A mensagem é simples: o homem moderno está cercado, sitiado pelo o que ele próprio criou. Suas tecnologias(n)os abraçam como a cerca viva que envolve os muros de nossas casas vigiadas. Essa constante vigilância nos absorve e passa a ser inevitável, inerente, inclusive, formando nossa expectativa quando o assunto é segurança particular. Mesmo assim, se a afirmação acima ainda não se confirmou quanto ao nosso estado de sítio tecnológico, nossa dependência por uma aparelhagem onipresente já é atual e pode nos levar a isso em um futuro muito próximo. Cada vez mais especialistas em tecnologia, com Stephen Hawking sendo o mais famoso deles, nos alertam para isso enquanto fingimos que está tudo bem, dia após dia, e que nada nos levaria a uma situação igual a de 1984, clássico literário de George Orwell.
De qualquer forma, isso não está longe de acontecer se no mundo real em que vivemos, um filme como Buscando…, de Aneesh Chaganty, pudesse, de fato, acontecer com qualquer um de nós. Vide o costume que temos de tampar as câmeras de nossos computadores para não sentirmos a sensação de encarceramento das nossas ações por um voyeur, um peeping tom quieto, estranho e manipulador longe de nós (fisicamente), mas que acompanha cada ato nosso, registrado ou pelo olho frio e mecânico que tudo vê, ou pelos dados que deixamos, internet afora. No filme de 2018, uma boa surpresa para os amantes de um bom suspense construído sem pressa, é proposta ao espectador uma revitalização de A Tortura do Medo, o ótimo e antigo filme de Michael Powell. Estamos falando sobre privacidade, e se antes o psicopata caia de fato às vias do assassinato, aqui a tortura está no desespero que surge por estarmos 100% conectados, e por sofrer as consequências disso na própria família
Na trama, o pai David Kim, após testemunharmos a perda de sua esposa e o crescimento de sua filha, sempre pela ótica do digital, dos computadores que armazenam a história da família inteira por fotos e vídeos deixados à mercê dos silenciosos e perigosos invasores digitais, nota que sua filha sumiu, e no contato com quem desrespeita a privacidade alheia, descobre que sempre viveu um big brother não-oficial de sua vida desde que o mesmo começou a usar a internet. Vimos, a partir disso, a construção climática e muito bem desenvolvida pelo roteiro original de uma paranoia justificada pelo desaparecimento da garota universitária que some sem deixar pistas, exceto as que o pai recolhe pelo caminho, sedento por informações e por pistas dentro e fora do ambiente online. O ator John Cho, famoso por trabalhar na nova Enterprise do Star Trek de J.J. Abrams, mostra-se um ator cada vez mais versátil em diversos gêneros, sendo esta sua melhor atuações num compêndio de cenas mais que intrigantes, debatendo-se em meio a impunidade que surge de conflitos imprevisíveis, e regidos pelos fundamentos da nossa relação contemporânea com a tecnologia.
Na verdade, a surpresa em Buscando… ocorre não só pela sua história,essa muito bem explorada, mas pela Forma, com F maiúsculo,de como ela é contada, sendo essa a verdadeira espinha dorsal narratológica do filme – assim como A Bruxa de Blair, sendo o falso documentário que é, e a estrutura episódica dos filmes de Quentin Tarantino formando seus filmes, tornando-os o que eles são. Isso remete as próprias palavras do próprio Vladimir Maiakovski, poeta e dramaturgo russo, que “sem forma revolucionária, não há arte revolucionária.”. Uma mensagem que no filme é transmitida pelo uso (na recriação do ambiente digital) de interfaces do Facebook, Skype e de vários outros locais, numa direção de arte imersiva e que controla nossa atenção de forma 100% perturbadora no decurso da investigação incansável de Kim, o que o leva a conhecer novos lados da menina que viu crescer, e que mesmo assim, percebe que não conhecia por completo.
A premissa, portanto, é ancorada na própria base de qualquer suspense que se preze, e revestida por uma embalagem que cheira a algo novo, por mais que verdadeiramente isso não seja uma verdade – na primeira temporada de House of Cards, por exemplo, a forma como as mensagens de celular era mostradas influenciou muitas séries, algo perceptível aqui, também. Mesmo assim, poucos filmes até hoje usaram de forma tão esperta e envolvente a linguagem, a lógica e o visual comunicacional online em prol de uma tensão constante, e que jamais foge disso, sendo fácil prever a influência disso em futuros projetos cinematográficos. Difícil mesmo é, após essa sessão, acessar o Facetime, ou fazer uma vídeo conferência e não refletir, nem que seja por um segundo,sobre como podemos usar nossas ferramentas modernas tanto pro bem quanto para o mal, afinal estamos falando de vias de acesso – e na ponta dos nossos dedos. Para onde, e para o quê, é uma outra questão,e tão bem tratada numa das melhores surpresas de 2018.