Brincando com a fronteira nada espessa entre a realidade e o mundo imaginativo que um conto fantasioso produz na cabeça das crianças, o filme de Tom Moore remonta uma antiga lenda, sobre longevidade e vida após a morte, usando como heróis dois infantes: o menino Ben (David Rawle) e sua irmã caçula Saoirse (Lucy O’Connell) que, já no prologo, ficam órfãos de mãe, restando somente sua figura paterna e seu cão como companhia em sua casa abeira da praia.
A perda da mãe não deixa o pequeno Ben impune, gerando no rapaz de madeixas alouradas uma forte rebeldia, representada por travessuras e peripécias em horas inoportunas, além de provocar um instinto de agressividade, cuja principal vítima é sua irmãzinha. A carência e a impossibilidade da promessa de estar sempre junto a sua mãe causou um vazio manifestado na tristeza e consequente violência verborrágica, de certa forma incapacitando-o para ter as mesmas experiências sensíveis que Saoirse tem com mamíferos marinhos locais.
Essas focas representariam lendariamente os humanos que partiram muito cedo. Saoirse não tem qualquer receio de conviver com os animais da encosta, nadando com eles mesmo durante a noite e a madrugada, tornando-se uno com tais animais em cenas belíssimas que remetem ao instinto pueril de seu inocente coração, distante das preocupações e desagrados típicos do cotidiano adulto. No entanto, o mundo real interfere diretamente no cotidiano das crianças que, após a incursão da menina ao mar, são levados por uma parente para um lugar distante da companha de seu deprimido pai, do seu cachorro e das focas que tentam acompanhar os viajantes pela costa marinha.
Logo, as duas crianças decidem se aventurar para retornar ao lar original, travando contato em seu caminho com criaturas mágicas, chamadas de selkies que guardam semelhanças e parentescos com as fadas. Ben encontra seu cão no caminho rumo a aventura, mas sua irmã adoece, mostrando uma mecha grisalha, o que o faz acreditar que ela também é uma selkie.
O tratamento dado ao mundo mágico mistura elementos sobrenaturais e temas comumente discutidos por adultos, como o além vida e que no roteiro de Moore e Will Collins são tratados delicadamente, em atenção ao público infantil, mas sem fazer qualquer concessão moralista ou preocupada com rumos não polêmicos de trama. A trilha sonora ímpar dá a trama um clima de orquestra, tonificando a mensagem repleta de desapego e superação das perdas irremediáveis da vida, montando um quadro belo, emocional e repleto de cores que glorificam a infância e seus dotes.
Tanto essa animação e “O conto da princesa Kaguya”, mereciam mais o Oscar do que quem realmente ganhou, pena que não tem o lobby de uma Disney ou Dreamworks da vida.