O repertório do franco-argentino Gaspar Noé é repleto de filmes símbolos de transgressão, desde o já considerado mainstream Irreversível até os poucos conhecidos curtas-metragens Sodomites e Carne. A nova expressão de sua arte se inicia de maneira poética, usando o sexo – mais uma vez – como ponto de partida, em uma intensa demonstração sexual levada pela música instrumental, realocando o ideal de Kubrick em 2001 – Uma Odisseia no Espaço em termos bem mais carnais, já que Love 3D se trata estritamente disto: carne.
Murphy, vivido por Karl Glusman, é um homem cuja rotina o esmaga, tendo o seu cotidiano como principal algoz. Apesar da proximidade com sua bela esposa Omi (Klara Kristin) e seu herdeiro recém-nascido, falta-lhe algo, logo explicitado através de um estranho telefonema, que o faz se imaginar em um momento diferente de sua vida, quando dava muito mais vazão aos seus instintos mais básicos.
O desaparecimento de Electra (Aomi Muyock) causa no sujeito sensações primordiais, não de preocupação comum relativo a uma estranha ligação que anuncia o sumiço de alguém querido do passado, mas sim de vazios de espírito causados pela rejeição que sofreu anteriormente. Os flashbacks são orquestrados de uma maneira inusual, com episódios espaçados que mostram os motivos plenamente cabíveis em relação ao ciúme e à completa entrega emocional pela qual passa Murphy. Transitando por momentos em que uma relação completamente abusiva é mostrada em tela, esses pecados se tornam uma via de mão dupla, tanto protagonizados pelo homem quanto pela mulher em ambos espectros temporais, já que o ânimo incorre sobre o pretérito e o presente do protagonista.
A sexualidade ultrapassa a tela, exibindo os corpos contorcidos interagindo sem pudores, sentimentalismo barato ou pieguice. O traço comum a quase todas as cenas que envolvem o sexo é a presença de sentimento, da necessidade que o personagem principal tem em pertencer e se sentir pertencente a alguém, associando a libido necessariamente à presença do amor, resultando, assim, em uma visão completamente parcial e restritiva do modus operandi do homem.
O roteiro não tem como prioridade explicar o quanto uma relação pautada em ciúmes pode ser abusiva, até por não ser do feitio de Noé ser tão catedrático, explicativo ou moralista. Sua exposição é de pele e de sentimentos, não de valores arcaicos. A definição do que é ou não permissivo fica por conta do espectador que, como voyeur, assiste a um sem número de transas, brigas e vazios existenciais e de discurso. Murphy é como uma tela em branco, que reproduz só instinto, e que se frustra por em um determinado ponto da vida ter optado por seus neurônios, e não hormônios.
O comentário metalinguístico, ligando o cinema ao registro do amor sexual presente no desejo de Murphy, soa pretensioso em alguns momentos, especialmente pela ausência de curvas dramáticas na obra. A expectativa em relação a Love 3D é que o filme fosse muito além do que seu primo temático, excedendo a questão de Ninfomaníaca: Volume 1 e Ninfomaníaca: Volume 2 a níveis mais profundos e viscerais, como antes fez Noé. Em determinado ponto, a trama do longa cresce, mas não o suficiente para mergulhar mais fundo do que o filme de Von Trier, já que o sueco consegue tocar em questões graves de mente e alma, enquanto aquele envolve apenas o segundo elemento, se tornando “apenas” um ensaio sobre o saudosismo erótico, repleto de ótimas cenas que mais enfeitam do que acrescentam. Até há um comentário interessante, entre as diferenças de pensamento em termos de cinema, vista no embate de estadunidenses e franceses, inteligente por sinal, mas muito pouco perto de todo o potencial.