A primeira cena do documentário apresenta uma família normativa, com uma mãe amorosa respondendo os anseios da filha, ajudando-a com um computador cor de rosa, que remete a uma infância feliz e idealizada, livre de qualquer controvérsia maior do que o escopo conservador do americano médio pode ter. A rotina vivida pela mulher focada pela câmera é a mesma de muitos dos que se aposentaram da indústria de filmes adultos, de pessoas que serviram de inspiração para muitas fantasias voluptuosas de pessoas comuns, cujos gostos variam absurdamente.
A ascensão destes profissionais ao “mundo real” quase sempre é traumática, uma vez que os mesmos que consumiam seus produtos, refutam a presença das pessoas dentro do mainstream, sofrendo a dura repressão do conservadorismo exacerbado, que normalmente esconde a hipocrisia latente. A escada emocional que a trajetória destes exibe é uma fama efêmera, em um momento em que são os artistas tratados como deuses, correspondendo a cada pulsão e tensão sexual do homem, para logo depois ser lançado a um limbo existencial, que ou os exclui ou os trata como lixo. Todo esse ideário é exibido com menos de um quarto de hora.
Uma faceta assustadora se demonstra nos contos de fãs dos filmes hardcore, com revelações de tentativas de estupro e demonstrações de violência física ou ameaça destas, impingidas principalmente sobre as atrizes mais famosas. A cultura do estupro se manifesta também no pensamento do estadunidense, fortificada pelo uso contínuo da deseducação geral, acompanhada ou não de drogas, que facilitam o pior da alma e mentalidade a aflorar, claro, somente revelando o que já habita suas combalidas e torpes consciências.
O mundo normativo costuma excluir aqueles que por motivos mil não se enquadram no padrão de moralismo, especialmente os que tem a vida sexual ativa desde cedo. A indústria pornô serve como um norte para muitas dessas pessoas, e a conclusão é tirada após falas das celebridades do meio, como Amber Lynn, Mary Carey, Asia Carrera e tantos outros. A origem em clubes de strippers e de gravidez indesejada são terrenos profícuos para uma pré-vida pornográfica, sem falar da óbvia fonte vinda da prostituição. A tendência de uma rotina de exageros e uso contínuo de drogas é fortificada por alguns dos entrevistados, que até destacam que em muitas outras profissões isto é comum, mas que nesse gênero, é quase uma regra, dada a rejeição extrema que estas pessoas sofrem, além do desesperador conceito de ter sua intimidade exposta, para uso alheio, tendo como retribuição a pecha de que o que elas praticam é na verdade um crime, aos olhos dos pregadores da moralidade.
Em determinado ponto, até por condições financeiras paupérrimas, datado do avanço da internet, muitos dos atores veteranos precisaram sair, por perder espaço e por ter dificuldades em equilibrar as contas, uma vez que o cachê passaria a cair em consideração ao número de horas em que estariam expostos. A fuga era quase sempre malfadada, encontrando a maioria refúgio em ambientes religiosos, que aparentavam ser sensíveis às suas necessidades monetárias e emocionais.
Assim que se retiram do ambiente fechado dos filmes XXX, os atores são massacrados pelos mesmos que se masturbavam com eles, em uma vingança puramente invejosa e falsamente ideológica, de quem tem dificuldades até em se aceitar, por isso, persegue aqueles que um dia lhe propiciaram prazer. A equação proposta pelo diretor Bryce Wagoner mira em múltiplos possíveis culpados, sem decidir enfim qual é pior, o trabalho pornográfico ou os consumidores, elevando a vítima somente os profissionais que tem sua carne e ideias expostas, pois suas imagens invariavelmente estarão associadas a uma prática que prossegue vista de modo satânico.
Aos entrevistados, o que resta são as famílias que construíram, quando muito, já que a pele deles é tão falha e sujeita a doenças mortais, desde as DSTs até câncer. Incrivelmente, após tantas lágrimas, a maioria dos depoentes exibe vidas corriqueiras inspiradoras, com herdeiros que a abraça, ao contrário do que os progenitores fizeram. O paradigma apresentado ao final da montanha russa emocional presente em After Porn Ends é até otimista, ante todas as desgraças mostradas em tela, fechando de modo agridoce a fita polêmica, que discute o quanto o sexismo é prejudicial ao espírito humano, em um retrato de uma faceta comumente ignorada na pós-modernidade.