tenham números muito mais assustadores que os brasileiros. Usa-se um tempo demasiado focando em crianças tendo aulas, para grafar na mente do público o quão nefasto e digno de repúdio foi esse período no país, afetando-o até a atualidade em muitos de detalhes governamentais do atual presidente Joko Iododo.
Os detalhes das torturas são encenadas por homens despreocupados, com um estilo parecido com o antigo documentário proibido no país Brasil: Um Relato de Tortura, ainda que o espírito seja o completo inverso, já que não há pesar ou trauma da parte de quem reinventa esses passos. Os olhos de Adi, um oculista e principal depoente do longa (que teve seu irmão vitimado) é de completo desprezo por quem quer que compartilhe dos ideais da época, especialmente dos que falam abertamente sobre o Regime como uma época gloriosa.
Sua abordagem é a de receber os homens que praticaram os atos de guerra com a desculpa de realizar exames de vistas, para, enfim, confrontar os demônios do passado. A reação dos entrevistados transita da vergonha ao contínuo desprezo pelo esquerdismo, achando-se ainda donos da certeza e razão, como defensores de uma pátria que tem na moral o seu norte.
A escolha da tradução brasileira não poderia ser mais simbólica (No original, The Look Of Silence, O Olhar de Silêncio), pois todo o conteúdo de discussão deste documentário acontece sobre a desfaçatez de quem impingiu mal e foi incapaz de assumir seus erros e perceber a quantidade enorme de injustiças ocorridas devido a um viés ideológico extremamente opressor, cujas consequências prosseguem ainda atuais e enérgicas. Sobra sentimentalismo no documentário, mais uma vez ultrapassando a barreira de mero exercício documental, para também tocar seu público, em um experimento bem sucedido em essência.
Dando sequência a narrativa de A Entidade, produção de 2012 com Ethan Hawke no elenco, a abertura deste novo filme mantém o conceito do anterior ao apresentar uma cena de assassinato ritualístico como primeiro impacto, demonstrando que ambos os são parte de um mesmo produto.
A trama de Entidade 2 tenta fugir da repetição da formula anterior desenvolvendo um personagem central em paralelo com a nova família que será perseguida pela divindade sobrenatural. O detetive (James Ransone), presente na primeira história como um coadjuvante que ajuda o escritor Oswalt (Hawke) em sua pesquisa, retorna para dar continuidade as investigações a procura de descobrir quem é a figura misteriosa presente em diversas cenas de crime. Reconhecendo estar diante de uma entidade sobrenatural, o ex-policial tenta romper a maldição destruindo as casas que foram palco dos assassinatos e, em uma delas, encontra Courtney, uma mãe solteira que foge de um marido agressivo com seus dois filhos gêmeos.
Mesmo evitando a repetição temática, o roteiro cai em outra armadilha do gênero ao ampliar a mitologia do personagem sobrenatural apresentando um grupo de crianças mortas que dialogam com os gêmeos da moça. São eles que convidam os garotos a assistirem os filmes com os assassinatos anteriores para iniciá-los. Porém, os filmes apresentados são diferentes daquelas da primeira produção, bem como o projetor que os exibe, fazendo-nos inferir que se trata de uma outra entidade, ou um grupo da mesma entidade, ou de um ser capaz de trabalhar simultaneamente em sua sede de almas juvenis.
O referido Boggie Man nem mesmo aparece em cena, como se esta produção fosse um roteiro de terror genérico adaptado para esta sequência como chamariz do público, afinal, um produto já conhecido anteriormente tem sempre maior aceitação do que um inédito. Se na primeira história o escritor investigava e descobria o ser sobrenatural, nesta, a qual o público já o conhece, as crianças são o fio condutor que leva até a entidade.
Além de apresentar incongruências quanto à linha temporal destes assassinatos, um fato bem fundamentado anteriormente, a ampliação da mitologia exagera ao colocar como padrão outros elementos além dos explorados. Uma situação que faz um rádio com uma gravação antiga surgir em cena para provocar sustos, demonstrando como esta nova história parece um produto qualquer que foi formatado para se tornar uma sequência.
Como também acontece com continuações, as mortes se tornam mais elaboradas. Os vídeos assistidos pelas crianças trazem mais violência e tortura nas mortes e, embora tais encenações sejam eficientes e assustadoras, contém uma incoerência natural se refletirmos como tais mortes foram feitas, filmadas e nunca houve nenhuma investigação a respeito.
A tentativa de fugir do conceito da primeira produção traz um argumento levemente modificado que falha por suas incoerências em relação aos fundamentos da primeira história. Sem a presença de nenhum grande ator, A Entidade 2 se beneficia somente pelo pouco prestígio que conquistou anteriormente mas é incapaz de assustar um público que sabe em quais momentos surgirá picos de tensão.
Adaptado de modo bastante fiel, Macbeth: Ambição e Guerra tem seus méritos em conseguir transpor em tela uma versão do clássico de William Shakespeare, ainda que seus acertos não ocorram necessariamente graças à direção de Justin Kurzel, que faz um trabalho interessante organizando todos os bons fatores do longa, deixando claro o quanto a trama de glória e sangue é importante para o imaginário popular e o quão atual ela pode ser.
Desde o começo da pré-produção, os holofotes estavam sobre a dupla de intérpretes destacando o militar e personagem-título interpretado por Michael Fassbender, enquanto Lady Macbeth é vivida por Marion Cotillard. Tais personificações beiram a perfeição, fator que rivaliza com a bela direção de arte e fotografia utilizando tons vermelhos como as características positivas do filme. A construção deste tripé – arte, atuações e fotografia – fazem de toda a poesia e lirismo do texto teatral algo belo, visto poucas vezes em adaptações de peças.
A violência gráfica se faz presente, mostrando influências de Kurzel indo desde a filmografia de Mel Gibson enquanto diretor – principalmente em Coração Valente, na estética, e em A Paixão de Cristo, na emoção – além de fortificar os momentos canônicos do argumento original. O sangue se mistura com a ambição, resultando em uma amálgama que emula o drama até a atualidade, ainda que todos os méritos dessa atemporalidade fujam completamente ao trabalho do realizador, uma vez que Macbeth só foi refilmado graças ao bom texto do dramaturgo.
No entanto, a complexidade passa longe dos esforços dos produtores. A fidelidade, que normalmente é um aspecto elogiável neste tipo de fita, soa covarde e conservadora, uma vez que, do ponto de vista da história, pouco ou nada se acrescenta. O filme é monotônico, soando repetitivo graças à reverência exagerada da parte do cineasta.
A despeito de suas muitas qualidades positivas, a produçãoperde atração graças ao ritmo complicado, não tão grave quanto em alguns de seus pares recentes, tanto nos dramas épicos, como em filmes históricos semelhantes na ambientação da Idade Média. A escolha por manter intactos os diálogos é comum a outros tantos filmes shakesperianos, e poucas vezes faz tanto sentido como neste. Mesmo com tanta verve e sentimento, falta um elo sentimental entre o espectador e a obra, mesmo com a bela apresentação de Sean Harris e seu McDuff, o que é uma pena, já que o filme gerava uma expectativa enorme em seu entorno, resultando em uma obra mediana.
Se valendo da recente zumbiexploitation e apelando para uma qualidade de humor leve poucas vezes tão bem construída, Como Sobreviver a um Ataque Zumbi começa anedótico e escrachado, com uma introdução mostrando o início da contaminação, em um hospital, debochando do conceito de marco zero, geralmente usado em teorias relacionadas ao apocalipse dos mortos vivos.
Christopher Landon organiza seu filme a partir de uma premissa simples, utilizada ao extremo nos últimos anos, que guarda em si um número enorme de fracassos. A jornada do herói acompanha o trio de amigos, e escoteiros desde a infância, Ben (Tye Sheridan), Carter (Logan Miller) e Augie (Joey Morgan). Motivos de piada, Ben e Carter tentam fugir do acampamento para ir a uma festa secreta a procura de garotas, esforço ocorrido apenas para perceber que a cidade está infestada pelos mortos errantes.
Todos os aspectos que lhe são proibidos graças a pouco idade, passam a não ser mais alvos de transgressão. Se em Despertar dos Mortos, Romero aludia a prisão do homem junto ao capitalismo selvagem, Como Sobreviver a um Ataque Zumbi serve de símbolo de libertação sexual para os adolescentes, claro, sem apresentar qualquer seriedade em sua proposta. O primeiro destino da dupla é um bar de striptease, onde o intento de ver moças nuas não é totalmente alcançado, ainda que a valia da visita garanta a eles a ajuda da voluptuosa garçonete Denise (Sarah Dumont), que ruma junto a eles na direção de uma possível saída daquele pandemônio.
A coleção de clichês relativos aos personagens é completamente ofuscada diante das gags cômicas sexuais absurdas, que brincam principalmente com os hormônios em ebulição dos rapazes. Mesmo o uso de estereótipos é funcional, vide a cena da invasão da casa de uma senhora dos gatos, incluindo aí o ataque de felinos zumbis.
Há até um cuidado da produção em usar poucas armas de fogo, predominando armas brancas e bugigangas improvisadas, semelhantes as usadas pelos irmãos Gecko em Um Drink no Inferno. Tal aspecto parece bobo, mas demanda uma preocupação com a lógica, ainda que a ideia do longa seja fazer troça com o conceito pop dos zumbis. A classificação indicativa alta é devido a violência extrema, já que mesmo aplacado pela aura de comédia, há muito do gore, além das citadas referências sexuais.
O resultado final de Como Sobreviver a um Ataque Zumbi é uma fita repleta de carisma, piadas inteligentes e repleto de celebridades como David Koechner, cujas situações não soam forçadas, por mais inverossímeis que possam parecer, com fatores que causam riso na platéia amarrados sob uma égide sacana, semelhante aos melhores e mais inspirados momentos de franquias como Porkys, American Pie e Picardias Estudantis, servindo como uma ótima paródia de um tema que se tornou tão popular nos últimos anos.
Fruto da parceria entre Frank Sinatra e o diretor George Sidney, iniciada no clássico Marujos do Amor, a trama do musical Meus Dois Carinhos é simples, baseada no velho drama de ascensão social via malandragem. Sinatra vive Joey Evans, um bon vivant desprovido de dinheiro que consegue um emprego como showman em uma casa noturna bem mais respeitável que seu repertório de cantor de segunda categoria. O novo ofício põe o principal talento do intérprete à prova, em cenas ainda mais primorosas que o capítulo inicial do trabalho destes dois homens do cinema.
A produção é adaptada da peça musical de mesmo nome, Pal Joey, e põe Evans para exercer sua lábia de sujeito mulherengo para tentar estabelecer um triângulo amoroso, a começar por sua interação com a bela corista Linda English (Kim Novak) e com a socialite, viúva e voluptuosa Vera Prentice-Simpson (Rita Hayworth), que desperta nele interesses ainda maiores dos que a simples vazão de seus impulsos sexuais.
Hayworth era a figura com mais cachê do filme, fato isolado nas produções com Sinatra pós A Um Passo da Eternidade. Curiosamente, Meus Dois Carinhos é considerado por grande parte da crítica como o filme definitivo do ator, o ponto de partida para o brilho cinematográfico em paralelo ao sucesso já instalado na música. De fato, há um trabalho dramatúrgico bastante forte do intérprete, comparável em inspiração anterior somente a O Homem do Braço de Ouro.
O desenvolvimento do roteiro prioriza a sedução lenta e gradual. A persona de Joey é carismática, mas seus encantos ganham a atenção de Simpson de um modo vagaroso, como nos romances clássicos. Entre agressividade e desejo que ocorre o primeiro enlace entre ambos, escondendo uma intenção escusa do protagonista, movido pela ganância e enriquecimento próprio.
O decorrer da fita, em 1957, mostra uma discussão involuntária sobre o machismo, proveniente do comportamento do protagonista ao ver um de seus dois amores se exibir para uma platéia, ávida por ver a carne desnuda de English no auge da forma. A demonstração do ciúmes em uma figura tão desprezada por ele serve de paralelo com algo comum a sua época. O roteiro pontua a atitude como abusiva, surpreendendo o seu espectador por dar vazão, ainda que timidamente, a este tipo de discussão.
Joey é um figura repleta de contradições, nuances e desejos que dificilmente seriam alcançados. Tanto no anseio por abrir sua casa noturna personalizada, quanto a fantasia poligâmica presente em seus desejos. Apesar do desfecho aparentemente feliz, a trajetória do herói é mais próxima do agridoce, mostrando de maneira leve que as suas ações tem como resposta reações intempestivas e frustantes por parte do destino, que certamente teria um desfecho mais agressivo não fosse esta uma obra musical. Ainda assim, contestatória para os padrões de sua atualidade e simpática para as plateias mais conservadoras.
O terror psicológico se tornou a principal demanda no gênero de terror no cinema americano, com uma gama de lançamentos anuais que transitam pelo mesmo tema de sustos fáceis com argumentos semelhantes entre si. Dirigido por Scott Derrickson, cuja carreira é predominantemente dedicada ao gênero com Lenda Urbana 2, O Exorcismo de Emily Rose e uma sequência de Hellraiser no currículo, A Entidade obtêm certo destaque devido a presença de Ethan Hawke.
Na trama, Ellison (Hawke) é um escritor de romances policiais baseados em casos reais de assassinato. Há anos sem lançar um best seller, o autor se muda com a família para um casa que foi palco de um crime. No sótão da casa, descobre antigos rolos de filmes com rituais de assassinato em que um estranho símbolo está presente em todas as cenas.
A primeira metade da produção se desenvolve mais próxima de uma investigação com um escritor a procura de seu novo romance de ficção explorando uma série de crimes interligados. A história que entrelaça-os é bem conduzida pelo estranhamento da situação e os registros antigos de cada crime, possibilitando uma boa trama policial se esta fosse a intenção. Como se trata de um filme de terror, o espaço para o misticismo entra em cena ao abordar um deus pagão da Babilônia que se alimenta da alma de crianças.
Com um figurino que não deve nada a um vocalista de Death Metal, a personagem é inferida para causar o medo sobrenatural na trama, uma entidade de condução que surge aos poucos até arrebatá-las, dando margem para as cenas padrão de portas se movimentando, crescente paranoia da personagem central até o momento dramático das mortes.
A produção demonstra que o cinema de terror atual está longe de preferir predadores reais mesmo que o argumento possa ser crível para tal – um assassino serial ou uma seita assassina, por exemplo. A tendência evidencia que é preferível inserir elementos mitológicos e malévolos para que o medo venha do desconhecido que deturpa a realidade. Até mesmo a execução das fitas antigas é outra tendencia atual, fazendo dos registros amadores uma espécie de plot twist, revelando assassinatos, possessões e afins.
Como o impacto é sempre necessário, a trama fecha seu enredo mas também insere um possível argumento para uma sequência, um plano estabelecido para, caso o público receba bem a produção, seja mais fácil realizar um segundo filme.
A era de ouro… Quando Hollywood era mais Hollywood, os filmes mais Cinema e menos como a linha de montagem exibida em Tempos Modernos; tudo na América era digno de celebração e orgulho, e a sociedade do espetáculo crescia. O próprio americano confiava mais em seu país e nos valores da nação do que hoje em dia. Se hoje os EUA ainda ostentam a imagem de grande pátria, são filmes como Marujos do Amor a chave para essa reputação de país heroico e impávido colosso. A glória tinha mais pompa: As cores, mais vibrantes; tudo parecia ser mais original (o que, a bem da verdade, não era tanto assim) e os filmes de estúdio, rodados em grandes cenários, começavam a ganhar o mundo. Foi nos triunfos de John Ford e companhia que Hollywood se sabotou, aos poucos, com seu próprio estilo faraônico do fazer cinema consumindo suas eras, suas divas, seus astros e seus valores. O entretenimento era mais puro, e a inocência na tela, como muitos diálogos de Marujos nos faz lembrar, era aquilo que comandava o show.
O gênero musical é a síntese dos anos trinta ao cinquenta, afinal o cinema tinha que alegrar o mundo enquanto a 2º Guerra explodia. As moças ainda não usavam jeans e os homens não tiravam seus chapéus nem se fosse pra dançar. Também era comum os musicais apresentarem uma metalinguagem simples, (um filme dentro de outro) ainda sem se aprofundar no subtema. Nunca, e repito: nunca o cinema soube marcar tão bem uma época, ainda refém dos costumes do século 19, estilizando (com uma grande liberdade artística de expressão) figurinos e ambientes inesquecíveis. Nem mesmo Fellini resistiu a moda dos grandes cenários e rodou em 1973 seu Amarcord, uma das melhores comédias da história, numa cidade de mentirinha. A própria composição visual do filme de 1945, de George Sidney, é de cair o queixo. As cores fazendo jus a fama da época, remetendo a paleta usada anos depois nos filmes de Nicholas Ray e Michael Powell, outros dos argonautas das naus do passado.
Em Marujos do Amor até a luz da lua parecia mais brilhante, como quando os três principais personagens se encontram, numa sala de visitas, e as cortinas laranjas são cortadas por um luar azulado, no clássico estilo homenageado com primor em 2011 em A Invenção de Hugo Cabret. Nos idos que o país defendia suas forças armadas, um garoto quer entrar para a marinha, custe o que custar. E cabe a dois marujos, vividos por Sinatra e Gene Kelly, levar o garoto a mãe. A partir dai, os dois mulherengos e a dona de casa se envolvem em torno de temas apresentados com uma naturalidade deliciosa, irreverente, mas com números musicais pouco inspirados e que, apesar da técnica, não chegam aos pés dos pés de Kelly e da diva Jean Hagen, em Cantando na Chuva (1952).
“Quer dançar? Quer dizer… eu gostaria se você quisesse, também.”
O filme acaba sendo um ensaio para um musical muito menor, mas melhor: Um Dia em Nova York, onde Kelly e Sinatra se juntam, de novo, para fazer quem não gosta do gênero, passar a gostar. Todavia, é no inofensivo e romântico Marujos do Mar, com um forte pano de fundo político para os mais atentos, aonde as cores têm mais tons, são mais quentes, mais vivas, e o visual exala um equilíbrio, uma leveza e um frescor despretensioso que os romances perderam ao longo do tempo. Ficou na memória, ou melhor: gravado em celuloide. Mas tudo se torna irresistível a medida que Gene Kelly, a lenda da dança, permeia um número ao lado deJerry, o ratinho,e outros desenhos animados. Uma cena fantástica que resume a essência (e a magia) do filme inteiro.
Fato é que a música, sendo a alma de um filme, torna-o um delírio, uma representação aumentada da realidade, e também nos faz amá-lo mais rápido, como bem canta Sinatra num solo de piano. Divertidíssimo, e simpático, o filme, marco de uma época, é a típica obra de estúdio que tenta agradar a todos, como quando os dois marinheiros, orgulhosos por serem quem são, tentam afastar um pretendente da mãe do garoto para preservar a mulher e competir apenas entre si por ela. Incrível como, antes, homens procurando por damas sob o luar não significava sexo, mas beijos, cantoria, jantares à luz de vela e romance – talvez até uma serenata, com sapateado completando a proposta divertida dos musicais; os musicais de era de ouro! Um charme incontestável.